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O nascimento da clinica PDF

129 Pages·2004·7.117 MB·Portuguese
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o NASCIMENTO DA CLiNICA MICHELFOUCAULT o iniciodosEkulo XIX assinala 0 momenta em que a medicina, criti cando seu passado e parajustificar sua originalidade, se apresenta co mo medicinacientifica, 1 Comocaracterizaressatransfor mac;aofundamental naorganizac;:ao do conhecimento medico e de sua o pratica? Michel Foucault procura NASCIMENTO DA CLiNICA responder a essa questao demons trando quearupturaqueseproces' sou no saber medico nao e devida basicamenteaumrefinamentocon a ceitual, nem utilizac;:ao de instru mentos tecnicos mais potentes, masaumamudanc;:aaoniveideseus ! objetos,conceitosemetodos.0 no vo tipo de configurac;:ao que carac I terizaamedicinamodernaimplica0 surgimentodenovasformasdecon hecimento e novas praticas institu cionais. Aoniveldasinterrelac;:6esconcei tuais aargumentac;:aoeclara: ame dicinaclassicaestaparaamedicina modernaassim como a historia na tural estapara abiologia.Seaciem cia dos seres vivos possibilita uma MICHEL FOUCAULT o Nascimento da Clinica TradW;M de ROBERTO MACHADO FORENSE-UNIVERSITARIA Rio de Janeiro Primeira edi~ao brasileira: 1977 Traduzido de: Naissance de la Clinique SUMARIO Copyright@ 1963, Presses Universitaires de France PREFACIO .. VII Capitulo I Espa\:Os e classes 1 Capa de: Leon Algamis Capitulo II Uma consciencia politica 23 Capitulo III - 0 campo livre 41 Capitulo IV - A velhice da clinica 59 Capitulo V - A li~ao dos hospitais 71 Capitulo VI - Signos e casas .. ...... ... 99 Capitulo VII - Ver, saber.. . ... .. ............. 121 Capitulo VIII Abram alguns cadaveres 141 Capitulo IX 0 invisivel visivel ..... 169 Capitulo X A crise das febres 199 CONCLUSAO . 225 Bffir,IOGRAFIA . 231 Reservados os direitos de propriedade desta traducao pela EDITORA FORENSE-UNIVERSITARIA Av. Erasmo Braga, 227 - Grupo 309 - Rio de Janeiro, RJ. Impressa no Brasil - Printed in Brazil PREFACIO Este livro trata do espago, da linguagem e da morte; trata do olhar. Em meados do seculo XVIll, Pomme tratou e curou urna histerica fazendo-a tomar «banhos de 10 a 12 hOtas pOl' dia, durante dez meses•. Ao termino desta cura contra o ressecamento do sistema nervoso e 0 calor que 0 con servava, Pomme viu «porliies membranosas semelhantes a peda~os de pergaminho molhado... se desprenderem com pequenas dores e diariamente sail'em na urina, 0 ureter do lado direito se despojar POl' sua vez e sail' pOl' inteiro pela mesma via•. 0 mesmo ocorreu «com os intes tinos que, em outro momento, se despojaram de sua tU nica interna, que vimos sail' pelo reto. 0 es6fago, a tra queia-arteria e a lingua tambem se despojaram e a doente lan~ara varios peda~os POl' meio de vomito ou de expec toragao».' E eis como, menos de 100 anos depois, urn medico percebe uma lesao anatomica do encefalo e seus inv6lu eros; trata-se d~s «falsas membra-nas» que freqiientemen te se encontram nos individuos atingidos POl' «meningite a cronica». Sua superficie externa aplicada lilmina arac n6id~ da dura-mater adere a esta lamina, ora de modo muito frouxo, e entao se pode separa-Ias facilment~, ora e de modo firme e intimo, e neste caso as vezes diftcil desprende-Ias. Sua superficie interna e apenas contigua a aracn6id~, com quem nao contrai uniao... As falsas mem branas sao freqiientemente transparentes, sobretudo quan do muito delgadas; mas habitualmente apresentam urna cor esbranquigada, acinzentada, avermelhada e, mais rara- 1. P. Pomme. Traite de8 affections vaporeuse8 des deux se:x;es, 4' edi~ao, Lyon, 1769, T. I, p. 60-65. L r mente, amarelada, acastanhada e enegrecida. Esta mate pareceram; foram antes deslocados e como que encerrados ria oferece quase sempre matizes diferentes segundo as na singularidade do doente, na regiiio dos «sintomas sub partes da mesma membrana. A espessura dessas produ jetivos» que define para 0 medico nao mais 0 modo do c;6es acidentais varia muito; sao, as vezes, tao tenues que conhecimento, mas 0 mundo dos objetos a conhecer. 