Colecção Autores Gregos e Latinos Série Textos Plutarco Obras Morais Diálogo sobre o Amor Relatos de Amor Tradução do grego, introdução e notas Carlos A. Martins de Jesus Plutarco Obras Morais Diálogo sobre o Amor Relatos de Amor Tradução do grego, introdução e notas de Carlos A. Martins de Jesus Universidade de Coimbra Todos os volumes desta série são sujeitos a arbitragem científica independente. Autor: Plutarco Título: Diálogo sobre o Amor, Relatos de Amor Tradução do grego, introdução e notas: Carlos A. Martins de Jesus Editor: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Edição: 1ª/2009 Coordenador Científico do Plano de Edição: Maria do Céu Fialho Conselho Editorial: Maria de Fátima Silva, Francisco de Oliveira, Nair Castro Soares Director técnico da colecção / Investigador responsável pelo projecto Plutarco e os fundamentos da identidade euroPeia: Delfim F. Leão Concepção gráfica e paginação: Rodolfo Lopes Obra realizada no âmbito das actividades da UI&D Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Universidade de Coimbra Faculdade de Letras Tel.: 239 859 981 | Fax: 239 836 733 3000‑447 Coimbra ISBN: 978‑989‑8281‑13‑5 Depósito Legal: 296299/09 Obra Publicada com o Apoio de: © Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis © Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra Reservados todos os direitos. Nos termos legais fica expressamente proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio, em papel ou em edição electrónica, sem autorização expressa dos titulares dos direitos. É desde já excepcionada a utilização em circuitos académicos fechados para apoio a leccionação ou extensão cultural por via de e‑learning. Volume integrado no projecto Plutarco e os fundamentos da identidade europeia e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Índice Introdução Diálogo sobre o Amor 7 relAtos De Amor 18 Sobre a nossa tradução 26 Edições seguidas para a citação de fragmentos 29 Bibliografia 31 Diálogo sobre o Amor 41 relAtos De Amor 131 introDução introdução diálogo sobre o amor Não estaremos longe da verdade se começarmos por afirmar que, do vasto conjunto dos tratados que integram os Moralia, o Diálogo sobre o Amor – essa a versão portuguesa que considerámos preferível para o grego Erotikos [Logos] – se afigura como um dos mais ricos e representativos do pensamento e da técnica literária de Plutarco. No que à sua datação diz respeito, contamos com um dado interno inestimável, na medida em que ele nos fornece um terminus post quem relativamente seguro. Com efeito, a referência à extinção da dinastia Flávia (771C) como um evento recente, o que sabemos ter ocorrido em 96 d.C., não permite que a data de composição recue além desse ano, pelo que autores como R. Flacelière (1980: 7‑11) consideraram que o diálogo deva datar de uma ou duas décadas depois desse marco. Com efeito, pensa‑se que a vida de Plutarco se 6 7 Carlos A. Martins de Jesus terá prolongado até cerca de 127 d.C., e será algures neste lapso de tempo, entre 96 e 127 – período de uma maturidade literária e filosófica notável – que há que situar o texto. R. Flacelière (1980: 9‑10), consciente do terreno movediço em que assenta a sua teoria, considera que o diálogo data mesmo dos últimos anos de vida de Plutarco, baseando‑se, para tal afirmação, nas inúmeras proximidades – formais e morais – com o diálogo Sobre os Oráculos da Pítia (394D‑409D). E assim avança com o lapso temporal de 115‑125 d.C., que, sem certezas absolutas, tem parecido bastante aceitável a grande parte dos estudiosos. Mesmo para um diálogo como este houve quem duvidasse da sua autenticidade. Com efeito, Hirzel1 assegurava que a obra não poderia ser atribuída a Plutarco, sustentando esta afirmação no facto de o Eros apresentado não ter o carácter