Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 Topônimos latino-americanos: um estudo etimológico Latin American toponyms: an etymological study Letícia Santos Rodrigues Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo/Brasil [email protected] Resumo: A elaboração de pesquisas na área da Onomástica, ciência linguística que se dedica aos estudos dos nomes próprios, não deveria se pautar apenas em um viés puramente linguístico, visto que o ato de nomear pessoas, lugares, animais e até objetos não se dá por acaso. Os nomes próprios carregam, em si, a memória e a cultura estabelecida por suas comunidades, fato que se confirma, inclusive, diante da grande afinidade que a Onomástica possui com outras áreas do conhecimento, como a Etimologia, História, Geografia, Antropologia, Sociologia, dentre outros. Para tanto, ela se divide em diversas vertentes, dentre as quais se destacam duas precípuas: a Antroponímia (estudo dos nomes de pessoas) e a Toponímia (estudo dos nomes de lugares), considerando aspectos como origem, forma e evolução. Este estudo trata mais especificamente dos topônimos referentes aos nomes dos países que compõem a América Latina, sob o esteio metodológico da Etimologia. Dessa forma, remonta-se, a partir da consulta a diferentes dicionários etimológicos, como Nascentes (1952), Corominas (1954), Cunha (1996) e Machado (2003), além de outros materiais de apoio, algumas informações sobre como se deu esse processo de nomeação, juntamente com suas possíveis motivações, considerando os aspectos idiossincráticos de cada lugar. É possível perceber que as razões relacionadas às escolhas dos topônimos analisados foram diversas, tais como aspectos físicos/geográficos e/ou culturais, personalidades históricas, religião e, às vezes, até motivações desconhecidas. Tal desconhecimento, contudo, não invalida pesquisas em Onomástica, mas estimula outros estudiosos a continuar buscando suprir tais lacunas. Palavras-chave: Onomástica; Etimologia; Toponímia; América Latina. eISSN: 2237-2083 DOI: 10.17851/2237-2083.26.3.1031-1055 1032 Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 Abstract: The development of research in the field of Onomastics, the linguistic science that is dedicated to the study of proper names, should not be ruled on a purely linguistic bias, since the act of naming people, places, animals and even objects is not done by chance. Names themselves carry within them a memory and the culture established by their communities, a fact that is confirmed by the large affinity that Onomastic shares with other areas of knowledge such as Etymology, History, Geography, Anthropology, Sociology among others. Therefore, Onomastics is divided into several sub-areas, among which the following are the two fundamental: Anthroponymy (study of names of people) and Toponymy (study of place names), considering aspects such as origin, form and evolution. This study focuses on Toponyms referring to the names of Latin American countries, under the methodological mainstay of Etymology. In this way, it attempts to reassemble, from different etymological dictionaries like Nascentes (1952), Corominas (1954), Cunha (1996) and Machado (2003), besides other supporting materials, information about how this process occurred, along with their possible motivations, while considering the idiosyncratic aspects of each place. It is possible to see that the reasons related to the choices of the toponyms analyzed were varied, ranging from physical / geographical and / or cultural aspects, to being based on historical personalities, religion, and sometimes even unknown reasons. The latter, however, does not invalidate surveys in Onomastics, but encourages other scholars to continue trying to fill such gaps. Keywords: Onomastics; Etymology; Toponymy; Latin America. Recebido em 27 de novembro de 2017 Aceito em 12 de março de 2018 1 Introdução O estudo dos nomes próprios, apesar de frequentemente desconsiderado no âmbito linguístico, é um meio bastante profuso para se conhecer mais sobre aspectos sócio-histórico-culturais, visto que o léxico onomástico carrega em si várias informações ao, de certa forma, retratar momentos de um povo em dada época. O ato de nomear corresponde a uma prática antiquíssima, confirmada pela atribuição de vocábulos designativos a pessoas, animais, lugares e até mesmo a alguns objetos. Sobre esse aspecto, afirma Biderman: Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 1033 O Léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e indefinidos. Abrange todo o universo conceptual dessa língua. Qualquer sistema léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura através das idades. (BIDERMAN, 1978, p. 139) Para tanto, a ciência linguística que se dedica ao estudo dos nomes próprios é a Onomástica que, por sua vez, se ramifica em diversas vertentes, como a Hagionímia, Onionímia, Mitonímia, dentre outras, tendo a Toponímia e a Antroponímia como as duas principais, nas quais a maioria dos trabalhos se concentra. A Antroponímia dedica-se ao estudo dos nomes próprios de pessoas, enquanto a Toponímia, também conhecida por alguns como “Onomástica geográfica”, e objeto de análise deste trabalho, refere-se ao estudo dos nomes de lugares, ambas considerando origem, forma e evolução. Inserida em um contexto interdisciplinar, a Onomástica oferece a possibilidade de desenvolver estudos imbricados com outras áreas do conhecimento, como a Etimologia, a Pragmática, a Geografia, a História, a Paleografia, a Antropologia, a Sociologia, a Literatura etc. Sua forte relação com a Etimologia se fará notável mais adiante, visto que esta atuará como norteadora da análise dos nossos dados ao nos dedicarmos à investigação do percurso entre o étimo ou a origem e o topônimo em questão no que se refere aos nomes dos países latino-americanos, de modo a fundamentar esta pesquisa toponímica. Salientamos, contudo, a complexidade ainda maior em se realizar um estudo etimológico em Toponímia, especialmente diante da dificuldade de conservação, da veracidade das informações e da abundância de etimologias fantasiosas que muitas vezes são tomadas como verdades absolutas. Nesse sentido, o etimólogo, mesmo munido dos melhores dicionários, é passível de cometer equívocos, visto que também as obras são sempre passíveis de revisão. Logo, e como bem afirma Viaro, [...] não basta abrir um dicionário etimológico e ler as propostas oferecidas pelos autores como ‘verdade acabada’. As respostas não estão prontas: os autores discordam entre si, propõem várias soluções, elegem esta ou aquela solução e, não raro, erram. (VIARO, 2011, p. 102) Passemos, então, a entender um pouco mais sobre a América Latina através da perspectiva toponímica. 1034 Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 2 América Latina: breves considerações A expressão “América Latina” está associada muito mais intimamente a questões econômicas e sociais dos países que a compõem do que a um aspecto meramente territorial. Não se trata, é preciso lembrar, de um continente, mas sim de uma alusão aos 20 países1 colonizados pelos grandes impérios marítimos representados principalmente pela Espanha e por Portugal. Territorialmente, compreende quase toda a América do Sul e Central, mais especificamente: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela (exceto pela Guiana, pelo Suriname e por Belize, que são países de língua germânica). O México, localizado na América do Norte, também a integra. De um modo geral, apesar dos lautos recursos de suas terras, ainda hoje é uma região que sofre com as consequências do seu passado político, com resquícios de colonização exploratória dos recursos e do capital humano, exportado como mercadoria para o continente europeu. Sua história conhece traços de opressão dos nativos que ali viviam, além dos tristes reflexos deixados pelos anos de escravidão dos negros africanos trazidos para trabalhar nestas terras. Diante de tudo isso e também da grande demora em alcançar a independência ‒ com a maioria se tornando independente apenas há 200 anos ‒, é que nesses países se observam problemas relacionados à pobreza, à violência, à grande desigualdade social (amenizada em Cuba diante da economia socialista), à insegurança urbana e ao atraso tecnológico, o que os caracteriza como países em desenvolvimento.2 Isso posto, passemos, então, para a análise dos dados. 3 Análise dos topônimos latino-americanos Com relação à tentativa que aqui empreendemos a fim de recuperar as evidências etimológicas referentes aos topônimos selecionados, foram utilizados os seguintes dicionários: o Dicionário 1 Neste trabalho não foram analisados os nomes dos países considerados dependências da América Latina, a saber: Guiana Francesa e Porto Rico. 2 Informações extraídas do site HowMuch.net, baseado em relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) que considera como critério principal, mas não apenas, a renda nacional per capita. Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 1035 etimológico da língua portuguesa – Tomo II, de Antenor Nascentes (1952), o Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha (1996), o Dicionário onomástico etimológico da língua portuguesa, de José Pedro Machado (2003), e o Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana, de Corominas (1954), nos quais encontramos algumas informações sobre como se deu o processo de nomeação dos países latino-americanos. Ademais, outros materiais de apoio também foram consultados, sendo Otero (2006) o mais profícuo destes. Portanto, a análise consistiu do estudo de 20 topônimos, devidamente consultados (quando presentes) nas obras já mencionadas. Precisamos, no entanto, relembrar que o trabalho com dicionários nem sempre é tarefa fácil. Nas obras consultadas, encontramos algumas definições confusas, muitas vezes sentidas como um palpite e apresentando dissonâncias entre si. Em vários casos, a origem dos topônimos pesquisados simplesmente não foi encontrada, deixando algumas lacunas na análise dos dados. Contudo, também é necessário lembrar que a ciência lexicográfica, assim como o estudo em Etimologia, são muito laboriosos e exigem grande rigor, de modo a quase sempre demandar uma vida inteira de estudos por parte do pesquisador que a eles se dedicam. Destarte, é natural que nem sempre se chegue a um consenso diante, principalmente, da inexistência de informações confiáveis, sendo preferível a não solução que uma solução indevida. Assim, a respeito das motivações seguidas no momento de escolha dos topônimos, e como será demonstrado a seguir: A análise comparativa de topônimos latino-americanos permite estabelecer três constantes básicas: vozes provenientes de línguas autóctones, topônimos surgidos na época da conquista da América pelos europeus e ‘novas’ denominações geográfica que se associam com os valores patrióticos (CHESNOKOVA, 2011, p. 14, tradução nossa).3 3 No original: “El análisis comparativo de topónimos latinoamericanos permite establecer sus tres constantes básicas: voces provenientes de lenguas autóctonas, topónimos surgidos en la época de la conquista de América por los europeos y denominaciones geográficas ‘nuevas’ que se asocian con los valores patrióticos”. 1036 Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 3.1 Argentina Com relação à origem etimológica atribuída a este topônimo, não parece haver dissenso nas obras pesquisadas. Em todas há referência ao étimo latino argentum. Assim, para Nascentes (1952, p. 25): Do adjetivo argentino, de prata. Fica nas margens do rio da Prata, q. v. O rio recebeu êste nome em 1526 do piloto Sebastião Caboto, por causa da prata que o piloto encontrou em poder dos naturais e que na realidade havia sido roubada da expedição do português Aleixo Garcia. Segundo Corominas (1954, p. 262, v. I), para o verbete “Argento”: “’plata’, tomado del lat. argentum íd. 1.ª doc.: 1241. Latinismo ocasional que no ha arraigado nunca”. De acordo com Cunha (1996, p. 65), a definição do verbete “argênteo” está ligado a “‘prateado, de prata’ 1572. Do lat. argentěus [...]. Do top. Argentina [...] Do lat. argentum”. Machado (2003, p. 159) traz ainda uma informação geográfica para o verbete “Argentina” quando diz “[...] Do esp. Argentina, top., este do adj. argentino, ‹‹de prata››, porque o país está situado nas margens do Rio da Prata (q.v.); também se lhe chama República Platina”. Otero (2006, p. 21) também menciona que “A denominação se deve ao fato de que os conquistadores acreditavam existir naquelas terras grande abundância desse mineral [prata]”, já aparecendo em um poema de Dom Martín del Barco Centenera em 1602.4 3.2 Bolívia Como veremos a seguir, muitos países latino-americanos receberam seus nomes como forma de homenagear grandes líderes da sua história. Isso ocorreu com a Bolívia, que adquiriu este nome devido ao general Simón Bolívar (1783-1830). Esse fato foi facilmente verificado em todas as obras consultadas. Assim, Nascentes (1952, p. 47) menciona que “‘Bolivia a Bolívar ha debido su nombre’ Eis a inscrição que se encontra na estátua do herói na praça Venezuela em La Paz. O nome foi dado pelo Congresso ao Alto Peru, em 6 de Agosto de 1825, em homenagem ao Libertador”. Em Cunha (1996, p. 117) encontramos o 4 Mas não pela primeira vez, pois já em documentos latinos apareceria “Civitas Argentina”, traduzidos para o espanhol em 1565 (OTERO, 2006). Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 1037 verbete “bolívar”, que viria “[...] Do antrop. Bolívar, do nome de Simão Bolívar, general e estadista, libertador da Venezuela e da Colômbia e fundador da Bolívia”. Machado (2003, p. 264) também endossa essa visão ao afirmar que é um “Nome formado de Bolívar (q.v.), em homenagem ao libertador de grande parte da América do Sul”. Em Corominas (1954), este topônimo não foi encontrado. Otero (2006) acrescenta ainda que, apesar do próprio Simón Bolívar não concordar, a princípio, com o fracionamento do continente ao separar esse território dos demais que compunham o vice-reino do Rio da Prata, ele foi convencido pelo general Antonio José de Sucre quando este propôs que o nome de Bolívar fosse dado à região. Logo, assim como o país, Sucre, a capital constitucional, também recebeu esse nome em homenagem a uma grande figura histórica. 3.3 Brasil No que tange a este topônimo, observamos que há certa discordância entre os autores pesquisados a respeito da sua história. A explicação que se encontra no âmbito do senso comum é que foi dado em razão de um grande item econômico da época, o pau-brasil, árvore da qual se extraiu a madeira utilizada para tingir tecidos devido à sua coloração vermelha. Sabemos, porém, que essa questão não é tão simples e é também muito mais antiga. Cabe ressaltarmos que, antes de tal designação, a terra na qual os primeiros portugueses desembarcaram, em 22 de abril de 1500, também já recebeu outros nomes, dentre eles Ilha de Vera Cruz, Terra de Vera Cruz (a mudança de “Terra” por “Ilha” se deu quando os portugueses perceberam a grande extensão territorial) e Terra de Santa Cruz, sublinhando, segundo Noll (2008), a tendência aos hagiônimos na toponímia do Novo Mundo. Ainda segundo Noll (2008, p. 120), “Surge a impressão de que uma decisão entre Santa Cruz e Brasil tenha ocorrido somente por volta de 1530-40. O nome Brasil (terra, terras do Brasil) era usual, todavia, desde o início, entre a população, enquanto Terra de Santa Cruz era usado apenas oficialmente”. Fato é que, desde o início dos Quinhentos, o termo “Brasil” já era encontrado em cartas até mesmo fora de Portugal. Passemos agora ao que dizem as obras consultadas. Para Nascentes (1952, p. 50): 1038 Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 Do adjetivo substantivado brasil, adaptação do fr. bresil, moderno brésil, corruptela do ital. verzino, nome do pau vermelho empregado em tinturaria [...], conhecido muito antes do descobrimento do país. Primeiro ‹‹Terra do brasil›› [...], depois ‹‹Brasil›› simplesmente. A derivação de brasa, tão aceita, não passa de mera etimologia popular. [...] O comércio português era mais desenvolvido com os países da costa atlântica da Europa do que com os da mediterrânea. Daí ter vindo a palavra através do francês. Que já existia em Portugal antes do descobrimento não oferece dúvida: ‹‹Nesta terra ha muito brasyll, o qual faz muyto fino vermelho tanto como grã›› [...] A Vera Cruz de Cabral, posteriormente Santa Cruz, desde cedo na boca dos traficantes de pau-brasil e na de toda gente passou a ser conhecida, pela existência de madeira vermelha, como ‹‹terra do brasil››. Divergindo quanto à origem da palavra, mas concordando com Nascentes (1952) quanto à motivação, segundo Corominas (1954, p. 512, v. I), “Probablemente derivado antiguo de BRASA, por el color encarnado del palo brasil. 1.ª doc.: S. XIII [...] Para la relación con el nombre del Brasil, que al parecer deriva del nombre común por la gran cantidad de brasil que de allí se importó [...]”. Corominas (1954) aponta o século XIII como o da primeira documentação, mas também menciona as referências do italiano “brasile” (1198), o francês “brésil” (século XII) e “brasill” (a. 1221). Para Cunha (1996, p. 122), “brasil” viria de “‘pau- brasil’ XIV. Do it. brasile, de origem controversa; ‘ant. designação com que os portugueses nomeavam os indígenas do Brasil (e a sua língua) usada com mais freqüência no plural’ [...]”. Machado (2003, p. 280) apresenta uma longa definição para o verbete “Brasil”, que já teria sido documentado pelo menos em 1377 (apesar das aparições no italiano que remeteriam ao século XII), na qual, resumidamente, diz que: [...] É costume deriva este top. de brasa, o que parece um tanto estranho pela suposta intervenção e presença de um suf. -il, tónico, sem vida própria em port., mesmo na sua fase arcaica [...] o pau terá chegado até nós por intermédio de negociantes italianos, os intermediários, durante os últimos séculos da Idade Média, entre a Europa Ocidental e a Ásia. Creio por isso que o étimo dos nossos s.m. brasil está no it. brasile [...]