0 vin poderiam ser comparadas a urna teia de aranha... A orga culo fantastico do saber com 0 sofrimento, longe de se niza,ao das falsas membranas apresenta igualmente mni ter rompido, e assegurado por uma via mais complexa tas diferenQas: as delgadas sao cobertas par uma crosta, do que a simples permeabilidade das imagina,oes; a pre as semelhante peliculas albuminosas dos ovos e sem estru senga da doen,a no corpo, suas te"soes, suas queimadu tura propria distinta. As outras, muitas vezes, apresen ras, 0 mundo surdo das entranhas, todo 0 avesso negro tam em uma de suas faces, vestigios de vasos sangi.iineas do corpo, que longos sonhos sem olhos recobrem, sao tao ent~ecruzados em varios sentidos e injetados. Sao constan contestados em sua objetividade pelo discurso redutor do temente redutiveis a laminas superpostas entre as quais medico, quanto fundados como objetos para seu olhar sao, com muita freqiiencia, interpostos coagulos de urn positivo. As figuras da dor nao sao conjuradas em bene sangue mais ou menos descolorido».' ficio de urn conhecimento.neutralizado; foram redistribui Entre 0 texto de Pomme que conduzia os velhos mitos odas no espa,o em que se cruzam os corpos e os olhares. da patologia nervosa a sua Ultima forma e 0 de Bayle que mudou foi a configuragao surda em que a lir:gua que descrevia, para uma epoca que ainda e a nossa, as gem se ap6ia, a rela,ao de situagao e de postura entre lesoes encefalicas da paralisia geral, a diferen<;a e infima o que fala e aquilo de que se fala. e total. Total para nos, na medida em que cada palavra Quanto a linguagem, a partir de que momento, de de Bayle, em sua precisao qualitativa, guia nosso olhar que modificagao semantica ou sintatica, pode-se reconhe por urn mundo de constante visibilidade, enquanto que 0 cer que se transformou em discurso racional? Que linha texto precedente nos fala a linguagem, sem suporte per decisiva e tragada entre uma descrigao que pinta mem ceptivo, das fantasias. Mas, que experiencia fundamental branas como «pergaminhos molhados» e esta outra, nao pode instaurar essa evidente separaG§.o aqnem de nossas menos qualitativa e metaf6rica, que ve algo como peli certezas, la onde nascem e se justificam? Quem pode cu'as de clara de ovo espalhadas sobre os inv6lucros do assegurar-nos que urn medico do seculo XVITI nao via cerebro? As laminas «esbranqui<;adas» e «avermelhadas» o que via, mas que bastaram algumas dezenas de anos de Bayle tern, para urn discurso cientifico, valor diferen para que as figuras fantasticas se dissipassem e que 0 te, oolidez e objetividade major do que as pequenas Himi espa<;o liberto permitisse chegar aos olhos 0 contorno nas endurecidas descritas pelos medicos do seculo XVITI? nitido das coisas? Urn olhar urn pouco mais meticuloso, urn percurso verbal Nao houve «psicanalise» do conhecimento medico, mais lento e mais bern apoiado nas coisas, valores epiteti nem ruptura mais au menos espontiinea dos investimen cos sutis, as vezes urn pouco confusos, nao significam sim tos imaginarios; nao foi a medicina «positiva» que fez plesmente, na linguagem medica, a proliferaG§.o de urn uma escolha «objetal» apoiada finalmente na propria obje estilo que, desde a medicina galenica, apresentou regi6es tividade. Nem todos os poderes de urn espa,o visionario de qualidades diante do