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Ricardo Antunes ADEUS AO TRABALHO? Ensaio - Cesar Mangolin PDF

116 Pages·2010·0.53 MB·Portuguese
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Ricardo Antunes ADEUS AO TRABALHO? Ensaio sobre as metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho 8° edição EDITORA DA UNICAMP Copyright O by Ricardo Antunes Preparação de originais Jeverson Barbieri Revisão: Ana Maria Barbosa Editoração eletrônica: Dany Editora Ltda. Capa: Cesar Landucci: sobre tela "Operários", 1933, de Tarsila do Amaral. Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Banira, 317 - Perdizes 05009-000 - Perdizes - SP Tel.: (11) 3864-0111 - Fax: (11) 3864-4290 e-mail: [email protected] www.cortezeditora.com.br EDITORA DA UNICAMP Caixa Postal 6074 Cidade Universitária - Barão Geraldo CEP 13083-970 - Campinas - SP - Brasil Tel.: (19) 788-1015 - Fax: (19) 788-1100 www.editora.unicamp.br Impresso no Brasil-fevereiro 2002 SUMÁRIO I. FORDISMO, TOYOTISMO E ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL II. AS METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO III - Dimensões da Crise Contemporânea do Síndícalísmo: Impasses e Desafios ............................. IV - Qual Crise da Sociedade do Trabalho? APÊNDICE A Crise Vista em sua Globalidade ........... Indivíduo, Classe e Gênero Humano: o Momento da Mediação Partidária Trabalho e Estranhamento A Prevalência da Lógica do Capital Dimensões da Crise Contemporânea ou da Nova (Des)Ordem Internacional 14: Mundo do Trabalho e Sindicatos na Era da Reestruturação Produtiva: Impasses e Desafios do Novo Sindicalismo Brasileiro Fim do Trabalho? (ou as Novas Formas do Trabalho Material e Imaterial) O Trabalho, a Produção Destrutiva e a Des-realização da Liberdade ......................................... A Crise Contemporânea e as Metamorfoses no Mundo do Trabalho ....................................... Referências bibliográficas PREFÁCIO À 7a EDIÇÃO Adeus ao Trabalho? teve sua primeira edição publicada em 1995. Tem agora, em 2000, sua 7ª edição, pela primeira vez revista e ampliada. O objetivo central do livro foi, então, num momento de forte questionamento ao significado da categoria Trabalho, problematizar, polemizar e mesmo contestar as teses que defendiam o fim da centralidade do trabalho no mundo capitalista contemporâneo. Teses que tiveram várias conseqüências e repercussões no interior das universidades, das esquerdas, dos movimentos sociais, dos sindicatos e do próprio movimento dos trabalhadores, uma vez que, implícita ou explicitamente, alguns de seus principais formuladores recusavam-se, no fundo, a reconhecer o papel central da classe trabalhadora na transformação societal contemporânea. Ao questionar o papel de centralidade do Trabalho na sociedade capitalista contemporânea, um prolongamento analítico e também político se desdobrava: a classe trabalhadora já não se mostraria mais potencialidade contestadora, rebelde, capaz de transformar a ordem capitalista. Coerente com a fragmentação "pós-moderna", com o culto fetichizado do ideário dominante, estas formulações, em grande medida, recusavam-se a reconhecer o sentido ativo e transformador do trabalho e da classe trabalhadora. Foi como uma primeira resposta crítica a estas formulações que escrevemos Adeus ao Trabalho?. Nele procuramos oferecer alguns elementos centrais para a recusa daquelas teses, carentes de sustentação, tanto empírica como analítica. Podemos dizer, então, que continuamos sustentando fortemente nossas teses, uma vez que a literatura que vem sendo publicada desde então, sobre a chamada 9 "crise da sociedade do trabalho", não alterou substantivamente nossas formulações originais. Neste Prefácio pretendemos retomar, de maneira bastante sintética e indicativa, outras teses que procuram invalidar a centralidade do trabalho, quer pela afirmação da perda de sentido da teoria do valor, quer pela tese que propugna a substituição do valor-trabalho pela ciência, ou ainda pela vigência de uma lógica societal intersubjetiva e interativa, informacional, que se colocaria em posição analítica de superioridade diante da formulação marxiana da centralidade do trabalho e da teoria do valor. Essas teses, nós as desenvolvemos de modo mais aprofundado no livro Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a Afirmação e a Negação do Trabalho, recentemente publicado pela Editora Boitempo. Aqui faremos um esboço, visando complementar e atualizar