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Um escandaloso theatro de horrores: a capitania do Ceará sob o espectro da violência PDF

142 Pages·2010·4.972 MB·Portuguese
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UM ESCANDALOSO THEATRO DE HORRORES A capitania do Ceará sob o espectro da violência ·' '·:1'·)11'l)'.i\!r~~ •... • José Eudes Arrais Barroso Gomes Vencedor do Concurso de Melhor Monografia do Centro de Humanidades/UFC/2007 Fortaleza 2010 Mapal CARTA MARÍTIMA E GEOGRÁFICA DA CAPITANIA DO CEARÁ (1817) PROGRAMAÇÃO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO Thiago Nogueira G 612 e Gomes, José Eudes Arrais Barroso Um Escandaloso Theatro de Horrores: a capitania do Ceará sob o espectro da vioência. I José Eudes Arrais Barroso Gomes. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2010. 283 p. Fonte: PAULET, Antônio José da Silva. CARTA Marítima, e Geographica da capita 1. Ceará-história 2.Violência-crime-his- nia do Ceará. Levantada por ordem do Gov. Manuel Ign. de Sampayo, por seu ajud tória-Ceará 1. Título ante d'o rdens Antônio José da S. ª Paul.et, 1817. Gabinete de Estudos Arqueológicos CDD: 981.31 e de Engenharia Militar, 4578-lA-lOA-53. ... andei em diligências do serviço de Vossa Majestade, e SUMÁRIO tendo ouvido sobre esta matéria pessoas de grandes expe riências e feito sobre elas as reflexões que podem caber na minha capacidade, julguei que faltaria a minha obrigação, se deixasse de representar a Vossa Majestade que ainda APRESENTAÇÃ0 .................................................................. 13 nestes sertões do Ceará há absurdos, e que não há para a 1 INTRODUÇÃO ............... ···: ................................................ 17 diferença que tem das mais capitanias outro motivo, que a falta de observância das leis e ordens de Sua Majestade. 2 OS CAMINHOS DO GADO: A EXPANSÃO DA PECUÁRIA E A COLONIZAÇÃO DOS Antônio José Victoriano Borges da Fonseca, capitão- SERTÕES CEARENSES ........................................................ 21 mor do Ceará, 1767. · 2.1 As lutas ........................................................................... 22 Em toda esta Capitania se supunhão os homens na liber 2.2 As terras ......................................................................... 31 dade natural, cometendo todo o gênero de atroádades e 2.3 Os nomes ........................................................................ 35 despotismos, tendo só por lei a sua vontade, e por melhor 2.4 As lidas ........................................................................... 43 direito a maior força: ninguém se admira que morra um, ou muitos homens a tiro de espingarda ou de bacamarte, 3 OLHARES ESTRANGEIROS: e menos que acabe na ponta de uma faca, nos fios de uma IMAGENS DA VIOLÊNCIA, IMAGENS DA espada ou a pauladas, porque isso é coisa muito ordinária, PERMANÊNCIA .................................................................... 51 nem é necessário que o morto ofendesse o matador, por que este por um módico preço não recuza ser verdugo, e 3.1 George Gardner: Ceará, terra sem lei ...................... 51 satisfazer paixões particulares de outrem por ser a solidão 3.2 Henry Koster: violência e poder ............................... 63 deste numeroso continente acomodada para todo o gêne 4 UM ESCANDALOSO THEATRO DE HORRORES: ro de iniquidades ... A CAPITANIA DO CEARÁ SOB O ESPECTRO DA ...s e não olha para parte alguma desta Capitania, em que VIOLÊNCIA ............................................................................7 7 se não vejão roubos, adultérios, estupros, e assassínios ... 4.1 Vagabundos e ladrões, assassinos eJacinorosos ... 79 João Baptista Azevedo Coutinho de Montaury, capi 4.2 Cotidiano em armas: o disseminado uso de armas tão-mor do Ceará, 1783. e sua proibição ................................................................... 127 4.3 Atentados à propriedade: o abominável roubo de gados .................................. :. .................................. 145 4.4 Vidas por um fio: as querelas do cotidiano e os Abreviaturas termos de segurança de vida .......................................... 164 4.5 A justiça em ruínas: a trama das cadeias públicas .. 178 ABN Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 1 AHU Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa. S AS PATERNAIS PROVIDÊNCIAS D'EL REY: ANRJ Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. REFORMAS E CONTROLE SOCIAL NOS SERTÕES ..... 