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Sobre o princípio da associação PDF

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10 2006 sobre o princípio da associação1 pierr pierre-joseph proudhon* A Revolução de 1789 fundou o regime industrial, após ter feito tábula rasa do regime feudal. Voltando-se para as teorias políticas, ela nos lançou ao caos econômico. Em vez de uma ordem natural, concebida segundo a ciência e o trabalho, fomos agraciados com uma ordem artificial, à sombra da qual se desenvolveram interes- ses parasitas, costumes anormais, ambições monstru- osas, preconceitos alheios ao senso comum, considera- dos hoje todos legítimos; invocam uma tradição de ses- senta anos, e não querendo nem abdicar nem se modificar, colocam-se entre si em estado de antagonis- mo, e em relação ao progresso, em estado de reação. * Pierre-Joseph Proudhon, nascido em Besançon, em 1809, publicou, em 1840, “O que é a propriedade?”, inaugurando o que ficou conhecido mais tarde por anarquismo. Foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Traba- lhadores, em 1864. verve, 10: 44-74, 2006 44 verve Sobre o princípio da associação Como esse estado de coisas, cujo princípio, meio e objetivo é a guerra, não consegue responder às exigên- cias de uma civilização totalmente industrial, seu re- sultado necessário é a Revolução. Mas como tudo neste mundo é sujeito à agiotagem, mal a necessidade de uma revolução revela-se às mas- sas, em todos os partidos surgem imediatamente teori- as, escolas e seitas, que tomam a palavra, capturam o favor do povo por meio de exibições mais ou menos curi- osas e, sob pretexto de melhorar sua sorte, reivindicar seus direitos e restabelecê-los no exercício de sua auto- ridade, trabalham arduamente para sua própria fortuna. Portanto, antes de buscar a solução do problema co- locado às sociedades modernas, convém apreciar o va- lor das teorias oferecidas ao repasto popular, bagagem obrigatória de todas as revoluções. Em um trabalho des- ta natureza, a utopia não poderia ser deixada de lado, pois, de uma parte, como expressão dos partidos e sei- tas, ela desempenha um papel nesse drama; em segun- do lugar, como o erro é na maioria das vezes apenas uma mutilação ou plágio da verdade, a crítica das vi- sões parciais facilita a compreensão da idéia geral. Elaboremos, inicialmente, uma regra de crítica com respeito às teorias revolucionárias; da mesma elaborare- mos um criterium sobre a hipótese mesma da revolução. Perguntar se há razão suficiente de revolução no sé- culo XIX é, como afirmamos, perguntar qual é a ten- dência da sociedade atual. E respondemos: pelo fato da Sociedade se encontrar engajada em uma via fatal e progressivamente desas- trosa, todas as estatísticas, todas as pesquisas, todas as avaliações mostram, e todos os partidos, embora sob diferentes considerações, admitem, que uma revolução é inevitável. 45 10 2006 Foi esse o nosso raciocínio sobre a utilidade e a ne- cessidade da Revolução. Exigindo dele um pouco mais, iremos fazê-lo produzir a regra de que necessitamos. Já que a tendência da Sociedade é que é má, o pro- blema da Revolução consistirá em mudar essa tendên- cia, em endireitá-la, como se endireita, com a ajuda de um suporte, a postura de uma jovem árvore; em fazê-la tomar uma direção diferente, como se redireciona um carro depois de retirá-lo de uma falsa trilha. É nessa correção que deve consistir toda inovação revolucioná- ria: não se trata de tocar a própria Sociedade, que deve ser considerada como um ser superior dotado de vida própria, e que conseqüentemente exclui de nossa parte qualquer idéia de reconstituição arbitrária.2 Esse primeiro dado encontra-se integralmente nos instintos do povo. O povo, de fato, como revela a prática constante das revoluções, não é de forma alguma utopista. A fantasia e o entusiasmo só o tomam a raros e curtos intervalos. Ele não busca, com os antigos filósofos, o Bem Sobera- no, nem com os socialistas modernos a Felicidade; não tem qualquer fé no Absoluto e rejeita para longe, em sua natureza mortal, qualquer sistema a priori e defini- tivo. Seu sentido profundo diz-lhe que o absoluto, da mesma maneira que o statu quo, não pode entrar nas instituições humanas. O absoluto, para ele, é a própria vida, a diversidade na unidade. Como ele não aceita qualquer fórmula última, como precisa estar sempre em movimento, a missão de seus precursores consiste, em conseqüência, unicamente em alargar seu horizonte e desembaraçar seu caminho. Essa condição fundamental da solução revolucioná- ria não parece ter sido compreendida até agora. 