PAULO ALEXANDRE CAVALCANTI GONTIJO O G20 FINANCEIRO E A GOVERNANÇA GLOBAL: EXPECTATIVAS RELACIONADAS A SEU PAPEL NO PÓS CRISE DE 2008 Artigo apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Universidade de Brasília Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Lessa Brasília, 2012 RESUMO: O Sistema Financeiro Internacional apresenta, desde o fim da II Guerra Mundial e mais intensamente a partir da década de 1970, distorções sucessivas (a grande financeirização da economia, ganhos vultosos sem produção associada e consumismo maior que a capacidade do sistema possui de absorver) que culminaram na crise sistêmica de 2007/2008. A pouca de regulação financeira é apontada como um dos fatores que contribuiu para este quadro, fazendo-se necessário um órgão que proponha uma rerregulação financeira para mitigar riscos futuros. Uma instituição em pauta para este papel de Governança Financeira Global é o G20, grupo das 20 maiores economias mundiais, que viria a substituir o G8, que fora o grupo destinado para estas questões anteriormente. A vantagem do novo grupo está no fato de que existem países em desenvolvimento em sua composição, tornando suas decisões mais legítimas e homogêneas. No presente trabalho pretende-se fazer uma análise de conjuntura principalmente a partir do período da crise de 2008, ponto de inflexão para diversas mudanças no Sistema Financeiro, como suas influências e o possível novo papel de Governança Global do G20. Para tanto será definido governança global e legitimidade, para traçarmos uma breve introdução a respeito dos motivos da crise e seus efeitos e, por fim, como o G20 se estrutura atualmente e quais são as expectativas acerca de seu futuro, tanto positivas quanto negativas. PALAVRAS-CHAVE: Grupo dos 20, Sistema Financeiro Internacional, Governança Global, Crise de 2007/2008. ABSTRACT: The International Financial System has presented, since the end of the World War II and mostly after the 1970s, successive distortions (vast financialization of the economy, vast gains without associated production and a greater consumerism than the capacity the system has to absorb) culminating in the 2007/2008 systemic crisis. The lack of financial regulation is seen as one of the contributing factors for this picture, making it necessary for an organism to propose financial re-regulation, mitigating future risks. An institution under consideration for this role of Global Financial Governance is the G20, the group of 20 major economies, which would replace the G8, group that had been aimed for these issues before. The advantage in this new group lies on the fact that it contains developing countries as well, making its decisions more legitimate and homogenous. In this paper it is intended a conjuncture analysis mainly from the period of the 2008 crisis, turning point for several changes in the financial system, also its influences and the possible new role of Global Governance of the G20. To do so it will be defined global governance and legitimacy, for then to draw a brief introduction to the causes of the crisis and its effects and, finally, how the G20 is structured today and what are the expectations about its future, both positive and negative. KEYWORDS: The Group of 20, International Financial System, Global Governance, 2007/2008 Crisis. SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................... 5 1 – Conceituando governança global ....................................................................... 8 1.1) Pressupostos da governança global .......................................................... 9 1.2) Legitimidade em governança global ...................................................... 11 2 – O papel da crise mundial de 2007/2008 ........................................................... 14 2.1) Antecedentes da crise .............................................................................. 14 2.2) Efeitos da crise ......................................................................................... 16 3 – O G20 no novo contexto mundial .................................................................... 20 3.1) O G20 ........................................................................................................ 20 3.2) Expectativas relacionadas ao futuro do grupo ..................................... 22 Conclusão ................................................................................................................. 26 Bibliografia ............................................................................................................... 