algumas das críticas feitas em Adeus ao Trabalho?. Embora algumas dessas teses por vezes apareçam ao longo do livro, em sua primeira edição, elas foram mencionadas sempr e de maneira sucinta. Ao retomá-las, poderemos oferecer ao leitor, ao menos indicativamente, por que essas "novas teses" sobre o descentramento da categoria trabalho não invalidam as formulações presentes em Adeus ao Trabalho?, mas, ao contrário, as reforçam. Cremos, ao contrário daqueles que defendem a perda de sentido e de significado do trabalho, que quando concebemos a forma contemporânea do trabalho, enquanto expressão do trabalho social, que é mais complexificado, socialmente combinado e ainda mais intensificado nos seus ritmos e processos, também não podemos concordar com as teses que minimizam ou mesmo desconsideram o processo de criação de valores de troca. Ao contrário, defendemos a tese de que a sociedade do capital e sua lei do valor necessitam cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de produção capitalista. Mas, exatamente porque o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve 10 aumentar a utilização e a produtividade do trabalho de modo que intensifique as formas de extração da mais-valia em tempo cada vez mais reduzido. Portanto, uma coisa é ter a necessidade imperiosa de reduzir a dimensão variável do capital e a conseqüente necessidade de expandir sua parte constante. Outra, muito diversa, é imaginar que, eliminando completamente o trabalho vivo, o capital possa continuar se reproduzindo. A redução do proletariado estável, herdeiro do taylorismo/fordismo, a ampliação do trabalho "mais intelectualizado" no interior das plantas produtivas modernas e de ponta, e a ampliação generalizada das formas de trabalho precarizado, part-time, terceirizado, desenvolvidas intensamente na "era da empresa flexível" e da desverticalização produtiva, são fortes exemplos da vigência da lei do valor. Como o capital tem um forte sentido de desperdício e de exclusão, é a própria "centralidade do trabalho abstrato que produz a não-centralidade do trabalho, presente na massa dos excluídos do trabalho vivo", que, uma vez (des)socializados e (des)individualizados pela expulsão do trabalho, "procuram desesperadamente encontrar formas de individuação e de socialização nas esferas isoladas do não-trabalho (atividade de formação, de benevolência e de serviços)". (Tosei, 1995: 210) Também não podemos também concordar com a tese da transformação da ciência "na principal força produtiva", em substituição ao valor-trabalho, que teria se tornado inoperante (Habermas, 1972: 104). Esta formulação, ao "substituir" a tese do valor-trabalho pela conversão da ciência em principal força produtiva, acaba por desconsiderar um elemento essencial dado pela complexidade das relações entre a teoria do valor e a do conhecimento científico. Ou seja, desconsidera que o "trabalho vivo, em conjunção com ciência e tecnologia, constitui uma complexa e contraditória unidade, sob as condições dos desenvolvimentos capitalistas", uma vez que "a tendência do capital para dar à produção um caráter científico é neutralizada pelas mais íntimas limitações do próprio capital: isto é, pela necessidade última, paralisante e anti-social de 'manter o já criado 11 valor, enquanto valor', visando restringir a produção dentro da base limitada do capital". (Mészáros, 1989b: 135-6) Não se trata de dizer que a teoria do valor-trabalho não reconhece o papel crescente da ciência, mas que esta encontra-se tolhida em seu desenvolvimento pela base material das relações entre capital e trabalho, a qual não pode superar. E é por essa restrição estrutural que libera e mesmo impele a sua expansão para o incremento da produção de valores de troca, mas impede o salto qualitativo societal para uma sociedade produtora de bens úteis segundo a lógica do tempo disponível, que a ciência não pode se converter na principal força produtiva autônoma e independente. Prisioneira desta base material, menos do que uma cientificização da tecnologia, há, conforme sugere Mészáros, um processo de tecnologização da ciência. (Idem: 133) Ontologicamente prisioneira do solo material estruturado pelo capital, a ciência não poderia tornar-se a sua principal força produtiva. Ela interage com o trabalho, na necessidade preponderante de participar do processo de valorização do capital. Não se sobrepõe ao valor, mas é parte intrínseca de seu mecanismo. Esta interpenetração entre atividades laborativas e