Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento de Antropologia Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social A morada do Lótus: A prática de meditação em um Centro Budista de linhagem tibetana localizado em Brasília CAIO CAPELLA RIBEIRO SANTOS Orientador: Prof. Dr. JOÃO MIGUEL MANZOLILLO SAUTCHUK Brasília, Distrito Federal, Fevereiro de 2018 Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento de Antropologia Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social A morada do Lótus: A prática de meditação em um Centro Budista de linhagem tibetana localizado em Brasília Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social CAIO CAPELLA RIBEIRO SANTOS Orientador: Prof. Dr. JOÃO MIGUEL MANZOLILLO SAUTCHUK Brasília, Distrito Federal, Fevereiro de 2018 Caio Capella Ribeiro Santos A morada do Lótus: A prática de meditação em um Centro Budista de linhagem tibetana localizado em Brasília Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social Orientador: Prof. Dr. João Miguel Manzolillo Sautchuk Data de Aprovação: 03/02/2018 Banca Examinadora: Prof. Drº. João Miguel Manzolillo Sautchuk (Presidente) – DAN/UnB Prof. Drª. Christine de Alencar Chaves – DAN/UnB Prof. Drº. José Guilherme Cantor Magnani – DA/USP Prof. Drº. Wilson Trajano Filho (Suplente) - DAN/UnB AGRADECIMENTOS Agradeço ao professor Drº João Miguel, pela orientação desta dissertação, e principalmente por sua paciência e leitura atenta dos rascunhos que antecederam a versão final de minha dissertação. Além disso, agradeço por seu apoio durante meu campo a partir de sua escuta atenta e reflexões a partir do material etnográfico que lhe apresentei durante nossas orientações e conversas informais. Ao professor Drº José Guilherme Sá, pelas maravilhosas aulas de clássicos 2, mas para além da teoria antropológica, agradeço principalmente por suas aulas de posicionamento político dentro da academia. A todos os professores do DaN/UnB pelas excelentes aulas e insights. Agradeço também à equipe administrativa: Rosa, Jorge e Carol por toda a ajuda e carinho durante estes 2 anos. Aos lamas, por seus preciosos ensinamentos, à sanga do Padma Ling, pela convivência durante as práticas de meditação. A todos os colegas com que, durante o mestrado, pude dividir ideias e os espaços de convivência, sobretudo a todos os colegas e amigos de minha turma 1º 2016, não os listarei aqui pelo medo de deixar alguém de fora. A Yara, por sempre estar ao meu lado, conversando sobre minha dissertação e as diversas ideias que tive durante o processo de escrita e sugerindo várias reformulações. Agradeço-lhe principalmente por todo carinho, amor e cumplicidade. A toda minha família, Jorge, Francisca, Carol e João, por sua calma e ajuda durante esse processo, através de seu apoio e carinho. Sou grato pelo café de minha mãe que me auxiliou a manter-me trabalhando durante a escrita e pela paciência de todos por ter me apossado da mesa de jantar desde agosto de 2017, quando comecei a escrever os primeiros rascunhos desta dissertação. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de Mestrado, sem a qual essa pesquisa não seria possível. Aos amigos, principalmente aqueles que participam dos mesmos grupos de RPG que eu, por entenderem minha ausência durante o processo de pesquisa e escrita. Por fim, não poderia deixar de agradecer ao grupo sueco Sabaton, cujas canções acompanharam-me durante a escrita desta dissertação. Fait Accompli “Não foi uma agonia no jardim, foi uma bem-aventurança debaixo da árvore; não foi a ressurreição de nada, mas a aniquilação e todas as coisas. Veio a buda naquelas horas a compreensão de que todas as coisas vêm de uma causa e vão para a dissolução e, portanto, todas as coisas são impermanentes, todas as coisas são infelizes e, por conseguinte e mais misterioso, todas as coisas são irreais”. Jack Kerouac, Despertar: uma vida de Buda p.56 “Deve o homem moldar a si próprio, antes de ensinar aos outros. Tendo bem domado a si mesmo, poderá bem ensinar aos demais. O eu é sutil e verdadeiramente difícil de ser domado (159)”. Burgos, Dhammapada: O nobre caminho do Dharma do Buda p.103 RESUMO O objetivo deste trabalho é a compreensão da forma como o budismo tibetano manifesta-se em uma sociedade individualista e de maioria cristã, especificamente em Brasília. Dessa forma, acompanhei o cotidiano deste centro de práticas budistas tibetano (Chagdud Padma Ling), tendo como foco a prática de meditação com visualização divindade. A partir desta prática de meditação, analisei a eficácia que é construída ao redor dos mantras e demais signos envolvidos nesta meditação, sob a perspectiva