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SANDRA MARA CORAZZA O docente da diferença1 PDF

20 Pages·2009·0.2 MB·Portuguese
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PERIFERIA – Volume 1. Número 1. SANDRA MARA CORAZZA O docente da diferença1 Resumo: Tratado como ser, indivíduo, pré-individual, impessoal, tomado em segmentos de devir, que são processos de desejo, o docente é pensado a partir da Filosofia da Diferença em Educação. Extrator de partículas, atravessa os limiares do sujeito, formas e funções. Estuda, aprende, ensina, compõe, canta, lê, escreve, pesquisa, apenas com o objetivo de desencadear devires. Ressalta o seu próprio potencial de variação contínua e critica, assim, o conceito e a forma- docente. Desenvolve traços fugidios do seu ensinartistar, por meio de XX devires. Para finalizar, indaga: – Como criar uma artistagem docente? Sabe que engendrar, encontrar e seguir alguma resposta de tristeza ou de alegria, de juventude ou de velhice, de ânimo ou de cansaço, de vida ou de morte, é o que configura a covardia ou a coragem de cada docente da diferença. Palavras-chave: diferença; docente; individuação; identidade; artistagem. Abstract: Treated as being, individual, pre-individual, impersonal, taken in furtherance of ¨becoming¨ which are process of desire, the teacher is conceived from the Philosophy of Difference in Education. Extracting particles he crosses the subject´s threshold, forms and functions. The teacher studies, learns, teaches, creates, sings, reads, writes, researches with only one purpose: causing ¨becoming¨. He emphazises his own potential of continuous and critical variation giving rise to the concept and the teaching-way. He develops fleeting traits of his artistic way of teaching throug XX ¨becomings¨. And in the end he asks: how a teaching-acting can be created? The teacher knows that to create, to find and to follow some sad or happy answer, some youth or old age answer, some willpower or fatigue answer, some life or death answer is what defines the cowardice or the courage of each teacher that makes the Difference. Keywords: difference; teacher; characterize; identity; acting. 1 Originalmente apresentado na Mesa Redonda: “Currículo, diferenças e identidades”, no IV Colóquio Luso- Brasileiro sobre Questões Curriculares e VIII Colóquio sobre Questões Curriculares. UFSC, Florianópolis, 2 setembro 2008. 91 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. Tr atado como ser, indivíduo, pré-individual, impessoal, tomado em segmentos de devir, que são processos de desejo, o docente é pensado a partir da Filosofia da Diferença em Educação. Extrator de partículas, que não pertencem mais a como vive, pensa, escreve, pesquisa, mas são as mais próximas daquilo que está em vias de tornar-se, e através das quais ele se torna diferente do que é, o docente da diferença atravessa os limiares do sujeito em que se tornou, das formas que adquiriu, das funções que executa. Entretanto, não se identifica, não imita, não estabelece relações formais e molares com algo ou alguém, mas estuda, aprende, ensina, compõe, canta, lê, apenas com o objetivo de desencadear devires. Ressalta o seu próprio potencial de variação contínua e critica, assim, o conceito Docente e a forma docente. Desenvolve traços fugidios do seu ensinartistar, por meio de XX devires. Então, indaga: – Como criar uma artistagem docente? Sabe que engendrar, encontrar e seguir alguma resposta de tristeza ou de alegria, de juventude ou de velhice, de ânimo ou de cansaço, de vida ou de morte, é o que configura a covardia ou a coragem de cada docente artistador (cf. Corazza, 2006). 1. Ser. Tradicionalmente, a palavra docente nos reporta a um indivíduo constituído, já pronto: atomon, individuum, não-dividido. Um indivíduo do tipo cartesiano, que não apenas tem sua alma separada do corpo, mas é dotado de uma alma homogênea, cuja unidade impede qualquer distanciamento do Eu atual. Para tanto, supomos que existe um certo princípio de individuação, por meio do qual o indivíduo é individuado e individuável, e que ainda explica, produz ou conduz a sua realidade. A partir desse indivíduo dado, que tem primazia sobre qualquer outro, buscamos, então, remontar às condições da sua existência. Dessa maneira, enfocamos somente aquilo que constitui a individualidade de um ser já individuado, por acreditar que o indivíduo segue-se à individuação e por colocar o princípio de individuação antes, além e acima da própria operação de