ciência é mais complexa: o saber científico e o saber laborativo mesclam-se mais diretamente no mundo contemporâneo, sem que o primeiro se sobreponha ao segundo. As máquinas inteligentes não podem substituir os trabalhadores. Ao contrário, a sua introdução utiliza-se do trabalho intelectual do operário que, ao interagir com a máquina informatizada, acaba também por transferir parte dos seus novos atributos intelectuais à nova máquina que resulta deste processo. Estabelece-se, então, um complexo processo interativo entre trabalho e ciência produtiva, que não pode levar à extinção do trabalho vivo. Este processo de retroalimentação impõe ao capital a necessidade de encontrar uma força de trabalho ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de maior incremento tecnológico. Com a conversão do trabalho vivo em trabalho morto, a partir do momento em que, pelo desenvolvimento dos soft- 12 wares, a máquina informacional passa a desempenhar atividades próprias da inteligência humana, o que se pode presenciar é um processo de objetivação das atividades cerebrais junto à maquinaria, de transferência do saber intelectual e cognitivo da classe trabalhadora para a maquinaria informatizada (Lojkine, 1995: 44). A transferência de capacidades intelectuais para a maquinaria informatizada, que se converte em linguagem da máquina própria da fase informacional, através dos computadores, acentua a transformação de trabalho vivo em trabalho morto. Além da transformação do trabalho vivo em trabalho morto, há ainda outra tendência caracterizada pela crescente imbricação entre trabalho material e imaterial, uma vez que se presencia, no mundo contemporâneo, em seus setores mais avançados, a expansão do trabalho dotado de maior dimensão "intelectual" (no sentido dado pela produção capitalista), quer nas atividades industriais mais informatizadas, quer nas esferas compreendidas pelo setor de serviços ou nas comunicações, entre tantas outras. A expansão do trabalho em serviços, em esferas não diretamente produtivas, mas que muitas vezes desempenham atividades imbricadas com o trabalho produtivo, mostra-se como outra característica importante da noção ampliada de trabalho, quando se quer compreender o seu significado no mundo contemporâneo. Dado que no mundo da tecnociência a produção de conhecimento torna-se um elemento essencial da produção de bens e serviços, pode-se dizer que "as capacidades dos trabalhadores ampliarem seus saberes (...) torna-se uma característica decisiva da capacidade de trabalho em geral. E não é exagero dizer que a força de trabalho apresenta-se cada vez mais como força inteligente de reação às situações de produção em mutação e ao equacionamento de problemas inesperados". (Vincent, 1995: 160) A ampliação das formas de trabalho imaterial torna-se, portanto, outra característica do sistema de produção. Evidencia-se, no universo das empresas produtivas e de serviços, uma ampliação das atividades denominadas imateriais, 13 que expressam a vigência da esfera informacional da formamercadoria. Na interpretação que aqui estamos oferecendo, as novas dimensões e formas de trabalho vêm trazendo um alargamento, uma ampliação e uma complexificação da atividade laborativa, de que a expansão do trabalho imaterial é exemplo. Trabalho material e imaterial, na imbricação crescente que existe entre ambos, encontram-se, entretanto, centralmente subordinados à lógica da produção de mercadorias e de capital. Podemos, portanto, ao concluir este Prefácio à 7ª edição, que, ao invés da substituição do trabalho pela ciência, ou ainda, da substituição da produção de valores pela esfera comunicacional, da substituição da produção pela informação, o que vem ocorrendo no mundo contemporâneo é uma maior inter-relação, maior interpenetração, entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços, entre atividades laborativas e atividades de concepção, que se expandem no contexto da reestruturação produtiva do capital. Uma concepção ampliada de trabalho nos possibilita entender o papel que ele exerce na sociabilidade contemporânea, neste limiar do século que se inicia. Agora, ao prefaciarmos a 7ª edição do livro, podemos dizer que Adeus ao Trabalho? teve uma incomum receptividade no Brasil. O livro foi objeto de várias resenhas, comentários, entrevistas (no Brasil e também no exterior), e nos possibilitou debatê-lo não só entre o público de ciências sociais, mas com pesquisadores e estudiosos de economia, filosofia, história, educação, serviço social, geografia, enfermagem, psicologia do trabalho, medicina do trabalho (na área denominada saúde do trabalhado), juízes do trabalho e advogados trabalhistas etc. Do mesmo modo, pudemos discuti-lo em diversos debates em sindicatos, partidos, movimentos sociais e populares urbanos e rurais, núcleos de base, associações de trabalhadores, pastorais operárias, trabalhadores sem-terra, grupamentos de esquerda 14 independentes, não-partidários, todos clamando por uma reflexão em torno dessa questão candente que, de algum modo, a universidade vinha relegando a um segundo plano. Além dessa positiva repercussão no Brasil, foi também surpreendente sua repercussão fora do país. Adeus ao Trabalho? foi publicado na Venezuela (Ed. Piedra Azul, 2ª edição), na Argentina (Ed. Antídoto/Coleção Herramienta), na Colômbia (Ediciones Pensamiento Crítico), e no final de 2000 será editado na Itália, além de ter sido ainda discutido e resenhado na França (Actuel Marx, por Nicolas Tertulian), na Itália (Marxismo Oggi, por Guido Oldrini e em Liberazzione, por Antonino Infranca), na Inglaterra (Capital & Class, por Marcio Valença), na Argentina (Herramienta, por Nestor Lopez, e em Taller, por Fernando Iglésias e Hermán Camarero), dentre outros países. Gostaríamos de concluir com mais duas lembranças muito especiais. A primeira, um depoimento belíssimo, presente em carta que nos foi enviada pelo historiador Nelson Werneck Sodré, em 26 de maio de 1995, sobre o impacto que a leitura do livro lhe causou e que transcrevemos na contracapa desta 7ª edição. A segunda, o belo poema que o Prof. Alexandre Antônio Náder nos ofereceu e que transcrevemos a seguir: (CONTRA)RONDÓ Para Ricardo Antunes, pelo Adeus ao Trabalho? Por Alexandre Antônio Náder Por errar, Adão trabalhou. Por trabalhar, Prometeu errou. 15 APRESENTAÇÃO Em 1980. André Gorz publicava o seu conhecido livro com o título Adeus ao Proletariado. Afirmativo, capturando uma tendência em curso que indicava uma significativa redução do operariado industrial nas sociedades capitalistas avançadas, o sociólogo francês vaticinou o fim do proletariado, com todas as conseqüências teóricas e políticas decorrentes desta formulação. O livro teve repercussão incomum, não só no universo (acadêmico e político) dos países centrais, que vivenciavam mais intensamente as tendências empíricas que Gorz procurava apreender, mas também em países de industrialização intermediária, como o Brasil, que presenciava então, no contrafluxo do cenário europeu, o vigoroso ressurgimento do seu movimento dos trabalhadores. Ensaio muito instigante e abusivamente problemático, Adeus ao Proletariado tentava questionar, na raíz a revolução do trabalho e desse modo aindava a desnortear ainda mais a esquerda tradicional. Se um dos seus objetivos era instaurar um novo patamar para o debate, pode-se dizer que Adeus ao Proletariado é, deste ponto de vista, um livro vitorioso. Vários textos o sucederam, cujas formulações, direta ou indiretamente, confirmaram as teses formuladas. Foi esta polêmica que inspirou diretamente este nosso ensaio, intitulado Adeus ao Trabalho? (Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho), cujo objetivo é tentar oferecer, com o olhar situado neste canto particular de um mundo marcado por uma globalidade desigualmente articulada, alguns elementos e contornos básicos presentes neste debate. As interrogações que perseguimos são essencialmente estas: a classe que vive do trabalho estaria desaparecendo? A retração do operariado tradicional, fabril, da era do fordismo, acarreta inevitavelmente a perda de referência e de relevância do ser social que trabalha? Que repercussões estas metamorfoses tiveram (e têm) junto aos organismos de representação dos trabalhadores, dos quais os sindicatos são expressão? E, como desdobramento analítico das transformações em curso, parecem-nos inevitáveis os seguintes questionamentos: a categoria trabalho não é mais dotada de estatuto de centralidade, no universo da praxis humana existente na sociedade contemporânea? A chamada "crise da sociedade do trabalho" deve ser entendida como o em da possibilidade da revolução do trabalho? O trabalho não é mais elemento estruturante de uma nova forma de sociabilidade humana? Não é mais protoforma da atividade humana, necessidade de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza? Estas são indagações agudas, para as quais este texto pretende tão-somente oferecer algumas