de um génio (daimon), à maneira de Platão. Como se Plutarco não pudesse, autonomamente e de pleno direito, sustentar uma postura não totalmente coincidente com a filosofia platónica. A este respeito, R. Flacelière (1980: 31‑32) duvida que tenha sido essa a única razão que levou Hirzel a desconfiar da autenticidade, conjecturando que, veladamente, esse autor concordaria com a tese de E. Graf2, para quem o diálogo teria sido escrito pelo próprio Autobulo, filho de Plutarco. Baseava‑se este autor na atribuição do papel de narrador e no anacronismo que constituiria, a aceitar‑se a autoria do polígrafo, a alusão à extinção da 1 Der Dialog II. Stuttgart, 1963: 233‑253. 2 Comment. Philol. Für O. Ribbeck, 1888: 68 sqq. 8 9 introDução dinastia dos Flávios quando este teria acabado de casar – com cerca de trinta anos, portanto –, algo que sabemos ter acontecido apenas em 96 d.C. Menos radical foi C. Hubert que, cerca de trinta e cinco anos antes de assumir a responsabilidade pela edição teubneriana do Erotikos, considerou, na sua tese de doutoramento,3 que Plutarco não teria terminado de escrever a obra, fosse por ter morrido, fosse por qualquer outra razão. Ora, não parece qualquer destes argumentos4 ter convencido os principais estudiosos, que insistem, repetidamente, em considerar o Diálogo sobre o Amor um dos expoentes máximos da prosa de Plutarco. Em termos genológicos, o Diálogo surge numa linha antiga de diálogos filosóficos dedicados ao tema do amor, eixo que contempla obras como o Lísis, o Banquete e o Fedro de Platão, mas também o Banquete de Xenofonte. Pode ainda incluir‑se no grupo de vários discursos sobre o amor, como o de Lísias, que integra o Fedro platónico (230e‑234c), o Discurso sobre o Amor do corpus de Demóstenes (61), entre outros. E o próprio Plutarco terá escrito um tratado com o título Sobre o Amor, de que conservamos diversos fragmentos5. Para a 3 De Plutarchi Amatorio (Berlin, 1903). 4 Também K. Cichorius (“Historisches zum plutarchischen Amatorius”, Römische Studien 1922: 406‑411) negou a atribuição a Plutarco, baseando‑se no que julgava permitir‑lhe situar o diálogo em 116‑117 d.C. e na convicção – improvável – de, nesses anos, Plutarco estar já morto. Vide R. Flacelière 1980: 8 e n. 3. 5 Frgs. 134‑138 Sandbach. Para a citação dos fragmentos de Plutarco seguimos a edição da Loeb Classical Library, de F. H. Sandbach (ed.), Plutarch’s Moralia XV [Fragments] (Cambridge, Massachusetts 1987). Sobre este tratado em específico vd. F. Frazier 2003 e A. G. Nikolaidis 2007. 8 9 Carlos A. Martins de Jesus contagem teria ainda que entrar uma série de tratados, perdidos, dos quais temos no entanto conhecimento6. O tema – que a um leitor menos precavido pode não parecer óbvio, sobretudo se optarmos por traduzir directamente o título por Erótico – versa sobretudo sobre o amor conjugal (heterossexual, portanto), em oposição ao amor pederástico, este último no seguimento de uma longa tradição literária, poética e filosófica. Tratando destes assuntos um pouco por toda a sua obra7, é sobretudo nos Preceitos Matrimoniais e na Consolação à Esposa – escrita por ocasião da morte de uma filha sua – que o tema é mais directamente abordado. Mas podemos ainda referir o breve livro dos Relatos de Amor, que incluímos neste volume, e esse outro intitulado Da Coragem das Mulheres, no fundo um conjunto de lendas locais que pretendem demonstrar a concretização prática da posição do filósofo e do moralista perante o amor. Quanto à técnica narrativa, apresenta‑se numa estrutura coerente e bem organizada8, já que os assuntos vão sendo discutidos, gradualmente, à medida que um interveniente ou mesmo um acontecimento externo os 6 Para levar em conta apenas Diógenes Laércio, na qualidade de autores de tratados subordinados ao tema do amor, menciona ele nomes como os de Euclides de Mégara (2. 