DIREITO E IDEOLOGIA Anais do Seminário DIREITO E IDEOLOGIA 2015 Florianópolis UFSC 2016 ANAIS DO SEMINÁRIO DIREITO E IDEOLOGIA (2015) SUMÁRIO Coordenação Científica Profa. Dra. Jeanine Nicolazzi Philippi Apresentação Comissão Organizadora Ana Maria Garcia, Ana Carolina Bolzani Mozetic, Bruna Martins Costa, Eduardo Contini [Jeanine Nicolazzi Philippi – Tutora PET DIREITO UFSC] 10 Figueiredo, Fernanda Ceccon Ortolan, Flávio Leal Binati, João Gustavo Seibel Reis, Maila Weber Mello, Marina Barcelos de Oliveira, Priscilla Silva, Rodrigo Timm Seferim, Programação do evento 14 William Hamilton Leiria Eixo - Ideologia e Trabalho Apoio PET/MEC, CCJ/UFSC Parque industrial: o papel do direito e da ideologia na precarização do Revisão e diagramação trabalho feminino na sociedade brasileira Maria Luiza Galle Lopedote [Gabriela Varella de Oliveira, Isabela Hümmelgen] 16 Capa Marina Barcelos de Oliveira, Pawel Kuczynski (Ilustração) Terceirização no Brasil e o PL 4330: racionalidade econômica e a contumácia neoliberal [Gabriel de Oliveira de Mello] 45 D598 Anais do Seminário Direito e Ideologia: 2015 / Eixo - Controle Social e Criminologia Crítica Coordenação científica Jeanine Nicolazzi Philippi. – 1. ed. – Florianópolis: PET DIREITO/UFSC, 2016. Linchamento, desilusão e burocracia: a vingança como justiça e suas 388p. patologias [Rodolfo Denk Neto] 75 Inclui bibliografia. ISBN 978-85-64093-14-0 Mulheres e tráfico de drogas: retratos da criminalidade feminina em Itajaí /SC [Chayene Marani Rocha Krobel, Pollyanna Maria da Silva] 99 Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modelo de acesso: World Wide Web < http://petdireito.ufsc.br/> Mulheres em conflito com a lei: o (não) local da mulher na estrutura Título da página da Web (acesso em 26 jul. 2016). punitiva [Paula Dürks Cassol] 121 1. Direito. 2. Ideologia. I. Título. II. Philippi, Jeanine Nicolazzi O lugar da mulher no paradigma etiológico: uma visão a partir de CDU: 340 Tobias Barreto e Francisco José Viveiros de Castro [Mayara Cavassini Giacomini] 149 PET DIREITO UFSC Campus Universitário Trindade, Centro de Ciências Jurídicas, Sala 108 Eixo - Constituição e Assembleia Constituinte de 1988 Florianópolis/SC – CEP 88036-970 www.petdireito.ufsc.br / [email protected] Evento constituinte: uma análise do caso islandês [Mauricio Wosniaki Serenato] 172 9 10 APRESENTAÇÃO O processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 analisada à luz da concepção marxista de ideologia [Felipe Grizotto Ferreira, Thais Hoshika] 204 Jeanine Nicolazzi Philippi* Eixo - Crise do Direito e da Legalidade A figura mais opressiva e brutal do poder separa o A crise do positivismo jurídico e os novos paradigmas jurídicos na humano da sua potência, tornando-o impotente; sob essa face economia neoliberal [Victor Cavallini, Marja Mangili Laurindo] 229 feroz outra força – mais dissimulada – age sobre a sua A função social da posse: uma análise sob a ótica do direito à moradia impotência, privando-o da experiência do que não pode fazer ou [Nathalia Assmann Gonçalves] 261 pode não fazer. Separado da sua impotência o homem moderno Entre a tática e a estratégia: a luta por reformas e a ideologia jurídica crê-se capaz de tudo...1 nos movimentos sociais [Kauan Juliano Cangussú, Raphael Parzianello Portelinha] 278 Foucault, na aula de 17 de março de 1976, assinalou o Filosofia da linguagem: a prática social como critério de significação surgimento – a partir da segunda metade do século XVIII – de para além da legalidade abstrata [Ivan Pinheiro de Figueiredo] 304 algo novo: uma incomum tecnologia do poder dirigida à Ideologia como reconhecimento: Althusser à luz de Honneth multiplicidade dos indivíduos – a biopolítica da espécie humana [Thor João de Sousa Veras] 328 – cujo objetivo é a regulamentação dos processos próprios da Eixo - Gênero e Ideologia vida.2 A construção social do machismo: uma análise através da obra de Pierre À sombria soberania daqueles que detém o direito de Bourdieu [Débora Dossiatti de Lima] 372 matar, o biopoder acrescenta a incumbência de fazer viver o *Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Tutora do PET DIREITO UFSC. Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. 1 AGAMBEN. Giorgio. Nudez. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 71-73. 2 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 199, p. 289/293-294. 11 12 gênero humano, suprimindo os perigos que o ameaçam. A Nos Estados modernos, o racismo opera, portanto, como disciplina dos corpos e a regulamentação da população um mecanismo fundamental do poder legitimando não apenas os articulam-se através da norma que sujeita os viventes e promove assassinatos diretos, mas a exposição crescente da população a cesura no continuum biológico distinguindo os que devem aos riscos de morte ou, pura e simplesmente, a segregação, a viver daqueles marcados para morrer.3 rejeição, a destruição política. Nessa batalha não militar, guerreira ou política, mas biológica – que cobre a superfície do Ao contrário do que propõe a filosofia político-jurídica, a corpo e se estende à população – o direito de matar amplia-se lei não nasce da natureza junto das fontes freqüentadas pelos para contemplar, no limite, todos os indivíduos destinados à luta primeiros pastores; a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos incessante pelo aprimoramento daquilo que os especifica.6 massacres, das conquistas que têm sua data e seus heróis de horror; a lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas; A paixão pelo real – em sua violência extrema – é ela nasce com os famosos inocentes que agonizam... 4 justamente aquilo que o discurso do direito ao gozo prescreve ao instaurar, como sujeito da enunciação, a liberdade do Outro, de Sob as ordens jurídicas as batalhas continuam entre os um modo que não difere do fundo mortífero de qualquer titulares da norma e aqueles que dela estão fora – identificados, a imperativo, uma vez que não é menos determinante para o partir do biopoder, como o perigo infiltrado no corpo social que sujeito do enunciado, ao provocá-lo, a cada endereçamento do seu precisa ser extinto. Nessa frente de combate, o velho direito conteúdo equívoco, já que o gozo, ao se confessar impudentemente soberano de matar encontra seu fundamento na necessidade de em suas próprias palavras, faz pólo de uma dupla em que o outro eliminar os anormais e degenerados para tornar a espécie sadia já está no fosso que ele perfurou no Outro.7 e pura! 5 3 Idem, p. 302/304-305. 6 Idem, p. 304-305/309-310. 4 Idem, p. 58. 7 LACAN, Jacques. Escritos – com Sade com Sade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 5 Idem, p. 302, 304-305. 1998, p. 782 13 14 Os modos pelos quais ignoramos alguma coisa são talvez PROGRAMAÇÃO DO EVENTO mais importantes do que os modelos através dos quais a 13 de outubro de 2015 (terça-feira) reconhecemos... 8 Compreendendo esse enigma, o PET- Auditório do CSE – UFSC 18h00 Início do credenciamento Direito/UFSC organizou, em 2015, o Seminário Direito e 19h00 Cerimônia de abertura Ideologia. Nas conferências, mesas de debates, comunicações 19h30 Mesa de abertura: Ideologia e Direito com Ana Lúcia Pastore (USP) e Maurício Rocha (PUC-Rio) orais, exposição fotográfica e intervenção teatral, um público 14 de outubro de 2015 (quarta-feira) diversificado acompanhou discussões atualíssimas sobre Auditório do Fórum Norte da Ilha – UFSC ideologias e controle social, disputas ideológicas na elaboração da 09h00 Gênero e Ideologia com Cristiane Mare da Silva (UFSC), Juliana Rego Silva (UFSC) e Lirous Constituição de 1988, interseções entre ideologia e gênero, K’yo Fonseca Ávila (ADEH). 