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Redalyc.ANIILIDADE E O ANONIMATO DE DEUS: O APOFATISMO DO MÍSTICOPSEUDO PDF

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Interações: Cultura e Comunidade ISSN: 1809-8479 [email protected] Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Brasil ROCHA MOTA, LINDOMAR; GONÇALVES, WERBERT CIRILO ANIILIDADE E O ANONIMATO DE DEUS: O APOFATISMO DO MÍSTICOPSEUDO-DIONÍSIO, O AREOPAGITA Interações: Cultura e Comunidade, vol. 9, núm. 16, julio-diciembre, 2014, pp. 431-452 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Uberlândia Minas Gerais, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=313037815014 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto ARTIGOS   A NIILIDADE E O ANONIMATO DE DEUS: O APOFATISMO DO MÍSTICO PSEUDO-DIONÍSIO, O AREOPAGITA THE NIHILITY AND THE ANONYMITY OF GOD: THE APOPHATISM OF THE MYSTICAL PSEUDO-DIONYSIUS, THE AREOPAGITE LINDOMAR ROCHA MOTA (*) WERBERT CIRILO GONÇALVES (**)   RESUMO Este artigo apresenta o apofatismo do Pseudo-Dionísio, o areopagita, como um conhecimento místico que recusa determinar Deus como um conceito objetivo e exige o abandono das formulações que ousam encerrar o Mistério divino em categorias. Sendo assim, foi necessário discutir, a princípio, a diferença entre o apofatismo da ousia próprio da Escolástica, que através da razão conclui a impossibilidade do conhecimento da “substância” do Ser Absoluto e o da persona do areopagita que conclui, a partir da relação pessoal e/ou existencial que estabeleço com Deus, que Ele não pode ser esgotado em formulações noéticas, do pensamento. Neste sentido, o apofatismo se apresenta como renúncia mística ou superação de um modo de conhecimento de Deus, que se encontra nas Trevas e no silêncio bem distante de toda idolatria conceitual com a qual ousamos defini-Lo; ele só pode ser celebrado pela linguagem simbólica a partir de suas phanias. Entendido como renúncia mística, esse apofatismo possibilitou compreender Deus como o “Nada de tudo o que é” e como o “Nome sem nome”; ou seja, a sua niilidade e o seu anonimato. PALAVRAS-CHAVE: Deus. Mística. Apofatismo. Renúncia. ABSTRACT This article presented the apophatism of Pseudo-Dionysius the Areopagite, a mystical knowledge as refusing determine God as an objective concept and requires the abandonment of formulations that dare quit the Divine Mystery into categories. Therefore, it was necessary to discuss the principle, the difference between the apophaticism own ousia of Scholastic concludes that by reason of the impossibility of knowledge of the “substance” of the Absolute and the persona of the Areopagite concluded that, from personal a relationship and / existential or establish with God, that He cannot be exhausted in noetic formulations of thought. In this sense, the apophatism presents as mystical resignation or a way of overcoming the knowledge of God, which is in the darkness and silence far away from all conceptual idolatry that dare to define Him; unless the symbolic language concluded from their phanias. Understood as mystical renunciation, this apophatism possible to understand God as the “Nothing of all that is” and how “Unnamed Name”; i.e., its nihility and your anonymity. KEYWORDS: God. Mysticism. Apophaticism. Resignation.                                                                                                                           (*)Graduação em Filosofia e Teologia - Ateneu Pontifício Regina Apostolorum (1998), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (2000), mestrado em Atropologia Teológica - Pontificio Instituto Teresianum (2001) e doutorado em Filosofia Moderna pela Pontifícia Universidade Gregoriana (2003). Atualmente é adjunto III da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Metafísica e Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: argumentos transcendentais, liberdade, subjetividade, conhecimento, dialética, justiça, direito, poder; escatologia, esperança, religião, fé, modernidade; Kant e Espinosa. E-mail: [email protected] (**)Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: [email protected]         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 431 ISSN 1983-2478 LINDOMAR  ROCHA  MOTA/WERBERT  C.  