Dominique Lapierre e Larry Collins Paris já está ardendo? (25 de agosto de 1944) A Libertação de Paris Círculo de Leitores Título do original: Paris brule-t’-il? Tradução de: HENRIQUE FORJAZ Edição integral Licença editorial para o Círculo de Leitores Por cortesia de Livraria Bertrand Primeira Parte A AMEAÇA Prólogo No dia 23 de agosto de 1944, às 11 da manhã, os teletipos do Grande Quartel-General de Hitler transmitem a ordem abaixo, ultrassecreta e urgentíssima. São seus destinatários: o comandante-em-chefe do Oeste, o chefe do Grupo de Exércitos B, o 1° Exército, o 5º Exército Blindado e o 15º Exército. Esta ordem repete o que Hitler acabava de dizer a seus generais no bunker de Rastenburg. No espírito do Führer ela decidirá, de uma vez para sempre, o destino de Paris. Geh. Kommandosache Chefsache Nur durch Offizier KR Blitz KR Blitz O.B. West 1ª Okdo d. H. Gr. B. 1ª A.O.K. 1 Pz. A.O.K. 5 A.O.K. 15 A defesa da cabeça de ponte de PARIS é de importância vital no plano militar e político. A perda da cidade provocaria a ruptura de toda a frente do litoral ao norte do Sena e nos privaria das bases de lançamento para o combate remoto contra a Inglaterra. Na história, a perda de Paris arrasta, até hoje, a perda de toda a França. O Führer reitera portanto sua ordem: Paris tem que ser defendida na posição-chave que antecede a cidade. Ele manda que sejam chamados para esse efeito os reforços destinados ao comandante-em-chefe do Oeste. Na cidade, é necessário intervir com os meios mais enérgicos quando surgirem os primeiros sintomas de rebelião, destruindo quarteirões, procedendo à execução pública dos líderes, fazendo evacuar os bairros ameaçados. É desta forma que melhor se conseguirá impedir o alastramento dos movimentos rebeldes. A destruição das pontes sobre o Sena será preparada. Paris não pode cair nas mãos do inimigo, ou então o inimigo não deve encontrar mais do que um campo de ruínas. OKW/W.F.St./Op. (H) Nr. 772989/44 23.8.44 11.00 Uhr Capítulo 1 Nunca estava atrasado. Todas as tardes, quando ele chegava transportando a sua velha Mauser, o binóculo no estojo usado e a sua marmita, os habitantes de May-en-Multien diziam: ”6 horas! Lá vem o alemão.” E invariavelmente, enquanto ele atravessava o largo da vila, os primeiros toques das ave-marias ressoavam no campanário da pequena igreja do século XII, consagrada a Nossa Senhora da Assunção, debruçada do pequeno monte que dominava o Ourcq. Como todas as tardes, o alemão ia para a igreja. Era um sargento da Luftwaffe, de cabelos já grisalhos nas fontes. Descobriu-se antes de entrar e, de boina na mão, subiu lentamente os degraus da escada de caracol que levava ao campanário. Lá em cima havia uma mesa, um calorífero a petróleo e uma cadeira cujo assento de palha podia ser retirado e que servia de genuflexório. Sobre a mesa estava um mapa de estado-maior, um calendário do correio francês e um telefone de campanha. O campanário da igreja de Nossa Senhora da Assunção era um observatório da Luftwaffe. Dali, o alemão podia vigiar toda a região com a ajuda do binóculo. Desde as agulhas da catedral de Meaux, ao sul, até as muralhas medievais do castelo de La Ferté-Milon, a 17 quilômetros para o norte, o seu olhar podia abarcar uma vasta área do Marne, a grande povoação de Lizy, com as suas casas caiadas de branco, e as encostas verdejantes do vale do Ourcq bordejado de choupos. Dentro de poucas horas, a noite cairia sobre esta paisagem repleta de doçura. Escutando o céu, perscrutando as trevas que o rodeariam, o Feldwebel do campanário de May-en-Multien daria então início a mais uma noite de vigília, a quinquagésima oitava desde a invasão. Depois, às primeiras horas da manhã, pegaria no seu telefone de campanha e faria o seu relatório ao quartel-general regional da Luftwaffe, em Soissons. Desde a última lua cheia, doze dias antes, os relatórios do Feldwebel haviam sido sempre os mesmos: ”Nada a assinalar no meu setor.” Os alemães sabiam que os Aliados esperavam sempre pela lua cheia para seus lançamentos em paraquedas sobre a Resistência francesa. Na mesa do campanário, o calendário indicava que não haveria lua cheia antes de dezesseis noites, antes de 18 de agosto. noites, antes de 18 de agosto. O alemão estava certo de que, no minúsculo setor da França ocupada que naquela noite ele guardava nada se passaria. Nessa noite de 2 de agosto de 1944 ele poderia portanto dormir sem receio sentado no genuflexório das paroquianas de May-en-Multien. Mas estava enganado. Durante seu sono, a menos de três quilômetros em linha reta do campanário, dois homens e uma mulher da Resistência balizavam uma área destinada aos lançamentos de paraquedas no campo de trigo do fazendeiro Rousseau. Pouco passava das onze horas quando ouviram o ruído que aguardavam, o ronronar surdo de um bombardeiro Lancaster que sobrevoava a baixa altitude o Val d'Ourcq. Então acenderam as lanternas. Lá em cima, depois de ter conseguido descobrir o minúsculo triângulo luminoso que buscava no meio das trevas, o piloto do bombardeiro premiu um botão e, no interior da carlinga, uma luz vermelha passou a verde. Era o sinal que um homem esperava para se lançar na noite. Enquanto caía e se balançava em silêncio na noite morna, o