INTRODUÇÃO “Procuro um governo que perceba a neces- sidade de não deixar introduzir levianamente no mundo uma verdade que, pela sua influência sobre o físico dos homens, pode operar mudanças que desde seu nascimento a sabedoria e o poder devem conter e dirigir num curso e rumo a um objetivo sa- lutar.” MESMER. Quando uma doutrina filosófica, um sistema científico ou uma descoberta industrial, submetidos a exame, podem a- presentar provas de fatos e de raciocínio, a validade de suas pretensões e a utilidade de sua aplicação são irrevogavelmente consagradas. Resta pôr em prática o princípio formulado, cir- cunstância que pode ser mais ou menos difícil devido aos inte- resses sociais que o novo aparecimento vem agitar. Há mais de meio século o magnetismo aspira a ser re- conhecido como ciência, e ainda não o obteve. Será porque esta ciência nova é impotente para fornecer as duas ordens de provas que consideramos exigíveis, ou somente porque ela não foi suficientemente examinada pelos cientistas? Tal é a dupla pergunta que todos se fazem vendo de um lado as proscrições, com as quais os corpos de cientistas respondem às reivindica- ções dos magnetizadores, e de outro lado observando o incan- sável proselitismo dos partidários do magnetismo. Certamente não é a parte experimental que falta a favor do magnetismo, pois hoje seria impossível contar todos os fatos que se produziram desde Mesmer. Podem-se aplicar ao magne- tismo estas palavras do professor Trousseau: Quando um re- médio se tornou popular, quando charlatães o exploram há muito tempo, e sempre com sucesso para eles, é preciso que ele mostre seu mérito por algumas propriedades úteis, que a teimosia ou o mau humor dos médicos lhe negarão em vão. Mas o magnetismo foi suficientemente examinado pe- los cientistas? Alguém que conhecesse a natureza do espírito humano diria logo: Não, as Academias não estudaram o que é o magnetismo. A história de todas as ciências, de cada grande descoberta, está aí para mostrar a proscrição que sempre aco- lheu e perseguiu, durante períodos frequentemente bem lon- gos, toda verdade cujos desenvolvimentos deviam modificar profundamente as opiniões reinantes. O magnetismo, amplamente concebido, é a síntese de todas as ciências que têm o homem por objeto de estudo; é o elo que une a antropologia racional à doutrina do espiritualis- mo revelado. Vasto feixe, do qual cada ramo estudado separa- damente se torna a fonte de luzes novas sobre cada parte dos conhecimentos antropológicos. A vida não é mais um mistério nem uma abstração mecânica. Pode-se seguir sua essência na filiação dos fluidos imponderáveis que a física especializou, e ii que o magnetismo nos mostra como sendo somente modifica- ções da unidade etérea, do princípio criado, causa segunda da vida dos mundos. O homem torna-se compreensível, e sua dua- lidade é demonstrada, não mais pelo poder da filosofia, mas por outro muito mais impressionante, o poder experimental. Quando aqueles que têm por missão dirigir os estudos superiores tiverem sabido fazer entrar o magnetismo na sua obra de ensino, os sofismas terão perdido a força que têm hoje para afastar os espíritos das sublimes verdades da filosofia do cristianismo. Mas esses tempos ainda estão longe, e a humani- dade estará ainda por muito tempo privada das vantagens que o magnetismo lhe pode proporcionar: vantagens para seus sofri- mentos físicos, vantagens para suas crenças religiosas. Os dois corpos científicos que compartilham esta dupla ação não se opõem igualmente a receber a nova ciência? O clero não imita os médicos? Dos dois lados encontram-se sem dúvida mem- bros esclarecidos que estudaram a questão, que a aceitaram e põem em prática, mas é o menor número, é fraco e não ousa levantar a voz. É verdade que a autoridade eclesiástica, a corte de Roma, mostrou um julgamento profundo e uma imparciali- dade completa em suas sentenças, as quais sempre proferiu como individuais e separadas da causa em si mesma. Quanto à Academia de Medicina e à de Ciências, não hesitaram em ne- gar a possibilidade mesma dos fatos, e, por conseguinte, em recusar uma cooperação sincera e laboriosa ao estudo do mag- netismo. O magnetismo é portanto uma obra intelectual que re- úne todas as condições para experimentar os maiores obstácu- los a fim de se harmonizar com as inteligências de sua época de concepção científica e prática. As convicções devem proceder individualmente para invadir os poderes de onde emanam as sanções. É uma infeli- iii cidade, porque esse modo de ação progressiva traz consigo