indicações. Num momento histórico marcado por tantas transformações, muitas delas ainda em curso, pensamos que uma inserção neste debate, sob a forma de um ensaio, tem necessariamente caráter preliminar e limitado. Adeus ao Trabalho? faz parte de um volume mais amplo que apresentamos no concurso de Livre-Docência em Sociologia do Trabalho, junto ao Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, em abril de 1994, e que teve como banca examinadora os professores 18 Octávio Ianni, Maurício Tragtenberg, Paulo Silveira, Sedi Hirano e Celso Frederico, de quem obtivemos inúmeras sugestões e indicações. Integra também um projeto de pesquisa que estamos desenvolvendo, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o título Para Onde Vai o Mundo do Trabalho?, onde procuramos apreender a forma de ser da classe trabalhadora na sociedade contemporânea e da qual este ensaio é, em verdade, um primeiro resultado. Complementam este volume, sob a forma de apêndice, alguns textos que possibilitam a indicação de pontos ou questões suscitadas em Adeus ao Trabalho? e que são retomados nestas notas. Eles têm também como "fio condutor" questões que dizem respeito à crise da sociedade do trabalho e, particularmente num deles, procuramos mostrar algumas repercussões destas mudanças na contextualidade brasileira. Gostaria de finalizar a Apresentação deste ensaio, que trata dos dilemas e polêmicas em torno de uma vida cheia de sentido a partir do trabalho, tentando exprimir o sentimento que o trabalho intelectual suscita e gera. Goethe disse, certa vez: "Se me perguntares como é a gente daqui, responder-te-ei: como em toda parte. A espécie humana é de uma desoladora uniformidade; a sua maioria trabalha durante a maior parte do tempo para ganhar a vida, e, se algumas horas lhe ficam, horas tão preciosas, são-lhe de tal forma pesadas que busca todos os meios para as ver passar. Triste destino o da humanidade!" (Werther). O trabalho intelectual, em seu sentido profundo e verdadeiro, é um dos raros momentos de contraposição a esta desoladora uniformidade. *** Não poderia deixar de expressar, aqui, meu sincero agradecimento aos alunos da área Trabalho e Sindicalismo do Programa de Mestrado em Sociologia e do Doutorado em Ciências Sociais do IFCH da Unicamp, com quem venho, já 19 há alguns anos, debatendo muitas das idéias que estão presentes neste volume. Sem este diálogo constante e frutífero, este texto seguramente não teria esta conformação. Um agradecimento particular deve ser feito também a Nice, Valquiria e Baxa, pelo auxílio que deram. 20 I FORDISMO, TOYOTISMO E ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL 21 A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe- que-vivedo-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser. Este texto pretende desenvolver alguns pontos de discussão em torno das dimensões e significados dessas mudanças e de algumas das conseqüências (teóricas e empíricas) possíveis e que são visualizáveis. Não pode ter, portanto, um caráter conclusivo, mas pretende apresentar algumas indicações que ofereçam algumas respostas a tantos questionamentos ora presentes. Comecemos enumerando algumas das mudanças e transformações ocorridas nos anos 80. Em uma década de grande salto tecnológico, a automação, a robótica e a microeletrônica invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho e de produção do capital. Vive-se, no mundo da produção, um conjunto de experimentos, mais ou menos intensos, mais ou menos consolidados, mais ou menos presentes, mais ou menos tendenciais, mais ou menos embrionários. O fordismo e o taylorismo já não são únicos e mesclam-se 23 com outros processos produtivos (neofordismo, neotaylorismo, pós-fordismo), decorrentes das experiências da "Terceira Itália", na Suécia (na região de Kalmar, do que resultou o chamado "kalmarianismo"), do Vale do Silício nos EUA, em regiões da Alemanha, entre outras, sendo em alguns casos até substituídos, como a experiência japonesa a partir do toyotismo permite constatar. Novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a produção em série e de massa são "substituídos" pela flexibilização da produção, pela "especialização flexível", por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado (ver Murray, 1983; Sabel e Piore, 1984; Annunziato, 1989; Clarke, 1991; Gounet, 1991 e 1992; Harvey, 1992 e Coriat, 1992a e 1992b). Ensaiam-se modalidades de desconcentração industrial, buscamse novos padrões de gestão da força