GONÇALVES       1 INTRODUÇÃO Entre os séculos V e VI viveu um importante místico1, teólogo e filósofo neoplatônico que se autodenominou Dionísio, um dos poucos que, por volta do ano cinquenta da era cristã, foi convertido no Areópago de Atenas em decorrência do discurso de Paulo de Tarso, conforme o texto neotestamentário: Atos dos Apóstolos 17, 34. Hoje, depois de acuradas investigações e estudos respeitáveis sobre os textos dionisianos, sabemos que o autor dos escritos que compõem em seu conjunto o Corpus Dionysiacum não é o mesmo grego convertido pelo apóstolo dos gentios. Jean-Yves Leloup (2004, p.52) recorda que era um hábito antigo atribuir textos a um personagem célebre digno de fé. Isso não seria uma “arte consumada da falsificação”, mas o desejo de manter-se ligado à Tradição2. Daí, conclui Leloup, os textos participariam do mesmo espírito que inspirou os apóstolos e os primeiros verdadeiros filósofos cristãos, os Santos Padres da Igreja. O Pseudo-Dionísio areopagita, assim chamado posteriormente, é considerado o autor de um conjunto de obras que, a partir do séc. VI, influenciou profundamente o pensamento filosófico e teológico do medievo. São elas: Teologia mística (De mysticatheologia), Nomes divinos (De divinisnominibus), Hierarquia eclesiástica (De ecclesiasticahierarchia), Hierarquia celeste (De coelestihierarchia), dez Epístolas e outros escritos que se perderam (GILSON; BOEHNER, 2004, p.115). O objeto central das reflexões do Corpusdionysiacum é Deus, ou, como é dito pelo Pseudo-Dionísio na Teologia mística: “A Trindade Supraessencial! Mais que divina e mais que boa!” (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004b, p.129); como na Carta II a Gaio: “Aquele que transcendente toda criatura [...] Daquele que é mais que Deus, e mais que bom e que também nos torna divinos e bons” (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004e, p.290); ou ainda, nos Nomes divinos: “os Teólogos a louvam [a Tearquia] em conjunto por não ter nenhum nome e por possuir todos eles” (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004a, p.17). 2 O APOFATISMO DO PSEUDO-DIONÍSIO O apofatismo do Pseudo-Dionísio é entendido como a recusa em atribuir predicações dos entes à realidade divina ou como rejeição à sobreposição de                                                                                                                           1 O Pseudo-Dionísio é considerado por Lima Vaz (2000, p. 30) um místico-especulativo. A mística especulativa trata do encontro da razão com o Ser Divino que plenifica a existência humana, que se realiza num último estágio alcançado a partir do passo da inteligência além do lógico ou do pensamento conceitual. 2 Paul Tillich (2000, p.105) afirma, como Leloup, que não significava uma mera falsificação, mas uma maneira de conferir autoridade a alguma obra.         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 432 ISSN 1983-2478 A  NIILIDADE  E  O  ANONIMATO  DE  DEUS:  PSEUDO-­‐DIONÍSIO       modos dos seres a Deus de acordo com nossa esquematização racional. Portanto, o apofatismo pressupõe a renúncia de cada pretensão de emoldurar ou de objetivar a verdade em determinações racionais. Conforme propõe Cristos Yannaràs (1995, p.54) há uma significativa diferença entre o apofatismo cristão grego-oriental e o apofatismo ocidental. Enquanto o primeiro tem o Pseudo- Dionísio como um dos seus representantes mais notáveis3, o segundo tem sua base na teologia Escolástica. Assim, Yannaràs apresenta-nos duas formas de concebê-los teologicamente, a saber: o “apofatismo da persona”e o “apofatismo da ousia”4. O apofatismo da ousia5 desenvolvido na Escolástica foi implantado decisivamente na teologia cristã. Os escolásticos acreditavam que o ser humano podia saber sobre a existência de um Ser Absoluto através da razão que