he- sitações, lutas e desordens. Desde 1784 o magnetismo continua a se espalhar. Mui- tos homens o professaram e praticaram, cada qual à sua manei- ra. Ora com a gravidade que convém a tudo que é nobre e sério, ora outras vezes com a leviandade da ignorância e o des- caramento mesmo da imoralidade. Todas as classes da socie- dade aprenderam assim o que era o magnetismo e o que ele podia ser. Viu-se desde então nascer o bem ao lado do mal. O homem de conhecimento e consciencioso confundido com o ignorante, o ímpio e o charlatão. Este estado de coisas existe hoje. Muitos magnetizadores tentaram diminuir o mal, e uma sociedade exigia de seus membros a promessa de não realizar nenhuma sessão de experiências públicas. Eles pensavam com alguma razão que mostrar o sonambulismo em espetáculos era prostituir a ciência. Mas as experiências públicas são um bem ou um mal, segundo sejam feitas por tal ou qual pessoa, e é imprudente generalizar o anátema. Efetivamente, conhecemos homens muito devotados e verdadeiramente instruídos no magnetismo, que agiram convenientemente por experiências, as quais eles foram bastante corajosos e bastante desinteressados para irem produzir em muitos países, e ante incrédulos de to- dos os tipos. Esses têm realmente direito ao reconhecimento da humanidade, seu nome será distinguido de tantos outros que divulgaram apenas o escândalo. Entretanto, hoje que o magnetismo é difundido univer- salmente, que ele é bastante conhecido para ser conveniente- mente estudado e praticado, não hesitamos em nos levantar contra as experiências públicas. Delas provém sempre mais mal do que bem. A doutrina não está em relação com a prática, a ciência dogmática é ensinada de maneira incompleta, e entregar iv a prática sem uma doutrina que seja científica, moral e religiosa é pôr nas mãos de todos um veneno que pode vir a ser mortal. Estas considerações são graves; assim, colocar o magne- tismo nas mãos dos cientistas é um pensamento que todos os homens que apreciaram justamente o valor íntimo desta ciência nova tentaram realizar. Qualquer outro pensamento seria insensato e ilusório. O que nasceu no oceano das inteligências não pode mais desa- parecer. Não se pode senão criar diques e corretivos. Ora, aqui, e certamente aqueles que estudaram o magnetismo nos com- preenderão, o princípio é virtualmente grande, belo e bom, mas o gênio malfazejo do homem vicia sua aplicação. É então contra a prática do magnetismo que é preciso dirigir meios de aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo, as altas inteligências de- vem apoderar-se do fraco raio que os pensadores fizeram bro- tar, para coordenar os fenômenos, penetrar em sua essência e descobrir alguma grande lei que torne enfim mais estáveis essas oscilações que existem no magnetismo prático, oscilações de- sesperantes que ainda não puderam ser fixadas. Então ocorrerá na França o que aconteceu em vários países do Norte, o magnetismo será exercido somente pelos médicos ou por práticos especiais, legalmente reconhecidos. Muitas serão as susceptibilidades alarmadas pelo desejo que expressamos; mas é preciso saber sacrificar os interesses parti- culares em prol do bem geral. A ciência aliás tem sua história, e os nomes daqueles que trouxeram ao magnetismo um trabalho de devotamento e de inteligência aí permanecerão para sempre. As circunstâncias foram as mesmas para que a organi- zação médica seja o que ela é hoje. Não há tanto tempo que as leis concentraram o poder de exercer a arte da cura somente nas mãos daqueles que se impuseram certas formalidades de recepção médica. Os tempos em que o irmão Cosme e o irmão Tiago percorriam a França, operando os calculosos, ainda são v recentes, e passaria agora pela cabeça de alguém querer ressus- citar a liberdade do exercício da medicina? Os estudos e os graus que cada médico tem obrigação de fazer e de obter são garantias tão sérias quanto é possível exigir para a sociedade. Não tememos dizer que aquele que quer praticar e professar o magnetismo deve dar garantias de uma ordem talvez ainda mais elevada. Que fique claro que o magnetismo tem mais inimigos nos charlatães e sonâmbulos falsos do que nas academias. A resistência dos corpos de cientistas é um obstáculo que faz amadurecer a nova ciência, ao passo que o zelo dos ignorantes e dos charlatães envenena e faz morrer os frutos dos trabalhos conscienciosos. Não ignoramos que o poder de um magnetizador é proporcional à vivacidade de seus sentimentos, e que nada con- tribui mais para extinguir tudo o que o coração do homem tem de fé e de caridade, do que os estudos escolásticos mal dirigi- dos; mas sabemos também que na maior parte daqueles que fazem magnetismo, a natureza dos sentimentos é mais ou me- nos falseada pelas ideias mais bizarras e mais errôneas, fruto de uma instrução incompleta. Há portanto inconvenientes dos dois lados, e acreditamos que o melhor meio de fazê-los desa- parecer seria modificar a instrução filosófica da Universidade e criar cátedras de magnetismo na Faculdade de Medicina, na de Ciências e na Sorbonne. Quanto a nós, as circunstâncias foram tais que conhe- cemos o magnetismo desde nossa primeira juventude. Estuda- mos muito, vimos muito, fizemos muito. Hoje em dia, nossa convicção é formal sobre a realidade dos fenômenos, sobre os perigos e sobre as vantagens do magnetismo. A balança está equilibrada no estado atual das coisas! O que devíamos fazer no fim de nosso trabalho? Sempre praticar e propagar? Ou então vi abandonar tudo ou permanecer indiferente? Esses dois extre- mos teriam sido um erro. A humanidade deve atingir um objetivo, e o homem, sem ter sempre consciência da contribuição que traz à marcha ascensional, é obrigado a trabalhar na grande obra. Todas as ciências, todas as artes que se inspiram nas lu- zes da verdadeira filosofia são os degraus da perfectibilidade, e cada ideia nova que jorra entre as inteligências é um progresso, um progresso não para o século que a gera, mas para o que vem depois. Seria preciso deixar-se abater em vista das amarguras que acompanharam a vida de todos os inovadores? Seria preci- so, porque Mesmer e todos os que defenderam e divulgaram a ciência do magnetismo foram tratados de visionários e de pati- fes, seria preciso guardar para si o que se sabe ser verdadeiro e útil? Sem dúvida aquele que preferisse, ao triunfo da verdade, alegrias e repouso durante seus dias, deveria agir assim; mas essa indiferença não é possível para todos, pois há homens para os quais uma verdade é um raio emanado do alto, que os in- cendeia e os impele, mesmo contra sua vontade, a proclamar e propagar aquilo que conheceram. O magnetismo terá uma influência poderosa sobre o futuro da fisiologia e da filosofia, e em seguida sobre a vida mo- ral da humanidade. Pode-se efetivamente considerá-lo como uma doutrina que revela ao homem o mistério de sua organiza- ção física e psíquica. Quão culpados são então aqueles que, por interesse, por ignorância ou por ridículas prevenções, vêm en- travar a marcha desta ciência nova. O que pode o egoísmo, o que pode a tolice, o que pode a apatia, o que podem os vãos escrúpulos diante da verdade? Algum tempo de parada, algu- mas lutas, alguns homens sacrificados, eis o que pode a verti- gem insensata de um espírito revoltado. E o que pesa isso na vii eternidade?... O que é verdadeiro triunfa sempre; os homens passam e a verdade fica. Quantas coisas há a dizer sobre o magnetismo! Ele toca com efeito em tudo o que interessa ao homem. O estudo das leis que regem o mundo físico não recebe novos esclarecimen- tos a partir das observações do sonambulismo? Esses fenôme- nos de antipatias e de simpatias, observados em cada reino da natureza, são agora explicados muito naturalmente pela de- monstração da origem comum de todos esses agentes de forças, esses fluidos diversos que a física especializara como essenciais. A arte de curar também será profundamente modifica- da em seus princípios e sua prática. Mas essa transformação se realizará com mais dificuldades do que a que esclarecerá as ci- ências físicas, pois aqui há paixões a combater. E a filosofia, o que receberá de nossos trabalhos? Ad- quirirá bases certas; o ceticismo terá satisfação, pois poderá quase tocar nesses mistérios do espiritualismo que chocavam sua razão. Estas três categorias respondem às necessidades mais imperiosas do espírito humano: desejo de conhecer, instinto de conservação, sentimento das coisas metafísicas. Os gênios que brilharam na terra sempre procuraram, cada um em sua esfera, roubar este triplo segredo; mas todos aqueles que não quiseram como guia senão a razão humana, desviaram-se do caminho: são prova disso os médicos, que esqueceram completamente a medicina instintiva; e também os filósofos, que fizeram mil sei- tas. Acreditamos que o estudo aprofundado do magnetis- mo deve ajudar a entrar na via que leva à verdade a física, a medicina e a filosofia. Para fazer compreender nossas ideias sobre o valor do magnetismo, foi preciso tratarmos junto os três pontos de vista sobre os quais desejamos chamar a atenção dos cientistas. É viii
Description: