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UMA RESPOSTA CRÍTICA À INTERPRETAÇÃO DE ERNST TUGENDHAT SOBRE ALASDAIR PDF

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UMA RESPOSTA CRÍTICA À INTERPRETAÇÃO DE ERNST TUGENDHAT SOBRE ALASDAIR MACINTYRE1 João Caetano Linhares2 RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de fazer críticas às interpretações de Ernst Tugendhat do livro “After Virtue” (1981) de Alasdair MacIntyre. Tais interpretações aparecem na Décima lição do livro “Lições sobre Ética” (1996) de Tugendhat. Neste livro ele tenta dar novo fôlego ao projeto moral moderno, em geral, e kantiano, em particular. Para isto, ele sente-se forçado a enfrentar as análises macintyreanas do projeto ético da modernidade. O que faremos é uma defesa do diagnóstico de MacIntyre, mostrando que a tentativa de Tugendhat já “nasceu morta”. PALAVRAS-CHAVE: Tugendhat; MacIntyre; Filosofia contemporânea. ABSTRACT: This paper aims at presenting some remarks upon Ernest Tugendhat's interpretation of A. Macintyre's After virtue (1981) as they appear in the tenth lesson in Tugendhat's ethics lessons (1996). In that book, the author tries to bring about a new breath to the modern moral project, generally taken, as well as to Kant's alternative to it, more particularly. In order to carry out with his own version, Tugendhat is forced to face the macintyrean analysis of the ethical project in Modernity. We also defend MacIntyre's diagnosis by pointing out that Tugendhat's attempt is stillborn. KEY WORDS: Tugendhat; MacIntyre; Contemporary Philosophy. INTRODUÇÃO Em 1981 MacIntyre publica seu livro After Virtue3, no qual faz análises agudas sobre a moralidade e a filosofia moral contemporâneas. A pergunta que guia MacIntyre é “como viemos parar aqui?”. Ou seja, quais foram os acontecimentos histórico-sociais que nos trouxeram a este estado de desordem 1 Trabalho produzido como requisito para a aprovação na disciplina Tópicos especiais de ética III do Mestrado em Ética e Epistemologia da UFPI. 2 Aluno regular do Mestrado em Ética e Epistemologia da Universidade Federal do Piauí. e- mail: [email protected] 3 Neste trabalho utilizaremos a versão em português: “Depois da Virtude” (2001). Seara Filosófica – Verão 2010 no discurso e prática morais? Daí ele construir uma narrativa histórica retrospectiva de todo o movimento que nos trouxe até o presente. O que MacIntyre desvela em sua narrativa histórica é que boa parte dos nossos problemas morais, políticos e sociais atuais estão estritamente ligados aos nossos problemas filosóficos, ou seja, que uma escolha teórica feita no passado, pelos pensadores iluministas, gerou uma série de dificuldades filosóficas e acabou por contaminar a vida social. E que é impossível resolver um conjunto de problemas sem resolver o outro. O próprio MacIntyre admite que a sua narrativa histórico-decadentista da tradição iluminista, e junto com esta da tradição prático-teórica da tradição ocidental mais ampla, não é uma narrativa de grandes acontecimentos, mas de um processo longo e contínuo. Que processo é este? É o processo histórico de efetivação do projeto filosófico iluminista de fornecer uma justificação puramente racional para a moralidade, ou seja, o projeto de encontrar uma fundamentação para a moralidade que seja ao mesmo tempo neutra e universal. O que MacIntyre atesta é que nas suas várias formas este projeto fracassou. E, segundo ele, tinha mesmo que fracassar, pois os pensadores iluministas ao rejeitarem qualquer concepção metafísica do ser humano romperam também com o esquema teleológico que vinha funcionando desde a antiguidade. O esquema teleológico, de acordo com MacIntyre, possuía três partes essenciais: a) Uma idéia do ser Humano como ele é por natureza, ou seja, sem que ele tenha sido educado ainda; b) uma idéia do ser humano como ele deve ser se alcançar o seu telos, ou melhor, uma idéia de como seria o ser humano se chegasse a realizar sua essência; c) a Ética como a scientia responsável por instruir o ser humano e deste modo guiá-lo de um estado ao outro. Os pensadores modernos, ao romperem com qualquer concepção de essência do ser humano, acabaram por quebrar o esquema clássico/teísta (que recebe este nome por ter funcionado desde a antiguidade até a alta idade- média). O grande problema é que, apesar destes pensadores não aceitarem qualquer discussão acerca da essência do ser humano, continuaram a usar os 72 João Caetano Linhares outros dois elementos do esquema clássico, ou seja, continuaram