193 APEC Arquivo Público do Estado do Ceará. Fortaleza. BNRJ Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 5.1 Vilas para os "vagamundos", diretórios para os BCUC Biblioteca Central da Universidade de Coimbra. Coimbra. índios ... e dízimos para EI Rey ....................................... 195 DH Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio 5.2 Alistamentos, passaportes e licenças: de Janeiro. população volante e deserção ......................................... 207 DHBC Documentos para a História do Brasil e especialmente a do Ceará (Col. Studart). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................... 229 IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro. ANEXOS ................................................................ .-............... 233 MACC Manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. FONTES ............................................................................... 247 . RIC Revista do Instituto do Ceará. RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. se BIBLIOGRAFIA .................................................................. 269 Sesmarias Cearenses Quadros Anexos Anexo 1 Reis de Portugal. .................................................. : 233 Quadro 1 Distribuição de sesmarias na capitania do Ceará ... 31 Anexo 2 Governadores-gerais e vice-reis Quadro 2 Fundação de vilas na capitania do Ceará. .............. 203 do Estado do Brasil.. ............................................. 235 Quadro 3 Ordens de mostras militares na capitania Anexo 3 Capitães-generais governadores do Ceará (1766-1789) .......................................... 217 de Pernambuco ............................................. ········ 238 Anexo4 Capitães-mores do Ceará ..................................... 241 Anexo 5 Ouvidores do Ceará .............................................. 244 Anexo 6 Moedas, pesos e medidas ..................................... 245 Mapas Mapa 1 Carta marítima e geográfica da capitania do Ceará (1817) .......................................................... 5 Mapa 2 Entradas de conquista do interior das capitanias do norte. ............................................................ 25 Mapa 3 Capitania geral de Pernambuco e suas anexas63 Mapa 4 Planta da vila de Fortaleza em 1726 ....................... 88 Iconografia Figura 1 Representação do sertanejo ................................ ~ ... 70 Figura 2 Armas de fogo: séculos XVI, XVII e XVIIIl .......... 132 Figura 3 Armas de fogo: século XIX ................................... 132 Figura 4 Espadas: séculos XVII, XVIII e XIX ....................... 135 Figura 5 Lanças: séculos XVII, XVIII e XIX ......................... 135 Figura 6 Marcas de gado usadas no Ceará ......................; ... 158 Figura 7 Sinais que os sertanejos cortam nas orelhas das reses .................................................... 159 APRESENTAÇÃO Este livro consiste em uma versão da monografia de bacharelado de José Eudes Arrais Barroso Gomes, apresenta da ao Departamento de História da Universidade Federal do Ceará em janeiro de 2007. _ Por mais que possamos interpretar a violência atual no Ceará como um elemento constitutivo da vida em sociedades contemporâneas e relacioná-la às desigualdades entre as clas ses, os gêneros, às disputas nos espaços urbanos e rurais, aos grupos organizados em milícias armadas, que nos leva ainda a refletir o tempo cotidiano conflituoso que dissemina senti mentos de insegurança generalizados, bem como ideologias que apregoam a segurança total, dificilmente conseguimos tratar o tema da violência como um tema histórico. Afinal, po demos afirmar que a história do Ceará foi marcada por uma prática generalizada da violência? Talvez todo o esforço da historiografia tradicional so bre a conquista e colonização do Ceará, produzida no final do século XIX e início do século XX, tenha sido empreendido vi sando destacar fatos históricos que ocultam, de uma forma ou de outra, que elas se deram em meio a uma conjuntura de guerras entre Impérios europeus e que se desdobraram em guerras nas áreas coloniais. Guerras entre Impérios, guerras por disputas de áreas coloniais, guerras entre mazombos, guerras cotidianas, frondas, entre agentes coloniais e indíge nas, entre os próprios indígenas e guerras que consolidaram a expansão.d o Império português em direção às fronteiras do que hoje chamamos Nordeste. Sim, podemos afirmar que a colonização do Ceará foi fei ta a partir de uma guerra: a efetiva conquista e colonização do Ceará em fins do século XVII e início do século XVIII é tributária de uma cultura, ou de culturas onde a violência extrema era cul- 14 José Eudes Arrais Barroso Gomes Um Escandaloso