Para Frank Fforde e Heidi Cawley, com muito amor e gratidão. Também para Téo Fforde, só por estar ali. Agradecimentos Escritores são como bolas de neve; eles passam a vida juntando pedacinhos de conhecimento — muitas vezes sem saber que o estão fazendo. Mas há várias pessoas que eu sei que deram grandes contribuições para este livro. Sem uma ordem em especial: Elizabether Garret para Cliff Cottage, que realmente ajudou a evitar o pânico do prazo. Judy Astley e Kate Lace, que ajudaram Cliff Cottage com a ajuda no prazo. Edd Kimber @theboywhobakes, que foi muito prestativo a respeito de competições de culinária. Liz Godsell, por me falar sobre queijos. Heidi Cawley, por me falar sobre delicatessens, por fazer a própria pancetta e por me levar para fazer compras. E também por aprendermos juntas sobre cupcakes. Frank Fforde, que me ajudou com conselhos profissionais sobre cozinha e por me dizer que é possível fazer um rápido creme custard com chocolate branco. Helen Child Villiers — Chepstow Cupcakes —, que me ensinou como fazê- los e zombou dos meus esforços. Molly Haynes, que, quando eu pedi uma receita de canapé pelo Twitter, me respondeu com algo verdadeiramente delicioso. Karin Cawley, por fazer um pudim de pão tão delicioso que tive de botá-lo no livro. Ela também fez Heidi, o que foi ainda mais inteligente. Como sempre, meu marido maravilhoso e assistente de pesquisa, Desmond Fforde, que continua a me aturar. E sem esquecer de Briony Fforde, que me mantém sob controle e me faz rir. Nada corre tranquilamente sem riso. Capítulo 1 Zoe Harper deitou-se no banco ao sol com os olhos fechados, escutando uma cotovia ao longe. Mais perto, ela podia ouvir o estalido da grama e o zumbido de insetos. O tempo andava instável nos últimos dias, no melhor estilo britânico, mas aquele era um dia perfeito de início de verão. Advertida de que o GPS não funcionava na área, ela pensou que passaria muito tempo perdida e chegou cedo demais ao local. Ficou se perguntando se estava no lugar certo, pois a velha mansão parecia estar passando por uma grande reforma, com enormes andaimes e várias vans de empreiteiros estacionadas na entrada. Fenella Gainsborough, em estágio avançado da gravidez, confirmou: sim, ela estava no lugar certo, e, obviamente, ainda não estando pronta para seus convidados, colocou um mapa nas mãos de Zoe e a mandou dar uma volta. Zoe, aliviada por ter chegado ao seu destino, ficou feliz em deixar o carro e explorar o local a pé. Como nenhum dos outros concorrentes havia chegado — eles só eram esperados de noitinha —, ela foi sozinha. Agora tentava relaxar, mas, apesar do sol em suas pálpebras, achava difícil. A caminhada desde Somerby House havia consumido um pouco de sua energia nervosa, contudo, Zoe ainda estava cheia de adrenalina. Sentia-se entusiasmada com a competição culinária iminente — ficara muito feliz por ter conseguido entrar —, mas também estava uma pilha de nervos. E não ajudava o fato de estar sendo filmada, para depois, mais adiante no ano, o programa ser exibido pela TV. Zoe se consolou com o pensamento de que, pelo menos, a transmissão não era ao vivo. Ela ainda não conseguia acreditar que havia passado pelo rigoroso processo seletivo. Só havia se inscrito por insistência da mãe e da melhor amiga, Jenny, mas ali estava ela, em um campo no meio do nada, sentindo como se estivesse prestes a ser executada. Suspirou e se espreguiçou. O melhor a fazer era respirar fundo e tentar tirar uma soneca. No momento em que a paz dos campos ingleses finalmente começava a deixá- la relaxada, ela ouviu um carro na pista abaixo e de repente se sentiu completamente desperta. O carro passou e então parou. Obviamente chegara ao portão que bloqueava a pista. Zoe também tinha seguido por ali havia mais ou menos meia hora e decidira não passar por cima dele. Um grande aviso de “Não ultrapasse” a ajudara na decisão. Zoe esperou e logo ouviu o carro dar ré ruidosamente. Ele teria de seguir de ré pela pista toda, a não ser que fosse pequeno, mas o som não era o de um carro pequeno. Ele parou e ela ouviu a troca de marcha. Assim que percebeu o que o motorista pretendia, sentou-se ereta e começou a descer a ribanceira. Havia uma vala, escondida pela grama alta. Ela mesma não a teria encontrado se não tivesse tropeçado e quase caído nela. Tarde demais. Quando ela finalmente chegou à pista, espanando resquícios de grama de seus jeans, a roda traseira do carro estava suspensa sobre a vala. A parte da frente estava quase lá dentro, do outro lado da pista. O motorista saiu do carro e bateu a porta. — Que lugar idiota para se construir uma