partindo de uma idéia do ser humano como este é por natureza e tentando desenvolver uma teoria ética. O problema é que sem uma concepção teleológica do ser humano (de como este seria se realizasse sua essência) os preceitos éticos parecem ficar sem fundamento, pois se a função da ética, entendida como ciência, é possibilitar que o ser humano passe de um estágio não-educado para um estágio educado, e se a idéia de como deve ser o ser-humano-educado foi rejeitada, então a ética perde sua função. E se alguém questiona o “porquê” de seguir uma norma, não possuímos nenhum argumento que possa responder de maneira satisfatória. É por este motivo que na modernidade surgem uma série de normas, assim como sucessivas tentativas de fundamentá-las, sem que nenhuma forneça uma boa justificativa do “porquê” obedecê-las. A teoria kantiana, por exemplo, é atingida em cheio por esta análise macintyreana. Kant defendia que se deve obedecer a norma moral por amor a esta, sem nenhum tipo de apelo a algo externo a ela, ou seja, sem apelar a qualquer concepção teleológica (a felicidade, por exemplo). E Tugendhat ao tentar reabilitar a ética kantiana em seu livro “Lições sobre ética” (1996), tem que responder às análises macintyreanas sobre a filosofia moral moderna, em geral, e a filosofia moral kantiana em particular. Ele tenta fazer isto na décima lição. O nosso propósito aqui é mostrar como ele não consegue nem defender de maneira satisfatória os pressupostos da filosofia moral moderna, nem a filosofia moral kantiana, e que as análises macintyreanas sobre a modernidade permanecem incólumes às pretensões de refutação realizadas por Ernst Tugendhat. TUGENDHAT versus MACINTYRE. Tugendhat começa a sua décima lição fazendo uma distinção entre três correntes básicas que devem ser enfrentadas, se se quer defender a validade do programa ético kantiano: a) a corrente que ele chama de 73 Seara Filosófica – Verão 2010 tradicionalística; b) as alternativas iluministas ao programa de Kant; e c) uma terceira que ele denomina de corrente “conservadora”. A primeira corrente expressa o tipo de racionalidade baseada numa autoridade, e nisto mostra-se, de acordo com Tugendhat, limitada, pois tal autoridade limita-se àqueles que acreditam nela. A segunda corrente é aquela que é representada pelas várias alternativas iluministas que são antagônicas, tanto entre si, quanto ao programa kantiano. A terceira consiste nas tentativas modernas e contemporâneas de recusar em bloco as éticas e conceitos morais iluministas. No que diz respeito à terceira perspectiva Tugendhat afirma que: Estas posições antimodernas têm todas o sentido de chamar a atenção para falhas que parecem dadas em uma moral especificamente moderna, iluminista, como tal em relação a uma moral tradicionalística. (Tugendhat, 1996, p.215) Deve-se evidenciar que Tugendhat desde o princípio se utiliza de recursos meramente retóricos contra as interpretações macintyreanas. Podemos perceber isto quando ele situa MacIntyre na posição antimoderna, que ele pretendia chamar de “retrógrada”, mas opta por chamar de “conservadora”, tentando com isto ligar a postura macintyreana com termos sabidamente pejorativos para a cultura ocidental que foi acostumada a refletir que o progresso é melhor do que ser retrocesso ou a conservação. Ao fazer isto, Tugendhat tenta levar o leitor a ter uma idéia negativa das análises de MacIntyre sobre a modernidade, pois, se a teoria macintyreana é considerada retrógrada ao se contrapor ao tipo de teoria que é comum à modernidade, ele implicitamente está dizendo que as teorias modernas, e mais particularmente a kantiana, representassem progresso. Porém, o fato que devemos dar maior atenção é que Tugendhat já começa a cometer sérios erros nestas suas primeiras distinções, pois ele afirma que o que difere a posição tradicionalística da “conservadora” é que na primeira a autoridade é levada muito a sério, ou seja, aqueles que são adeptos da moral tradicionalística realmente crêem na autoridade, enquanto os adeptos da posição “conservadora” não crêem realmente numa autoridade, mas apenas refletem sobre as vantagens do autoritário, e ainda completa: “daí ser ela ou instrumentalista ou nostálgica”. (Tugendhat, 1996, p. 215) 74 João Caetano Linhares O que Tugendhat herda da tradição iluminista e se mostra incapaz de tematizar de maneira adequada é a separação que esta tradição faz entre razão e autoridade. Daí ele considerar que seguir uma autoridade é algo irracional. Mas, e isto é MacIntyre que mostra, aquilo