46 verve Sobre o princípio da associação Os sistemas proliferam: os projetos se multiplicam. Um, organiza o lugar de trabalho; outro, aquilo que lhe é mais caro, o governo. Conhecemos as hipóteses societá- rias dos saint-simonianos, de Fourier, Cabet, Louis Blanc etc. Bem recentemente, o público foi presenteado com as dádivas dos Srs. Considérant, Rittinghausen, e E. Girardin3 sobre a forma da soberania. Mas ninguém, que eu saiba, afirmou que a questão, tanto para a política quanto para a economia, era tendencial, muito mais que constitucional; que se tratava antes de mais nada de nos orientar, não de nos dogmatizar; em suma, que a solu- ção consistia em retirar a Sociedade da perigosa vereda na qual ela se precipita, para fazê-la tomar a grande via do senso comum e do bem-estar, que é sua lei. Nenhuma das teorias socialistas e governamentais propostas apreendeu o ponto capital da questão. Longe disso, todas elas são sua negação formal. O espírito de exclusão, de absolutismo, de reação é o caráter comum de seus autores. Com eles, a Sociedade não vive, ela se encontra em uma bancada de dissecação. Sem contar que as idéias desses senhores não remediam nada, não garantem nada, não abrem qualquer perspectiva, dei- xando a inteligência mais vazia, a alma mais cansada que antes. Em vez, portanto, de examinar os sistemas, o que seria um trabalho interminável, e o que é pior, sem con- clusão possível, iremos, com o auxílio de nosso critério, examinar o ponto de partida deles. Buscaremos, do pon- to de vista da revolução atual, aquilo que os princípios contêm, o que eles podem produzir; pois é evidente que se os princípios nada contêm, nada podem produzir, e seria inútil passar aos sistemas. Estes serão, de fato, julgados: os mais belos serão os mais absurdos. Começo pela Associação. 47 10 2006 Se eu quisesse apenas bajular o proletariado, a re- ceita não seria difícil. Em vez de uma crítica do princí- pio societário, eu faria um panegírico das sociedades operárias; seu espírito de caridade, sua maravilhosa inteligência; eu celebraria os milagres de seu devota- mento, preconizaria seus triunfos. O que eu não pode- ria dizer sobre o assunto, caro a todos os democratas? As sociedades operárias não servem neste momento de berço à revolução social, como as comunidades evan- gélicas serviram outrora de berço para o catolicismo? Elas não são a escola sempre aberta, ao mesmo tempo teórica e prática, onde o operário aprende a ciência da produção e da distribuição das riquezas; onde ele estu- da, sem livros e sem mestres, apenas segundo sua ex- periência, as leis dessa organização industrial, objetivo final da revolução de 1789, vislumbradas somente por nossos maiores e mais famosos revolucionários? Que belo texto eu faria, cheio de manifestações de uma sim- patia fácil, que por ser sempre sincera, suponho, nem por isso deixa de ser mais desinteressada! Com que or- gulho lembraria que também eu quis fundar uma as- sociação, mais que uma associação, a agência central, o órgão circulatório das associações operárias! E como eu amaldiçoaria esse governo que, num orçamento de 1.500 milhões, não encontra um só centavo a dispor em favor dos pobres trabalhadores!... Tenho algo melhor para oferecer às associações. Es- tou convencido que neste momento elas trocariam cem elogios por uma única idéia, e são idéias que lhes ofere- ço. Eu recusaria seus votos, caso seu preço fossem adu- lações. Que aqueles de seus membros que lerem estas páginas permitam-se apenas lembrar que, tratando-se da associação, é um princípio, e menos que isso, é uma hipótese que estou discutindo; não é de maneira algu- ma tal ou tal empresa que, apesar de seu título, seria 48 verve Sobre o princípio da associação responsável por isso, e cujo sucesso, de fato, não de- pende disso. Falo da Associação, não das associações, quaisquer que elas sejam. Sempre considerei a Associação em geral, a fraterni- dade, como um engajamento equívoco, que da mesma forma que o prazer, o amor e muitas outras coisas, sob a mais sedutora aparência, contém mais mal do que bem. Talvez isso seja um efeito do temperamento que recebi da natureza: desconfio tanto da fraternidade quanto da volúpia. Vi poucos homens vangloriando-se de ambas. Particularmente, a Associação apresentada como instituição universal, princípio, meio e objetivo da Revolução, parece-me esconder uma segunda inten- ção de exploração e despotismo. Vejo aí uma inspiração do regime governamental, restaurado em 1791, refor- çado em 1793, aperfeiçoado em 1804, erigido em dog- ma e sistema de 1814 a 1830, e reproduzido nestes últi- mos tempos, sob o nome de governo direto, com um entusiasmo que mostra muito bem até onde chega en- tre nós a ilusão dos espíritos. Apliquemos o criterium. O que a sociedade quer hoje? Que sua inclinação para o pecado e para a miséria torne-se um movimento em direção ao bem-estar e à virtude. O que é necessário para realizar essa mudança? Restabelecer o equilíbrio nas forças econômicas. A Associação é o equilíbrio de forças? Não. A Associação seria ao menos uma força? Não. 49 10 2006 O que é então a Associação? Um dogma. Tanto a Associação é, aos olhos daqueles que a pro- põem como expediente revolucionário, um dogma, algo fixo, completo, absoluto e imutável, que todos os que caíram na armadilha dessa utopia acabaram por desem- bocar, sem exceção, em um sistema. Irradiando uma idéia sobre as diversas partes do corpo social, eles de- veriam conseguir, e de fato conseguiram, reconstruir a sociedade em um plano imaginário, quase como aquele astrônomo que, por respeito a seus cálculos, refazia o sistema do mundo. Assim, a escola saint-simoniana, ultrapassando o dado por seu fundador, produziu um sistema; Fourier, um sistema; Owen, um sistema; Cabet, um sistema; Pierre Leroux, um sistema; Louis Blanc, um sistema; como Babeuf, Morely, Thomas Morus, Campanella, Pla- tão e outros, seus antecessores, cada um partindo de um princípio único, pariram sistemas. E todos esses sistemas exclusivos uns aos outros, o são igualmente em relação ao progresso. Antes pereça a humanidade que o princípio! É essa a divisa, tanto dos utopistas quantos dos fanáticos de todos os séculos. O socialismo, interpretado dessa maneira, tornou- se uma religião, que poderia, há uns cinco ou seis sé- culos, ser considerada um progresso em relação ao ca- tolicismo, mas que, no século XIX, é o que existe de menos revolucionário. Não, a Associação não é um princípio diretor, não mais do que uma força industrial; a Associação, por ela mesma, não possui nenhuma virtude orgânica ou pro- dutora, nada enfim, que como a divisão do trabalho, a concorrência etc., torne o trabalhador mais expeditivo ou mais forte, diminua as despesas de produção, ex- 50 verve Sobre o princípio da associação traia de elementos menores um valor mais considerá- vel, ou que, a exemplo da hierarquia administrativa, ofereça uma veleidade de harmonia ou de ordem. Para justificar esta proposição, preciso citar em pri- meiro lugar alguns fatos, a título de exemplo. Em se- guida, irei provar, de uma parte, que a Associação não é uma força industrial; em segundo lugar, e como corolá- rio, que ela não é um princípio de ordem. Provei em algum lugar, em Confissões de um Revolu- cionário,4 que o comércio, independentemente do servi- ço prestado pelo fato material do transporte, é por si só um estímulo direto ao consumo, portanto uma causa de produção, um princípio de criação dos valores. À pri- meira vista, isto pode parecer paradoxal, mas é demons- trável pela análise econômica: o ato metafísico da troca, tanto quanto o trabalho, mas de modo diferente do tra- balho, é produtor de realidade e de riqueza. De resto, esta proposição nada mais terá de surpreendente, se refletirmos que produção ou criação significam apenas mudança de formas e que, em conseqüência, as forças criadoras, o próprio trabalho, são imateriais. Assim, é a justo título que o comerciante, enriquecido por especu- lações reais, despojadas de qualquer