Theatro de Horrores 15 tivada. O espectro da violência, dos massacres, das chacinas, do ço monográfico, o que o autor nos trás é um estudo aprofun extermínio, dos estupros, dos espancamentos, das traições, das dado e ricamente documentado de historicização das relações emboscadas, das patrulhas volantes, dos envenenamentos, dos sociais nas fronteiras entre público e privado. Mais que uma arrazamentos de arraiais, das mutilações e de tantos outros hor monografia porque o autor trás uma tese: no final do século rores documentados pelos cronistas foi uma marca sangrenta da XVIII e ainda no início do século XIX a cultura da violência colonização dos sertões do território que hoje chamamos Ceará e marcou nossa organização social e foi o principal tema das de áreas vizinhas. Foi a Guerra dos Bárbaros uma guerra de con tentativas estatais de estabelecer seus domínios sobre a po quista particular, que além de utilizar as mais sofisticadas artes da pulação sertaneja. Cabe ressaltar que a submissão das classes guerra européia (Flandres) e brasílica (indígena), moldou-se aos sociais aos domínios do Estado não se restringirá apenas ao tantos outros elementos das guerras entre tapuias dos sertões. período tratado pelo autor. Durante o século XIX, por diver Nossa sociedade formou-se a partir de uma cultura da violência. sas vezes, a incapacidade regulatória de um poder central no Mas não só nossa conquista se deu sob esse "teatro de Ceará se evidenciará em conflitos, sedições, revoltas e guerras horrores". A sociedade resultante, que se firmou no território onde o caráter violento será característico. A submissão das durante o século XVIII e que se reproduziu a partir daí, também populações pobre e livre pelo poder do Estado durante o sécu foi caracterizada por uma hierarquização extrema que contava lo XIX ainda é um tema a ser melhor escrutinado por nós his com a violência como forma de regulação interna. A mobilidade toriadores preocupados com as formas organizativas do poder social e territorial, a ausência do poder regular estatal, ou a in e das formas de ação das camadas populares que não se reco capacidade deste, os múltiplos núcleos de exploração dos recur nheciam nos projetos políticos do poder central no Ceará. sos naturais e da força de trabalho propiciaram a formação de Através de um texto estimulante, de leitura cativante, den grupos armados e de milícias particulares que defendiam suas sa análise, cuidado empírico e bom recorte metodológico, o leitor redes clientelares de forma bastante agressiva. encontrará aqui um pouco do que foi a nossa organização social. As autoridades estatais nem sempre conseguiam enxer gar a característica daquele grupo social formado nas trincheiras da guerra dos sertões, mas adjetivavam como podiam aquela po pulação arredia aos mandas e bandos administrativos: infames, bandidos, devassos, adúlteros, bárbaros, malfeitores, sediciosos, rebeldes, perturbadores, agressores, desertores, verdugos, fa dnorosos, libertinos, criminosos, vadios, sem ocupação, homi cidas, ladrões, forasteiros, vagabundos, vagamundos, ociosos, déspotas, cabras, réus, perniciosos eram como se classificava a população dos sertões do Ceará. Almir Leal de Oliveira Essencialmente é sobre essa relação entre agentes ad Universidade Federal do Ceará ministrativos/viajantes e a população local que a monografia de José Eudes Arrais Barroso Gomes trata. Mais que um esfor- Janeiro de 2010 1 INTRODUÇÃO Um espectro assombra a capitania do Ceará no século XVIII: o espectro da violência. Em 1731 o Conselho Ultramatino, órgão responsável pela administração dos domínios ultramarinos portugueses sediado em Lisboa, observou que o auxílio militar às diligências da justiça "se carece muito no Ceará por ser o p,aís a que se retirão os delinquentes e mal feitores de todo o Brasil".1 Na década seguinte, mais precisamente em 1748, o capitão-general governador de Pernambuco declarou: "na capitania do Ceará a maior parte dos habitantes são homens criminosos".2 Curiosamente, cerca de trinta anos depois, os comentários do ouvidor José da Costa Dias e Barros sobre o Ceará não foram muito diversos. Disse ele em 1779: "Vi em terror os contínuos assassínios, os roub0s e todos os insultos os mais execrandos perpetrados por uma multidão incompreencível de homens facinorosos e libertinos, que infestavam este dilatado estado. Vi com um bem pungente desprazer a Justiça geralmente desobedecida".3 Em 1783, apenas um ano após tomar. posse do governo da capitania do Ceará, o capitão-mor João Baptista Azevedo Coutinho de Montaury informava que o Ceará era frequentemente palco de "todo o gênero de atrocidades" e que as copiosas mortes causadas por espingardas, bacamartes, espadas, facas e pauladas eram tão comuns no cotidiano da capitania que já não causavam admiração a ninguém.4 Já em primeiro de janeiro de 1 AHU. CT: AHU ACL CU O1 7, Caixa 2, Documento 119. 