conhece a partir das coisas. Consequentemente, muitos pensadores cristãos se atreveram a demonstrar, ora com argumentos simples, ora com proposições complexas a existência divina. Não é por acaso que Tomás de Aquino tratou de provas da existência de Deus, que são vias de acesso da razão ao conhecimento divino. Da mesma forma, outros santos da escolástica também pensaram na possibilidade da mente humana pensar o Ser, como Santo Anselmo, quando afirmava ser Deus “Aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado” (ANSELMO, 2008, p.12). Como propõe Tomás de Aquino, na questão doze da Suma teológica, é impossível da parte do intelecto humano conhecer realmente Deus, a sua ousia, a sua entidade transcendental. “O homem não pode ver Deus em sua essência, a menos que deixe essa vida mortal. Pois o modo do conhecimento segue o modo da natureza daquele que conhece” (AQUINO, 2001, p. 278). É neste sentido que o Ser Absoluto é uma ousia que pode ter sua existência sabida pelo homem, porém sua realidade (substância) não pode ser plenamente compreendida por ele. Segundo Yannarás (1995, p.23), é esta impossibilidade humana de conhecer a realidade divina que será denominada como uma forma de comportamento apofático pela Escolástica.                                                                                                                           3 Os teólogos orientais, como os padres capadócios, são expoentes do apofaticismo da persona. Gregório de Nissa é um dos pais da teologia negativa do Oriente grego. (ANGIONI. 2005) 4 Ambas as formas são devedoras da tradição grega, principalmente platônica. Não obstante a prioridade do pensamento aristotélico no século XIII, Platão além de ser base para o neoplatonismo é também para o apofaticismo da idade média. Vale dizer que este filósofo não usa a negação como maneira sistemática de descrever uma realidade desconhecida e transcendente (CARABINE, 1995, p.32-33). 5 Lucas Angioni (2005, p.173-174), nos alerta da dificuldade em definir o termo ousia como substância tal como adotado pela tradição. O termo seria mais bem traduzido como essência, mas é aceitável entendê-lo como substância;,uma vez que que os termos [substância e essência] muitas vezes são entendidos como sinônimos. Usaremos como sinônimos seguindo Cristos Yannaràs.         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 433 ISSN 1983-2478 LINDOMAR  ROCHA  MOTA/WERBERT  C.  GONÇALVES       O apofatismo da persona, por sua vez, é percebido como a constatação de que a existência humana, bem como a consciência que se adquire da realidade são eventos das “relações em ato”. Sendo relação ela não pode ser exaurida em formulações noéticas, mas é resultado de um “acontecimento existencial pleno”, enraizado numa multiplicidade de capacidades perceptivas: sensorial, analógica, sentimental, contemplativa, etc. (YANNARÀS, 1995, p.23). Nesse sentido, as definições noéticas – que se referem à capacidade perceptiva ou cognoscente do homem no questionamento sobre o Ser e o seu fundamento que, em busca de entendimento, se restringem a conceitos e a linguagem – jamais poderão esgotar a experiência do Mistério efetivado na relação imediata com Ele. Com isso, uma definição racional da ousia fica impossibilitada de expressar a realidade contemplada na experiência mística. É nesta experiência que o Mistério divino é acolhido pelo ser humano quando efetivada a eliminação de toda categoria dos entes e na aproximação progressiva através dos movimentos de processão e conversão ao Uno-Bem6. De acordo com o esquema de Yannaràs, no pensamento dionisiano o humano não pode abarcar com a inteligência e esgotar em palavras a substância divina a não ser o que lhe é permitido: aproximar da sua pessoa (persona) que, na relação mística, nos possibilitaria saber algo sobre a sua incognocibilidade e inefabilidade essencial. Assim sendo, argumenta Yannaràs: A pessoa de Deus – como, aliás, a pessoa de cada homem – não se pode definir e conhecer através de determinações objetivas, através de correlações analógicas e definições racionais. Porque cada pessoa constitui uma realidade única, dessemelhante e irrepetível, realidade que vem caracterizada por uma absoluta diversidade existencial, a qual não pode sucumbir àquela objetividade que, por definição, implicam as fórmulas da linguagem humana. (YANNARÀS, 1995, p.80, tradução nossa). 