vala! — resmungou. Ele tinha uma aparência bastante impressionante. Alto e de ombros largos, com cabelo escuro, tinha o ar de uma pessoa que não estava acostumada a ser contrariada pela engenharia civil. Zoe ficou com vontade de rir, mas só conseguiu dar de ombros. — Um lugar bastante comum, eu pensaria, ao lado da pista, para escoar a água. O homem olhou fixamente para ela. — Não tente me confundir com lógica. O que vou fazer? Provavelmente era uma pergunta retórica, mas Zoe, que levava as coisas muito ao pé da letra, disse: — Ligar para o seguro, o reboque, alguma coisa assim? Ele fechou a cara. — Pareço o tipo de homem que anda com o número de telefone de um reboque? Zoe refletiu por um momento. Ela não tinha pensado que havia um visual típico para quem andasse com o telefone do reboque, mas, conforme estudava o estranho mais atentamente, percebeu que o cabelo cacheado dele, um pouco comprido demais, na verdade, era de um ruivo muito escuro. Ele tinha olhos verdes, uma boca curva e um nariz grande, ligeiramente adunco. Ela não conseguia decidir se ele era muito bonito ou muito feio; mesmo assim, tinha de admitir que era extremamente sexy. Parecia o tipo do homem que presumia que seu carro nunca iria quebrar. — O que eu vou fazer? — perguntou ele, mais uma vez retoricamente. Ele despertou o que havia de pior em Zoe. Ela sabia que ele esperava que ela não respondesse ou apenas se oferecesse para ir buscar ajuda, mas decidiu provocá-lo. Sentia-se um pouco tola. — Bem, há muitos galhos perto do portão. Talvez a gente possa empilhá-los debaixo do pneu e você consiga dar ré até conseguir virar. — Apesar de seu desejo de provocá-lo, era uma sugestão sincera. — Ora, você é o cúmulo da praticidade, não é? — constatou ele, fazendo com que ser prática parecesse ruim. Apesar disso saiu andando pela pista na direção em que ela havia apontado e então chamou-a imperiosamente por cima do ombro. — Vem, vou precisar de você. Enfurecida com os modos dele — “cúmulo da praticidade”? —, embora feliz por estar fazendo alguma coisa útil para extravasar seu nervosismo diante da futura competição, Zoe o seguiu. Mas ela se censurou; isso podia lhe trazer sérios problemas. Ela já havia sacado quem ele era àquela altura — quem mais passaria por ali a menos que fosse para Somerby? E este homem — arrogante e questionador — tinha que ser um dos jurados. Ele não poderia ser um mero participante em uma competição culinária. E como ela conhecia os outros jurados de vista de suas aparições na televisão, este só podia ser Gideon Irving. Era um nome conhecido no mundo da gastronomia: crítico, escritor especializado e empresário. Seu estilo literário era ácido e muitas vezes cruel, mas ele adorava descobrir novos chefs e chamara atenção do público para vários novos talentos. Ela não havia sido exatamente grossa, mas tendera um pouco nessa direção. Não ia ganhar a competição agora. E ficar a sós com um dos jurados — por mais inocente que a situação fosse — não seria contra as regras? Ah, por que não havia simplesmente ficado deitada na grama ouvindo as cotovias? Correu para alcançá-lo. Eles acharam umas toras maiores além dos galhos. Uma clareira tinha sido aberta ali perto, a maioria dos troncos de árvores havia sido removida, mas ainda sobravam vários. — Vou levar algumas das toras maiores e você leva o que conseguir carregar — instruiu ele. Zoe assentiu e começou a catar os pedaços de bétula, abeto e faia espalhados por ali. — Se isso não der certo — falou ela, achando difícil acompanhá-lo apesar de os braços dele estarem cheios de toras —, podemos ir até a casa e pedir que mandem um trator, sei lá. — Podemos — concordou Gideon Irving —, mas vamos tentar isso primeiro. Ele não chegou a sorrir para ela, embora o olhar especulativo que lhe lançou indicasse que estava gostando do que via. Zoe não era uma grande fã da própria aparência, mas não tinha nenhum tipo de complexo por causa disso. Tinha cabelo castanho, curto e cacheado, um corpo pequeno, pele clara e sardas. Ela sabia que, quando se arrumava, podia ficar bem bonita, só que hoje não estava nem um pouco arrumada. Vestia jeans, tênis e uma camiseta listrada. Nunca usava muita maquiagem, e no momento não estava usando nenhuma. Tinha olhos azuis e cílios escuros e sabia que seu tamanho fazia parecer que tinha menos que seus 27 anos. — Está bem. Juntos eles empilharam a madeira dentro da vala, construindo uma plataforma para o pneu suspenso. Não falaram muito, mas Zoe estava se divertindo. Gostava de resolver problemas e quando viu algumas pedras que haviam caído de um muro, foi pegá-las. Seu agradecimento foi uma olhada e um