opaco das coisas e de suas formas? atraves do qual se comunicavam medicos e doentes, fisi6 Para apreender a mutagao do discurso quando esta se logos e praticos (nervos tensos e torcidos, secura ardente, produziu e, sem d'ivida, necessario interrogar Dutra coisa 6rgaos endurecidos ou queimados, nova nascimento do que nao os conteudos tematicos ou as modalidades 16gicas corpo nO elemento benefico do frescor e das aguas) desa- e dirigir-se a regiao em que as «coisas» e as «palavras» ainda nao se separaram, onde, ao nive! da linguagem, 2. A. L. J. Bayle, NO'U1.,lelle doctrine des maladies mentales. modo de ver e modo de dizer ainda se pertencem. Sera Paris, 1825, p. 23_24. preciso questionar a distribuigao originaria do visivel e do vrn IX a invisivel, na medilia em que estii ligada separagao entre Ern 1764, J. F. Meckel desejara estudar as aIteragOes o que se enuncia e 0 que e siIenciado: surgirii entao, em do encefalo em determinadas afecgoes (apoplexia, mania, uma figura (mica, a articulagao da linguagem medica com tisica); utilizara 0 metodo racional da pesagem dos volu seu objeto. Mas nao hii precedencia para quem niio se mes iguais e de sua comparagao para dete=inar que se poe questiio l1etrospectiva; apenas a estrutura falada do tores do cerebro estavam ressecados, que outros ingurgi percebido, espage plene no vazio do qual a linguagem tados, e em que doengas. A medicina moderna quase nada a ganha volume e medida, merece ser posta luz de um conservou destas pesquisas. A patologia do encefalo inau dia propositadamente indiferente. E preciso se colocar e, gurou para nos sua forma «positiva» quando Bichat e, de uma vez por todas, se manter ao nivel da espacializa¢o sobretudo, Recamier e Lallemand utilizaram 0 famosa e da verbalizagao fundamentais do patol6gico, onde nasce <martelo terminado por uma superficie larga e delgada. e se recoIhe 0 olhar loquaz que 0 medico poe sobre 0 co Procedendo por pequenos golpes, estando 0 cranio repleto, ragao venenoso das coisas. nao pode haver um abalo susceptivel de produzir desor dens. E melhor comegar por sua parte posterior, pois ••• quando so hii 0 occipital a ser quebrado, ele e frequmte mente tao movel que os golpes resvalam... Nas crian<;as muito novas, os ossos sao flexiveis demais para serem A medicina moderna fixou sua propria data de nas xvrn. partidos, muito finos para serem serrados; e precise cor cimento em torno dos ultimos anos do seculo ta-Ios com fortes tesouras».3 0 fmto, entao, se abre: Quando reflete sobre si propria, ide~tifica a origem ?e sob a casca, meticulosamente fendida, surge algo, massa sua positividade com um retorno, alem de toda teo~18, mole e acinzentada, envolvida por peles viscosas com ner a modestia eficaz do percebido. De fato, esse presumldo vuras de sangue, triste polpa fnigH em que resplandece, empirismo repousa nao em uma redescoberta dos valores a finaImente liberado, finalmente dado luz, 0 objeto do absolutos do visivel, nem no resoluto abendono dos siste saber. A agilidade artesanal do quebra-cranio substituiu mas e suas quimeras, mas em uma reorganiza<;1io do es a precisao cientifica da balanga e, entretanto, e naquela pa<;o manifesto e secreta que se abriu quando um olhar que nossa ciencia, a partir de Bichat, se reconhece; 0 gesto milenar se deteve no sofrimento dos homens. 