7 Destarte, temos que enquanto o apofatismo da ousia se refere à probabilidade da inteligência “compreender” a existência de uma substância divina, porém negando conhecer a realidade de Deus, o apofatismo da persona, próprio do pensamento dionisiano, insiste que a “relação”que se estabelece com o                                                                                                                           6 Para Dionísio, Deus é o Uno-Bem, o princípio de todas as coisas, do mundo. Segundo U. Balthasar, citado por Bezerra (2009, p.73), processão (próodos) e conversão (epistrophé) se referem aos movimentos de fluxo e refluxo. O mundo seria interpretado de duas maneiras: como ato de comunicação de Deus (próodos) e como resultado da comunicação divina, isto é, no sentido de uma ordem santa (hierarquia) disposta por Deus e que conduz as criaturas em direção a ele (epistrophé). 7 La persona di Dio - come d'altronde la persona di ogni uomo - non si può definire e conoscere attraverso determinazioni oggettive, attraverso correlazioni analogiche e definizione razionali. Perché ogni persona constituisce una realtà unica, dissimile e irrepetibile, realtà che viene caratterizzata da un'assoluta diversità esistenziale, la quale non può soccombere a quella oggettività che, per definizione, implicano le formule del linguaggio umano.         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 434 ISSN 1983-2478 A  NIILIDADE  E  O  ANONIMATO  DE  DEUS:  PSEUDO-­‐DIONÍSIO       Mistério não se exaure em esquemas e categorias racionais e, deste modo, renuncia-se à capacidade das palavras em expor o Ser com o qual nos relacionamos, bem como a relação que se constitui com Ele. A renúncia de Deus pode ser expressa como a superação da pretensão humana de ter uma formulação objetiva, bem como de ter formulações verbais da verdade (YANNARÀS, 1995, p.56). Além disso, o apofatismo dionisiano se apresenta como um convite à superação de Deus tal como celebrado pela nossa linguagem e ilustrado objetivamente pela inteligência para o conhecimento. Por conseguinte, a renúncia divina na obra do pseudo-areopagita refere-se ao âmbito gnosiológico e linguístico, já que na experiência mística se reconhece à superioridade do Mistério que foge à compreensão e esquematização racional, assim como mostra a inadequação dos limites que a linguagem lhe amolda. Este tipo de renúncia em conferir predicados do ente a Deus, – ou seja, submeter a realidade divina à esquematização racional, – foi ordenada na mística cristã tanto pelos padres capadócios8 quanto pelo Pseudo-Dionísio Areopagita, marcando significativamente a teologia posterior. Dionísio percebe a negação em Deus em acepção transcendental e não privativa, uma vez que o Mistério tudo supera e de coisa nenhuma carece, não tem necessidade e nem é contingente. Portanto, “renunciar Deus” significa negá- lo, ou melhor, compreendê-lo como Mistério inefável, possuidor de todos e de nenhum nome, do mesmo modo, como invisibilidade e niilidade: “o Nada diante do qual toda criação é um nada”; o que implica um ato de esvaziamento de Deus. Pois, só despojando-se Dele e de todas as coisas, o místico pode unir-se a Ele e deificar-se. Faz-se necessário uma renúncia a toda objetivação para alcançar o Mistério na relação imediata chamada experiência mística e, ao se aproximar Dele, nada pode ser dito em linguagem humana, restando como única atitude o silêncio. 3 “O NADA DE TUDO O QUE É” No tratado Teologia mística nós podemos visualizar, na prece de abertura, um esboço daquilo que o Pseudo-Dionísio afirma sobre o Mistério Divino crido como Trindade Supraessencial. O texto diz que ela, a Trindade, é mais que divina                                                                                                                           8 De acordo com Michael Collins e Matthew Prince (2000, p.62), Padres Capadócios, assim são chamados três grandes teólogos (Basílio, Gregório de Nissa e Gregório Nazianzo) que viveram na Capadócia, atual região Turquia, e promoveram a reflexão teológica com sua formação grega nos primeiros séculos do cristianismo fortalecendo a doutrina cristã.         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 435 ISSN 1983-2478 LINDOMAR  ROCHA  MOTA/WERBERT  C.  GONÇALVES       e mais que boa, está para além de toda luz e do incognoscível, revelando-se numa Treva mais que luminosa do silêncio. Assim, diz o Pseudo-Dionísio: É no silêncio, com efeito, que se aprendem os segredos desta Treva da qual é muito pouco afirmar que brilha com a mais resplandecente luz no seio da mais negra obscuridade, e que, permanecendo inteiramente ela mesma perfeitamente inatingível e perfeitamente invisível, enche de esplendores mais belos que a beleza as inteligências que sabem fechar os olhos. (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004b, p.129). Nesta citação, visualizamos claramente o contorno da teologia negativa dionisiana chamada apofática procedente da renúncia de toda formulação sobre Deus, que permanece distante de qualquer predicação humana. Essa Trindade Divina que não se confunde com nada, que para Dionísio é origem de tudo, só pode ser alcançada através da relação mística. Nesta relação, o místico que sabe fechar os olhos, ou seja, sabe renunciar, se vê diante de uma realidade que lhe vem como coisa nenhuma, escapando-lhe à medida que se aproxima. Para Cícero Cunha Bezerra, essa reflexão do pseudo-areopagita nos leva a compreender Deus como “o nada de tudo o que é”. Esta expressão constitui a ideia nuclear do pensamento dionisiano: “Deus não é nenhuma das coisas que são e que não são. Ele é simplicidade e vacuidade” (BEZERRA, 2009, p.105). 3.1 A NIILIDADE DE DEUS Segundo alguns comentadores do Pseudo-Dionísio, como Cristos Yannaràs e Cícero Cunha Bezerra, a niilidade divina sinaliza o cerne da reflexão teológica do místico. Isso não significa uma forma de ateísmo disfarçado, senão quer dizer que Deus não é nenhuma das coisas que existem, ou seja, é total diferença, simplicidade pura. Por conseguinte, no contexto do pensamento dionisiano, abalizado na experiência bíblica, dizer que Deus é o nada significa tratar de uma relação que é diferença fundamental entre o Criador e as criaturas. Como alerta Bezerra (2009, p. 105): “a um leitor desatento ou pouco perspicaz, a afirmação de que Deus é o nada de onde tudo nasce e regressa, possa parecer um mero jogo retórico”. Contudo, esta não é uma reflexão incoerente e equivocada. Uma meditação nesta direção nos remete à compreensão de Deus como origem e diferença, ou o “fundamento-sem-fundo” do ser, dado que também é “ser sem ser”. Para nos ajudar a compreender melhor o que foi dito, será necessário entendermos o significado do nome divino “Ser”. Os nomes em geral ensinam, porém não revelam a essência própria de Deus. Da mesma forma, o nome “Ser” não revela a ousia divina, porque o Criador         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 436 ISSN 1983-2478 A  NIILIDADE  E  O  ANONIMATO  DE  DEUS:  PSEUDO-­‐DIONÍSIO       é supraessencial, indizível e incognoscível; contudo, a denominação possibilita à mente humana “celebrar” o Mistério, ou seja, fazer teologia, através de um conhecimento analógico da natureza divina. Além de outros nomes inspirados biblicamente, Dionísio celebra Deus entendido como “Ser puro” que dá condição de essência a tudo o que existe (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004a, p.79), ou seja, Aquele que é a Causa Substancial de toda existência é o Ser de “tudo o que de qualquer modo exista” sem com a multiplicidade se confundir ou misturar. É, por isso, que também é niilidade em relação às coisas, por dar o ser se mantendo radicalmente diferente da totalidade das coisas, efeitos do seu