individuar. Espalhamos, assim, a individuação por toda parte, tornando-a co-extensiva ao ser, e a transformamos não somente no primeiro momento do ser fora do conceito, mas em todo o ser. Para o Pensamento da Diferença (cf. Simondon, 2003; Deleuze, 2006), primordial é a própria operação de individuação e, nesta, a zona obscura (insuficientemente tratada pela tradição), na qual o indivíduo pronto é ligado ao princípio de individuação (princípio considerado efeito daquela operação). Assim, para esse Pensamento, o indivíduo acabado não é solução, mas o problema mais interessante a ser pesquisado e explicado. Um indivíduo que só pode ser contemporâneo da sua 92 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. individuação e esta contemporânea do princípio de individuação. Ou seja, um indivíduo que não apenas é resultado, mas meio (milieu) de individuação; bem como a sua individuação não é o momento primeiro, nem abriga todo o ser: “não há substâncias, mas processos de individuação, não há sujeitos, mas processos de subjetivação” (Lévy, 2003, p.28). Se, antes, considerávamos o docente, principalmente, como ser concreto, em sua completude, ou como substância, matéria, forma, é porque supúnhamos o ser unicamente como em estado de equilíbrio estável. A este equilíbrio (que excluía o devir, devido a seu baixo nível energético), a física quântica e a mecânica ondulatória acrescentaram a noção de energia potencial de um sistema metaestável. Sistema supersaturado, situado acima do nível da unidade, carregado de tensões pré- individuais, que não é estável nem instável, tampouco se encontra em movimento ou em repouso. Sistema, no qual existe a disparação (disparation) de duas ordens heterogêneas de grandeza ou de realidade, sem que haja comunicação interativa entre elas. É a individuação que estabelece comunicação entre essas ordens díspares, resolvendo o problema pela atualização: que “o indivíduo mediatiza quando vem a ser” (Simondon, 2003, p.101). Podemos, então, pensar o pré-individual, como onda ou corpúsculo, cuja individuação não esgota a imensa (e tensa) carga de potenciais, que compõem a condição prévia de sua individuação. Nesse caso, o indivíduo-docente, mesmo constituído, carrega consigo, em regime de metaestabilidade, a realidade pré-individual que o constitui, e que permanecerá sempre associada a ele, como fonte de estados futuros de onde sairão novas individuações. Decorre daí a distinção entre singularidade e individualidade do docente, já que o sistema metaestável concebe o pré-individual como provido de singularidades, as quais correspondem à existência e à repartição de potenciais do ser. Singular sem ser individual, eis o estado desse ser, tomado como um campo de singularidades pré-individuais, e que, acima de tudo, é diferença e disparidade. Singularidade de um ser, que não designa um estado provisório do nosso conhecimento, nem um conceito subjetivo indeterminado, mas, simplesmente, um momento do ser: o primeiro momento pré-individual, suposto “por todos os outros estados, sejam eles de unificação, de integração, de tensão de oposição, de resolução de oposições... etc.” (Deleuze, 2003, p.118). Sendo, dessa maneira, organização de uma resolução para um sistema objetivamente problemático (não negativo), a individuação surge como o advento de um novo momento do ser, agora, fasado. O próprio processo de individuação é que cria as fases desse ser, as quais consistem no desenvolvimento de algumas das suas partes. Logo, do docente pré-individual, pode-se afirmar que é 93 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. o ser, no qual não existem fases; ao passo que, após a individuação, ele é o ser fasado, acoplado a si mesmo; enquanto o seu devir “é o ser em cujo seio se efetua uma individuação” (Simondon, 2003, p.101). Essa concepção conecta a individuação e o devir do ser; faz o pré-individual permanecer associado ao indivíduo; e mantém o indivíduo como fonte de estados metaestáveis futuros. Portanto, ontologicamente, o ser-docente nunca é uno, já que, por excelência, é pré-individual, mais do que um superposto e simultâneo a si próprio. Mesmo individuado, ele ainda é múltiplo, porque defasado e polifasado, encontrando-se numa fase do devir que o conduzirá a novas operações, num processo de individuação permanente: “uma seqüência de acessos de individuação, avançando de metaestabilidade em metaestabilidade” (Simondon, 2003, p.107). 