108), Antístenes (6. 6, 18), Teofrasto (5. 43), Heraclides Pôntico (5. 87), Crisipo (7. 130) ou Epicuro (10. 27). 7 É vastíssima a bibliografia respeitante ao tema em Plutarco. Em língua portuguesa, destacamos os estudos de M. H. T. C. Ureña Prieto 1995 e P. Barata Dias 2007. 8 É interessante a interpretação de R. J. Callé Cejudo 2007, que dispõe o diálogo por níveis narrativos. 10 11 introDução convoca. Autobulo, filho de Plutarco, é o narrador de todo o diálogo. Até porque, em rigor, apenas no início presenciamos um verdadeiro diálogo, a introduzir o livro. Daí em diante (749B sqq.), é recuperado por esse narrador omnisciente um outro diálogo, cujo tempo se situa num passado algo distante, quando Plutarco tinha acabado de casar (749B). A esta mesma técnica, que poderíamos denominar de metadialógica (porquanto um diálogo é narrado no contexto de um outro), recorre Plutarco em Sobre os Oráculos da Pítia e Sobre o Génio de Sócrates, assim recuperando uma forma narrativa já cara a Platão9. Interessante é a divisão de Diógenes Laércio entre diálogo dramático (ou mimético), narrativo e misto. O caso do Diálogo sobre o Amor incluir‑se‑ia, naturalmente, na terceira categoria, apesar de nele ser forte a carga de dramatismo, stricto sensu10. De resto, o próprio narrador confessa, logo de início, que “a causa que deu origem a estes discursos, pelo seu carácter patético (pathos), reclama apenas um coro (choros) para interagir e uma cena (skene), já que não lhe falta nenhum outro elemento dramático (drama)” (749A). Além disso, poder‑se‑ia entender que a apresentação do argumento e das personagens em causa – o casamento de Bácon e Ismenodora – seria semelhante ao prólogo desta peça, que tem inclusivamente coreutas (753C) – os intervenientes no diálogo –, desde cedo divididos em dois semicoros – os que apoiam e os que 9 É o caso de Protágoras, Banquete, Fédon e Teeteto, entre outros. 10 A este respeito, vide A. Barigazzi 1988a e G. Pasqual 1997. Para uma análise esquemática da estrutura dramática deste diálogo, vide ainda M. Valverde Sánchez et alii 2003: 16‑21. 10 11 Carlos A. Martins de Jesus condenam essa união –, guiados todos eles por uma espécie de corifeu, o próprio Plutarco. Não faltam os agones, as discussões retoricamente marcadas de opiniões concretas, onde cada um responde ao argumento do outro começando por o desconstruir, e mesmo a intervenção de mensageiros – três, no caso específico –, que vêm trazer para a “cena” as novidades do exterior que a condicionam. Papel importante no estilo narrativo do Diálogo sobre o Amor desempenham ainda os exempla que vão sendo recolhidos, casos práticos como os de Cama ou Empona que pretendem demonstrar como é o verdadeiro amor que está em causa numa união conjugal, assente numa fidelidade inquebrantável que prefere a morte à traição do ser amado, mesmo depois da morte deste11. Depois de um primeiro capítulo efectivamente dialogado, que poderíamos considerar o primeiro nível diegético, o capítulo 2 começa por explicar qual o pretexto da discussão sobre o amor que iremos escutar. Plutarco e a esposa tinham chegado ao Hélicon para fazer sacrifícios a Eros, na altura em que um acontecimento espantoso dominava as conversas na cidade – a vontade de Ismenodora, mulher madura e já viúva, em desposar Bácon, ainda um rapaz. Junto de Plutarco chegam dois habitantes locais, Antémion e Písias, representantes de duas opiniões distintas sobre o mesmo assunto e, no fundo, os defensores de cada um dos partidos em 11 Relembre‑se que reside na apresentação de exemplos de amor conjugal e não pederástico uma das razões pelas quais Plutarco prefere Menandro aos autores da comédia antiga (cf. Moralia 712C). 12 13
Description: