ebook img

REFLEXÕES SOBRE O RULE OF LAW NO ACRE ENTRE OS ANOS 1980 E 2000 Mariana PDF

42 Pages·2014·0.55 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview REFLEXÕES SOBRE O RULE OF LAW NO ACRE ENTRE OS ANOS 1980 E 2000 Mariana

“A ONÇA COMEU O SUSPEITO”: REFLEXÕES SOBRE O RULE OF LAW NO ACRE ENTRE OS ANOS 1980 E 2000 Mariana Thorstensen Possas e Thiago Thadeu da Rocha Os “crimes da motosserra”, como assim ficaram popularmen- te conhecidos os atos praticados pela organização crimino- sa liderada pelo ex-deputado federal Hildebrando Pascoal, nos anos de 1980 e 1990, no estado do Acre, marcaram o imaginário brasileiro. O envolvimento direto de um político e coronel da Polícia Militar em crimes como tráfico de dro- gas, corrupção eleitoral e execuções sumárias, narrados em depoimentos prestados por testemunhas e vítimas em relató- rios investigativos, foram divulgados à época à exaustão nos noticiários nacional e internacional e compõem um cenário digno de filme de faroeste: corpos decapitados encontrados nas ruas, rios e córregos de Rio Branco (capital do Acre), cartazes distribuídos nas vias públicas anunciando recom- pensa para quem entregasse ou fornecesse pistas sobre o paradeiro de pessoas perseguidas pelo grupo, intimidações de autoridades públicas locais, troca de tiros ocorrendo em ruas centrais da cidade e em plena luz do dia etc. A partir dos relatos de algumas dessas situações, este arti- go propõe uma reflexão sobre uma das características cen- trais do Estado moderno e da democracia contemporânea: Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 229 4/25/14 10:18 AM “A onça comeu o suspeito”: reflexões sobre o rule of law no Acre entre os anos 1980 e 2000 o Estado de Direito – ou rule of law –, considerando ele- mentos empíricos do contexto social e político do Acre. De modo mais específico, pretendemos descrever e analisar situações ocorridas no Acre, durante as décadas de 1980, 1990 e 2000, para nos ajudar a pensar como dimensões do rule of law1 podem ser observadas e descritas na realidade empírica. Vamos sugerir que foi criada no Acre uma espé- cie de “espaço de imunidade”, uma “zona franca”, em que as regras do Estado de Direito não estavam vigentes. Nesse espaço, o grupo liderado por Hildebrando Pascoal atuava baseado em critérios próprios para imposição de regras de comportamento e uso da violência. A hipótese com a qual vamos trabalhar nesse artigo é a de que apenas a partir do final da década de 1990 surge no Acre a “pretensão ao rule of law”, ou seja, uma disposição geral para implantar, de maneira mais ampla e visível, a “regra do direito” como regra política geral. 230 Até o final dos anos 1990, o grupo de Hildebrando Pas- coal, em nome de interesses próprios, atuou de modo inde- pendente das regras do Estado para o controle do poder e da violência. Isso significa que, para resolver conflitos pessoais, defender interesses econômicos, ligados ou não ao tráfico de drogas, conceder favores a membros ligados diretamente ou não a Hildebrando Pascoal etc., o grupo usufruiu de uma espécie de jurisdição própria, em que o Estado não intervinha. Essa “zona paralela de jurisdição” conviveu com a jurisdição do Estado, sem necessariamente questionar sua legitimidade. Em outras palavras, a “regra do direito” podia funcionar normalmente para “os outros”, ou seja, para aqueles que não eram, por alguma razão, incor- porados na zona de interferência do grupo. A decisão de que determinado caso entrasse ou não para a “jurisdição 1 A opção pelo uso prioritário da expressão “rule of law” no lugar de “Estado de Direito” deve-se ao fato daquela poder ser traduzida por “regra do direito” e possibi- litar uma leitura mais descritiva e menos ligada diretamente ao sistema do direito. Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 230 4/25/14 10:18 AM Mariana Thorstensen Possas e Thiago Thadeu da Rocha Pascoal” não era predeterminada e dependia aparente- mente de uma decisão pessoal, cujo critério era o interesse de tal caso para o grupo. Apesar de estarmos diante da fragilidade do rule of law, ao menos em nível regional, a situação encontrada no Acre não implicou um questionamento da existência do Estado e de sua maneira de atuar. Não havia indícios de que o gru- po tinha a intenção de tomar o poder, substituir, ou mesmo transformar o Estado. No entanto, isso não significou a manu- tenção de distância das instituições estatais; ao contrário, o grupo agia dentro das próprias organizações do Estado, como a polícia ou as prisões, utilizando-as como locus ou base do exercício da violência e da imposição do poder. Do ponto de vista acadêmico-institucional, este artigo é fruto da pesquisa Violência e fronteiras, realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), cujo objetivo era anali- sar a situação de violência, especialmente da violência fatal, em estados de fronteira, como Acre e Rondônia. Do ponto 231 de vista empírico, as reflexões contidas neste artigo são base- adas em parte dos dados coletados para a pesquisa, que se resume em vinte entrevistas semiestruturadas, realizadas em agosto de 2012, com militantes de direitos humanos e repre- sentantes de instituições públicas2 do Acre, documentos ofi- ciais3 e notícias da mídia impressa4. Neste artigo, inicialmente apresentamos a ideia de “pre- tensão ao rule of law”, na qual baseamos nossa hipótese. Segui- mos realizando um balanço crítico teórico sobre o conceito de rule of law, tal como ele aparece na literatura especiali- zada. Depois, partindo do conteúdo da literatura, propomos 2 Foram entrevistados representantes dos setores públicos federal (Receita Fe- deral e Polícia Federal) e estadual (Executivo – secretário de segurança pública, secretário de justiça; Justiça – juízes, promotores e procuradores; Legislativo – de- putado estadual). 3 Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar o Avanço e a Impunidade ao Narcotráfico (2000). 4 Jornal Folha de S.Paulo – de 2009 a dezembro de 2012. Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 231 4/25/14 10:18 AM “A onça comeu o suspeito”: reflexões sobre o rule of law no Acre entre os anos 1980 e 2000 um desenvolvimento do conceito de rule of law, de manei- ra a facilitar a observação empírica. A seguir, apresentamos os principais fatos ocorridos no Acre nas décadas de 1980 e 1990, época em que Hildebrando Pascoal emerge no cenário político do estado como líder de um grupo criminoso inte- grado por políticos, empresários, policiais civis e militares e pistoleiros. Apesar de demarcarmos o período acima como limites da nossa análise, levantaremos aspectos da política local que nos remete a outros momentos de sua história. Por fim, conjugamos a reflexão teórica e os elementos empíricos desenvolvidos nas seções anteriores e concluímos a análise, onde desenvolvemos a hipótese sobre a emergência da pre- tensão ao rule of law no final da década de 1990. A pretensão ao rule of law A ideia de “pretensão ao rule of law” é inspirada na proposta de Max Weber de “pretensão ao monopólio estatal da vio- 232 lência física legítima”, expressão que utiliza para indicar um dos elementos essenciais do Estado moderno. Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. É, com efeito, próprio de nossa época não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não ser em casos em que o Estado o tolere: o Estado se transforma, portanto, na única fonte do “direito” à violência (Weber, 1999 [1918-1919]; grifo nosso). Afirmar que o Estado reivindica o monopólio da violência não significa que ele efetivamente o detenha, ou seja, que só o Estado pratique a violência – o que é óbvio –, ou então Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 232 4/25/14 10:18 AM Mariana Thorstensen Possas e Thiago Thadeu da Rocha que toda violência que o Estado pratica é legítima ou sim- plesmente aceita5. Essa discussão já foi feita anteriormente por muitos autores e não é nossa intenção entrar nela nes- te momento. O importante agora é apenas lembrar o mal- -entendido que a palavra reivindica – em inglês, claim – cau- sou nas leituras sobre Weber e que aqui estamos retomando a interpretação pela qual o que caracteriza o Estado moderno não é o domínio exclusivo e concreto da violência, mas se ele é o único que tem a pretensão de exercê-la legitimamente. Em nome da clareza do argumento, vamos