de uma abordagem performativa do ritual. Através desta abordagem priorizamos a apreensão do modo como mito (pensar) e rito (fazer) interagem durante a prática de meditação com visualização de divindade. Em um primeiro momento apresento o mito, como é ensinado nesta linhagem de budismo tibetano, sobretudo através dos ensinamentos dos lamas; em um segundo momento apresento a prática de meditação com visualização de divindade e analiso a interação entre mito e rito durante a prática. Através dessa reflexão sobre a prática de meditação com visualização de divindade, apresento a forma com que o budismo tibetano é vivenciado neste centro e a centralidade das práticas enquanto princípio organizador da hierarquia existente durante o rito e no cotidiano deste centro. Esta reflexão, comunica a centralidade das práticas de meditação na busca pela superação da condição humana através da mudança de hábitos decorrente da meditação com a visualização de divindades. Palavras-Chave: Budismo Tibetano; Budismo no Brasil; Prática de Meditaçao; Prática de Tara Vermelha. ABSTRACT The aim of this study is the comprehension of how Tibetan Budhism manifests itself in an individualistic and christian majority society, specifically in Brasilia. In this way, I followed the daily life of a center of Tibetan Buddhist practices (Chagdud Padma Ling), focusing on the practice of meditation with divinity visualization. From this practice of meditation, I analyze the efficacy that is built around mantras and other signs involved, this analysis it's performed from a performative approach of ritual. Through this approach I prioritize the apprehension of how myth (thinking) and ritual (doing) interact during the practice of meditation with visualization of divinity. In a first moment, I present the myth as it is taught in this lineage of Tibetan Buddhism, mainly through the lamas teachings; in a second moment, I present the practice of meditation with visualization of divinity and analyze the interaction between myth and rite during the practice. Through this reflection on the practice of meditation with visualization of divinity, I present the way in which Tibetan Buddhism is experienced at this center and the centrality of practices as the organizing principle of the hierarchy existing during the rite and in the daily life of this center. This reflection communicates to us the centrality of meditation practices in the quest for overcoming the human condition, through the change of habits resulting from meditation with the visualization of deities. Keywords: Tibetan Budhism; Budhism in Brazil; Meditation Practice; Red Tara Practice. SUMÁRIO Introdução 9 Capítulo I 15 Bodhicharyāvatāra – O caminho do Bodisatva: notas sobre o budismo. 1.1. Religião enquanto categoria antropológica 23 1.2 Budismo e a hierarquia entre as escolas de budismo, a partir da perspectiva Vajrayana 31 1.3 O paradoxo Vajrayana sobre o eu: um encontro com lama Norbu 39 1.4 A crença Budista na perspectiva Vajrayana 42 1.5 A prática e a iniciação 45 1.6 A prática e a aniquilação do Eu 48 1.7 O mantra enquanto prece: a tensão entre fazer e pensar 57 Capítulo II 64 Budismo no contexto brasileiro e Ideologia moderna 2.1 Padma Ling: A morada do lótus 69 2.2 O calmo permanecer 76 2.3 O individualismo 81 2.4 A introdução do budismo no Brasil 96 Capítulo III 109 É eficaz por que você pratica. Notas sobre a eficácia da prática meditativa de Tara Vermelha. 3.1 No espaço à minha frente 110 3.2 De Yeshe Dawa à Chagdud Tulku Rinpoche: Uma breve história sobre a origem da Prática 116 de Tara Vermelha e sua transmissão 3.3 Uma análise performativa da Prática de Tara Vermelha 126 3.4 Voz e Imagem: A eficácia da meditação 140 Considerações finais 147 Glossário de Termos Êmicos 153 Referências Bibliográficas 158 Lista de Figuras Figura 1 – Caminhos budistas 38 Figura 2 – Altar dos Budas. 73 Figura 3 – Trono dos lamas. 74 Figura 4-Figura – Planta baixa do Chagdud Padma Ling. 75 Figura 5 – Lama Sherab Drolma ministrando ensinamentos durante retiro no Padma Ling: 80 sabedoria e compaixão. Figura 6 – Arya Tara 108 Figura 7 – Padmasambhava 115 Lista de Tabelas Tabela 1 – Participação em retiros, ensinamentos e iniciações 32 Tabela 2 – Cores que irradiam-se da testa, garganta e coração de Tara 112 Introdução Esta dissertação é uma reflexão a partir de meu trabalho de campo sobre as práticas de meditação realizadas em um Centro de Práticas Budista localizado em Brasília. Durante meu trabalho de campo no Chagdud Gonpa Padma Ling (A morada do Lótus), deparei-me com a centralidade da prática de meditação e uma forma muito específica de