0 rejuvenes preciso, mas sem medida, que abre para 0 olhar a pleni cimento da percepgao medica, a Humina<;1io viva das cores tude lias coisas concretas, com 0 esquadrinhamento minu e das coisas sob 0 olhar dos primeiros clinicos nao e, en cioso de suas qualidades, funda uma objetividade mais tretanto, um mito; no inicio do seculo XIX, oS medicos cientifica, para nos, do que as mediagoes instrumentais descreveram 0 que, durante secuIos, pe=anecera abaixo da quantidade. As formas da racionalidade medica pene do limiar do visivel e do enunciiiveI. lsto nao significa que, tram na maraviJhosa espessura da percep<;1io, oferecendo, como face primeira da verdade, a tessitura das coisas, depois de especular durante muito tempo, eles tenham sua cor, suas manchas, sua dureza, sua aderencia. 0 es recome<;ado a perceber ou a escutar mais a razao do que a imagina~.iio; mas que a relagao entre 0 visivel e 0 invi page da experiencia parece identificar-se com 0 dominiac do oIhar atento, da vigilancia empirica aberta apenas sivel, necessiiria a todo saber concreto, mudou de estm tura e fez aparecer sob 0 olhar e na linguagem 0 que se evidencia dos conteudos visiveis. 0 olho torna-se 0 daepo encontrava aquem e alem de seu dominio. Entre as rala sitiirio e a fonte da dareza; t2m a0 poder de trazer luz uma verdade que ele so recebe medida que Ihe deu vras a as coisas se estabeleceu uma nova alianga fazen a luz; abrindo·se, abre a verdade de uma primeira aber- do vel' e dizer; as veres, em um discurso realmente tao «ingenuo» que parece se situar em um nivel mais arcaico de racionalidade, como se se tratasse de um retorno a um 3. F. Lallemand, Recherches anatomo-pathoZ,ogiqu,cs sur olhar finalmente matinal. l'encephale, Paris, 1820, Introd., p. VII, nota. x XI L tura: flexao que marca, a partir do mundo da clareza do olhar sucessivamente as despertara e Ihes dara obje c1assica, a passagem do «lluminismo» para 0 seculo XIX. tividade. 0 olhar nao e mais redutor, mas fundador do individuo em sua qualidade irredutivel. E, assim, tor Segundo Descartes e Malebranche, ver era perceber na-se possivel organizar em tomo dele uma linguagem (.e ate nas especies mais concretas da experiencia: pra racional. 0 objeto do discurso tamMm pode ser urn su twa da anatomia no caso de Descartes, observa!;oes mi jeite, sem que as figuras da objetividade sejam por isso cr.oscopicas no caso de Malebranche); mas tratava-se de, alterad3s. Foi esta reorganiza!;3.o 'formal e em pr;o'fundi sem despojar a percep,ao de seu corpo sensivel, toma-Ia transparente para 0 exercicio do espirito: a luz, anterior dade, mais do que 0 abandono das teorias e dos velhos sistemas, que criou a possibilidaO!e de urna expe-deacia a todo olhar, era 0 elemento da idealidade, .0 indetermi clinic'a: ela levantou a velha proibi!;3.o aristotelica; po navel lugar de origem em que as coisas eram adequadas a sua essencia e a forma segundo a qual estas a ela se derose-a, finalmente, pronunciar sobre 0 individuo urn discurso de estrutura cientifica. reuniam atraves da geometria dos corpos; atingida sua perfeiGao, 0 ato de ver se reabsorvia na figura sem curva, ••• nem dura!;iio, da luz. No final do seculo XVIII ver con siste em deixar a experiencia em sua maior 'opacidade corp6rea; 0 s6lido, 0 obscuro, a densidade das coisas en Nossos contemporaneos veem neste acesso ao indi viduo a instaura!;iio de urn «col6quio singular» e a mais cerradas em si pr6prias tem poderes de verdade que nao rigorosa formulaGao de urn velho humanismo medico, tao provem da luz, mas da lentidao do olhar que os percorre, velho quanto a piedade dos homens. As fenomenologias contoma e, pouco a pouco, os penetra, conferindo-Ihes acefalas da compreensao mesclam a esta ideia mal arti apenas sua pr6pria c1areza. A permanencia da verdade no niicleo sombrio das coisas esta, paradoxalmente, Ii culada a areia de seu deserto conceitual; 0 vocabulario pobremente erotizado do «encontro» e do «par medico gada a este poder soberano do olhar empirico que trans doente» se esgota desejando comunicar a tanto nao-pen forma sua noite em dia. Toda a luz passou para 0 lado do samento os palidos poderes de uma fantasb matrimonial. delgado fache do olho que agora gira em tomo dos volu A experiencia clinica - esta abertura, que e a primeira mes e diz, neste percurso, seu lugar e sua forma. 0 dis a na hist6ria ocidental, do individuo concreto linguagem curso racional ap6ia-se menos na geometria da luz do que da racionalidade, este aconteciment::l capital da rela!;3.o na espessura insistente, intransponivel do objeto: em sua do homem consigo mesmo e c1a linguagem com as coisas presen,~obscura, mas previa a todo saber, estao a origem, - foi logo tomada como urn confronto simples, sem con o dominio e .0 limite da experiencia. 0 olhar esta passi vamente ligado a esta passividade primeira que 0 consa ceito, entre urn olhar e urn rosto, entre urn golpe de vista gra a tal'efa infinita de percorre-la integralmente e do e urn corpo mudo, especie de contato anterior a todo dis mina-Ia. curso e livre dos embaraGos da linguagem, pelo qual dois individuos vivos estao «enjaulados» em uma situaGao co Cabia a esta linguagem das coisas e, sem diivida, mum mas na.o reciproca. Em seus iiltimos abalos, a medi ape_"as a ela, autorizar, a respeito do individuo, um saber que nao fosse simplesmente de tipo historico ou estetico. cina dita liberal invoca, por sua vez. em prol de um mer o fato de a defini!;ao do individuo consistir em urn labor c~do aberto, os velhos direitos de urn:l c1inica compreen infinito nao seria mais urn obstaculo para uma experien dlda como co;;trato singular e pacto tacito de homem cia que, aceitando seus proprios !imites, prolongava iIi para homem. A este olhar paciente atribui-se ate mesmo mitadamente sua tarefa. A qualidade singular, a cor im o poder de atingir, por uma dosada adi,ao de raciocinio palpavel, a forma iinica e transit6ria, adquirindo 0 esta - nem muito, nem muito pouco - a forma geral de qual tuto de objeto, adquiriram peso e solidez. Nenhuma luz quer constata!;ao cientifica: «Para poder propor a cada podera dissolve-las nas verdades ideais; mas a aplica!;ao urn de nossos doentes um tratamento perfeitamente adap- XII XIII tado it sua doen~a e a si pr6prio, procuramos formar, de e par-se a falar. Estamos historicamente consagrados it seu caso, uma ideia objetiva e completa, recolhemos em hist6ria, it paciente constru~ao de discursos sobre os dis urn doss!e individual (sua «observa~ao») a totalidade das cursos, it tarefa de ouvir 0 que jii foi dito. informa~6esque dispomos a seu respeito. N6s «0 obser Serii, entao, fatal que na.o conhe~amos outro uso da vamos» do mesmo modo que observamos os astros ou palavra que nao seja 0 comentiirio? Este· Ultimo, na ver uma experiencia de laborat6rio». 4 dade, interroga 0 discurso sobre 0 que ele diz e quis dizer; Os milagres nao sao assim tao fiiceis: a mutagao que procura fazer surgir 0 duplo fundamento da palavra, onde permitiu, e todos os dias ainda permite, que 0 <deito» do ela se encontra em uma identidade consigo mesma doente se tome campo de investiga~aoe de discurws den que se sup6e mais proxima de sua verdade: trata-se de, e tificos nao a mistura, repentinamente deflagrada, de urn enunciando 0 que f.oi dito, redizer 0 que nunca foi pro velho hiibito com uma l6gica ainda mais antiga, ou a de nunciado. Nesta atividade de comentiirio, que procura urn saber com 0 esquisito composto sensorial de urn «tato», transformar um discurso condensado, antigo e como que urn «golpe de vista» e urn «faro». A medicina como cien siIencioso a si mesmo, em um outro mais loquaz, ao mes cia clinica apareceu sob condi~6es que definem, com sua m.o tempo mais arcaico e mais contemporaneo, oculta-se possibilidade hist6rica, 0 dominio de sua experiencia e a uma estranha atitude a respeito da linguagem: comentar estrutura de sua racionalidade. Elas formam seu a priori e, por diefini~ao, admitir urn excesso do significado sobre concreto que agora e possivel desvelar, talvez porque este o significante, um resto necessariamente nao formulado ja nascendo uma nova experiencia da doen~a, que oferece do pensamento que a Iinguagem deixou na sombra, resi a possibilidade de uma retomada hist6rica e critica da duo que e sua pr6pria essencia, impelida para fora de seu quela que rejeita no tempo. segredo; mas c.omentar tambem supiie que este nao-fa Mas enecessiirio fazer agora uma digressao para lado dorme na palavra e que, por uma superabundiincia funda!' este discurso sobre 0 nascimento da c1inica. Dis propria do significante, pode-se, interrogando-o, fazer e curso estranho, preciso admitir, pois nao quer apobr-se falar run conteudo que nao estava explicitamente signi nem na consciencia atual dos clinicos nem mesmo na re ficado. Abrindo a possibi!idad~ do comentiirio, esta dupla peti~ao do que e!es outrora puderam dizer. pletora nos corsagra a uma tarefa infinita que nada pode E proviivel que perten~amos a uma epoca de critica limitar: urn significado sempre permanece, a que ainda e em que a ausencia de uma filosofia primeira a cada ins preciso conceder a palavra; quanto ao significante, este tar,te nos lembra 0 reino e a fatalidade: epoca de inteli se apresenta com uma riqueza que, apesar de n6s, nos ili gencia que nos mantem irremediavelmente it distancia de terroga sobre 0 que ela «quer dizer». Significante e signi uma linguagem originiiria. Para Kant, a possibilidade e a ficado adquirem assim Uma autonomia substancial que necessidade de uma crltica estavam Iigadas, atraves de assegura a cada urn deles isoladamente 0 tesouro de uma certos conteudos cientificos, ao fato de que existe conhe signifieagao virtual; em ultima aniilise, um poderia exis cimento. Em nossos dias, elas estao vinculadas - Nietzs tir sem 0 outro e par-se a falar de si mesmo: 0 comen che, 0 fil610go, e testemunha - ao fato de que existe lin ~rio se situa nesse suposto espa<;o. Mas, ao mesmo tempo, guagem e de que, nas inumeras palavras proTIunciadas lllventa, entre eles, Urn Harne complexo, uma trama inde pelos homens - sejam elas racionais ou insensatas, de elsa que poe em jogo OS valores poeticos da expressao: monstrativas ou poeticas - um sentido que nos domina nao se presume que 0 significante «traduza» sem ocultar tomou corpo, conduz nossa cegueira, mas espera, na e ~m.d.eixar 0 significado com uma inesgotiivel reserva; obscuridade, nossa tomada de consciencia, para vir it luz o sIgnIfICado s6 se desvela em urn mundo visivel e denso de Um significante ele pr6prio carregado de urn sentido que nao domina. 0 comentiirio baseia-se no postulado de 4. J.-Ch. Sournia, «Logique et morale du diagnostic», Paris, que a palavra e ato de «tradugao», tern 0 priviIegio peri 1962, p. 19. goro das imagens - 0 de mostrar ocultando - e pode XIV xv ind~finidamente ser pOl' <:Ia mesma s~bstituida na serie Desejar-se-ia tentar aqui a analise de urn tipo de dls aberta de retomadas do dlscurso; basela-se, em suma, em curso - 0 da experiencia medica - em uma epoca em urna interpretagao da Iinguagem que traz c1aramente a que, antes das grandes descobertas do seculo XIX ele marca de sua origem hist6rica: a Exeges.e, que escut~, modificou menos seus materiais do que sua forma ;iste atraves das proibig6es, dos simbolos, das Imagens sensl matica. A c1inica e, ao mesmo tempo, urn novo recorte veis atraves de todo 0 aparelho da Revela<;:ao, 0 Verbo de das coisas e 0 principio de sua articula<;:ao em uma Iin Deu's, sempl'e