Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Setor de Pós-Graduação Paula Ângela de Figueiredo e Paula O Desejo Do Analista Como o Nome de Um Amor Mais Digno Que a Solidariedade Social DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social sob a orientação do Professor Doutor Raul Albino Pacheco Filho. SÃO PAULO 2011 Agradecimentos Ao Raul pela orientação em vistas de um verdadeiro ensino Ao Célio pela eterna inspiração Ao Alexandre e Pedro pelo amor do qual dão provas BANCA EXAMINADORA __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ ______________________________________________ ______________________________________________ Ainda que eu falasse a língua dos homens... Que eu falasse a língua dos anjos... Sem amor, eu nada seria... É só o amor, é só o amor que conhece o que é a verdade O amor é bom não quer o mal Não sente inveja ou se envaidece O amor é fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer Ainda que eu falasse a língua dos homens Que eu falasse a língua dos anjos Sem amor, eu nada seria... É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder É estar-se preso por vontade É servir a quem vence o vencedor É o tempo quem nos mata lealdade Tão contrário assim é o mesmo amor Estou acordado(a) e todos dormem, todos dormem Agora vejo em parte, mas então veremos face a face É só o amor, é só o amor que conhece o que é verdade Ainda que eu falasse a língua dos homens... Que eu falasse a língua dos anjos... Sem amor eu nada seria... Monte Castelo – Renato Russo RESUMO Para defender a tese de que o desejo do analista é o nome de um amor mais digno que a solidariedade social foi preciso primeiro demonstrar que a solidariedade como categoria ética dos tempos modernos, surgiu justamente como resposta às desigualdades sociais acentuadas com o capitalismo. Consolidamos as bases teóricas de um estudo sobre o amor nos três registros do ensino de Lacan, mostrando os limites da solidariedade como um tipo de amor que não carrega nenhuma virtude em si, pois se funda na segregação do diferente, negando a alteridade do outro. Fizemos a distinção entre o gozo e o amor apresentando o analista como alguém que opera na lógica feminina do “não-todo” como forma de escapar do discurso capitalista. A tese foi escrita com a formalização de um matema que deve servir para mostrar o desejo do analista como o nome de um “novo amor” fora da dimensão de Eros de Philia e de Agape. Esta tese é fruto de meu desejo em fazer da psicanálise um instrumento político para a intervenção em contextos sociais, derrubando a idéia de que a solidariedade beneficente, hoje hegemônica em nossa sociedade, seja o fundamento ético capaz de superar nossas mazelas sociais. Palavras chave: solidariedade, capitalismo neoliberal, amor, desejo do analista. RÉSUMÉ Pour défendre la thèse selon laquelle le désir de l’analyste est le nom d’un amour plus digne que la solidarité sociale, il a d’abord fallu démontrer que la solidarité, en tant que catégorie éthique des temps modernes, a justement surgi afin de répondre aux inégalités sociales accentuées par le capitalisme. Nous renforçons les bases théoriques d’une étude portant sur l’amour dans les trois registres de l’enseignement de Lacan, en montrant les limites de la solidarité comme un type d’amour qui ne renferme aucune vertu en lui-même, puisqu’il repose sur la ségrégation de ce qui est différent et nie l’altérité de l’autre. Nous avons fait une distinction entre la jouissance et l’amour en présentant l’analyste comme quelqu’un qui agit selon la logique féminine du « pas tout » afin d’échapper au discours capitaliste. La thèse selon laquelle le désir de l’analyste est le nom d’un amour plus digne que la solidarité sociale a été écrite sous la forme d’une esquisse. Celle-ci doit servir à montrer le désir de l’analyste comme le nom d’un « nouvel amour ». Ces deux thèses s’unissent dans mon désir de transformer la psychanalyse en un instrument politique permettant d’intervenir au sein des contextes sociaux, tout en déconstruisant l’idée selon laquelle la solidarité bienfaitrice devenue de nos jours hégémonique dans notre société est le fondement éthique capable de surmonter nos maux sociaux. Mots-clés : solidarité, capitalisme néolibéral, amour, désir du analyste. ABSTRACT To defend the thesis that it is more appropriate to name the analyst’s desire a love than social solidarity, it was first necessary to demonstrate that solidarity, as an ethical category of present times, arose specifically as a response to the social inequalities that are accentuated by capitalism. The theoretical basis for this study of love was consolidated on the three approaches in Lacan’s teaching and that the solidarity is limited, being a type of love that has no virtue in itself as it is founded on the segregation of the different, so negating the otherness of the other. A distinction was made between joy and love, showing the analyst to be someone operating within the feminine logic of “not-all” as a means to escape the capitalist discourse. The thesis that analyst’s desire is a more appropriate name of love than social solidarity was described by formulating a matheme. This should be sufficient to show analyst’s desire to be the name of a “new love”. These two theses unite in my own desire to make psychoanalysis a political instrument for intervention in social contexts, overturning the currently hegemonic idea in our society that charitable solidarity should be the fundamental ethic capable of overcoming our social ills. Keywords: solidarity, neoliberal capitalism, love, analyst’s desire. RESUMO AMPLIADO Para defender a tese de que o desejo do analista é o nome de um amor mais digno que a solidariedade social foi preciso dividi-la em duas. Para chegar à primeira delas, que é a de que a solidariedade é um sintoma social do capitalismo, desenvolvemos os dois primeiros capítulos. No primeiro fizemos um sobrevôo pela história desde o início do feudalismo, no século XIII, e as consequências de seu apogeu, no século XIV, até chegar à atualidade, quando