como o budismo é vivido em Brasília. A fim de contemplar a centralidade deste rito e como ele influencia na forma com que os indivíduos vivenciam o budismo em Brasília, optei por utilizar-me das contribuições de Tambiah (1981 [1979]) e sua abordagem performativa do ritual, adaptando-a ao meu campo. Assim, o objetivo deste trabalho é a compreensão da forma como o budismo tibetano manifesta-se em uma sociedade individualista e de maioria cristã, especificamente em Brasília. Para tanto meu objeto de análise é a prática meditativa de Tara Vermelha: Uma porta Aberta para a Bem Aventurança e o Estado Desperto Definitivo no contexto conciso, doravante, Prática de Tara Vermelha. Esta é uma meditação que envolve a visualização da divindade Tara Vermelha, podendo ser praticada por não iniciados em seu contexto conciso, o qual acompanhei em meu campo. Além disso, tenho como objetivos específicos analisar a eficácia dos mantras e demais signos na prática de Tara Vermelha, a partir de uma abordagem performativa do ritual; e captar a relação entre a eficácia performativa do rito e a cosmologia budista. A pesquisa etnográfica foi realizada entre agosto de 2016 a novembro de 2017, no Centro Budista de linhagem tibetana Padma Ling, ligado à organização Chagdud Gonpa Brasil, fundada pelo lama tibetano Chagdud Tulku1 Rinpoche2. O Padma Ling foi fundado em 20 de outubro de 2000, com a autorização de Chagdud Tulku Rinpoche, e está sobre a orientação da lama Sherab Drolma. A compreensão da forma como o budismo tibetano manifesta-se no país foi meu ponto de partida, contudo, a fim de compreender esta manifestação foi necessário acompanhar as práticas realizadas no Padma Ling, apreender os ensinamentos repassados no centro e realizar 1 Indivíduo no budismo tibetano que é reconhecido como a reencarnação de um mestre budista. 2 Precioso, título honorífico conferido à um lama, a partir da preciosidade de seus conhecimentos e habilidade de meditação. 9 uma leitura das obras devocionais indicadas pelos lamas. A obra Os Portões da Prática Budista, escrito por Chagdud Tulku Rinpoche, foi de fato o portão de entrada no budismo tibetano, pois a partir desta obra tive contato com a intricada cosmologia tibetana. O foco da investigação em campo, no entanto, foi a análise da Prática de Tara Vermelha, a fim de compreender a forma com que o budismo manifesta-se em Brasília. A Prática de Tara Vermelha, é uma prática de meditação com a mentalização (ou visualização mental) da divindade, que ocorre semanalmente no Padma Ling. Durante o período em que realizei meu campo tive também a oportunidade de acompanhar os ensinamentos ministrados pelos lamas: Norbu, Sherab e Khadro durante suas visitas ao Padma Ling, que, por sua vez, não possui um lama residente, apesar de estar sobre a orientação de lama Sherab Drolma. Momentos como a visita dos lamas ao centro me chamaram a atenção, pois nestes eventos o número de praticantes aumentava exponencialmente, alguns deles advindos de outros estados ou mesmo outros centros de prática de Brasília, como o Centro de Estudos Budistas Bodisatva – Brasília (CEBB – Brasília). As visitas dos lamas ao centro são momentos nos quais eles apresentam ensinamentos a respeito do budismo e ensinam as práticas aos participantes, é importante frisar que apenas aos lamas é permitido o ensinamento. O que me levou a uma questão: Se apenas os lamas podem dar ensinamentos como as pessoas aprendem a Prática de Tara Vermelha que é aberta ao público? A resposta foi: praticando com os leigos (unze) que dirigem a prática semanalmente. A figura das praticantes leigas iniciadas no budismo tibetano é de cabal importância para compreender o dia a dia do Padma Ling, pois são elas quem movimentam o templo e recebem os visitantes. Desde o meu primeiro contato fui recebido por elas, que recebem os visitantes e os orientam durante a prática. Desta forma, a construção do meu objeto de pesquisa foi guiada por esta realidade que encontrei no centro. Interessado no dia a dia de um templo budista, concluí que a vida diária do centro é guiada pelas práticas que lá ocorrem. Como não há lama residente no centro, são as práticas que movimentam a vida do centro. Por isso, os praticantes dão tanta importância a momentos como as visitas dos lamas, quando é possível compreender o que se pratica. Com essa reflexão, revisitei uma das dicotomias presentes na antropologia: a relação entre fazer (rito) e pensar (mito), dimensões que são separadas em algumas formas de apreensão mas que são indiscutivelmente complementares. A partir de minha observação da 10
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