14h00 Comunicações Orais relações entre direito e ideologia, mídia e ideologia e trabalho e 18h00 Criminologia e Ideologia do Controle Social ideologia9. com Maurício Dieter (USP) e Vanda Gomes Pinedo (MNU) 20h30 Desenvolvimentismo e Ideologia Quando a barbárie apresenta-se como uma relação com Maria Sueli Rodrigues (UFPI) social organizada por um poder real – apoiado em sua própria 15 de outubro de 2015 (quinta-feira) Auditório do CSE – UFSC força – é preciso resgatar a experiência daquilo que escapa e, 14h00 Comunicações Orais com ela, as possibilidades do pensamento e da ação. 18h00 Trabalho e Ideologia com Ângela Konrath (CESUSC / TRT-SC) e Prudente de Mello (CESUSC) 20h30 Constituição e Assembleia Constituinte de 1988 com Adriano Pilatti (PUC-Rio) 16 de outubro de 2015 (sexta-feira) Auditório do CSE – UFSC 19h00 Mesa de encerramento: Mídia e Ideologia com Fábio Brüeggmann, Marília de Nardin Budó (IMED-RS) e Maurício Pessutto (MPF-SC) 8 AGAMBEN, op. cit., 165. 9 Para saber mais: https://direitoeideologia2015.wordpress.com/author/petdirufsc/, acesso em jul. 2016. 15 16 PARQUE INDUSTRIAL: O PAPEL DO DIREITO E DA IDEOLOGIA NA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO FEMININO NA SOCIEDADE BRASILEIRA Gabriela Varella de Oliveira10 Isabela Hümmelgen11 Resumo: Este artigo propõe uma análise do trabalho feminino no Brasil, considerando a discriminação de gênero e as violências sofridas pelas mulheres no ambiente de trabalho. Adota-se, assim, Eixo uma perspectiva histórica para estudar as condições precárias do trabalho feminino, cujo ponto de referência é o início do processo de IDEOLOGIA E TRABALHO industrialização no Brasil. O objetivo é descrever a realidade das mulheres operárias no início do século XX, como retratado em “Parque Industrial”, Patrícia Galvão, de 1932. Por fim, aponta-se como a violência de gênero é ainda reproduzida pelas leis, afetando as vidas das trabalhadoras. Palavras-chave: Direitos trabalhistas; operárias; industrialização; gênero; Parque Industrial. 10 Aluna de graduação do 4º ano do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora na área de Direito do Trabalho. 11 Aluna de graduação do 4º ano do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coordenadora do projeto Promotoras Legais Populares de Curitiba e Região Metropolitana e pesquisadora do CNPq nas temáticas de Gênero, História do Direito e Direito das Famílias. 17 18 1 Introdução dos papeis de gênero (SMART, 2000, p. 39-40). Isso porque conceito de “gênero” não explicita as desigualdades entre homens e O Direito, em sua totalidade, não é, por evidente, apenas um mulheres; a hierarquia, pois, é apenas presumida (SAFFIOTI, 2015, conjunto de normas e modelos juridicamente concebidos. É também p. 47). uma prática discursiva que age no meio social, muitas vezes para legitimar o poder daquele que domina, além de ser um regulador de Na realidade do Direito do Trabalho, esses discursos ficam comportamentos humanos (LOPES, MIRANDA, 2013, p. 136). evidentes. Em face do capital, a força de trabalho pode não ter Enquanto instrumento das classes socialmente dominantes, é um gênero, mas na estrutura do mercado de trabalho, as construções discurso sexista, construído e reproduzido no masculino, feito por sociais são reproduzidas e exploradas. A marginalização da força de homens para homens. É sexista a partir do momento em que, ao trabalho feminina na industrialização capitalista, assim, coincide distinguir homens e mulheres, coloca a mulher em uma situação de com a ideia da marginalização social das mulheres (COUTINHO, desvantagem e a julga pelos olhos de um homem. E é masculino de 2014, p. 5). Um exemplo disso é que pouco se conta sobre a história uma perspectiva empírica: a maior parte dos aplicadores do Direito das trabalhadoras - e o que se conta é contado por homens. Raros são são homens, de forma que os valores aplicados à realidade jurídica os documentos produzidos por elas mesmas, para representar sua são masculinos (mesmo