poderio causal. O Ser divino é celebrado no Corpus Dionysiacum como o “ser-em-si”. Ele é a consequência da revelação do Uno-Bem que fundamenta e supera todo ser. Essa é a noção mais direta que o Pseudo-Dionísio oferece do divino, sem tentar, entretanto, explicar a substância divina, mas tão somente os processos criativos de Deus, ou seja, celebrar (fazer teologia) a manifestação da providência em sua suprema Bondade que faz com que o “ser-em-si” venha reconhecido como causa (BEZERRA, 2009, p.59). Podemos completar esta ideia com um fragmento que encontramos no tratado sobre os nomes divinos: É a esta Causa, portanto, que precisamos referir todos os seres segundo um modo de união único e transcendente, porque é a partir do Ser que, por um movimento processivo e produtor de essências, ela ilumina todas as coisas em sua bondade; que, por um dom espontâneo, ela concede a todas as coisas a plenitude da existência; [...] (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004a, p. 85). Portanto, dizer do Ser enquanto ser-em-si significa afirmar a origem de todas as coisas e a dependência delas da Causa Primeira, o que nos leva a concluir que esta assertiva faz pensar na relação divina com as criaturas, mais do que na ousia de Deus. Porém, ao mesmo tempo em que assim procede, o Pseudo- Dionísio acaba por celebrar a existência divina de maneira simples e sem limites, o que significa dizer que o Criador preexiste a todas as coisas que Dele dependem como efeitos da Causa Universal. Essa Causa preexistente é o ser de todos os seres e precede a todas as coisas: toda perpetuidade e temporalidade. Ela é o princípio de todas as coisas existentes (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004a, p. 86). É oportuno expor que a preexistência, que se traduz comumente como o que “existe antes da existência”, não se refere necessariamente a uma ordem cronológica tampouco à inexistência; senão, no pensamento dionisiano, se trata de uma maneira de existir denominada “hipersubstancial”; a niilidade do Deus que está para além de toda objetividade substancial. Como escreve o próprio pseudo-areopagita na primeira linha do         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 437 ISSN 1983-2478 LINDOMAR  ROCHA  MOTA/WERBERT  C.  GONÇALVES       tratado Teologia mística: Deus é a Trindade hyperousios (hipersubstancial ou Supraessencial), que podemos pensar como “Aquele que é além de todo modo de ser” (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004b, p.129). Esta expressão impede que apressadamente concluamos que o Mistério seja uma “essência superior” ou “mais elevada” como podemos traduzir e, assim, achar na Divindade um modo de existência. Para Dionísio, além de Deus se apresentar o “mais além de toda essência” em si, Ele também está excluído de toda categoria de ser. Essa conclusão dionisiana é válida devido ao entendimento de que Deus é o “fundamento-sem-fundo” e “ser sem ser”, uma vez que o ser divino é a base de todo ser, mas que, em si mesmo, ele não tem fundo nem fundamento. Logo, Ele é o “nada divino”, do qual toda multiplicidade vem sem que Deus deixe de ser Uno. Ao postular a niilidade divina chega-se à ideia da incompreensibilidade humana do Mistério. O homem não pode conhecer Deus que é hipersubstancial. Isso não significa prescindir do conhecimento humano, senão indica que ao passar pela analogia dos entes e pela necessária superação de toda objetivação, se alcança a Deus através de um conhecimento denominado místico: contemplação e união ao Mistério Divino. O homem não pode ver Deus, o que se pode enxergar é apenas theophania (manifestação de Deus através dos entes). Com isso, Deus como “nada” é um postulado que proporciona uma compreensão do mundo como expressão simbólica de uma realidade transcendental, representação visível de uma presença indizível. Tudo o que nós dissemos induz-nos a crer que o Pseudo-Dionísio rejeita qualquer intento que ouse compreender Deus objetivamente, o que não significa que Ele permaneça desconhecido ao ser humano. Apesar de afirmar