Repúblicas Universitárias de Coimbra Maria Antónia Lucas da Silva Sérgio Madeira Câmara Municipal de Coimbra 2009 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA APRESENTAÇÃO O projecto inicial intitulado “As Repúblicas de Coimbra” começou por ser dinamizado no Gabinete de Arqueologia, Arte e História (Câmara Municipal de Coimbra), em 2006 pelo Técnico Superior de História da Arte, Paulo Marques. O objectivo inicial deste trabalho científico era o de registar e localizar as “repúblicas de estudantes” existentes em Coimbra. O técnico responsável fez a localização destas casas e registou-a em fichas de inventário. Em 2008/2009, o projecto ficou sob a alçada científica da Técnica Superior de História da Arte, Maria Antónia Lucas da Silva, que corrigiu e completou essas fichas, com a colaboração de Sérgio Madeira, Arqueólogo, ambos afectos ao Gabinete de Arqueologia, Arte e História da Câmara Municipal de Coimbra. Nesta fase, e perante a perspectiva de se publicar o “levantamento” feito até à data, os responsáveis científicos entenderam integrar a informação recolhida num texto mais abrangente e completo. Não só se procedeu à investigação sobre as Casas de Estudantes propriamente ditas, como se procurou integrar estas organizações no espaço físico e geográfico. Para se atingir este objectivo todas as Fichas de Inventário das diversas “Repúblicas” e “Solares” contêm, depois da sua descrição histórica, um enquadramento geográfico e uma descrição (necessariamente sucinta) do edifício onde hoje estão instaladas. Assim, utilizou-se a seguinte nomenclatura: PARTE I: • REPÚBLICAS UNIVERSITÁRIAS DE COIMBRA • LOCALIZAÇÃO CARTOGRÁFICA PARTE II: • FICHAS DE INVENTÁRIO 1 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA Maria Antónia Lucas da Silva __________________________ Sérgio Madeira __________________________ DEZEMBRO DE 2009 2 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA REPÚBLICAS UNIVERSITARIAS DE COIMBRA “(…) a ‘república’ era como que um verdadeiro cortiço, onde viviam (…) rapazes das mais variadas Faculdades, das terras mais diversas, com os temperamentos mais diferentes e com os hábitos e psicologias mais antagónicas, mas vivendo como a mais exemplar das famílias. Desde os ‘cábulas’ impenitentes aos ‘ursos’ conceituados (…); desde o poeta de fama ao prosaico batoteiro e glutão que nunca se deitava sem ceia; desde o monárquico fiel até ao anarquista revolucionário; (…) desde o católico fervoroso (…) ao livre pensador (…)”. in “O Romance de Coimbra”, de Fernando Correia, 1932. I in “Código da Praxe académica de Coimbra”, 2007. 3 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA As Repúblicas Universitárias de Coimbra reúnem em si uma riqueza que tem atravessado as décadas nos aspectos mais variados da vivência humana: sociedade, economia, cultura, politica, etc. Verdadeiras comunidades de substituição, lares de alternativa aos deixados na terra natal, as Repúblicas vão mais além do que as outras casas de estudantes ou residências universitárias, representando a forma tradicional da vida académica de Coimbra, com tudo o que isso implica, da boémia ‘as questões ideológicas. Nos alvores da fundação da Universidade, defendendo a filosofia de que os escolares, tanto professores como alunos, não deveriam ter outras preocupações que não as do estudo e reflexão (razões da sua vinda para a Universidade), D. Dinis fomentou, desde logo, o proteccionismo real no que tocava ao alojamento, alimentação e bem-estar geral dos escolares, como se comprova na Charta Magna Privilegiorum (1309), naqueles que são considerados os primeiros estatutos universitários. Com a retoma dos estudos universitários a Coimbra no século XVI, depois dos anos de implantação em Lisboa, através de vários alvarás régios, D. João III mantém a política de apoio aos escolares, mandando providenciar mais moradas de tipo comunitário. De igual modo, a revolução urbanística que foi a criação dos Colégios Universitários ao longo da nova Rua da Sofia, procurou contribuir para a manutenção dessas questões, para além do incremento da vida em comunidade. Quando, em 1834, Joaquim António de Aguiar decreta a extinção das congregações, mosteiros, hospícios, casas de religiosos e colégios de todas as ordens religiosas, dá-se um rude golpe no alojamento académico, sem que seja pensada a criação de alternativas. 