secreto, sempre alem de si mesmo._Ha anos guagem na qual temos 0 habito de reconhecer a Iingua comentamos a linguagem de nossa cultura prec!Samen~e gem de uma «ciencia positiva». do local em que em vao tinhamos esperado, durante se A quem desejasse fazer 0 inventario temiltico, a ideia de e1inica sem duvida apareceria carregada de valores culos, a decisao da Palavra. demasiado imprecisos; nela provavelmente se decifrariam Falar sobre 0 pensamento dos outros, procurar diz,:r o que eles disseram e, tradiciona!n;'ente, fazer .urna :;tna figuras incolores, como 0 efeito singular da doenga sobre o doente, a diversidJ.de dos temp'?ramentos individuais, lise do significado. Mas e necessarIO que as COlsaS dltaS, pOl' outros e em outros lug::,re~,. sejam eXcl1;Isi~a:nent; a probabilidade da evolu<;:ao patol6gica, a necessidade de tratadas segundo 0 jogo do slgmflcante e do sIgnIfIcado. Ulna percepgao vigilante, inquieta com as minimas moda Nao seria possivel fazer urna analise dos discursos que Iidades visiveis, a forma empirica, curnulativa e indefini escapasse a fatalidade do comentario, sem supaI' resto damente aberta do saber medico: velhas nog6es usadas ha algum ou excesso no que foi dito, mas.apenas_0 fato de muito tempo e que, s~m duvida, ja formavam 0 equipa seu aparecimento hist6rico? Seria precIso, entao, u:at~r mento da medicina grega. Nada neste velho arsenal pode os fatos de discurEOs nao com nueleos autonomos de slgm designar claramente 0 que ocorreu na passagem do se ficag6es multiplas, mas como aconteciment~s e segmmtos culo XVIII, quando a retomada do antigo tema clinico a funcionais formando pouco a pouco, urn sIstema. 0 sen «produziu», primeira vista, uma mutaQao essencbI no tido de urn enunciacto nao seria definido pelo tesouro de saber medico. inten<;:oes que contivesse, revelando-o e reservando-o alter Mas, considerada em sua disposi<;:ao de conjunto, a nadamente mas pela diferen<;:a que 0 articula com os clinica aparece para a exp~riencia domedico como um novo outros en~ciados reJ.is e possiveis, que Ihe siio contem perfil do perceptivel e do enunciavel: nova distribui<;:ao dos poraneos ou aos quais se opoe na serie linear do tempo. eleme"tos discretos do espa<;o corporal (isolamento, pOl' Apareceria, entao, a hist6ria sistematica dos discursos. exemplo, do tecido, regiao funcional d~ duas dimens6"2s, Ate este momento a hist6ria das ideias conhecia que se op6e it massa, em funcionamento, do 6rgao e cons apenas dois metodos. U~, estetico, era 0 da anal?gia - ~e tituj 0 paradoxo de uma «superficie interna»), reorgani que se seguia as vias de difusiio no tempo (.g':D2ses, fI za<;:ao dos elementos que constituem 0 fenomeno patologico liag6es, parentescos, influencias) ou J;t~ superflcle d~ uma (uma gramiltica dos signos substituiu uma botanica dos regiao hist6rica determinada (0 espmto de uma epaca, sintomas), defini<;:iio das series Iineares de acontecimentos sua Welta;n,s.chrmwng, SUEtS categorias fundamentais~ a m6rbidos Cpor oposi<;:iio ao emaranhado das especies noso organiza<;:iio d~ seu mundo socio-cultural): 0 outro, P~ICO­ 16gicas), articula<;:ao da doen<;a com 0 organismo (d·esa parecimento das entidades m6rbidas gerais que agrupa logico, era 0 da denegagao dos conteudos (tal seculo yam os sintomas em uma figura 16gica, em proveito de nao foi tao racionalista ou irracionalista quanto ele se dizia ou dele se pensou) com que se inaugura e se dese~­ urn estatuto local que situa 0 ser da doen<;:a, com suas causas e seus efeitos, em um espa<;:o tridimensional). volve uma especie de «psicanalise» dos pensamentos, cUJO o aparecimento da clinica, como fato hist6rico deve ser termo e de pleno direito reversivel, 0 