CENTRO CULTURAL PRÓMÚSICA | UFJF XIII E M H MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: 1 retrospectivas e perspectivas Juiz de Fora | 21 a 23 de novembro de 2020 MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: retrospectivas e perspectivas e-book do XIII Encontro de Musicologia Histórica Juiz de Fora, 21 a 23 de novembro de 2020 Instituto de Artes e Design UFJF UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA Marcus Vinícius David Reitor Girlene Alves da Silva Vice-reitora Pró-reitoria de Cultura Valéria de Faria Cristofaro Pró-reitora de Cultura CENTRO CULTURAL PRÓMÚSICA Marcus Medeiros Supervisor do Centro Cultural Pró-Música Thamara Venâncio de Almeida Diretora de Produção XIII ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA Marcus Medeiros Coordenação Geral Mayra Pereira (UFJF) - Coordenadora Rodolfo Valverde (UFJF) Comissão Organizadora e Científica MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: retrospectivas e perspectivas e-book do XIII Encontro de Musicologia Histórica Juiz de Fora, 21 a 23 de novembro de 2020 Instituto de Artes e Design UFJF Mayra Pereira rodolfo ValVerde Organização Juiz de Fora 2022 © Centro Cultural Pró-Música | UFJF, 2021. MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: Editoração eletrônica Nathália Duque Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) XIII Encontro de Musicologia Histórica (13. : 2020 : on-line) Musicologia em tempos de crise [livro eletrônico] : retrospectivas e perspectivas : anais do XIII Encontro de Musicologia Histórica / organização Mayra Pereira, Rodolfo Valverde. -- Juiz de Fora, MG : Pró-Música/UFJF, 2022. PDF Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-65-88044-01-8 1. Música 2. Musicologia 3. Musicologia histórica I. Pereira, Mayra. II. Valverde, Rodolfo. III. Título. 22-124735 CDD-780.268 Índices para catálogo sistemático: 1. Documentos musicais e musicologias : Registros : Música 780.268 Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380 [2022] Universidade Federal de Juiz de Fora Pró-reitoria de Cultura Centro Cultural Pró-Música | UFJF Av. Rio Branco, 2.329, CEP 36010-011 Centro, Juiz de Fora, Minas Gerais Tel: (32) 3218-0336 www.promusicaufjf.com.br/ Sumário Apresentação da Comissão Organizadora 6 Mayra Pereira e Rodolfo Valverde Programação geral 8 Convidados 9 ARTIGOS Reflexões sobre o ensino de história da música na Universidade Paulo Castagna 14 O Cravo no Rio de Janeiro do século XX: relato do desenvolvimento da pesquisa e resultados da publicação Marcelo Fagerlande, Mayra Pereira, Maria Aida Barroso 25 Virtualidades musicais em período de COVID-19: práticas, discursos e experiências na cibercultura André Malhado 33 Onde a música vive, escutar muda tudo! Algumas reflexões sobre a escuta de música mediatizada Heloísa de A. Duarte Valente 48 CENTRO CULTURAL PRÓMÚSICA | UFJF Reflexões sobre o ensino de história da música PAULO CASTAGNA*1 RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados de algumas reflexões sobre a atual crise brasileira no ensino de história da música nas universidades, com a enumeração de três principais hipóteses de pesquisa, para tentar compreender suas razões e formular propostas de ensino mais eficazes e de maior sig- nificado para a realidade atual. Além da permanente adoção de inovações didáticas e tecnológicas, apresento reflexões sobre a conveniência de mudanças na concepção das disciplinas de história da música, que considerem tanto as necessidades reais quanto a diversidade social e cultural dos estudantes, em lugar de transmitir, de forma automática e acrítica, o conteúdo dos compêndios internacionais sobre o assunto. Palavras-chave: História da música. Ensino. Estratégias. Soluções. TITLE OF THE PAPER IN ENGLISH: REFLECTIONS ON MUSIC HISTORY PEDAGOGY ABSTRACT: This paper presents the results of some reflections on the current Brazilian crisis in Music History Pedagogy at the universities, with the establishment of three main research hypotheses, in attempt to understand their reasons and formulate more effective teaching proposals with greater mea- ning for the current reality. In addition to the permanent adoption of didactic and technological innovations, I present some reflections on the desirability of changes in the conception of music history disciplines, which consider both the real needs and the social and cultural diversity of the students, instead of transmitting, automatically and uncritically, the content of the international textbooks on this subject. Keywords: History of music. Teaching. Strategies. Solutions. * UNESP, CNPq – [email protected] XIII E M H MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: 14 retrospectivas e perspectivas Juiz de Fora | 21 a 23 de novembro de 2020 CENTRO CULTURAL PRÓMÚSICA | UFJF 1. INTRODUÇÃO Desde 1990, quando do início de minha atividade como professor de cursos livres e disciplinas relacionadas à história da música em faculdades de São Paulo (e desde 1994 no Instituto de Artes da UNESP), presenciei uma sensível transformação do significado dessa disciplina junto aos estudantes de música, o que gerou, na atualidade, uma situação muito diferente da que vivi como estudante dessa ma- téria, nos anos 