Steven Johnson Tudo que é ruim é bom para você Como os games e a TV nos tornam mais inteligentes Tradução: Sérgio Góes Para Lydia, que acreditou em mim Sumário Introdução: A Curva do Dorminhoco Parte I Games Televisão A internet Cinema Parte II Posfácio Notas sobre leituras adicionais Notas Agradecimentos Cientista A: Ele pediu alguma coisa especial? Cientista B: Bem, sim, para o café da manhã… ele solicitou uma coisa chamada “germe de trigo, mel orgânico e barra de proteína”. Cientista A: Ah, sim. Essas eram as substâncias mágicas que, alguns anos atrás, acreditava-se que tinham propriedades saudáveis. Cientista B: Quer dizer que não havia fritura? Nada de bife, tortas ou… calda de chocolate? Cientista A: Eram considerados pouco saudáveis… O dorminhoco, de Woody Allen Nossa era está embrutecida pelos entretenimentos visuais. E em uma sociedade cada vez mais infantilizada, cuja filosofia moral pode ser reduzida a uma celebração da “escolha”, os adultos se distinguem cada vez menos das crianças quanto a sua entrega aos entretenimentos e quanto aos tipos de entretenimento a que se entregam – videogames, jogos de computador, jogos de celular, filmes nos computadores, e assim por diante. Isto é o progresso: oferta mais sofisticada de estupidez. George Will E à moda antiga que, em última análise, pretende convencê-lo STE LIVRO É UMA OBRA DE PERSUASÃO de uma coisa: na média, a cultura popular ficou mais complexa e intelectualmente estimulante ao longo dos últimos trinta anos. Enquanto a maior parte dos críticos vê emburrecimento e uma corrida para o fundo do poço – “uma sociedade cada vez mais infantilizada”, nas palavras de George Will –, eu vejo uma história de progresso: uma cultura de massa mais e mais sofisticada, que a cada ano exige maior empenho cognitivo. Pense nisso como uma espécie de lavagem cerebral positiva: de maneira constante, mas quase imperceptível, a mídia popular deixa nossas mentes mais afiadas, à medida que nos encharcamos de entretenimento geralmente considerado banalidade inculta. Chamo essa tendência ascendente de Curva do Dorminhoco, em homenagem à cena clássica no filme de Woody Allen, uma ficção científica debochada em que uma equipe de cientistas de 2173 se espanta ao ver que a sociedade do século XX não percebia os méritos nutricionais das tortas e da calda de chocolate. Espero que, para muitos de vocês, o argumento deste livro ecoe uma sensação que já tiveram no passado, mesmo que na época a tenham reprimido – a sensação de que a cultura popular não está condenada a um mergulho em espiral na deterioração dos padrões. Da próxima vez que você ouvir alguém se queixar de mafiosos violentos na TV, de nudez acidental nas telas, da tolice dos reality shows ou do olhar apalermado dos viciados em Nintendo, pensem na Curva do Dorminhoco ascendendo firmemente sob todo esse caos superficial. O céu não está desabando. Sob muitos aspectos, o tempo nunca esteve tão bom. Basta apenas um novo tipo de barômetro para percebermos a diferença. Introdução A Curva do Dorminhoco T , objetos sagrados que parecem inócuos o bastante para o ODA INFÂNCIA TEM SEUS TALISMÃS mundo exterior, mas que disparam uma torrente de lembranças vívidas quando a criança já adulta os confronta. Para mim, é uma pilha de folhas fotocopiadas cheias de números que meu pai trouxe do escritório para casa quando eu tinha nove anos. À primeira vista aquelas páginas não pareciam o tipo de coisa que levaria um aluno do ensino fundamental ao êxtase. A uma olhada superficial, pareciam folhas de pagamento, mas, quando se examinava de perto, notava-se que os nomes eram conhecidos, até mesmo famosos: Catfish Hunter, Pete Rose, Vida Blue. Nomes do beisebol, à deriva em um mar de números aleatórios. Aquelas páginas que meu pai trouxe para casa eram parte de um jogo, embora não se parecesse com nenhum que eu já tivesse visto. Era uma simulação de beisebol chamada APBA, abreviatura de American Professional Baseball Association (Associação Americana de Beisebol Profissional). O APBA era um jogo de dados e de informação. Uma empresa de Lancaster, Pensilvânia, havia analisado as estatísticas da temporada anterior e criado uma coleção de cartas, uma para cada jogador que tivesse participado de mais que uma dezena de partidas naquele ano. As cartas continham uma grade críptica de dados que capturava em números as aptidões de cada jogador no campo: os que tinham uma pancada forte, os que erravam muitas batidas, os mestres do arremesso e os demônios da velocidade. Resumindo, o APBA era uma maneira de se jogar beisebol com cartas, ou, pelo menos, de fingir ser um técnico de beisebol: escolhia-se uma equipe, decidia-se quem seriam os primeiros arremessadores, quando rebater