nueleo do nueleo identificado com 0 sistema destas reorganizaQ6es. Esta sendo sempre 0 seu contrario. nova estrutura se revela, mas certamente na·o se esgota XVII XVI na mudanga infima e decisiva que substituiu a pergunta «0 que e que voce tem?», por onde comegava, no seculo XVIII, 0 dialogo entre 0 medico e 0 doente, com sua gra matica e seu estilo proprios, por esta outra em que reoo nhecemos 0 jogo da clinica e 0 principio de todo seu dis curso: «onde the OOi?». A partir dai, toda a relagao do significante com 0 significado se redistribui, e isto em todos os niveis da experiencia medica: entre os sintomas que significam e a doenga que e significada, entre a des crigao e 0 que e descrito, entre 0 acontecimento e 0 que ele prognostica, entre a lesao e 0 mal que ela assinala, etc. CAPtTULO I A clinica, incessantemente invocada por seu empirismo, a modestia de sua atengao e 0 cuidado com que permite que as coisas silenciosamente se apresentem ao olhar, sem Espa~os e Classes perturM-Ias com algum discurso, deve sua real impor tancia ao fato de ser uma reorganizagao em profundidade nao so dos conhecimentos medicos, mas da propria possi . Para.nossos olhos jii gastos 0 co . bilidade de urn discurso sobre a doenga. A di.~cregao do tUl, por dlreito de natur ' rpo h~ano COnstl discurso cUnico (proclamada pelos medicos: recusa da tigao da doenga' es a ezll;, 0 ~ago de orIgem e repar teoria, abandono dos sistemas, nao-filosofial remete as e caminhos sao' fiiad~c~~lI~has,volumes, superficies condig6es nao verbais a partir de que ele pode falar: a ~amiUar, peLa atlas anat6mico n~taum~ geografia agora estrutura comum que recorta e articula 0 que se VB e 0 lido e visivel e entr ta . or em do corpo sa que se diz. medicina espaclalizarea ~~~n~~s uma d~s J?aneiras da vida, nem a mais f d . em a prunelra, sem du ~am~ntal. Houv~ ~ayera distribuic;iies do mal e outras turas que se em . an 0 se podera deflmr as estru ~l~~~o A pesquisa aqui empreendida implica, portanto, 0 alergicas? F:'-se' volume do c.0rpo, as reac;iies fi~~ ~ ~eo~etrla projeto deliberado de ser ao mesmo tempo hist6rica e uma difusao de virus na I especifica de critica, na medida em que se trata, fora de qualquer inten sular? E em uma anatomia eu~dra e um segment~ tis gao prescritiva, de determinar as condig6es de possibili nos podem encontra I' ana que esses fenome lembrar afinal de r au::: de sua espaciaUza~iio?Bastaria dade da experiencia medica, tal como a epoca moderna voca~Jtari~ t~Orl~ da~ tias fala'va um que a velha simpa a conheceu. correspo~dencIas, gaS e homologias' terInOS :: Vlzinhan De uma vez por todas, este livro nao e escrito por bido da anatomia'nao oferec/f. ~s quaIS 0 espa~o perce uma medicina contra uma outra, ou contra a medicina, depensamento do d •. exlCo ooerente. Carla gran- por uma ausencia de medicina. Aqui, como em outros lu ~:;;~I~e~~fs~~~o~~apr~scrfevea uma configuragao doenga gares, trata-se de um estudo que tenta extrair da espes os da geometria classica. ao sao or~samente sura do discurso as condi~6esde sua historia. A coincidencia exata d o que conta nas coisasditas pelos homens nao e tanto corpo do homem doente e ~«corpo•.da ?oenga com 0 o que teriam pensado aquem ou alem delas, mas 0 que rio. Seu encontro so eevid t dado hlStorlco e transit6 desde 0 principio as sistematiza, tornando-as, pelo tempo comegamos apenas a nns sen e paraonos, ou melhor, dele afora, infinidamente acessiveis a novos discursos e aber ~·..n,..A..0 da doenga e 0esp.a~go deepalOrcaarl.i~"~;e;snpdagode conf1'9u tas a tarefa de transforma-los. sa foram superpostos na expe " ~ '? J?al no corpo , rlencla medIca, durante XVIII 1

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