2. Indivíduo. Falar assim da individuação do docente implica abrir-se ao problema que atraiu Avicena (filósofo árabe do século XI), qual seja: “O que faz com que uma substância ou natureza comum a vários se torne este ou aquele indivíduo” (Orlandi, 2003, p.90)? Interessa-nos, por isso, formular as seguintes questões: – O que faz de um docente um docente, em vez de um engenheiro, um advogado, uma psicóloga, uma nutricionista? – O que faz de um docente este docente? A ênfase não reside mais na indagação – O que é...?, a qual nos encaminha a perguntar sobre a essência do ser, mas radica no este..., o que configura uma inflexão sobre a sua existência (cf. Antonello, 2002). Há, aqui, uma importante distinção entre o problema da individuação e o da especificação (denominada, genericamente, diferenciação): a especificação não enfatiza o individuar, mas o definir, desde que não queremos saber de um docente individual, mas do conceito Docente. Uma operação é, pois, conhecer e definir o Docente, isto é, determinar ou apreender a sua essência, por meio do conceito: o que se pensa que o Docente é. Outra operação, ao contrário, é individuar o docente (para a qual já temos disponível o que o Docente é, pela via do conceito) e determinar a sua posição e existência. Segue-se que a definição do Docente é uma operação do tipo conceitual, enquanto a individuação do docente parece, à primeira vista, ser uma operação exclusivamente perceptiva. Assim, quando queremos individuar um docente, não perguntamos – O que o Docente é? E sim: – Onde o docente está, neste momento? Operamos, dessa maneira, um reconhecimento no ambiente 94 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. circundante e, dentre todos os que exercem a docência, selecionamos aquele docente que se distingue dos outros, por meio de um conjunto de traços que o diferenciam. Se, portanto, o intelecto define e a percepção individua, podemos dizer (com filosofemas tradicionais) que o docente é definido por algo essencial e individuado por algo empírico e acidental. Entre definir o Docente e individuar o docente existe uma relação análoga àquela que há entre demonstrar e mostrar, de modo que, se podemos mostrar um docente não temos necessidade de demonstrar o que é o Docente; ou, ainda, se temos um docente mostrado não precisamos demonstrar que ele é o Docente, pois temos necessidade de demonstrar unicamente aquilo que não podemos mostrar. O indivíduo-docente, por conseguinte, não é definível, mas pode ser apenas indicado, mostrado; enquanto, ao contrário, o Docente, como conceito, não é individuável, já que não tem nem um onde nem um quando. É, assim, a própria individualidade de um docente que o subtrai de toda possível definição. Interrogar o princípio da sua individuação é, nesse caso, querer saber: – O que faz um docente deixar de ser somente definível e passar a ser descrevível? Ou então: – O que transforma um docente definível em um docente indicável? E ainda: – O que transforma o Docente (enquanto universal, pensável e definível, por via conceitual) neste docente, localizável na realidade, por via empírica? Ora, acontece que a individualidade de um docente consiste naquilo que o determina em seu ser, de modo que ele é este docente e não outro. As determinações que individualizam um docente não dizem respeito à essência, mas ao ser e, portanto, não são determinações reais, mas ônticas. Um docente, em sua individualidade, não se iguala a nenhum outro e, primariamente, consiste no ser, enquanto não é outro. Falar em individualidade nos leva a considerar não somente este docente, mas mais de um docente: ao menos dois. Assim, mesmo que, no problema da individuação, encontremos uma diferença numérica entre indivíduos, se essa diferença for concebida tão-somente como real, revela-se insuficiente, por permitir o ato de substituição indiferente dos indivíduos, o qual é totalmente antagônico ao processo de individuação. 