com suavidade e quando avançar para uma base. O APBA parece bem divertido, quando explicado dessa maneira genérica – que menino não gostaria de gerenciar uma equipe? –, mas jogá-lo era uma história mais complicada. No nível mais simples, o jogo tinha a seguinte sequência básica: você escolhia os jogadores, decidia uma estratégia, rolava os dados e então consultava uma tabela para ver o que havia acontecido – um strikeout, um home run, ou uma rebatida fraca seguida de eliminação. Mas nunca era tão simples assim com o APBA. Era possível jogar contra um adversário humano, ou mesmo administrar sozinho os dois times, e as decisões tomadas para o time oponente transformavam as variáveis de maneiras sutis, mas cruciais. No começo de cada partida – e sempre que fosse feita uma substituição –, era preciso somar todos os pontos de cada jogador da equipe. Certos resultados mudariam se o time fosse excepcionalmente hábil com a luva, enquanto times menos talentosos na defesa cometeriam mais erros. Havia tabelas completamente distintas, dependendo do número de corredores nas bases: se houvesse um homem na terceira base, consultava-se a tabela de “Corredor na Terceira”. Alguns resultados variavam de acordo com a qualidade do arremessador: se o arremessador fosse um “nível A”, segundo os dados da tabela, recebia-se um strikeout, enquanto um arremessador “nível C” geraria uma rebatida forte para o fundo do campo. E isso era apenas o começo da complexidade do jogo. Eis o registro completo para “Arremesso” na tabela principal, “Bases Vazias”: Os números de rebatida sob os quais aparecem linhas podem ser alterados segundo o nível do arremessador contra quem o time está rebatendo. Observe sempre o nível do arremessador e procure possíveis mudanças nos números sublinhados. “Sem Mudanças” sempre remete à coluna D, ou esquerda, e sempre significa uma rebatida com ganho de base. Contra arremessadores Nível D nunca acontecem mudanças – usa-se apenas a coluna da esquerda. Quando um arremessador é tirado do jogo, tome nota do nível do arremessador que o substitui. Se for diferente, deve-se usar uma coluna diferente quando aparecerem os números sublinhados. Certos jogadores podem ter os números 7, 8 e/ou 11 na segunda coluna de suas cartas. Quando se encontra qualquer um desses números na segunda coluna da carta de um jogador, a coluna não está sujeita a mudanças normais de nível. Nesses casos sempre use a coluna à esquerda (Nível D), independentemente do nível do arremessador. Às vezes, os arremessadores podem ter classificações A & C ou A & B. Sempre considere esses arremessadores como Nível A, a não ser que a coluna A seja rebatida com ganho de base. Então use a coluna C ou B, conforme o caso, para o resultado final da jogada. Entendeu? Essas poderiam ser as instruções para a declaração do imposto de renda que você alegremente contrataria um contador para decifrar. Lendo essas palavras agora, preciso fazer um esforço só para acompanhar a sintaxe, mas meu eu de dez anos de idade internalizou tão completamente esses segredos que jogava centenas de partidas de APBA sem conferir as letrinhas miúdas. Um 11 na segunda coluna da carta do rebatedor? É claro, é claro que significa ignore as mudanças normais de nível do arremessador. Seria loucura não ser assim! Os criadores do APBA imaginaram um sistema tão elaborado por razões compreensíveis: estavam ampliando os limites do gênero cartas-e-dados para acomodar a complexidade estatística do beisebol. Essas complicações matemáticas não se limitavam a simulações de beisebol, é claro. Havia jogos parecidos para a maioria dos esportes populares: simulações de basquete que permitiam que se criasse uma zona de defesa ou se fizesse um lance desesperado de três pontos no último segundo antes do apito final; jogos de boxe que permitiam reconstituir a luta Ali versus Foreman sem a estratégia de aguentar pancada para sair vitorioso. Os fãs de futebol jogavam Soccerboss e Wembley ou similares, nos quais era possível administrar as equipes, negociar jogadores e zelar pela saúde financeira da organização virtual. Um monte de simulações militares com dados recriava batalhas históricas ou guerras mundiais inteiras com absoluta fidelidade. Talvez o mais famoso seja Dungeons & Dragons e seus muitos imitadores, em que os jogadores construíam elaboradas narrativas de fantasia – rolando dados com vinte faces e consultando tabelas confusas que davam conta de uma quantidade surpreendente de variáveis. Os três livros principais do jogo somavam mais de quinhentas páginas, com centenas de tabelas que os jogadores consultavam como se fossem as Escrituras. (Em comparação, consultar as tabelas do APBA era como ler o verso de uma caixa de cereal.) O Livro do jogador descreve o processo de criação de um personagem qualquer assim: Monte deseja criar um novo personagem. Ele joga quatro dados de seis lados (4d6) e obtém 5, 4, 4 e 1. Ignorando o dado com número mais baixo, ele registra o total em uma folha de papel, 13. Faz isso mais cinco vezes e obtém estes seis resultados: 13, 10, 15, 12, 8 e 14. Monte decide usar um guerreiro anão, forte e resistente. Ele então distribui os resultados pelos atributos. O maior, 15, é posto em Força. O personagem tem um bônus de Força de +2, que vai ajudar bastante em lutas. O segundo número mais alto, 14, vai para Constituição. O modificador racial de atributo de +2 do anão [ver Tabela 2-1: Modificadores Raciais de Atributo, p.12] aumenta sua Constituição para 16, dando um bônus de +3. … Monte ainda tem dois resultados que concedem bônus (13 e 12) e um resultado médio (10). Destreza recebe o 13 (bônus de +1). E isso é só para definir as características básicas de um personagem. Quando você soltasse seu guerreiro anão no mundo, os cálculos necessários para determinar os efeitos de suas ações – atacar uma criatura específica, com uma arma específica, em circunstâncias específicas, com um grupo específico de companheiros a seu lado – deixariam muitos garotos em lágrimas se as mesmas tabelas estivessem em um teste de matemática. O que leva à questão básica: por que alguém de dez anos acharia isso divertido? Para mim, a verdade constrangedora é que acabei ficando frustrado com minha simulação de beisebol, mas não pelas razões que seriam de se esperar. Não é que a linguagem obscura me desgastasse ou que eu me cansasse de ir de uma coluna para outra na tabela de Bases Vazias, ou que eu decidisse que seis horas era tempo demais para ficar trancado sozinho em meu quarto na tarde de um sábado de julho. Não, eu abandonei o APBA porque ele não era suficientemente realista. Minha lista de queixas crescia junto com minha experiência com o APBA. Conhecer centenas de jogos simulados mostrou os pontos cegos e as estranhas distorções da simulação. O APBA não considerava a questão de o jogador ser destro ou canhoto, algo crucial para a estratégia do beisebol. Os talentos individuais em campo eram amplamente ignorados. A decisão vital sobre os diferentes tipos de arremessos – rápidos, curvos, baixos – estava completamente ausente. O jogo não levava em conta onde a partida era disputada: você não podia simular a cerca vulnerável do lado esquerdo do Fenway Park, tão tentadora para rebatedores destros, ou os ventos rodopiantes do velho Candlestick Park, em São Francisco. E, embora o APBA contivesse equipes memoráveis, não havia como incluir no jogo as mudanças históricas nas partidas disputadas por dois times de eras diferentes. E assim, nos três anos seguintes, eu embarquei em uma longa jornada pelo mundo surpreendentemente populoso dos jogos de simulação de beisebol, encomendando-os através de anúncios impressos no verso da Sporting News e no guia anual de beisebol da Street and Smith. Provei o Strat-O-Matic, o mais popular entre os jogos simulados de beisebol; tentei o Statis Pro Baseball, da Avalon Hill, fabricante do Diplomacia, jogo de tabuleiro então popular; experimentei o Time Travel, especializado em compor times fictícios a partir de um estoque de jogadores famosos. Perdi vários meses com um jogo chamado Extra Innings, que abria mão totalmente de cartas e tabuleiro; ele nem vinha embalado em uma caixa – era só um envelope enorme cheio de folhas e mais folhas com informações. Você tinha que rolar seis dados diferentes para completar uma jogada, algumas vezes consultando cinco ou seis páginas distintas para determinar o que havia acontecido. Como uma espécie de viciado enlouquecido em busca da viagem perfeita, comecei a desenvolver minhas próprias simulações, construindo jogos inteiros a partir do zero. Tomei emprestado o dado de vinte faces do Dungeons & Dragons – os cálculos eram muito mais fáceis com vinte faces do que com seis. Rabisquei minhas próprias tabelas em blocos de folhas amarelas e traduzi as estatísticas da temporada anterior nas minhas cartas feitas em casa. Suponho que, para algumas pessoas, pensar em partidas de beisebol jogadas na juventude evoca o cheiro de luvas de couro e de grama recém-cortada. Para mim, o que vem à lembrança é a pureza estatística do dado de vinte faces. Essa história, admito, costumava ter uma moral autolaudatória. Já adulto, eu costumava contar a novos amigos sobre meus dias na quinta série passados no meu quarto construindo elaboradas simulações e debochava um pouco de como eu não era popular, dedicado a meus dados de vinte faces, enquanto os outros
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