. Machado (2003, p. 280) complementa, ainda: Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 1039 Não parece admissível que o top. Brasil se deva a intervenção fr., como pretendeu João Ribeiro [...] O uso do s.m. brasil em Portugal (como se viu, bastante anterior a 1500) e o fato de, quando muito, quinze anos depois do descobrimento da região sul-americana o mesmo voc. já denominar (certamente de maneira indeterminada quanto à extensão territorial) aquela vasta zona, fazem-me pôr de parte a interessante hipótese de João Ribeiro, para quem o nome da sua pátria seria ‹‹o primeiro galicismo›› recebido pelos brasileiros. Otero (2006) explica que existem duas correntes precípuas quanto à origem deste topônimo. A primeira se refere à grande quantidade da árvore conhecida como pau-brasil que, por seu tom avermelhado, lembrava brasas e por isso o nome. Já a segunda corrente acredita essa explicação é insuficiente, visto que o nome “Brasil” já figurava em mapas desde 1339. Assim: “Os planisférios da Idade Média dos cartógrafos Portulano de Médicis (de 1351), assim como os de Solleri, Pinelli, e também os mapas de Picignno, de 1367, mostravam uma ilha chamada Brasil, Bracia ou Berzil [...]” (OTERO, 2006, p. 25). Por fim, trazemos também a interpretação de Noll (2008, p. 118), que reúne as diferentes versões apresentadas por alguns dos dicionários mais consultados. Assim, e como já indicamos, explica as acepções de Cunha, Machado, Nascentes e também do Houaiss, mas discorda destes ao dizer que: [...] o germ. *brasa, ‘brasa’ deve ser considerado como base para brasil, devido à associação com a cor vermelha. Uma ligação etimológica com o it. verzino (ár. wars), como defendem Machado (DELP, brasil) e Battisti/Alessio (DEI, brasile) não se sustenta, porque nem a evolução fonética nem a datação tardia dos primeiros testemunhos no século XIII concordam. O germanismo híbrido brasile se difundiu provavelmente através do italiano e do latim medieval. Registramos ainda a polissemia do termo, que pode estar associado ao nome do país, ao nome da árvore ‒ o pau-brasil ‒ e, quando no plural, em referência aos índios brasileiros, como se nota na Carta de Pedro de Campos Tourinho escrita de Porto Seguro a D. João III (1546). 1040 Revista de Estudos da Linguagem, v. 26, n. 3, p. 1031-1055, 2018 3.4 Chile Foram encontradas várias versões a respeito da origem deste topônimo, preponderantemente apontando para um termo oriundo do léxico aborígine. Segundo Nascentes (1952, p. 72), em sua longa acepção: O nome, primitivamente se aplicou ao vale do rio Aconcágua [...] Se o nome foi usado pelos indígenas do país do Aconcágua (o que não consta com segurança), seria possível que se tratasse do nome do pássaro tile, tili [...] ou thile [...] que como nome próprio pode em mapuche mudar-se em chile. Vicente Carvallo Goyeneche e outros supõem que êste é o étimo, o que não parece provável a Lenz porque tal pássaro não é comum. [...] Anrique y Silva propôs o nome do pássaro chille (do mapuche), onomatopéico do grito desta espécie de gaivota. Se o nome foi dado pelos peruanos, o que é pouco provável, estão à mão várias palavras das línguas do Peru. Assim, propuseram chili, frio, do antigo quichua (Valenzuela), chilli, confins do mundo, do aimará (Bertonio). Lenz crê estas etimologias meros jogos de palavras. Lokotsch, Amer. Wört., 32, também acha que é insegura a etimologia de Chile, parecendo-lhe mais aceitável o quichua porque, em relação ao Peru, o Chile é mais frio e ainda mais, o nome a princípio se aplicou somente ao gélido vale do Aconcágua. É também o nome de um rio chileno. Não se pode determinar se o nome passou da região ao rio ou deste à região, observa Lenz com toda a razão. Corominas (1954) aponta a correspondência da palavra “chile” com a pimenta, assim como Cunha (1996, p. 178), quando diz que chile seria uma “‘variedade de pimenta’ XIX. Do cast. chile, deriv. Do náuatle čilli”. Para Machado (2003, p. 406), “Do esp. Chile, de origem obscura”. Assim como Nascentes (1952), Otero (2006, p. 26-27) também elenca uma grande gama de possibilidades: Alguns garantem que deriva de ‘Chili’, termo com que os aborígines aimarás designavam o vale do Aconcágua, e significava ‘lugar onde a terra termina’; não obstante, uma tradução de origem quíchua atribui ao termo o significado de ‘frio’ ou ‘região fria’. O abade Molina e alguns filólogos afirmam que o nome foi dado ao vale pelas primeiras tribos que se estabeleceram na região porque nele abundava um pássaro com manchas amarelas nas asas, chamado pelos mapuches de Trih, Chi, Aili, Tril, Trile ou Trrile, que correspondem ao termo ‘Chili’. [...] Segundo outros
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