3. Unidade, identidade, igualdade. Desde que ressaltamos o movimento que vai do pré-individual ao indivíduo, ficam abaladas tanto a unidade do ser (síntese, sujeito), como característica do ser individuado, quanto a identidade (“que autoriza o uso do princípio do terceiro excluído”) do indivíduo, já que este é apenas uma fase 95 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. do ser, posterior à operação de individuação. Como escreve Simondon (2003, p.110): o ser “não possui uma unidade de identidade, que é a do estado estável em que nenhuma transformação é possível”, e sim “uma unidade transdutora”: isto é, “ele pode defasar-se em relação a si próprio, ultrapassar a si próprio de um lado e de outro de seu centro”. O indivíduo-docente integra, nessa perspectiva, um regime de além-unidade e de além-identidade. Por outro lado, podemos pensar que a individualidade diz respeito mais a um problema de identidade do que de igualdade. Se, por exemplo, um docente afasta-se de uma determinada escola, a Direção pode contratar outro docente igual àquele que se afastou: com formação na mesma área ou disciplina, o mesmo nível de especialização, a mesma carga horária de trabalho, e assim por diante. Mas o que a Direção não pode é reaver o mesmo docente. Se, no entanto, a Direção considera que está recebendo um docente igual àquele que se afastou, exprime, com essa atitude, uma absoluta indiferença em relação à individualidade do primeiro docente. Se o interesse da Direção é somente reencontrar as mesmas características e funções do primeiro, e ela aceita o outro docente, igual àquele afastado, é porque não o queria, enquanto tal. É por isso que o espaço e o tempo funcionam como princípios de individuação de todos os entes, dentre os quais os docentes. Entretanto, quanto a isso, vale indagar: – Para determinar a individualidade de um docente, é suficiente a determinação espaço temporal, sobre a qual se funda a distinção numérica entre os docentes, isto é, a sua multiplicidade? – Podemos usar o princípio de individuação, pela via de algo determinado, como a quantidade, o espaço e o tempo? – Podemos partir do docente individuado para buscar as determinações acidentais que o tornam tal qual é? Mesmo que a concepção de individualidade, como multiplicidade numérica, seja atribuída à matéria, temos que o conceito não é exclusivamente material, nem a sua unidade é formal. Como conceito, Docente é um universal propriamente dito, uma unidade de tipo coletivo, divisível, capaz de dar lugar a uma multiplicidade de instâncias, que recaem todas sob o mesmo conceito (embora essas instâncias não sejam ulteriormente divisíveis). Assim, o Docente – seja como conceito genérico ou específico – é ilocalizável em alguma instância, ou seja, capaz de transmitir as próprias determinações a um número infinito de indivíduos. Isso porque o universal, enquanto forma única e idêntica de uma multiplicidade, caracteriza-se por sua capacidade de dividir-se em partes, de modo a não romper a própria unidade: Paulo, André, Sérgio, Flávia e Juliana são divisões do conceito Docente e, mesmo assim, ainda são docentes. 96 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. O conceito é dividido pelos indivíduos que o integram, mas apenas logicamente. A multiplicidade dos indivíduos necessita tanto da unidade lógico-formal (não material), quanto da identidade do conceito (o universal predicável de cada um dos seres). Porém, essa divisão numérica é entendida como uma divisão real, substancial (não lógico-formal), e o indivíduo é concebido não como um universal, já que não pode predicar-se de nada. Logo, a dimensão sensível não é fator individuante, mas o princípio definidor do individual em relação ao universal e do perceptível em relação ao pensável. Admitindo-se, por exemplo, que André diferencia-se do conceito Docente por ser sensível, não podemos evitar a conclusão que o ser-docente material é precisamente aquilo que reúne André e Sérgio, isto é, aquilo que os torna não conceitos, mas indivíduos: exatamente indivíduos (genericamente falando), não propriamente os indivíduos chamados Sérgio e André. Dessa maneira, embora individuação, multiplicidade e distinção numérica estejam conectadas (cf. Aristóteles, 1954, Livro V, IX, p.108-109; Livro XII, p.242-262), se voltamos ao exemplo do docente que se afasta da escola e é substituído por outro, constatamos que a perfeita igualdade entre os dois docentes e a distinção entre eles, por meio de determinações espaços-temporais, consiste justamente naquilo que os torna intercambiáveis entre si; ou, em outras palavras, naquilo que torna irrelevante a individualidade de cada um. Assim, se reinvidicamos que são apenas o onde e o quando que sustentam a individualidade de cada docente, encontramos a sua existência como sendo nada mais do que um acidente ou a mera posição da essência, o que leva tal individualidade a se perder. Ou seja: se dois docentes são perfeitamente iguais (símiles, indistinguíveis), não há nenhuma razão intrínseca para que sejam dois. E se não há qualquer distinção entre diferentes indivíduos, por serem totalmente indiscerníveis entre si, cai por terra o próprio princípio de individuação. Por isso, os indivíduos- docentes não diferem apenas por determinações extrínsecas, mas, entre eles, há diferenças que lhes são atribuídas por qualidades intrínsecas. 