paraquedista — um jovem estudante de medicina chamado Alain Perpezat — sentia roçar no corpo o cinto especial que continha cinco milhões de francos. Mas não era para levar essa pequena fortuna que Alain tinha acabado de saltar: dissimulado na sola do sapato esquerdo havia um pedaço de seda no qual estava inscrita uma mensagem de dezoito grupos de letras cifradas. Os chefes dele consideravam essa mensagem tão importante e urgente que, contra todos os antecedentes, tinham decidido pelo lançamento em paraquedas numa noite sem lua. O próprio Perpezat desconhecia o teor da mensagem. Tudo o que sabia era que devia entregá-la o mais depressa possível ao chefe do Intelligence Service britânico na França, ”Jade Amicol”, que tinha seu quartel-general em Paris. Protegida por estas velhas pedras e pela coragem tranquila de um punhado de freiras, sua sede tinha sobrevivido a todas as buscas implacáveis da Gestapo.1 Eram 7 horas da manhã seguinte quando Perpezat saiu do monte de palha na qual os três membros da Resistência o tinham escondido após a sua aterrissagem. O paraquedas e a roupa que usara no salto estavam já cuidadosamente enterrados sob um monte de estrume. Através dos campos, Alain foi então para a estrada nacional nº 3. Para alcançar Paris, a 80 quilômetros, não tinha senão um recurso: a carona. Diversos veículos passaram por ele. Por fim, uma caminhonete parou. Apavorado, Alain reconheceu — mas já era tarde — a placa com o distintivo vermelho, amarelo e preto da Luftwaffe. Na carroceria da caminhonete havia uma metralhadora antiaérea, junto da qual se encontravam quatro soldados alemães com capacetes de aço. A porta da cabine se abriu e o motorista perguntou: ”Nach Paris?” Dominando o medo, Alain sorriu e ocupou o lugar ao perguntou: ”Nach Paris?” Dominando o medo, Alain sorriu e ocupou o lugar ao lado do alemão, um ”velho praça” das forças territoriais. Ao se sentar, o paraquedista sentiu de novo o cinto recheado de notas roçar suas costelas. Pareceu-lhe de repente que ele pesava como chumbo e perguntou a si mesmo se a barriga extra não atrairia as atenções do alemão. Mas ele apenas engatou a marcha sem uma palavra e a caminhonete arrancou. A pesada Mercedes retomava sua marcha em direção a Paris. Ajoelhados na penumbra da capela, as nove irmãs da Ordem da Santa Agonia rezavam em coro o terceiro rosário do dia quando três prolongados toques de campainha, seguidos de um outro mais curto, ressoaram no silêncio do convento. Imediatamente duas delas se ergueram, benzeram-se e saíram da capela. Para a irmã Jean, madre superiora, e para a irmã Jean-Marie Vianney, sua assistente, esses toques eram um sinal. Significavam: ”Visita importante.” Durante quatro anos, os alemães tinham incessantemente procurado esse convento parisiense, situado na Rua da Glacière, nº 127. No parlatório dessa edificação semiarruinada, construída no ângulo de um terreno baldio junto às muralhas sinistras do hospital psiquiátrico de Santa Ana, ocultava-se o quartel- general de ”Jade Amicol”. Através do postigo da estreita porta do convento a irmã Jean viu a face de um jovem. ”Meu nome é Alain — disse ele —, sou portador de uma mensagem para o coronel.” A irmã Jean abria a porta e avançou para o limiar, a fim de se certificar de que o jovem estava sozinho e não fora seguido. Depois, fez-lhe sinal para entrar. No parlatório, sob o retrato austero do lazarista desconhecido que fundara a Ordem de Sainte Agonie, Alain Perpezat descalçou o sapato esquerdo. Em seguida separou, com a lâmina de uma faca, as diferentes camadas de sola. Um pedaço de seda surgiu. Alain estendeu-o a um homem, um indivíduo enorme, calvo, de olhos azuis, que calmamente aguardava, sentado numa cadeira. Esse homem era o coronel Claude Ollivier — aliás ”Jade Amicol”. O coronel examinou as letras misteriosas inscritas no pedaço de seda e fez um sinal à irmã Jean, que imediatamente se afastou com passos miúdos. Instantes depois, a freira regressou trazendo uma espécie de lenço. Era a rede que ”Jade Amicol” usava para decifrar as suas mensagens codificadas. O tecido, da espessura de uma lâmina de barba, era feito de uma matéria solúvel que podia ser instantaneamente engolida em caso de emergência. A irmã Jean guardava esse objeto na capela, escondido sob o tabernáculo do altar do Bom Ladrão. Ollivier ajustou a rede sobre a mensagem que o recém-chegado acabara de lhe trazer. Quando já decifrava as últimas linhas, ficou apreensiva. O Alto Comando Aliado, dizia a mensagem, tomou a decisão de contornar Paris e retardar tanto quanto possível sua libertação. Prevenimos você de que este plano retardar tanto quanto possível sua libertação. Prevenimos você de que este plano não será alterado sob qualquer pretexto.” A mensagem era assinada por”General”, código do chefe da inteligência britânica. O coronel ergueu a cabeça para Alain. ”Meu Deus — exclamou —, isso é uma catástrofe!” Na sala anexa, o carrilhão de um relógio Luís XIII fazia ressoar no silêncio do convento as primeiras badaladas do meio-dia. ____________ 1 Tratava-se de Jean Laire, hoje diretor da Cooperativa Agrícola de Lizy-sur- Ourcq, do comerciante de cereais René Body e de sua mulher, Odette.
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