4 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA Associando o espírito académico aos ventos do Liberalismo, começaram, assim, a desenvolver-se várias “repúblicas”, onde, com uma certa liberdade de estatutos, os estudantes habitavam em comunidade. Supõe-se que, desde então, tenham sido criadas quase centena e meia de Repúblicas Universitárias, hoje já extintas por razões diversas. Actualmente contam-se cerca de vinte e cinco ainda existentes. Em 1948 foi reunido o Conselho das Repúblicas com vista a ultrapassar o acumular de problemas de todas, acertando objectivos comuns: alterar a visão negativa das Repúblicas pelos “futricas” (não-universitários), albergar mais estudantes, fomentar convívios, repensar a relação com a Associação Académica, nomeadamente apoiando os movimentos académicos. Foram precisamente as lutas estudantis dos anos sessenta uma fase conturbada, onde a abolição da Praxe se repercutiu ao interior de muitas Repúblicas. Sanadas as maiores feridas resultantes das décadas de sessenta e setenta, os anos 80 trouxeram o reconhecimento da integração feminina nas Republicas e na Academia de um modo geral, um mundo ate então regido pelo elemento masculino. Actualmente as Republicas Universitárias de Coimbra encontram-se protegidas pela Lei n.º 2/82 de 15 de Janeiro que defende o seu estatuto de associações sem personalidade jurídica, consideram-se sempre verificados os requisitos bastantes para o seu reconhecimento quando o Reitor da Universidade de Coimbra os certificar em consonância com a Associação Académica e o Conselho das Repúblicas. 5 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA - REPÚBLICAS EXISTENTES (/RESISTENTES) – Real República dos Kágados Localizada na Rua Joaquim António de Aguiar, nas proximidades do Largo da Sé Velha, foi fundada em 1933 onde anteriormente se localizara a República Porvir, extinta pouco tempo antes, havendo nesse sentido uma espécie de passagem de testemunho. Um dos pontos altos da história desta República (e das Repúblicas de modo geral) foi a celebração do importante Pacto de Amizade e Aliança em 1948 neste local, assim como a assinatura dos Estatutos do Conselho das Repúblicas. Inicialmente todos os seus membros eram da região do Minho, sendo que por ali passaram nomes como Orlando de Carvalho (que haveria de ser um dos mais ilustres Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra) ou o cantor José Mário Branco. Durante 34 anos serviu na casa, como era hábito em muitas Repúblicas, a Sr.ª Lili que, aquando da sua aposentação aos 75 anos, viu, no âmbito do espírito de inter-ajuda vigente, ser-lhe dedicado um fundo, “Fundação Lili”, para ajudar ´a sua reforma e aquando da sua morte teve as mais elevadas honras académicas. Actualmente, a República dos Kágados pauta-se por ser uma resistente da irreverência estudantil, mantendo o seu afamado Centenário e recebendo no seu seio, dentro da evolução do próprio meio universitário de Coimbra, vários alunos estrangeiros do Programa Erasmus . 6 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA 7 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA Real República Baco Esta é uma das grandes resistentes por entre as Repúblicas ainda existentes, uma vez que passou por variados locais ao longo da sua vida; fundada na Rua do Forno em 1934 transitou depois para a Rua dos Militares. Com a demolição da Alta passou para a Rua dos Coutinhos e em 1972 voltou à Alta, à Rua do Loureiro onde ainda hoje se encontra. Entre os seus antigos membros contam-se políticos, cantores, guitarristas, poetas, etc., nomes como António de Almeida Santos, José Niza, etc., para além de visitantes convidados como o cirurgião sul-africano Christian Barnard ou Vinicius de Morais. Sempre pautada pela diversidade dentro da união, nos anos 80 a Real República Baco tornou-se mista, passando a admitir membros do sexo feminino. Real República Palácio da Loucura Fundada em 1953 na Rua das Flores, onde já existira a República Algarvia e a República dos Sovietes, os seus membros acabaram despejados por coação da vizinhança em resultado dos ambientes tertuliares noites-dentro, acabando por se estabelecer depois na Rua Antero de Quental. 8 Gabinete de Arqueologia, Arte e História AS REPÚBLICAS DE COIMBRA O líder dos seus repúblicos é designado, devidamente, ‘Louco-Mor’. Por ali passaram Herberto Hélder e Celso Cruzeiro (activista estudantil de grande relevo) e Miguel Torga, enquanto convidado. O seu 50º Centenário, comemorado em 1985, contou com a presença do Magnifico Reitor e Governador Civil. Real República Rás-Te-Parta Com origem na Rua dos Estudos em 1943, transitou para a Rua da Matemática seis anos depois. Na sua constituição, os elementos possuem designações bastante sui generis: o líder do grupo é o ‘Ditador’, havendo depois o ‘Guarda do Cofre Aberto’, o ‘Cronista’, o ‘Conservador de Objectos Palmados’ e o ‘Chefe de Orquestra (com um cavaquinho)’… Lá moraram Adriano Correia de Oliveira e Luís Victor Gomes da Silva (um dos fundadores da ‘Clepsidra’) e em 1959 foram recebidos Erico Veríssimo e Miguel Torga, que ali jantaram. 9
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