2 AHU. CT: AHU ACL CU 017, Caixa 5, Documento 333. 3 AHU. CT: AHU ACLCU 017, Caixa 9, Documento 564. 4 BNRJ. Setor de Manuscritos. II-32, 24, 031. Documentos sobre a capitania do Ce ará. Fundo: Coleção Ceará. Carta do capitão-mor João Baptista Azevedo Coutinho de Montaury, 12 de março de 1783, p. 72. 18 José Eudes Arrais Barroso Gomes Um Escandaloso Theatro de Horrores 19 1800, o capitão-mor governador do Ceará Bernardo Manuel de por ambos do Ceará corno uma sociedade violenta e belicista Vasconcelos escreveu ao príncipe regente D. João VI a respeito ainda depois de mais de um século do início do seu processo de da ocorrência de elevado número de crimes, vinganças, mortes colonização efetiva. e assassinatos na capitania cearense. Segundo aquele capitão O terceiro capítulo, intencionalmente intitulado mor, os sertões do Ceará eram "repetidas vezes no círculo do de Um escandaloso theatro de horrores: a capitania do Ceará ano(. .. ) theatro d'estes horrores".5 sob o espectro da violência é, como fica fácil supor, a parte Foi justamente a partir da leitura de trechos tão fundamental deste trabalho. Escrito a partir de uma longa contundentes sobre a violência no Ceará do século XVIII que série de relatos e registros que evidenciam a violência como este trabalho se originou. O seu grande tema é a violência característica marcante do cotidiano na capitania do Ceará e o cotidiano na capitania do Ceará setecentista, sendo que durante todo o século XVIII, o capítulo procura discutir a o amplo recorte temporal da pesquisa buscou perseguir a violência, a ocorrência de crimes, o descumprimento da lei e amplitude do seu objeto, a violência, que só tem interesse aqui a impunidade como aspectos fundamentais das tessituras de na medida em que é um traço revelador dos embates cotidianos poder na sociedade pecuária cearense. e das relações de poder travadas na capitania. O último capítulo, As paternais providências d'El Rey: O capítulo inicial, Os caminhos do gado: a expansão da reformas e controle social nos sertões, pretende sugerir como pecuária e a colonização dos sertões cearenses, procura discutir a partir das reformas empreendidas pela administração a violência como aspecto central do processo de efetivação da pombalina o império português buscou apertar os seus conquista e colonização do Ceará, processo este iniciado no laços colonialistas através de um maior rigor administrativo final do século XVII a partir da chamada "limpeza da terra", que e fiscalista, implementado na violenta capitania do Ceará consistiano extermínio, expulsão, escravização ou aldeamento por uma série de medidas controladoras e policialescas, tais das populações nativas para a instalação de currais e fazendas como a fundação de vilas por decreto, a constante exigência de gado, e pelo sistema de concessão de terras em sesmarias. de mapas populacionais, alistamentos e mostras militares, e a Segue-se ainda uma breve apresentação da estruturação obrigatoriedade do uso de passaportes e licenças. econômica da capitania baseada no criatório, nas charqueadas Por fim, é interessante notar que a idéia de a sociedade e na exportação de algodão, atividades responsáveis pela ver-se como num teatro, o theatrum mundi, metáfora adotada fundação de vilas espalhadas pelos sertões cearenses. para o Ceará em 1800 pelo capitão-mor Bernardo Manuel de O segundo capítulo, Olhares estrangeiros: imagens da Vasconcelos é, na verdade, uma das formas mais antigas de violência, imagens da permanência, toma como fonte as anotações auto-avaliação da própria comunidade. Todavia, se segundo a de dois viajantes estrangeiros que visitaram o Ceará nas tradição platônica e medieval só havia o espectador divino do primeiras décadas do século XIX, os britânicos Henry Koster e teatro humano, na Época Moderna inaugura-se o sentido de George Gardner, buscando perceber a intrigante imagem feita "teatro" como reflexo, de speculum ou espelho da realidade.6 5 "Documentos para a história do governo de Bernardo Manoel de Vasconcellos 6 ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na socieda (Collecção Studart)". ln: RIC, tomo :XXVIII, 1914, p. 333. de urbana colonial. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997, pp. 25-26.

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