propor que estamos diante de dois planos: o primeiro plano é o da rei- vindicação ou pretensão à legitimidade e o segundo é o do uso efetivo da violência. O Estado vai contestar aqui toda pre- tensão (possivelmente existente) ao direito de fazer uso da violência, o que pode levá-lo também a desenvolver a pre- tensão (em razão do desenvolvimento da democracia e do próprio direito) ao controle do uso efetivo ilegítimo da violência, mesmo quando esse uso não implica a reivindi- 233 cação de legitimidade. Por exemplo, certos usos ilegítimos da violência e sem pretensão à legitimidade podem não ser percebidos como politicamente ameaçadores pelo Estado. Entretanto, se os seus limites de negligência tolerável forem ultrapassados (por terem, por exemplo, se tornado mais visíveis pela mídia), o Estado pode vir a tomar medidas para controlá-la ou para reafirmar a pretensão ao seu monopólio efetivo e legítimo. Weber distingue, ele mesmo, entre fonte do direito e exer- cício da violência legitimada por ele. A noção de monopólio parece se aplicar exclusivamente à fonte do direito e não ao 5 “[…] é preciso considerar que, quando Max Weber está falando em violência física legítima, ele não está, sob qualquer hipótese, sustentando que toda e qual- quer violência é justificável sempre que em nome do Estado. Fosse assim, não haveria como diferenciar o Estado de Direito do poder estatal que se vale do uso abusivo e arbitrário da força. Justamente, por legitimidade, Weber está identifican- do limites ao emprego da força. Esses limites estão, em parte, dados pelos fins da ação política que dela se vale” (Adorno, 2002, p. 276). Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 233 4/25/14 10:18 AM “A onça comeu o suspeito”: reflexões sobre o rule of law no Acre entre os anos 1980 e 2000 exercício – o que, se pensado empiricamente, faz bastante sentido. O Estado autoriza o uso da violência fora dele (nos esportes regulamentados, na educação das crianças dentro de certo quadro jurídico etc.) e tolera também esse uso sob certas condições jurídicas (legítima defesa, por exemplo). Façamos porém uma reserva: nessa passagem, Weber não distingue duas situações que mereceriam ser diferen- ciadas, particularmente (mas não exclusivamente) no que toca ao uso efetivo da violência: trata-se da distinção entre grupos (incluindo o fenômeno da “guerra de famílias” ou da violência interfamiliar) e indivíduos (incluindo os fenô- menos do sexismo ou racismo). Tanto a forma e a extensão da “pretensão à legitimidade” como a forma e a extensão da “pretensão ao controle efetivo da violência” se apresentam de maneiras diferentes nas duas situações. No caso empírico especificado aqui, trata-se de um gru- po (rede de relações interpessoais) exercendo o uso efetivo 234 e manifesto da violência física dentro de um território, sem exprimir pretensão à legitimidade da violência praticada, ou seja, sem se preocupar se ela (a violência) é compreendida como um direito ou não. No caso da violência doméstica contra as mulheres, estamos diante de um problema com configura- ções empíricas bem diferentes: trata-se do comportamento de indivíduos com pretensão de legitimidade, em parte aceita e tolerada pelo próprio Estado. A mudança de posição do Esta- do aqui exige um trabalho em dois níveis: no nível da “delegi- timação” (interna e externa ao Estado) do comportamento e no nível da proteção jurídica efetiva da mulher. Isso mostra o interesse de distinguir legitimação/exercício efetivo da violência e violência de grupos (que agem como grupos) e formas individuais de expressão da violência. É claro, o racismo e o sexismo como fenômenos culturais podem dar lugar também à formação de grupos agindo de maneira violenta e com pretensões de legitimidade, o que é, nesse caso, uma forma de expressão grupal da violência. Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 234 4/25/14 10:18 AM Mariana Thorstensen Possas e Thiago Thadeu da Rocha Adorno (2002, p. 297) escreve que “um dos maiores desafios do controle democrático da violência, e por conse- guinte do Estado de Direito, nesta sociedade reside no mono- pólio estatal da violência física legítima”. E acrescenta que esse desafio se apresenta na forma de um duplo controle: da sociedade civil, de um lado, e das forças repressivas do Esta- do, de outro. Nessa afirmação, Adorno coloca então o mono- pólio estatal da violência e o Estado de Direito como ligados e interdependentes. A dificuldade de garantir o monopólio da violência seria então um problema também para a “instau- ração” do Estado de Direito. Vamos interpretar essa afirmação de Adorno da seguin- te maneira: o Estado de Direito (rule of law) se caracteriza- ria pela presença de uma condição de possibilidade e de uma dupla tarefa que deve estar claramente visível e estabilizada nas suas operações. A condição de possibilidade reside no monopólio de violência física legítima. Isso significa que nenhum outro grupo ou força política entra em competição 235 com o Estado pelo controle da violência legítima em um mesmo território e também que nenhum outro grupo ou força política é capaz de exercer sem constrangimentos uma violência ilegítima nesse mesmo território, atestando a “fraqueza” ou a ausência do Estado de Direito. As duas tarefas são a de autocontrole claro e sustentado de sua própria violência (ilegítima), apoiando inclusive as operações do sistema de direito nesse sentido, e, em outro nível de exigência, a tarefa de proteção dos indivíduos no que toca a violência ilegítima praticada fora das organiza- ções e das operações do Estado. Um observador só pode- ria então descrever um Estado como um Estado de Direito quando esses três critérios pudessem ser observados. A dificuldade de garantir o monopólio da violência legí- tima ou ilegítima seria então um problema também para a descrição de um Estado, ou de uma parte do território de um Estado, como um “Estado de Direito”. Nesse sentido, a Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 235 4/25/14 10:18 AM “A onça comeu o suspeito”: reflexões sobre o rule of law no Acre entre os anos 1980 e 2000 análise da situação do Acre nos indicou a ausência de um Estado de Direito porque, o Estado (federal e estadual) não somente se mostrou incapaz de controlar o uso da violência ilegítima, praticada por organizações econômicas (empre- sas agrárias) em determinado território (Acre) como tam- bém colaborou de forma ostensiva com suas próprias orga- nizações (Polícia Civil e Militar) no exercício dessa violência ilegítima. A análise mostrou também que uma vez o Estado ter começado a exercer explícito autocontrole de sua parte de violência ilegítima, desvinculando-se da violência ilegí- tima externa e tentando controlá-la ao mesmo tempo para dar proteção aos indivíduos, o Estado de Direito começou a poder ser observado como tal. Inspirados, portanto, na proposição weberiana, chama- remos de “pretensão ao rule of law a disposição geral, que se estende para além do Estado, de se submeter à regra geral do direito. Em outras palavras, a disposição de não 236 opor resistência ao “império da lei”, ao domínio absolu- to da regra da lei como orientação de base das condutas humanas. E enquanto uma “pretensão”, o que precisamos observar é existência ou não de uma concorrência significa- tiva à regra, como, por exemplo, a existência de uma regra alternativa (que não a do direito) que reivindique e obte- nha ampla sujeição. Por fim, duas últimas observações. A primeira delas é que uma das diferenças em relação à ideia weberiana de “pretensão ao monopólio da violência” é que, nesse caso, o autor está se referindo à pretensão do Estado: é ele que reivindica (ou não) o monopólio. Quando falamos de rule of law, nos parece que essa pretensão pode ser atribuída à sociedade em geral. Como veremos adiante, a ideia de rule of law está originalmente ligada ao controle do poder polí- tico pelo direito – essa é a segunda observação – , e isso significa que a exigência de que todos se submetam à lei, ou melhor, a pretensão de que todos, inclusive o poder polí- Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 236 4/25/14 10:18 AM Mariana Thorstensen Possas e Thiago Thadeu da Rocha tico, estejam submetidos à lei, não parece ser uma atitude exclusiva do Estado. A pretensão ao rule of law pode ser veri- ficada, por exemplo, quando