os efeitos do neoliberalismo globalizado do capitalismo financeiro sucatearam as políticas sociais do Estado, movimento intensificado a partir de 1960 do século XX. No segundo capítulo, pesquisamos sobre o movimento solidarista capitaneado pelos pensadores católicos Robert Owen, Charles Fourier, Saint-Simon e Phroudon, que, no final do século XIX, buscavam fazer acontecer um equilíbrio entre o individualismo liberal e o coletivismo marxista. A solidariedade é uma categoria ética dos tempos modernos surgida no século XIX, justamente como resposta às desigualdades sociais acentuadas pelo sistema capitalista, visando amenizar mazelas trazidas pela lógica mercantil. A segunda tese, a de que o desejo do analista é o nome de um amor mais digno que a solidariedade social, também precisou de dois capítulos para ser defendida. O quinto capítulo foi desenvolvido para consolidarmos as bases teóricas de um estudo sobre o amor nos três registros do ensino de Lacan, mostrando os limites da solidariedade como um tipo de amor que segrega o diferente e a alteridade. O sexto capítulo visou distinguir o gozo do amor e apresentou as virtudes de um santo lacaniano que inspire o analista a operar na lógica feminina do não-todo como forma de escapar do discurso capitalista. A tese é escrita no sétimo capitulo com a formalização de um matema, que deve servir para mostrar o desejo do analista como o nome de um novo amor. Essas duas teses se unem em meu desejo de fazer da psicanálise um instrumento político para a intervenção em contextos sociais, derrubando a ideia de que a solidariedade beneficente, hoje hegemônica em nossa sociedade, seja o fundamento ético capaz de superar nossas mazelas sociais. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11 1. O CAPITALISMO E A ESTRUTURA DE SEUS DISCURSOS .................................... 22 1.1 Um Pouco “Exagerado” de História. ......................................................................... 23 1.2 Como Começou o Feudalismo? ................................................................................. 26 1.3 O Capitalismo Mercantil ............................................................................................ 31 1.4 O Capitalismo Industrial ............................................................................................ 36 1.5 O Liberalismo e as Revoluções Burguesas ................................................................ 42 1.6 O Liberalismo e o Direito à Representação ............................................................... 49 1.7 Problemas da Representação Política ........................................................................ 51 1.8 Neoliberalismo e o Capitalismo Financeiro ............................................................... 57 1.9 Reflexos Econômicos e Estruturais da Passagem do Capitalismo Industrial ao Capitalismo Financeiro ......................................................................................................... 66 1.10 Como Ficam as Políticas Sociais? .......................................................................... 73 2. BASES ANTROPOLÓGICAS DA SOLIDARIEDADE ................................................. 81 2.1 Os Socialistas Utópicos ............................................................................................. 88 2.2 A Doutrina Social da Igreja ....................................................................................... 91 2.3 A Solidariedade da Classe Trabalhadora ................................................................... 95 2.4 As Novas Formas de Solidariedade no Mundo Contemporâneo ............................. 107 3. A SOLIDARIEDADE COMO SINTHOMA DO CAPITALISMO FINANCEIRO NEOLIBERAL ....................................................................................................................... 114 3.1 A Virada do Sintoma no Ensino Lacaniano ............................................................. 119 3.2 Qual o Discurso Dominante No Capitalismo Financeiro? ....................................... 124 3.3 Do Sintoma ao Sinthoma ......................................................................................... 132 3.4 A Ontologia Psicanalítica Da Solidariedade ............................................................ 137 4. SOBRE O AMOR E SUAS DIMENSÕES NA FILOSOFIA E NA PSICANÁLISE ... 146 4.1 Para Começar: Eros e Platão .................................................................................... 146 4.2 A Vertente Imaginária do Amor Erótico ................................................................. 148 4.3 A Philia e a Polis ..................................................................................................... 149 4.4 A Vertente Simbólica de Philia ............................................................................... 152 4.5 O Ágape e o Amor Imotivado de Deus .................................................................... 154 4.6 A Vertente Real do Amor no Seminário da Ética .................................................... 157 4.7 A Vertente Real do Amor no Seminário Sobre “A Transferência” ......................... 172 4.8 A Tragédia Claudeliana, o Desejo e a Lei ............................................................... 178 5. O QUE O GOZO TEM A VER COM O AMOR? .......................................................... 190 5.1 Um Santo Lacaniano ................................................................................................ 196 5.2 As Vertentes do Real em sua Conjugação com os Tipos de Gozo .......................... 200 5.3 A Mulher, O Sinthoma e o Amor ............................................................................ 203 6. O DESEJO DO ANALISTA COMO O NOME DE UM AMOR MAIS DIGNO ......... 216 6.1 O Amor na Posição de Agente no Discurso do Analista ......................................... 223 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 229 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 243
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