28 INTRODUÇÃO No curso dos seus treze anos de existência, o papel do G20 no mundo tem cambiado frequentemente. Levando isso em consideração, os últimos quatro anos têm sido especificamente animadores do ponto de vista analítico, pois uma série de questões relativas à atuação mundial do G20 foram colocadas em ordem de análise no mundo acadêmico. A quantidade de estudos acerca do G20 multiplicou-se a partir de 2008, ano em que a crise mundial de 2007/2008 teve seu ápice. No presente começa a se evidenciar que ela ainda não está terminada, pois ainda em 2012 podemos sentir seus fortes efeitos, demonstrando que esta não é uma crise setorial qualquer, mas sim uma crise sistêmica mundial. O G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, engloba 19 países e representa também a União Europeia. Criado em um contexto de crise asiática no final dos anos 1990, naquele momento possuía poucos meios de produzir mudanças reais no mundo, por se tratar apenas de um fórum ministerial para serem discutidos assuntos financeiros de ordem mundial. No pós-crise de 2008, porém, ele tem ganhado cada vez mais força e novos papeis, devido ao caos econômico que se instalou no mundo e que parece estar perdurando mais do que previsto. A forma como o sistema financeiro mundial trabalha, desde o fim da Segunda Guerra Mundial e mais intensamente a partir da década de 1970, criou distorções sucessivas que fizeram com que a economia global eventualmente entrasse em colapso. A crise imobiliária americana, que posteriormente causou a quebra da Lehman Brothers Holding Inc., não foi, isoladamente, a causa desta crise de caráter mundial. Este ponto representou apenas a gota d’água de um sistema que, segundo alguns, estava fadado à crise. O equilíbrio do sistema financeiro estava tão frágil que um fato isolado desencadeou toda uma série de reações em cadeia, como os átomos de uma bomba atômica, iniciada apenas como a explosão de uma pequena carga de T.N.T., mas que acaba por desencadear uma explosão capaz de imensa destruição. Para fazer contrapartida a essa desregulação financeira e falta de parâmetros, é necessário uma instituição legítima de governança financeira global que cobre que 5 os países regulamentem seus sistemas financeiros e que, por sua vez, regule o sistema financeiro mundial de forma ampla. A discussão parte, neste momento, para vias que debatem o conceito de soberania estatal. Como forma de se inserirem no mundo, os países abdicam cada vez mais da visão clássica de soberania e autonomia estatal, aceitando que, no mundo globalizado, a soberania é limitada por agentes externos. Esta limitação é necessária para que exista um ordenamento no mundo, pois a soma das vontades particulares de cada ator não faz com que a ordem mundial flua para o bem de todos. Neste sentido, a grande aposta para uma instituição que supra esta necessidade é o G20, que já conta com a representatividade de boa parcela da economia mundial. Este ponto é especificamente importante quando se trata de legitimidade, pois anteriormente o grupo encarregado desta área era o G8 (G7 + Rússia), muito menos abrangente e que claramente não funcionou como órgão de decisões financeiras. Vale ressaltar que esta mudança é especialmente importante para os países em desenvolvimento, pois pela primeira vez seus interesses serão representados e poderão fazer parte de decisões tomadas a nível global. Países em desenvolvimento da América Latina, Ásia e África estão representados no fórum. O Brasil é um dos países que fez, e continua fazendo, pressão para que mudanças de governança global ocorram em várias áreas, incluindo as reformas de representatividade nas instituições clássicas de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial). Por fim, resta ao tempo dizer se este novo papel que está sendo gradativamente atribuído ao G20 irá se consolidar no futuro ou se apenas faz parte do furor passageiro gerado pela insegurança econômica mundial. Como veremos a seguir, existem opiniões a favor e contra o estabelecimento do grupo neste papel. Também é importante perceber que os atores financeiros (basicamente as instituições privadas) possuem interesses próprios e não necessariamente se importam com a saúde financeira global, contanto que suas empresas estejam bem, portanto é difícil conseguir apoio destas instituições para uma regulação efetiva em momentos fora da crise. 6 Este artigo foi dividido em três seções. A primeira explorará o conceito de governança global e legitimidade, pois são chaves de compreensão na elaboração deste tema e poucas vezes são definidos. A segunda seção tratará do detalhamento da crise de 2007/2008, desde seus antecedentes até seus efeitos presentes. A crise foi essencial para que as discussões acerca de mudanças mundiais, por conseguinte, do G20, acontecessem. Por fim, a terceira seção debaterá o próprio G20, sua constituição atual e possíveis cenários futuros, pessimistas e otimistas, a respeito do grupo. 7 1 – CONCEITUANDO GOVERNANÇA GLOBAL De acordo com Biersteker, o termo governança global é utilizado na literatura acadêmica com muito mais frequência do que seu conceito é definido. Isso representa um problema, pois esse termo pode abrir brechas a várias interpretações a depender do foco do texto em que está inserido. “[The global governance concept] is permissive in the sense that it gives one license to speak or write about many different things, from any pattern of order or deviation from anarchy (which also has multiple meanings) to normative preferences about how the world should be organized.” (Biersteker, 2009). Dessa forma, o que o autor argumenta é que deve ser dada uma atenção especial a esse conceito para que não haja mal-entendidos e a discussão não se construa de uma forma etérea e sem fundamentos, transformando-se em uma discussão de opinião mais do que uma discussão de moldes acadêmicos. David Kennedy, por sua vez, trata o termo em sua palestra intitulada “The Mistery of Global Governance” como algo a respeito do que sabemos muito pouco, um mistério, pois muito do que acontece na sociedade global foge ao nosso alcance, tudo parece acontecer em um local muito distante, com o qual não possuímos contato suficiente. Além da conceituação do termo em si, se faz necessário, também, elucidar os requisitos que uma instituição deve possuir para ser considerada uma Global Governance Institution serão elucidados. A definição de governança global é conceituada mais como parte de um processo do que como uma verdade imutável, como nos mostra Buchanan e Keohane. A governança global é algo que “está” mais do que algo que “é”. Nye (apud Sarfati, 2005) acredita que o papel do Estado ainda é central nas relações internacionais, porém outras instituições vêm assumindo cada vez mais papeis na governança global. Observando as mudanças que ocorreram na forma em que o G20 se estrutura, em suas propostas e na regularidade com que o encontro 8 acontece, fica claro que a intenção é a de que o G20 se torne uma instituição de governança global, apesar de ter iniciado suas atividades de uma forma mais flexível. Em se tratando do conceito clássico de governança, Matias-Pereira (2008) a descreve meramente como sendo a capacidade de um governo de implementar suas próprias políticas. Foi desse conceito simplificado que o conceito governança global se derivou, apesar de ser insuficiente para balizar os estudos na área de relações internacionais. Sarfati (2005, p. 322) argumenta, citando Rosenau, que é de fato possível “governança sem um governo, ou seja, significa admitir que existe uma ordem sem uma autoridade central capaz de impor decisões em escala global.”. 1.1) Pressupostos da governança global Biersteker (2009) propõe cinco elementos que, segundo ele, são atributos da governança global, para defini-la em termos gerais: Primeiramente ela requer algum tipo de regularidade padronizada em um nível global. Segundo, menciona Rosenau, que afirma que ela deve ser intencional e orientada para a realização de algum objetivo. Terceiro, ela conota um sistema de regras, que podem ser formais ou informais. Quarto, deve existir algum tipo de relação oficial, no sentido em que exista uma relação social entre os governados e alguma autoridade governante (requer aceitação por uma parcela substancial dos atores afetados). Por fim, a palavra governança conota que algum agente conduz ou dirige o processo, também permitindo auto-regulação. A regularidade e padronização vêm desde o ano de 1999, com a realização anual de uma reunião ministerial. Como demonstração de tentativa de fortalecimento após crise de 2008, o G20 foi reorganizado com a adição de mais uma cúpula anual, de forma que também os chefes de estado e de governo passaram a se encontrar ao menos uma vez por ano (com exceção de 2009 e 2010, quando ocorreram duas cúpulas em cada ano). 9 Os objetivos do G20 como instituição são basicamente três: “Coordenação política entre seus membros a fim de alcançar uma estabilidade econômica global e crescimento sustentável; promover regulações financeiras que reduzam riscos e previnam crises financeiras futuras; e criar uma nova arquitetura financeira internacional” (Site oficial, acesso em 12/01/2012, tradução livre). Portanto o G20 possui uma ordem bem estabelecida e busca a consecução de resultados financeiros positivos em um âmbito global, como forma de mitigar possíveis novas ameaças à economia mundial. Com relação ao sistema de regras, Biersteker afirma que “governança global implica decisões que definem expectativas (controlar, direcionar e regular influências)”. Talvez este seja um dos pontos pelo qual o título de instituição de governança global do G20 pode ser controverso. É relativamente polêmica a capacidade que o grupo dos 20 possui de gerar um sistema real de regras vinculantes. Kuntz argumenta que muitos países simplesmente têm ignorado decisões acordadas dentro do grupo, principalmente no que diz respeito à tirada das barreiras comerciais protecionistas (Kuntz, 2009). Nota-se, porém, que a capacidade de gerenciar um sistema de regras com credibilidade é essencial para uma instituição com os moldes que o G20 aspira ser. Esse é um problema que precisa ser enfrentado antes de poder ser afirmado categoricamente que o G20 possui esse papel de governança. A relação oficial necessária para que a instituição possua atributos de governança global está sendo modificada no grupo. Como o grupo surgiu justamente da proposta de se aumentar a representatividade da função antes desempenhada pelo G81, criticado por não representar grupos importantes de países, a relação social entre os representantes e os representados deveria, em teoria, ser maior. Essa questão da representatividade implica em um ponto muito mais amplo e de suma importância para a área da governança, que será explorado a seguir, o da legitimidade. Uma instituição somente será considerada representativa em relação aos envolvidos se, e 1 Antigo G7 + Rússia. Grupo composto por Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, além da União Europeia. Antes da crise de 2007/2008 era o principal fórum financeiro mundial. 10
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