4. Virtual. São as qualidades intrínsecas de cada indivíduo que fazem dele um ser eminentemente virtual, como argumenta Duns Scott (cf. Antonello, 2002). Virtual, não enquanto um ser formado por possibilidades, à espera de um ato externo, que o transforme em docente, mas um ser dotado de essências plenamente determinadas, embora ainda não explicitadas em alguma forma de ser. Um docente, assim, não é este docente (um ente particular); nem é o conjunto dos docentes (uma multiplicidade de entes particulares); tampouco pode ser confundido com o conceito Docente (um 97 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. universal). Isso porque um docente não pode predicar-se, do mesmo modo pelo qual um universal se predica de um singular, ou seja: podemos dizer que Paulo é um docente, mas não podemos dizer que Paulo é toda a Docência. Nesse sentido, o docente carrega sempre, em si, alguma forma de indeterminação originária e possui uma pura potencialidade de atualização. Logo, nenhuma determinação pode individuar plenamente um docente, já que a individuação (visto ser abertura e virtualidade) não exige nem a universalidade nem a singularidade, sendo indiferente quer ao uno quer a muitos. Se, inclusive, a individuação produzisse um composto docente, formado de substância mais acidentes, o indivíduo, assim produzido, seria um docente ontologicamente diminuído, na medida em que se distinguiria dos outros docentes apenas em função dos acidentes. A sua individualidade não diria respeito à essência, mas a uma limitação da mesma; enquanto a sua dignidade ontológica estaria subsumida pela forma inteligível do indivíduo, já que este nada mais seria do que uma particularização acidental da essência. Para a ontogênese da individuação, ao contrário, a diferença pura do docente não é a posse ou a privação de uma determinação, uma vez que ela é essencial, ou seja: uma organização diversa, um projeto diverso, uma estruturação diversa do indivíduo em sua inteireza. 5. Em devir. Talvez, neste momento, se entenda melhor porque a individuação é apreendida não como modelo do ser, mas designando o caráter de devir do ser: aquilo pelo qual o indivíduo devém enquanto ser. Talvez se veja melhor que o devir não é um quadro, no qual o ser existe, pois, mais do que uma dimensão, o devir é o próprio ser: um modo de resolução de uma incompatibilidade inicial, rica em potenciais. Talvez, agora, se perceba mais nitidamente que a individuação, como devir, corresponde ao surgimento de fases no ser, das quais o indivíduo é apenas uma das fases. Talvez se intua melhor porque a individuação não é uma conseqüência, postada ao lado do devir ou dele isolada, mas a própria operação de individuação ao ser efetuada. Talvez se identifique melhor o ser, em cujo seio se efetua a individuação, pela capacidade de desdobrar-se em relação a si mesmo, de resolver defasando-se, e de carregar, em si, uma dimensão préindividual, para a qual nenhuma fase existe. Talvez se compreenda melhor porque o indivíduo é contemporâneo da sua própria individuação e esta contemporânea do princípio de individuação. Talvez, neste ponto, também fique mais consistente a idéia de individuação como situável em relação ao ser, num movimento que passa do préindividual ao indivíduo, sendo este não apenas resultado, mas meio de individuação. 98 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. Com essas inflexões, consegue-se pensar o primado atribuído ao indivíduo ainda não constituído, em vez do privilégio costumeiramente dado ao indivíduo já constituído. Consegue-se aquilatar a necessidade de tomar a operação individuadora como algo a ser explicado e não como a tranqüila fonte que fornece explicações. Consegue-se passar, mais lentamente, em primeiro lugar, pelo princípio de individuação; a seguir, pela operação de individuação; e, por fim, não chegar tão rapidamente à realidade última que é o indivíduo. Consegue-se armazenar dedicação para conhecer mais o indivíduo por meio da individuação do que esta a partir daquele. Consegue-se fabular o indivíduo como uma realidade relativa, por implicar uma anterior realidade pré-individual. Consegue-se imaginar que o indivíduo não existe completamente só, mesmo após a individuação, já que esta não esgota os seus potenciais