80. As transformações foram rápidas e profundas, não sendo fácil estabelecer as diferenças entre o panorama das últimas décadas do século XX e as duas primeiras do século XXI, em parte por conta de sua complexidade, mas também devido à pequena produção de trabalhos brasileiros a respeito. Tenho trabalhado com três hipóteses básicas e conseguido reunir elementos para a comprovação de alguns de seus aspectos, porém esse é um tema que requer esforços dos profissionais da área, para se chegar a conclusões suficientemente claras e que permitam a tomada de decisões seguras e fundamentadas no meio acadêmico-musical. A primeira das hipóteses adotadas – e a mais fácil de ser demonstrada – é o estabelecimento, no Brasil, de sistemas de ensino musical centrados na formação técnica, com um papel restrito, periférico e de pequeno destaque profissional para os seus aspectos intelectuais, e obviamente com impacto negativo na eficácia das disciplinas de formação intelectual. Esse aspecto, que já era frequentemente discutido no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo por Mário de Andrade desde meados da década de 1910 até 1935, não parece ter mudado substancialmente daquela época para a atualidade, transferindo-se dos conservatórios para as universidades e, aqui, acarretando uma perceptível divisão entre os profissionais e alunos que se dedicam principalmente às atividades musicais técnicas e aqueles que manifestam interesse pelos aspectos intelectuais da área, realizando pesquisas de iniciação científica, ingressando na pós-gradua- ção e publicando trabalhos científicos, entre outros. A segunda hipótese é o impacto no ambiente da sala de aula, acarretado pelo contínuo aumento da procura de ensino superior por parte de alunos interessados em distintas áreas da música popular. Ra- ros, no período anterior à década de 1990, esse grupo de alunos cresceu muito na transição do século XX para o XXI, e seu número hoje tende ao equilíbrio com o de alunos interessados na música de concerto. O aumento de sua presença fortaleceu os questionamentos a respeito da tendência de abordagem exclusiva do repertório de concerto nas disciplinas de história da música, especialmente como vinha sendo prati- cada no Brasil no decorrer do século XX, apesar de já existir bibliografia que contemple outros universos musicais. Por conta dessa tendência, a falta de mudanças substanciais nas disciplinas de história da música acabou gerando diminuição ou perda de interesse por parte desse grupo de alunos, com a consequente diminuição da eficiência do trabalho em sala. A terceira hipótese é a existência de uma segregação ou isolamento cultural na formação dos cursos brasileiros voltados à música de concerto ao longo do século XX, que ainda contou com a herança escravocrata e segregacionista racial dos séculos anteriores de nossa história. Esse isolamento, que não acarretou a geração de interesse ou enraizamento da música de concerto nas camadas sociais externas à elite (embora tenha acompanhado o desenvolvimento desse tipo de música até meados do século XX) entrou em colapso no final desse período, quando alunos oriundos de classes de baixo poder aquisitivo começaram a ingressar em cursos superiores de música em número cada vez maior. Sem identificação XIII E M H MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: 15 retrospectivas e perspectivas Juiz de Fora | 21 a 23 de novembro de 2020 CENTRO CULTURAL PRÓMÚSICA | UFJF cultural com o repertório e as convenções da música de concerto, muitas vezes praticantes de modalidades musicais externas à das salas frequentadas pela elite (como ocorre em escolas de música popular, em tra- dições locais, bandas, igrejas, etc.) e frequentemente mais interessados na ascensão social proporcionada pelo ingresso no meio de concerto do que no cultivo desse repertório, tais alunos não reconheceram seus objetivos pessoais no estudo de história da música, e a matéria foi, para eles, perdendo seus significados originais e se tornando cada vez mais uma disciplina de baixo interesse a ser “eliminada” (ou seja, cumpri- da da forma mais econômica e com o menor envolvimento possível), do que a fonte de um conhecimento essencial para sua formação. Em uma tentativa de enfrentar o problema acima relatado e com base nessas três hipóteses, tenho publicado reflexões e pesquisas sobre o ensino de história da música e arriscado algumas soluções práticas em sala de aula, que passo a relatar nos próximos tópicos. 