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Santo Agostinho - O sermão da montanha PDF

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Santo Agostinho O Sermão da Montanha Tradução: Souza Campos, E. L. de Teodoro Editor Niterói – Rio de Janeiro – Brasil 2018 O sermão da montanha Santo Agostinho Introdução1 1 Na mesma época em que escrevi o Comentário literal sobre o Gênesis, compus também um livro sobre O sermão da montanha, segundo São Mateus. Quanto ao que se lê na primeira parte deste livro: Bem- aventurados os pacíficos, por que serão chamados filhos de Deus!2, A sabedoria é a partilha dos pacíficos, nos quais tudo é regulado, nada se revolta contra a razão e tudo está submetido ao espírito da pessoa que obedece a Deus3, é preciso que eu me explique. Não é possível a ninguém nesta vida, não ter em seus membros uma lei que repugne a lei do espírito. Mesmo quando o espírito humano resiste a essa lei a ponto de jamais sua vontade falhar, a repugnância e a luta ainda ali estarão. As palavras nada se revolta contra a razão só devem ser tomadas no sentido de que os pacíficos domam as concupis- cências da carne para um dia chegarem à paz plena e completa. 1 Das Revisões. Livro I, cap. XIX. 2 Mateus 5: 9. 3 Livro I, cap. 11. Santo Agostinho – O sermão da montanha 2 Desta forma, quando em seguida, repetindo a frase do Evangelho: Bem-aventurados os pacíficos, por que serão chamados filhos de Deus!, eu acrescentei: Tudo isso pode se realizar nesta vida, como a- creditamos que aconteceu com os apóstolos4, isto não deve ser entendi- do no sentido de que os Apóstolos, em vida, não experimentavam ne- nhum impulso da carne contrário ao espírito, mas que se pode chegar até onde os Apóstolos chegaram, ou seja, na perfeição completa na me- dida em que ela pode ser conseguida nesta vida. Eu não disse “Tudo isso pode se realizar nesta vida, pois acredi- tamos que aconteceu com os apóstolos”, mas como acreditamos que aconteceu com os apóstolos. De sorte que, chega-se a isso como eles chegaram, ou seja, na perfeição que eles atingiram e que é aquela possí- vel nesta vida presente, não aquela que esperamos um dia possuir na paz perfeita, quando diremos: Onde está, ó morte, o teu aguilhão5. 3 Em outro lugar6, ao fazer esta citação: Ele concede o Espírito sem medidas7, eu não tinha compreendido que esta passagem só se aplica com verdade a Jesus Cristo. De fato, se Deus desse seu espírito ao ser 4 Livro I, cap. 12. 5 1 Coríntios 15: 55. 6 Livro I, cap. 17. 7 João 3: 34. 3 Santo Agostinho – O sermão da montanha humano sem medidas, Eliseu não teria pedido o dobro do que tinha re- cebido Elias8. Ao expor estas palavras: Passarão o céu e a terra, antes que de- sapareça um jota, um traço da Lei9, eu disse que elas só podem ser compreendidas como a expressão veemente da perfeição10. Naturalmen- te que podem me perguntar se essa perfeição pode ser entendida no sen- tido de que seja verdadeiro que ninguém, usando de seu livre arbítrio, pode viver neste mundo sem pecado. Por quem, de fato, pode a Lei ser cumprida com perfeição, se não é por aquele que observa todos os preceitos divinos? Ora, nesses precei- tos há um que nos ordena dizer: Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido11. Esta prece, a Igreja inteira a recita e a recitará até o fim dos séculos. Assim, todos os preceitos são considerados como cumpridos, quando tudo o que não se deve fazer é perdoado. 4 Seguramente o que disse o Senhor: Aquele que violar um destes mandamentos, por menor que seja e ensinar assim às pessoas, será declarado o menor no Reino dos céus. Mas aquele que os guardar e os 8 2 Reis 2: 9. Tendo passado, Elias disse a Eliseu: “Peça-me algo, antes que eu seja arrebatado de ti. O que posso fazer por ti?” Eliseu respondeu: “Seja-me concedida uma porção dobrada do teu espírito”. 9 Mateus 5: 18. 10 Livro I, cap. 20. 11 Mates 6: 12. 4 Santo Agostinho – O sermão da montanha ensinar será declarado grande no Reino dos céus. Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus12, eu expliquei muito melhor nos meus textos poste- riores. Mas seria muito longo repeti-los neste momento. O sentido dado aqui a estas palavras13 é que aqueles que dizem e fazem, possuem uma justiça maior do que a dos escribas e fariseus, pois Nosso Senhor diz dos fariseus e escribas: Dizem e não fazem14. Nós compreendemos também muito melhor mais tarde15 estas pa- lavras: Todo aquele que se irar contra seu irmão será castigado pelos juízes16. Os manuscritos gregos não trazem “sem causa”, como eu colo- quei, embora o sentido seja o mesmo. De fato, eu disse que era preciso considerar o que é se irar contra seu irmão. Ora, não é se irar contra seu irmão se irritar com o pecado de seu irmão. Aquele então que se irrita, não contra o pecado, mas contra seu irmão, se coloca em ira sem uma causa. 5 Da mesma forma, quando eu escrevi: O mesmo devemos dizer com relação ao pai, à mãe e a todos com os quais temos laços de san- gue. Neles devemos odiar o que arrasta toda pessoa para a necessidade 12 Mateus 5: 19 e 20. 13 Livro I, cap. 21. 14 Mateus 23: 3. 15 Cf. A cidade de Deus. Livro 21, cap. 27. 16 Mateus 5: 22. 