ao que todos os iluministas estão cegos é para o fato de que o próprio iluminismo é mais bem compreendido como uma tradição e, mais, só pode ser compreendido de maneira adequada como uma tradição fracassada. E, como toda tradição, o iluminismo possui sim suas autoridades e apela a elas constantemente, mesmo que neguem isto e continuem em sua tentativa de estabelecer padrões racionais neutros e universais (ou será que Tugendhat não considera Kant uma autoridade?). O próprio iluminismo, entendido como tradição, representa uma autoridade para Tugendhat, pois como ele mesmo diz, “o desafio mais importante para o programa kantiano, corretamente entendido, é o confronto com outros programas iluministas” (Tugendhat, 1996, p.215). Ou seja, Tugendhat sente-se mais à vontade dentro dos padrões de discussão de sua própria tradição. Vejamos, pois, como os padrões macintyreanos nos podem ajudar a dar uma explicação muito melhor das posições de Tugendhat do que este mesmo seria capaz. Segundo MacIntyre, e isto é uma parte central de suas reflexões, todos nós fazemos/somos parte de uma tradição, estando ou não conscientes deste fato. A conseqüência disto é que não existe apenas uma tradição, mas diversas tradições, cada uma com seus padrões de justificação e argumentação internos, ou seja, não há nenhum padrão neutro às tradições ao qual possamos apelar no caso de um debate entre duas tradições que possuem respostas opostas para as mesmas questões. MacIntyre, ao afirmar isto, dá um golpe no coração da tradição iluminista, pois o projeto filosófico-moral desta tradição era fornecer uma fundamentação para a moralidade que fosse neutra e universal. Não é que nenhuma explicação não possa ser universal, por não poder ser neutra. Para 75 Seara Filosófica – Verão 2010 MacIntyre uma tradição, com os seus padrões, pode-se mostrar mais universal que outras, porém isto nunca pode acontecer de uma maneira neutra. Uma tradição se mostra mais adequada quanto mais demonstra seu poder de explicar e resolver problemas do que suas rivais, e isto não pressupõe neutralidade. Uma tradição pode superar outra racionalmente, mas isto só pode se dar de forma dialética, ou seja, no enfrentamento dialógico, através de uma conversação entre as tradições em disputa. O embate entre duas tradições ocorre, de acordo com MacIntyre, através de construções histórico-narrativas. Neste sentido, toda tradição possui uma história de si mesma, e se mostrará apta a superar suas rivais à medida que sua narrativa demonstrar maior capacidade de incluir as narrativas de suas adversárias como episódios de sua própria história. Este é o padrão que MacIntyre desenvolve para dar um encaminhamento produtivo ao debate teórico e prático de nossa contemporaneidade. De acordo com este padrão, a tradição que conseguir explicar não só a si mesma a partir de seus próprios padrões internos, mas conseguir, também, explicar os erros das tradições rivais a partir dos padrões destas e, além disso, mostrar como a partir de seus padrões os problemas são mais bem caracterizados e podem até ser resolvidos, terá conseguido superar racionalmente as adversárias. Esta tese é o principal na teoria macintyreana, e ao nosso ver Tugendhat não consegue criticar de maneira adequada. E ele não consegue fazer isto por que está limitado epistemologicamente pelo padrão de racionalidade típico da modernidade, que, como falamos anteriormente, separa razão de autoridade. Tugendhat afirma que existem três modos de pesquisa moral, a tradicionalística, as posturas iluministas e as “conservadoras”. Podemos retrucar a isto, baseados na teoria macintyreana, que todas as posturas são tradicionalísticas. A racionalidade, e mais particularmente a racionalidade prática, está profundamente ligada à tradição da qual emerge e 76 João Caetano Linhares da qual participa constitutivamente4. Então, o primeiro tipo de investigação, a tradicionalística, não se separa dos outros dois tipos, uma vez que toda racionalidade é tradicional e nunca neutra. Já no que diz respeito à perspectiva que Tugendhat chama de “conservadora”5, que ele afirma usarem o autoritário apenas como um experimento do pensamento para ver as vantagens que se teria ao fazê-lo, Tugendhat se mostra mais uma vez equivocado com relação à teoria macintyreana. Esta não quer apenas ver as vantagens que se teria ao levar a sério a idéia de autoridade, mas desvelar que somos sempre parte de uma tradição e que elas possuem autoridade sobre nós. Isto vale, também, para os iluministas. Não é o caso