Esse livro tem uma história bonita de partilha de conhecimento e troca de experiências, além de ser resultado de dois anos de reflexão num componente curricular do Mestrado em Educação da Unochapecó que é compartilhado com quem quiser participar, que se chama Paulo Freire: legado e reinvenção.
Esse componente curricular é resultado da Cátedra Paulo Freire que temos aqui na universidade desde 2016 – quando aprovamos em Santiago do Chile junto ao Fórum Internacional Paulo Freire – que existe em todos os continentes, a possibilidade dessa experiência freiriana com maior intensidade aqui no interior de Santa Catarina.
Essa disciplina de modo particular, desde o primeiro ano vem sendo gestada por mim e cada ano tem um enfoque diferente: em 2017 dialogamos sobre a obra Educação como prática da liberdade; em 2018 trabalhamos a Pedagogia do Oprimido; em 2019 falamos sobre a Didática Freiriana e em 2020 nos preparamos para o Centenário de Paulo Freire tratando do processo de reinvenção de sua práxis.
Assim, em 2019, motivei os mestrandos e mestrandas, a escrever cartas pedagógicas para Paulo Freire, num processo de redimensionar as sínteses ao final do processo, produzindo um diálogo profundo com o legado freiriano a partir da Didática Freiriana, onde por dez encontros olhamos para cada uma das “pedagogias da didática freiriana”, percebendo como elas vão se constituindo como uma reinvenção do Método Paulo Freire.
Em 2020, em plena pandemia, as aulas começaram online, tivemos encontros presenciais e depois retornamos para aulas online, mas isso não diminuiu o comprometimento da turma com o estudo da pedagogia freiriana. Nesse ano tivemos a presença de estudantes do Programa de Pós-graduação em Educação (mestrado) e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (mestrado e doutorado). Ao final, instiguei aos mestrandos/as e doutorandas a escrever uma carta pedagógica para Paulo Freire a partir da seguinte pergunta: como vou reinventar Paulo Freire na minha dissertação/tese? O resultado vocês podem conferir no livro.
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Esse movimento de escrita de cartas já é em si um processo de reinvenção, visto que na Academia espera-se que se escrevam artigos científicos, papers, resumos expandidos... Mas o rigor científico muitas vezes dá lugar ao cansaço acadêmico de tantos pedidos de artigos ao final das disciplinas. As cartas revigoram o interesse dos estudantes pela produção de outro tipo de conhecimento, fazem ali o exercício de outras formas de escrita, dialogam com a sua realidade, estabelecem relações dos textos estudados com o tema da dissertação e da tese com o pensamento e a práxis freirianas, se desafiam a dialogar com Freire de forma direta, sem atravessadores, enfim, produzem uma carta pedagógica que ensina-e-aprende no quefazer acadêmico.
Acredito que é possível pensar em formas sérias e com rigor científico de produzir conhecimento na pós-graduação que não passam pelas formas tradicionais, não porque nego o artigo como produto de uma metodologia consolidada historicamente de fazer ciência, mas penso que não é só o artigo que tem em si tudo o que se produz na pós-graduação. Falo da importância de registrar a práxis dos estudantes, seus sentimentos e emoções no processo de tessitura da dissertação e da tese, da relação dialógica e amorosa na orientação, no sofrimento e dor de não ter tempo disponível para a pesquisa – seja pela falta de liberação da escola ou impossibilidade de largar o trabalho pelo salário para o sustento da família – bem como das alegrias de cumprir a missão, realizar o sonho, deixar um legado.
Não são todas as pessoas que se deliciam lendo artigos, tem gente que prefere ler uma carta que – se bem escrita – instiga a responder, a dialogar, a compartilhar... E isso, dá mais resultado e transforma mais os lugares de vivência, as escolas, as unidades de saúde, as universidades que os artigos científicos escritos e publicados em inglês. Por mais duro que posso ser, afirmo: o artigo já não está mais sozinho no lugar central da produção do conhecimento na pós-graduação, outras formas de conhecimento aparecem todos os dias com a nova geração de pesquisadores e pesquisadoras que vêm ocupando esse espaço acadêmico. Isso é parte do processo permanente de reinvenção de que trata essa obra coletivamente amorosa, vivemos tempos de reinvenção do legado de Freire, da Academia, de nós mesmos!
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Último recado para você que lê esse livro: Ele é um livro-educador. Você vai perceber que no final de cada parte do livro há um espaço para preencher que chamamos de síntese do texto. Registre ali numa palavra o resumo do que você leu, depois amplie para uma ideia-força com uma frase e, finalize com um parágrafo o que você vai fazer com esses novos conhecimentos, que atitudes novas eles mobilizam na tua prática pedagógica. Depois você tem um espaço para uma imagem pedagógica que é para quem quer se expressar para além das palavras. Use a tua criatividade. Boa leitura!