2. REFLEXÕES ANTERIORES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA DA MÚSICA Em um artigo intitulado “Dificuldades, reflexões e possibilidades no ensino da história da música no Brasil do nosso tempo” (CASTAGNA, 2015), organizei material originalmente escrito dois anos antes, para um projeto destinado a solicitar a reestruturação curricular das disciplinas de história da música no Instituto de Artes da UNESP (CASTAGNA, 2013). Essa reestruturação não foi aprovada, na ocasião, da maneira como foi proposta, porém prosseguiu em discussão nos anos seguintes e gerou um novo projeto de reestruturação, desta vez encabeçado pelo Conselho dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Mú- sica, apresentado à Reitoria da UNESP em 2017 e implementado em 2018. Nesse artigo de 2015 questionei, inicialmente, a discrepância entre o título totalitário da discipli- na (história “da” música), frente ao conteúdo principalmente voltado à música europeia de concerto, para isso utilizando, entre outros argumentos, a baixa vendagem do repertório “clássico” no Brasil (oscilante entre 1,3% e 3,4% do total, no período de 2007 a 2012). O segundo aspecto abordado nesse texto é o (paradoxalmente) pequeno conteúdo de história da música nos compêndios com esse título e a predomi- nância da apreciação da música de concerto, por meio de exemplos musicais, comentários e análises das particularidades desse repertório. O terceiro aspecto refere-se ao que Carl Dahlhaus denominava “sujeitos” da história da música, que nos compêndios clássicos são predominantemente os compositores, e cujo es- tudo provoca o estranhamento por parte do aluno, oriundo de uma prática musical há muito tempo não mais comandada por compositores. O quarto e último aspecto considerado nesse texto é a tendência evo- lucionista que ainda predomina nos compêndios de história da música, com a consequente manutenção da segregação cultural (e, por decorrência, também social) que afeta particularmente o meio de música de concerto no Brasil. Após a abordagem desses quatro aspectos que, ao meu ver, estão na base da falta de eficácia das disciplinas de história da música na atualidade, passei a abordar, no artigo de 2015, algumas possíveis soluções a serem aplicadas em sala de aula, como a ampliação dos assuntos abordados, a realização de análises históricas e sociais mais profundas em lugar da exclusiva análise do repertório, a adoção de disciplinas optativas ao lado das obrigatórias, e a discussão da estrutura curricular visando novas e mais eficazes disciplinas e planos de ensino, que levassem em consideração os aspectos acima apresentados. XIII E M H MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: 16 retrospectivas e perspectivas Juiz de Fora | 21 a 23 de novembro de 2020 CENTRO CULTURAL PRÓMÚSICA | UFJF 3. RAÍZES DA CRISE NO ENSINO DE HISTÓRIA DA MÚSICA Escrito em 2017 por solicitação de Mónica Vermes e Marcos Holler, coordenadores do livro Perspectivas para o ensino e pesquisa em história da música na contemporaneidade, lançado pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM), o texto “Raízes da crise no ensino de his- tória da música: o caso de São Paulo” (CASTAGNA, 2019) resultou de uma pesquisa histórica destinada a esclarecer a origem de alguns aspectos que participaram da diminuição ou perda do significado do ensino de história da música nas últimas décadas e, portanto, fundamentar ações destinadas a gerar novos signi- ficados para essa disciplina, ou mesmo a criação de disciplinas mais eficazes e adaptadas às situações com as quais convivemos na atualidade. Passo, nos próximos parágrafos, a resumir as principais constatações nos 10 itens centrais dessa pesquisa: 1. Recepção da história da música. Nesse item examino os parâmetros adotados no estabeleci- mento dessa disciplina em conservatórios e instituições de ensino superior brasileiras, prin- cipalmente em São Paulo. Como demonstram as fontes, predominaram a abordagem dos “grandes mestres” e das “grandes obras”, o ensino técnico e a consequente posição periférica das disciplinas destinadas ao desenvolvimento intelectual. 2. História da música para que? Nesse item discorro sobre os aspectos do ensino de história da música que refletem a pequena atenção dos cursos superiores de música à diversidade cul- tural e à complexidade social e econômica brasileira, frente ao maior interesse de tais insti- tuições na defesa da música de concerto, com a consequente manutenção de seu isolamento cultural em relação à maior parte da população. 3. História ou apreciação? Nesse item cito observações de vários autores brasileiros e internacio- nais da segunda metade do século XX sobre as diferenças entre história e apreciação, e sobre as implicações de uma disciplina que, embora intitulada “história da música”, seja principal- mente devotada à apreciação do repertório europeu de concerto. 4. Qual história? Nesse item faço referência ao descontentamento de vários autores brasileiros e internacionais, ao longo do século XX, a respeito de métodos geralmente cronológicos, biográficos e descritivos de fatos e obras do repertório europeu de concerto. Apesar da defesa e militância de vários autores por histórias sociais da música e por visões mais relacionadas às diversidades da prática musical de todos os tempos, o exame dos compêndios disponíveis demonstra uma dificuldade de avanço em tais direções e a consequente transferência desse problema para os professores dessa disciplina. 5. História da música para quem? Neste item apresento dados referentes ao predominante con- sumo de bibliografia relacionada à música pelo público frequentador de concertos do que pelos estudantes de música, o que afeta a produção e distribuição de livros sobre história da música e os coloca em segundo plano em relação a dicionários, enciclopédias, atlas e guias de repertório. XIII E M H MUSICOLOGIA EM TEMPOS DE CRISE: 17 retrospectivas e perspectivas Juiz de Fora | 21 a 23 de novembro de 2020