agiotagem, goza da fortuna que adquiriu. E a antiguidade pagã, assim como a Igreja, difamou injustamente o comércio, sob pretexto de que seus benefícios não eram a remunera- ção de um serviço positivo. Ainda uma vez: a troca, essa operação puramente moral, que se realiza pelo consen- timento recíproco das partes, abstração feita do frete e das distâncias, não é apenas uma transposição ou subs- tituição, é também uma criação. Portanto, como o comércio é por si próprio produtor de utilidade, os homens de todas as épocas a ele se dedicaram com ardor: nenhum legislador precisa lou- 51 10 2006 var seus méritos ou recomendar sua prática. Vamos supor, o que não é absolutamente absurdo, que o co- mércio não existisse; que com nossos imensos meios de execução industrial, não tivéssemos qualquer idéia de troca: podemos imaginar então que quem ensinasse aos homens a permuta de seus produtos e o comércio entre eles, prestar-lhes-ia um imenso serviço. A histó- ria da humanidade não menciona nenhum revolucio- nário que pudesse ser comparado a tal personagem. Os homens divinos que, outrora, inventaram o arado, a vi- nha, o trigo, nada teriam sido comparados a aquele que, nesse momento, inventasse o comércio. Outro exemplo. A união das forças que, como mostraremos a seguir, não deve ser confundida com a associação, também é, como o trabalho e a troca, produtora de riquezas. É uma potência econômica cuja importância creio ter sido o primeiro a ressaltar, em meu primeiro trabalho sobre a Propriedade.5 Cem homens, unindo ou combinando seus esforços, produzem, em certos casos, não cem vezes como um, mas duzentas vezes, trezentas vezes, mil ve- zes. Foi isso que nomeei força coletiva. Cheguei até a retirar desse fato um argumento, que como tantos ou- tros permaneceu sem respostas, contra certos casos de apropriação: pois não basta então simplesmente pagar o salário a um certo número de operários para adquirir legitimamente seu produto: seria preciso pagar esse salário em dobro, triplo, décuplo, ou senão prestar a cada um, um por vez, um serviço análogo. A força coletiva, eis então mais um princípio que, em sua nudez metafísica, não deixa de ser menos produtor de riqueza. Assim, vamos encontrá-lo aplicado em to- dos os casos em que o trabalho individual, repetido tan- tas vezes quanto se queira, permaneceria impotente. 52 verve Sobre o princípio da associação Nenhuma lei, entretanto, prescreve essa aplicação. De- vemos mesmo assinalar que os utopistas societários de maneira alguma imaginaram dele se prevalecer. Pois a força coletiva, de fato, é um ato impessoal, ao passo que a associação é um engajamento voluntário: entre uma e outra, mesmo que elas se encontrem, não há identidade. Vamos supor ainda, como no caso precedente, que a sociedade operária seja composta apenas de operários isolados, que na ocasião não saibam nem combinar nem agrupar seus meios: o industrial que viesse subitamen- te lhes revelar tal segredo faria sozinho mais pelo pro- gresso das riquezas que o vapor e as máquinas, pois por si só tornaria possível o emprego das máquinas e do vapor. Seria um dos maiores benfeitores da humanida- de, um revolucionário realmente fora de série. Passo rapidamente por outros fatos de mesma natu- reza, que também poderiam ser citados, como a concor- rência, a divisão do trabalho, a propriedade etc., e que constituem todos o que chamo de forças econômicas, princípios produtores de realidade. Encontraremos a descrição dessas forças ao longo das obras dos econo- mistas que, com seu desdém absurdo pela metafísica, demonstraram sem perceber, pela teoria das forças in- dustriais, o dogma fundamental da teoria cristã, a cria- ção de nihilo. Trata-se agora de saber se a Associação é uma des- sas forças essencialmente imateriais que, por sua ação, tornam-se produtivas de utilidade e fonte de bem-es- tar; pois é evidente que apenas sob essa condição o prin- cípio societário — não estou fazendo aqui nenhuma dis- tinção de escolas — pode se produzir como solução do problema do proletariado. Em uma palavra: a Associação é uma potência econô- mica? Ela é preconizada já há vinte anos, anunciada en- 53

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