de trabalho, dos quais os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), a "gestão participativa", a busca da "qualidade total", são expressões visíveis não só no mundo japonês, mas em vários países de capitalismo avançado e do Terceiro Mundo industrializado. O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se a sua nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento manipulatório, próprio da sociabilidade moldada contemporâneamente pelo sistema produtor de mercadorias. Não é o lugar, aqui, para fazermos uma análise detalhada desse processo em curso no mundo atual. Queremos indicar, entretanto, alguns dos elementos que consideramos mais rele- 24 vantes, de modo a, num momento seguinte, apontar as repercussões que essas transformações tiveram no interior do mundo do trabalho. Iniciamos, reiterando que entendemos o fordismo fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. Menos do que um modelo de organização societal, que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade, compreendemos o fordismo como o processo de trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste século. Atribui-se a Sabel e Piore um pioneirismo na apresentação da tese da "especialização flexível": esta seria a expressão de uma processualidade que, tendo especialmente a "Terceira Itália" como experiência concreta, teria possibilitado o advento de uma nova forma produtiva que articula, de um lado, um significativo desenvolvimento tecnológico e, de outro, uma desconcentração produtiva baseada em empresas médias e pequenas, "artesanais". Esta simbiose, na medida em que se expande e generaliza, supera o padrão fordista até então dominante. Esse novo paradigma produtivo expressaria também, sempre segundo os autores citados, um modelo produtivo que recusa a produção em massa, típico da grande indústria fordista, e recupera uma concepção de trabalho que, sendo mais flexível, estaria isenta da alienação do trabalho intrínseca à acumulação de base fordista. Um processo " artesanal", mais desconcentrado e tecnologicamente desenvolvido, produzindo para um mercado mais localizado e regional, que extingue a produção em série, comportando experiências bem-sucedidas também em regiões 25 industriais nos EUA, na Alemanha e na França, entre outras áreas, inspirado num neoproudonismo, seria então responsável pela superação do modelo produtivo que até recentemente dominou o cenário da produção capitalista. O elemento causal da crise capitalista seria encontrado nos excessos do fordismo e da produção em massa, prejudiciais ao trabalho, e supressores da sua dimensão criativa (Sabei e Piore, 1984). Muitas críticas foram feitas a esses autores mostrando, de um lado, a impossibilidade de generalização desse modelo, e, de outro, o caráter epidérmico dessas mudanças. Coriat, por exemplo, afirma que a hipótese implícita nesta tese, da substituição da produção baseada em economia de escala, é empiricamente irrealizável; como o princípio exclusivo da especialização .flexível sustenta-se num mercado essencialmente segmentado e instável, é difícil imaginar sua generalização. Daí Coriat falar na "generalização abusiva" presente na tese da especialização flexível de Sabei e Piore (Coriat, 1992a: 151-153). Mais aguda é a crítica de Clarke: incorporando argumentos de outros autores, alega que a tese original da especialização flexível não é "universalmente aplicável", traz incoerências entre seus vários elementos e não se sustenta empiricamente quando se refere à superação do mercado de massa e à incapacidade de esta produção adequar-se às mudanças econômicas, bem como à "suposta correlação entre a nova tecnologia e a escala e as formas sociais da produção". Reafirma a tese de que a especialização flexível acarretou a intensificação do trabalho e consiste em um meio de desqualificá-lo e desorganizá-lo (Clarke, 1991: 124-125). Sua proposição é, entretanto, mais polêmica e mesmo problemática, quando desenvolve a tese de que o fordismo é dotado de dimensão flexível, capaz portanto de assimilar todas as mudanças em curso, dentro de sua lógica: "... os princípios do fordismo já se demonstraram aplicáveis a uma gama extraordinariamente ampla de contextos técnicos" (idem: 128).

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Ao questionar o papel de centralidade do Trabalho na sociedade capitalista Assim, "a prática já antiga da co- determinação de tipo alemã ou sueca em
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