quando quem os aplica são mulheres) realidade e seu mundo de trabalho. A maior parte, ainda, da (SMART, 2000, p. 34-37). documentação disponível sobre o universo das fábricas foi produzida por autoridades públicas, que inevitavelmente eram homens. Isto é, a Evidências dessa masculinização do discurso são todos os figura da mulher trabalhadora foi, essencialmente, formada a partir obstáculos jurídicos e políticos que as mulheres ainda não de uma construção masculina da realidade (RAGO, 2013, p. 579). abandonaram por completo. Para o Direito, as mulheres recebem o mesmo tratamento que os homens lhes conferem. O Direito, afinal, Com essas considerações, neste trabalho, parte-se de uma tem gênero. Essa constatação é essencial quando se avalia o gênero perspectiva feminista e preocupada com o estudo do gênero para se enquanto fator de hierarquização no mundo jurídico: o gênero opera reavaliar as questões histórico-sociais e jurídicas que envolvem a no Direito assim como o Direito contribui para a reafirmação social figura feminina no ambiente de trabalho. Em especial, dá-se voz às 19 20 mulheres ao se ter como principal ponto de referência a obra “Parque representações do masculino e feminino. O gênero está inscrito na Industrial”, de Patrícia Galvão. Busca-se retomar a realidade narrada ordem histórica, mas também está inserido na natureza – não é pela autora, com o intuito de identificar as problemáticas discursivas completamente separado do sexo biológico, mas também não se e ideológicas do Direito que permeiam as vidas das personagens reduz a ele (SAFFIOTI, 2015, p. 141-144). narradas por Pagu – operárias, sindicalistas, militantes, que sentem O patriarcado, em outra dimensão, refere-se a milênios da na pele e na alma sua condição de proletarização. história, nos quais se justifica uma estrutura de poder que situa as Acabam de me despedir da Fábrica, sem uma mulheres em uma condição de inferioridade em relação aos homens. explicação, sem um motivo. Porque recusei a ir ao quarto do chefe. Como sinto, companheira, mais do Nesse sentido, é preciso pensar nesses dois termos simultaneamente, que nunca, a luta de classes! Como estou revoltada e sem aceitar a substituição de um pelo outro, já que tratar a realidade feliz por ter consciência! Quando o gerente me pôs na rua, senti todo o alcance da minha definitiva exclusivamente a partir da categoria de gênero neutraliza, em certa proletarização, tantas vezes adiada! (GALVÃO, 2006, p. 105).12 medida, a situação de dominação do masculino. É importante notar, assim, que quando se afirma “o conceito de gênero carrega uma dose 2 Ideologia, trabalho e gênero: desigualdades e desvalorização do apreciável de ideologia” (SAFFIOTI, 2015, p. 145), essa ideologia trabalho feminino nada mais é do que a lógica patriarcal. De início, a afirmação de que o Direito tem gênero - e a Por meio da compreensão do significado de gênero e suas partir dele se constrói e se reproduz - implica em uma discussão do implicações, torna-se possível perceber que as diferenças entre próprio conceito gênero e de como ele dialoga com a estrutura mulheres e homens encontram-se em uma esfera mais simbólica que patriarcal. “Gênero”, a priori, é mais amplo e mais ideológico do que anatômica, na produção cultural de cada sociedade, em determinada o conceito de patriarcado. É mais amplo na medida em que se época e espaço geográfico (NOVAIS, 2005, p. 44). Nessa lógica, constitui enquanto categoria ontológica, que parte do ser social e das historicamente reproduzida nas relações sociais, o trabalho e os papeis de gênero estão vinculados na construção da sociedade 12Trecho da carta que a personagem Matilde escreve à personagem Otávia, no patriarcalista. No mundo do trabalho, impõe-se às mulheres o penúltimo capítulo (“Proletarização”) do livro “Parque Industrial”.
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