5 Santo Agostinho – O sermão da montanha de nascer e de morrer17, parece que eu quis dizer que esses laços natu- rais não existiriam, caso o ser humano não tivesse pecado e, assim, nin- guém seria submetido à morte. Este sentido eu já reprovei. Haveria, de fato, parentesco e alianças, mesmo se o pecado origi- nal não tivesse acontecido e o gênero humano tivesse crescido e se mul- tiplicado sem morrer. O que deve servir para resolver de forma diferente esta questão: por que Deus nos ordenou amar nossos inimigos18, quando, em outro lugar, ele nos ordena odiar nossos pais e nossos filhos19? Ela não deve ser resolvida como fizemos aqui, mas como fizemos muitas outras vezes posteriormente. A saber: devemos amar nossos i- nimigos para ganhá-los para o reino de Deus e odiar nossos parentes, se eles nos afastam dele. 6 Assim também, o preceito que proíbe um marido rejeitar sua es- posa, se não for por causa de fornicação20, eu discuti aqui com o maior dos escrúpulos21. 17 Livro I, cap. 41. 18 Cf. Mateus 5: 44. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. 19 Cf. Lucas 14: 26. Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus ir- mãos, suas irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. 20 Cf. Mateus 5: 32. Ego autem dico vobis : quia omnis qui dimiserit uxorem suam, excepta fornicationis causa, facit eam mœchari : et qui dimissam duxerit, adulterat. 21 Livro I, cap. 43. 6 Santo Agostinho – O sermão da montanha Mas, que fornicação é esta que faz o Senhor permitir o repúdio? É aquela considerada como um dos crimes vergonhosos ou é aquela da qual se diz: Perdestes os que fornicam longe de vós22, que inclui a pri- meira, pois, não é cometer fornicação contra o Senhor, corromper os membros de Cristo e transformá-los em membros de uma cortesã? É isto o que se deve examinar, pesquisar e meditar profundamente. Em uma matéria tão importante e tão difícil, eu não gostaria que o leitor pensasse que minha discussão basta. Que ele procure, pelo contrá- rio, ler outros escritos; sejam aqueles compostos posteriormente, sejam aqueles que foram melhor redigidos e meditados por outros. Que ele mesmo consulte, se puder, seu intelecto, com sagacidade e prudência, sobre as razões que podem corretamente ser invocadas aqui. De fato, nem todo pecado é uma fornicação. Deus não perde todos os pecadores. Ele diariamente ouve os santos que lhe pedem: Perdoai nossas ofensas. No entanto, ele condena, ele perde, todo aquele que comete uma fornicação contra ele. Qual é então essa fornicação? Como entendê-la e como delimitá- la? Se, por causa dela, é permitido repudiar uma esposa, esta é uma questão das mais obscuras. Quanto a repudiar baseado na fornicação enquanto crime vergo- nhoso, não há dúvida. Apenas, quando eu disse que esse repúdio era permitido mas não ordenado, eu não me atentei para estas outras pala- 22 Salmo 72: 27. Perdidisti omnes qui fornicantur abs te. 7 Santo Agostinho – O sermão da montanha vras das Escrituras: Aquele que mantém uma adúltera é um tolo e um ímpio23. Que fique bem entendido que eu não chamaria de adúltera a mu- lher para quem o Senhor disse: “Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar”24, contanto que ela o tenha obedecido. 7 Em outro lugar eu defini o pecado mortal contra um irmão, do qual São João diz: Há pecado que é para morte; não digo que se reze por este25, eu o defini, repito, com estas palavras: Esse pecado do irmão que conduz à morte acontece quando, após ter conhecido Deus, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, atenta-se contra a união fraternal e, desprezando a graça da reconciliação, se é atormentado pelos fogos do ciúme26. Eu não provei minha afirmação por que a enunciei como sendo apenas meu pensamento. Mas, seria preciso acrescentar: se, no entanto, se termina esta vida nessa atroz perversidade, pois não se deve jamais desesperar neste mundo, mesmo com relação aos mais ímpios e se tem razão em rezar sempre por aquele por quem não se desespera. 23 Provérbios 18: 22. Qui autem tenet adulteram stultus est et impius. 24 João 8: 11. 25 1 João 5: 16. 26 Livro I, cap. 73. 8 Santo Agostinho – O sermão da montanha 8 No segundo livro eu digo: Não será possível para ninguém igno- rar o reino de Deus, quando seu Filho unigênito vier do céu __ de uma maneira não apenas espiritual, mas também visível e como homem do Senhor __ para julgar os vivos e os mortos27. Não penso que se possa utilizar corretamente a expressão homem do Senhor, para o Mediador entre Deus e a humanidade, para Jesus Cristo humano, pois ele é o Senhor. Qual é, de fato, o homem de quem se possa dizer, em sua santa família, que é o homem do Senhor? Se utilizei esta expressão foi por que a li em alguns escritores ca- tólicos, intérpretes das santas Escrituras. Eu gostaria de não tê-la em- pregado em toda parte onde fiz isso. De fato, eu vi mais tarde que ela não é absolutamente adequada, embora possa ser defendida com algumas boas razões. Também eu disse: Talvez ninguém possa seriamente odiar Deus28. Eu não deveria ter falado assim, pois há pessoas das quais se diz: Não olvideis os insultos de vossos adversários e a soberba crescen- te dos que vos odeiam29. 27 Livro II, cap. 20. 28 Livro II, cap. 48. 29 Salmo 73: 23. Ne obliviscaris voces inimicorum tuorum : superbia eorum qui te oderunt ascendit semper. 9

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