que não se pode questionar a tradição da qual somos parte. As tradições estão expostas a todo tipo de risco. MacIntyre mesmo admite a possibilidade de uma tradição fracassar por meio de seus próprios padrões e princípios internos. Isto acontece quando os conceitos e os padrões de justificação e argumentação de uma determinada tradição se tornam estéreis, gerando o que MacIntyre chama de uma “crise epistemológica”. Quando uma tradição se encontra em tal estado seus adeptos são forçados a procurar e/ou inventar recursos para sair de tal estado, porém se não conseguirem resolver os problemas que geraram a “crise” terão de admitir a superioridade racional de outra tradição que consiga resolver os problemas e fornecer uma explicação adequada do porquê aquela não conseguiu resolvê- los. Com isto, mais uma vez as interpretações de Tugendhat se mostram falhas, pois este entende que a autoridade da tradição é estática, dada de uma vez por todas, mas não é assim que funciona. E os comunitaristas, principalmente MacIntyre, mostram isto. As tradições são vivas e estão em constante movimento. Tugendhat continua suas interpretações de MacIntyre dizendo que: 4 É isto que MacIntyre mostra, por exemplo, ao trazer à tona o fato dos grandes pensadores do iluminismo possuírem um histórico protestante comum. Isto revela que por mais diferentes que sejam suas teorias éticas tais pensadores compartilhavam um ambiente cultural muito próximo. 5 Que é, na verdade, representada por filósofos considerados comunitaristas, tais como MacIntyre, Taylor e Sandel. 77 Seara Filosófica – Verão 2010 MacIntyre é da opinião, primeiro, que toda moral deve ser entendida historicamente, segundo, que se deve ver toda moral apenas como a moral de seu tempo e isto quer dizer sociologicamente como moral e uma constelação social determinada: duas pressuposições bastante questionáveis. (Tugendhat, 1996, p. 224). Ora, entender algo de maneira histórica não significa exatamente ver este algo como pertencente ao seu tempo? Tugendhat é infeliz nesta avaliação, pois se ele quer fazer uma distinção entre histórico e social deveria caracterizar isto de maneira um pouco mais adequada. De qualquer forma ele deveria ter lido o prefácio de “After Virtue”, onde MacIntyre afirma categoricamente que um dos maiores erros da atual academia é fazer uma separação das disciplinas de sociologia, filosofia e história, e que tal erro é um dos resultados da institucionalização dos pressupostos do Iluminismo. Em MacIntyre não há uma tese que seja histórica, outra sociológica e outra filosófica. O que há é um amálgama do que todas estas disciplinas podem fornecer para uma maior compreensão de nossa época e da própria moralidade. Em seguida Tugendhat tenta desacreditar a narrativa que MacIntyre traça do Iluminismo, que é uma narrativa de decadência desta tradição, afirmando que o diagnóstico de MacIntyre do atual estado do debate moral está errado. Ele cita três níveis nos quais MacIntyre tenta reforçar sua tese decadentista. No primeiro, ele [MacIntyre] dá exemplos de respostas contraditórias a questões morais de nosso tempo, que ele considera sem solução. Esta insolubilidade dos pontos de vista morais tem – este é o segundo nível – sua correspondência filosófica no emotivismo, daí também, no existencialismo. Num terceiro nível, esta desorientação é alicerçada numa interpretação da realidade social, na qual, segundo MacIntyre, não só todas as relações humanas se reduzem à manipulação, mas até mesmo acaba esquecida a diferença entre uma relação instrumental entre seres humanos e uma não-instrumental, em que os seres humanos seriam respeitados como fins. (Tugendhat, 1996, p. 227). Não são todas as relações que são instrumentais, apenas aqueles tipos de posturas que são exercidas pelos personagens principais de nossa cultura é que são meramente instrumentais, e por este motivo devem ser esclarecidas e demonstradas como perniciosas para uma existência moral mais legítima. 78 João Caetano Linhares O que não está correto é a interpretação que Tugendhat faz do que analisa em MacIntyre. O primeiro nível serve apenas como exemplo de que em nossa época não possuímos nenhum padrão neutro e universal ao qual poderíamos apelar para resolver os debates morais, e mesmo assim continuamos a nos comportarmos como se o nosso discurso moral fosse puramente racional. Já no que diz respeito ao segundo nível, Tugendhat diz que, “com o emotivismo MacIntyre não foi ao fundo da questão. Este não deve ser entendido simplesmente de forma descritiva, mas como teoria desmascaradora” (Tugendhat, 1996, p. 230). Mas é exatamente como teoria desmascaradora que MacIntyre entende o emotivismo, porém não desmascaradora do discurso moral como tal, mas do discurso moral de Cambridge e outros locais com histórico cultural semelhante entre os anos de 1903 e 1930. Mais uma vez Tugendhat falha na sua pretensão de refutar as concepções macintyreanas. A série de erros que Tugendhat comete em sua décima lição parece não ter fim, pois ele defende que: “A questão ‘o que eu quero, como quero viver?’ leva de volta à velha questão de fato aristotélica: ‘o que pode me fazer feliz?’ Esta é a questão que precisamente pode nos remeter à moral.” (Tugendhat, 1996, p. 234). Com afirmações deste tipo Tugendhat trai o programa kantiano que deseja reabilitar, uma vez que Kant não aceita a interferência de elementos heterônimos na justificação das ações morais. Por exemplo, se alguém pratica uma ação, e pretende que esta seja considerada moral nos padrões kantianos, não pode justificá-la como contribuindo para sua felicidade, pois para Kant uma ação só merece o título de verdadeiramente moral quando é praticada por si mesma, por dever. Para Kant, uma ação mesmo que seja praticada de maneira correta, mas que assim o foi unicamente porque torna quem a praticou feliz, não é uma ação praticada por dever, mas conforme o dever. Não é uma ação moral, mas conforme a moral. Disto decorre que se Tugendhat parte da questão “o que pode me fazer feliz?” ele simplesmente não é um legítimo kantiano. Tugendhat tenta desorientar a leitura de “After Virtue” numa de suas teses centrais que é a idéia de que, talvez, o retorno à ética das virtudes como 79 Seara Filosófica – Verão 2010 concebida por Aristóteles possa trazer luz para o atual debate moral. Ou seja, que o esquema aristotélico possa nos ajudar a descrever e talvez até dê um rumo para o debate contemporâneo. Muito se critica MacIntyre pelo seu retorno aos padrões aristotélicos. A crítica, geralmente, é que ele faz uma interpretação errada de Aristóteles e Tugendhat parece se utilizar deste expediente. Mas o que MacIntyre faz é interpretar, não só Aristóteles, mas toda uma tradição da ética das virtudes, de maneira que ela possa ser reabilitada e trazer luz não só para o debate moral, mas para o funcionamento da consciência ética como tal. O que MacIntyre percebe é que o esquema aristotélico é útil, pois conseguiu funcionar de maneira adequada em ambientes culturais muito diferentes, tais como o mundo grego, o islâmico, o judeu e o cristão. Ora, em que consiste tal esquema conceitual? O que faz dele algo tão útil? Esse esquema conceitual consiste em: A ética de Aristóteles, em sua explicação central das virtudes, dos bens como os fins das práticas humanas, do bem humano como aquele fim para o qual todos os outros bens estão ordenados, e das regras de justiça necessárias para uma comunidade de práticas ordenadas, capta aspectos essenciais não somente da prática humana na cidade-estado grega, mas da prática humana como tal.6 (MacIntyre, 2007 p. xviii) O que torna este esquema tão útil é a sua capacidade de adaptação. O esquema aristotélico consegue capturar o aspecto universal da consciência ética. E quanto aos detalhes, os pormenores culturais-sociais, o esquema se mostra suscetível de alterações quando necessárias. Por fim, Tugendhat tenta fazer uma crítica do que ele chama de teoria dos practices, mas não passa de um balbucio que não podemos nem articular um contra argumento, pois ele apenas diz que a concepção de practice é insuficiente para defender uma teoria das virtudes e que é um conceito que está suspenso no ar no pensamento de MacIntyre. O que podemos dizer é que a concepção de práticas aparece no pensamento macintyreano quando este se questiona se ainda seria possível pensar uma teoria das virtudes hoje. Já que a 6 Aristotle's ethics, in its central account of the virtues, of goods as the ends of human practices, of the human good as that end to which all other goods are ordered, and of the rules of justice required for a community of ordered practices, captures essencial features not only of human practice within Greek city-states but of human practice as such. (MacIntyre, 2007 p. xviii). 80

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RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de fazer críticas às interpretações de Ernst. Tugendhat do livro “After Virtue” (1981) de Alasdair MacIntyre.
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