que: “o Uno, o Incognoscível, o Supraessencial [...], quero dizer, a Unitrindade, as três pessoas igualmente divinas e boas, não se pode atingi-las nem em palavras nem em pensamentos”, Dionísio (2004a, p.16) crê que o místico pode saber sobre Deus. Por conseguinte, Cícero C. Bezerra (2009, p.133), entende que o Segredo Supraessencial se revela nas múltiplas teofanias, sem contar, principalmente, a revelação por excelência através da encarnação do Verbo do Pai, o Filho, a Segunda Pessoa da Trindade. Segundo o pseudo-areopagita, para se alcançar Aquele que está além de toda objetividade, se deve renunciar a toda atividade intelectual até se unir à Luz mais que divina. É através da alma que os místicos, à imitação dos anjos, após serem purificados, iluminados e aperfeiçoados, se deificam à medida que pela renúncia (aphaíresis) se unem ao Mistério divino:         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 438 ISSN 1983-2478 A  NIILIDADE  E  O  ANONIMATO  DE  DEUS:  PSEUDO-­‐DIONÍSIO       [...] renunciando a todos os seres, elas [almas dos místicos] recebem a iluminação verdadeira e sublime de sua união bem-aventurada com esta própria Luz, e elas a celebram como Causa de todo ser, embora ela própria não seja um ser, porque transcende supra-essencialmente toda criatura. (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004a, p.16). Assim, só se pode afirmar a realidade divina como além de toda objetivação. Consequentemente, a inobjetividade divina é o elemento conclusivo do conhecimento místico de contemplação do Mistério que está exposto no pensamento místico dionisiano com a representação de Deus como “Aquele que é invisível aos olhos”. Na Teologia mística, o Pseudo-Dionísio celebrará essa invisibilidade apresentando que Deus habita a treva ao mesmo tempo em que é luz inacessível. Por fim, dizer que Deus é o nada significa que a Deidade é o “fundamento sem fundo”; é a invisibilidade que permanece na treva mais escura. 3.2 A OBSCURIDADE DA LUZ DIVINA O caminho místico proposto pelo Pseudo-Dionísio indica um “não ver”, que significa um abandonar o sentido de enxergar a realidade a fim de adquirir uma “visão mística”. Este olhar místico indica a morte de toda objetivação que viabiliza alcançar o Mistério que se apresenta na “Treva”. Com o objetivo de compreendermos este “não ver” místico recorreremos a dois personagens bíblicos citados pelo Pseudo-Dionísio no Corpus. Moisés é o primeiro personagem citado no texto do pseudo-areopagita que iremos refletir. Em conformidade com o livro do Êxodo, este paradigma de místico recebe em primeiro lugar a ordem de purificar-se, depois de se separar dos impuros e, após ouvir as trombetas de múltiplos sons e ver numerosos fogos com a elite dos sacerdotes, chega ao cume das ascensões. O pseudo-areopagita descreve este trecho escriturístico reconhecendo o percurso de Moisés como necessário para o conhecimento místico. Todavia, deixa claro que alcançar a culminância das ascensões não é o último grau da mística, pois aí não se contempla Deus que é invisível e permanece além de toda objetivação. Portanto, afirma o areopagita, ultrapassando o mundo em que se é visto e onde se vê: “Moisés penetra na Treva verdadeiramente mística do não-cognoscível; é aí que faz calar todo saber positivo, que escapa inteiramente a toda compreensão e a toda visão” (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004b, p.132). Outra figura bíblica que possibilita uma ilustração do olhar místico é Paulo de Tarso, que no caminho de Damasco teve uma experiência de Deus através de uma luz cegante. O escrito de Atos dos Apóstolos, capítulo 9, diz que Saulo (nome         INTERAÇÕES – CULTURA E COMUNIDADE, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.9 N.16, P. 431-452, JUL./DEZ.2014 439 ISSN 1983-2478

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Este artigo apresenta o apofatismo do Pseudo-Dionísio, o areopagita, como um .. Por fim, dizer que Deus é o nada significa que a Deidade é o.
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