grunhido, no entanto, de alguma forma ela se sentiu recompensada. Ele tinha olhos incríveis. Ela sentiu uma palpitação de entusiasmo. — A questão é: vamos ter que fazer isso tudo de novo na outra vala? — perguntou ele. — Vamos — respondeu ela. Vinha pensando exatamente naquilo enquanto trabalhava. — Mas agora que temos as pedras não vai demorar tanto. Zoe estava imunda e bastante suada quando eles finalmente terminaram. Ele já havia tirado a jaqueta há muito tempo e sua camiseta branca estava coberta de lama. — Você sabe dirigir? — indagou ele. — Sei. — Seguir instruções simples? — Sei. — Mais uma vez, ela decidiu não se sentir ofendida. Era mais fácil somente entrar no carro. Na verdade, queria rir, mas sentiu que não seria uma boa ideia. Os homens não gostavam que rissem deles quando estavam com problemas em seus carros. Zoe não era especialista em homens, mas até ela sabia disso. O carro tinha um aroma leve e delicioso de perfume e do estofamento de couro. Havia um painel que ela levou um momento para entender. Gideon Irving aproximou-se dela enquanto falava pela janela aberta. — Acelere devagar, e vamos ver o que acontece. Alguns momentos e uma boa quantidade de lama depois, ele voltou até a janela e fechou a cara para ela. Ela lhe deu um sorriso simpático. — Ainda posso ir até a casa e pedir ajuda. — Zoe ergueu os olhos para ele, que também estava suando e tinha uma mecha de cabelo grudada na testa. Ele meneou a cabeça em uma negativa. — Vou até lá se for preciso. — Ele fez uma pausa, avaliando-a, seu olhar inescrutável. — Tente dar ré. Foi preciso dar muita ré, avançar aos pouquinhos e encher a vala muitas vezes, mas, finalmente, o carro conseguiu virar. Zoe sentia como se tivesse corrido uma maratona. Ela saltou e descobriu que estava tremendo, apesar de só ter dirigido. — Bom trabalho — disse ele e então sorriu. Era como se ela tivesse ganhado a medalha de ouro nos 100 metros. — Quer uma carona de volta para a casa? — Ele ainda estava sorrindo. — Ah... quero — concordou ela, sem saber bem se suas pernas estavam tremendo por causa do que havia passado ou por alguma outra coisa. — Então entre — disse ele quando ela não se moveu. De alguma forma, ela pôs o corpo em movimento e entrou no carro. Agora o cheiro pungente de homem superava o de perfume e o de couro. Zoe umedeceu os lábios secos e olhou fixamente pela janela do carona. Estar tão perto dele parecia quase demais, apesar de ela não saber exatamente o porquê. Ele tinha um efeito muito perturbador sobre ela, que não tinha certeza se gostava disso ou não. No fim do longo caminho, ele parou o carro. — Você é uma das participantes? Ela fez que sim com a cabeça. — Você é um jurado? — perguntou ela, apesar de já saber a resposta. Ele fez que sim com a cabeça. — É melhor saltar aqui, então — aconselhou ele. — É. — Ela fez uma pausa. — Talvez seja melhor fingirmos que não nos encontramos antes. — Se você preferir assim, mas não vai fazer nenhuma diferença em como vou julgá-la. — Ah. — Ela corou. — Não achava que faria. Eu só quis ajudar. — E ajudou. — Ele quase sorriu. — Mas isso não vai fazer você ganhar. — Vou saltar agora — falou Zoe. — E eu vou dar uma volta por aí. Zoe subiu a colina até a casa, com as pernas duras depois do esforço. Somerby era uma casa grande, mas não imponente. Era tão simpática quanto sua proprietária parecera ser no primeiro encontro. Espanando pedacinhos de lama e grama, ela bateu à porta da frente e esperou um tempinho até que Fenella abrisse. Ela não pareceu muito satisfeita em ver Zoe. Vários cachorros saíram correndo pela porta e foram para o gramado na frente da casa. — Ah! Você já voltou! — É. Você disse que eu poderia voltar às quatro. E já são quatro horas. Fenella suspirou e afastou o cabelo do rosto. — Eu realmente gostaria que ainda fossem duas horas. Zoe riu. — Dia difícil? Fenella concordou com um aceno de cabeça. — Por mais que você tente planejar e se preparar e fazer listas, tem dias em que tudo dá errado de qualquer jeito. Zoe se demorou no degrau da frente. — Alguma coisa em especial deu errado? — Não, só que nada deu muito certo. — Ela suspirou de novo. — É porque Rupert, o meu marido, não está em casa. — E não é um bom timing? — Isso! E tenho que preparar o chá dos jurados e os planos que eu tinha cuidadosamente elaborado para o bolo deram errado. Nem tenho tempo de comprar um agora. — Ah. Fenella abriu mais a porta. — Entre, por favor. Nada disso é problema seu. Tenho certeza de que biscoitos empapados são exatamente o que pessoas esnobes do mundo gastronômico gostam com seu chá da tarde. — Com certeza! — concordou Zoe diplomaticamente.