um eleitor não reelege seu candidato porque ele não respeitou a lei como deveria. Ou então, quando um cidadão denuncia a corrupção de deter- minado órgão público. O conceito de rule of law na literatura Existem várias maneiras de definir o que é rule of law (cf. O’Donnell, 2004; Diamond e Morlino, 2004, 2005; Dworkin, 1970; Zolo, 2006; Bingham, 2007; Waldron; 2008; Luhmann, 1990). Essas maneiras utilizam a expressão para identificar diferentes possibilidades semânticas: uma teoria, um princípio, uma fórmula, um ideal, um conceito, uma doutrina jurídica. Algumas delas são voltadas para (pensar) a política e outras para (pensar) o direito. Rule of law, Estado de Direito, Rechtstaat e État de droit são usadas frequentemente como expressões sinônimas. 237 No entanto, elas refletem experiências históricas e tradi- ções distintas (cf. Palombella, 2010; Zolo, 2006; O’Donnel, 2004). Na Alemanha, Rechtstaat expressa a concentração do poder no Parlamento, única fonte do direito, que deve ser rigorosamente respeitado pelos poderes Executivo e Judici- ário. O rule of law de tradição inglesa é baseado na ideia de “igualdade jurídica dos sujeitos”, indica que o Parlamento e as Cortes devem agir juntos para impor limites ao Poder Executivo. Para a tradição norte-americana, rule of law está relacionado à redução do poder do Parlamento e aumento do poder das Cortes, inclusive em termos de controle de constitucionalidade (judicial review of legislation). Por fim, État de droit expressa a imposição de limites ao poder do Par- lamento, que deve funcionar como um poder constituído e não constituinte (cf. Zolo, 2006). Apesar das diferentes maneiras de conceber o rule of law, enfatizando o controle de um ou outro âmbito do Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 237 4/25/14 10:18 AM “A onça comeu o suspeito”: reflexões sobre o rule of law no Acre entre os anos 1980 e 2000 poder (Executivo, Legislativo, ou ambos), há um elemento comum em todas essas experiências históricas: o objetivo de contenção do arbítrio no exercício da autoridade políti- ca. Em outras palavras, a tentativa de garantir que o poder político não vá se expandir e agir de modo arbitrário e sem nenhum tipo de controle. As monarquias absolutistas vão ser então limitadas pelo princípio do rule of law, que passa a figurar como o estabelecimento de fronteiras entre os siste- mas político e do direito (cf. Luhmann, 1990). O segundo elemento comum é o fato de que o direito é o instrumento por excelência de contenção do poder. A men- sagem enviada pela ideia de “império da lei” é de que todos, sem exceção, estão submetidos à regra do direito. Nas palavras de Palombella (2010, p. 4), “[o Rechtsstaat] parece mover-se da lei do poder para o poder da lei”6. Esse segundo elemento apa- rece com frequência nos textos de juristas, sem que eles, no entanto, deixem claro que se trata apenas da “segunda meta- 238 de” ou de uma “segunda dimensão” do princípio. Sendo o direito a estratégia eleita para conter o arbí- trio do poder, ele deve, consequentemente, ser aplicado de maneira justa (fair). Isso significa que o próprio direito e sua aplicação não podem conter ou gerar arbitrariedades. As instituições responsáveis por aplicar o direito – os tribu- nais – devem fazê-lo de maneira mais neutra, transparente e justa possível. As normas devem ser claras e impessoais e promulgadas pela autoridade competente. Para este artigo, fizemos uma revisão de literatura, não exaustiva, sobre como os autores abordam o rule of law. Outras revisões sobre o tema já foram realizadas: Bingham (2007) fez uma revisão voltada à filosofia do direito e a outra (Vélez, 2009) foi feita para o International Development Research Centre (IDRC). Nesse caso, a literatura analisada vem 6 As traduções dos trechos citados foram feitas pelos autores deste artigo para uso específico nele. Lua Nova, São Paulo, 91: 229-268, 2014 135-295_13092-LuaNova91_af4.indd 238 4/25/14 10:18 AM

Description:
“A onça comeu o suspeito”: reflexões sobre o rule of law no Acre entre os anos 1980 e 2000 um desenvolvimento do conceito de rule of law, de manei
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.