pré-individuais. Consegue-se sentir que aquilo que a individuação faz aparecer não é apenas o indivíduo, mas o par indivíduo-meio. Desse modo, pensar a imanência entre a individuação e o indivíduo; conceitualizar a individuação como operação complexa ativada no indivíduo; e tomar o indivíduo como meio de individuação, que implica uma realidade pré-individual, erige, na Educação da Diferença, o campo de um empirismo transcendental (cf. Deleuze, 1988, p.236-237; 1998, p.69, p.125 ss.). Empirismo, no qual as faculdades são levadas a exercícios transcendentais, não decalcados sobre formas empíricas ordinárias determinadas pelo senso comum (cf. Deleuze, 1994), nem sobre a relação entre um sujeito e um objeto (cf. Deleuze, 2001). Empirismo, no qual as relações são exteriores a seus termos, não há submissão dos dados da experiência às representações a priori, nem aplicação dessas representações à experiência (cf. Deleuze, 1994); mas como um domínio composto pela natureza intensiva das singularidades nômades, impessoais e pré-individuais que o povoam (cf. Machado, 1990; Heuser, 2008). Esse empirismo de potência superior revela um mundo de exterioridade, em estreita relação com o Fora, de maneira que o docente pode ultrapassar os dados imediatos e a cristalização das singularidades, realizada segundo percursos determinados. Em conseqüência, modifica as relações com os docentes encontrados em nosso cotidiano e, também, conosco mesmos; pois, desde uma “posição de ser”, que se desenvolve “no interior de uma nova individuação”, toda relação “não surge entre dois termos que já seriam indivíduos”, mas consiste num “aspecto da ressonância interna de um sistema de individuação” (Simondon, 2003, p.106). Preferimos, assim, no cotidiano, indagar pelo sistema metaestável, no qual estamos tomados durante o processo de individuação; descobrir suas inusitadas dimensões; explorar suas 99 PERIFERIA – Volume 1. Número 1. problemáticas; agitar seus díspares; detectar suas dissimetrias; disparar o em-si da diferença pura. Pois, como indivíduos-docentes, nos concebemos dotados de um precário e metamórfico revestimento de individuação, produzido no campo de resolução da realidade-atual (em que as singularidades pré- individuais, ainda não canalizadas, distribuem-se nomadicamente), e que transborda para o rico campo problemático da realidade-virtual (cf. Deleuze, 1998; Orlandi, 2003). 6. Impessoal. Porque pensamos os processos de individuação (que se desdobram e excedem os indivíduos, por serem desproporcionais à unidade), entramos numa realidade que não podia ser percebida, quando éramos guiados pelos conceitos de indivíduo (desde sempre constituído) e de sua identidade. A partir daí, nosso encontro é feito com um impessoal, designado por um modo de individuação que formula o princípio individuador de sujeitos, objetos e indivíduos constituídos (cf. Deleuze, 2002). Ficamos diante desse ser que, desde as operações pré-individuais que o constituem, passando pelo indivíduo como uma de suas fases, segue em direção à superação, enquanto realidade dada. É assim que, finalmente, o docente pode ser pensado da maneira que privilegia os acontecimentos, em detrimento das subjetividades e das objetividades. Maneira, para a qual não existem objetividades e subjetividades, a não ser aquelas operadas por acontecimentos (como fluxos de criação pré- individual), e que reporta tanto os indivíduos a acontecimentos quanto os acontecimentos a indivíduos-docentes. 7. Ensinartistar em XX devires I. Devir-enxame. O devir-docente começa pelo devir-enxame de partículas. II. Devir-atmosfera. Neste devir, o importante não está no sujeito, como ponto ou centro, mas naquilo que se passa entre os docentes e seus corpos: um acontecimento impessoal. III. Devir-olho. Possuindo um olho que não pára nos indivíduos, esse devir vai aos acontecimentos puros e aos outros devires, que funcionam por meio de potências afectivas (com poder de afectar e de ser afectadas), nas fases de um processo de individuação. Devir-potência, que descobre sob “as aparentes pessoas a potência de um impessoal, que de modo algum é uma generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau: um homem, uma mulher, um animal” (Deleuze, 1997, p.13). Arte é o 1 00

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processos de desejo, o docente é pensado a partir da Filosofia da critica, assim, o conceito Docente e a forma docente. Devir-alquimia.
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