ebook img

PARA UMA LEITURA EM OUTRAS DIREÇÕES Arranjos teóricos sobre a Ars amatoria de Ovídio PDF

124 Pages·2007·0.68 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview PARA UMA LEITURA EM OUTRAS DIREÇÕES Arranjos teóricos sobre a Ars amatoria de Ovídio

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara Programa de Pós Graduação em Letras, Área de concentração em Estudos Literários IRENE CRISTINA BOSCHIERO PARA UMA LEITURA EM OUTRAS DIREÇÕES Arranjos teóricos sobre a Ars amatoria de Ovídio ARARAQUARA 2006 1 IRENE CRISTINA BOSCHIERO PARA UMA LEITURA EM OUTRAS DIREÇÕES Arranjos teóricos sobre a Ars amatoria de Ovídio Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual Paulista, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Letras, na área de concentração em Estudos Literários. Orientador: Prof. Dr. João Batista Toledo Prado. ARARAQUARA 2006 2 RESUMO: Assumindo o papel de praeceptor amoris (preceptor do amor), Ovídio compõe a Ars amatoria, proclamando que tal obra é capaz de tornar instruídos (docti) os que não sabem amar. O título dado à preceptística é já esclarecedor, pois evidencia a concepção de amor como ars, ou seja, o relaciona à perícia, técnica, habilidade, bem como a método, teoria, sistema de procedimentos. Além da matéria que se propõe a ensinar, o manual ovidiano possui outra característica intrigante: é um poema híbrido, ou seja, um poema didático composto em metro elegíaco e não em hexâmetro, permeado de topoi próprios das elegias. Esse hibridismo ou o entrelaçar dos corpos elegíaco e didático é que denuncia o caráter inter e metatextual da Ars amatoria. Nas elegias, o leitor é levado a crer que aqueles topoi são de fato sentimentos naturais e espontâneos. Quando esse leitor se defronta com a Ars, nota que, na verdade, eles são imitações de sentimentos. Em outras palavras, é declarado a ele que a maneira de agir de um apaixonado não passa de uma série de convenções. Assim, Ovídio remete seu leitor para outras obras elegíacas, inclusive as suas próprias (Amores, Heróides, Os remédios para o amor). Esse procedimento capacita o leitor a estabelecer relações entre textos diferentes, ou seja, mostra a ele como ler, como se engajar no discurso erótico, tornando a Ars amatoria, mais que um manual de amor, um manual de poesia. Palavras-chave: Ars amatoria, Ovídio, Ars poética. ABSTRACT Assuming the role of praeceptor amoris (preceptor of love), Ovid composes the Ars amatoria, proclaiming that such work is able to make experts (docti) out of those who don’t know how to love. The title given to the poem is significant in itself, since it makes evident the concept of love as ars, that is, related to technique, acquired skill, as well as to method, theory, and system of procedures. Aside from the subject it teaches, the ovidian manual has another intriguing feature: it is a hybrid poem, that is, a didactic poem composed in elegiac meter, not in hexameters, permeated of elegiac topoi. Intemingling the elegiac with didactic bodies reveals the Ars amatoria’s inter and metatextual feature. In elegies, the reader begins to believe that those topoi are spontaneous feelings. However, when he faces the Ars, the reader notices that those feelings are, in fact, imitations of feelings. In other words, it is declared that being as a passionate person is nothing but following a series of conventions. In order to produce such an effect, Ovid sends the readers to other elegiac works, including his ones (Amores, Heroids, Remedia amoris). By doing that, Ovid enables the reader to establish conexions between different texts, that is, he demonstrates to the reader how he can engage himself in the erotic discourse. Such a procedure makes the Ars, more than a manual of love, a manual of poetry. 3 TRADUÇÕES UTILIZADAS Ars amatoria: OVÍDIO. Arte de amar. Trad. Natália Correia e David Mourão-Ferreira. São Paulo: Ars Poética, 1992. Amores: OVÍDIO, Públio N. Obras: os Fastos, os amores, a arte de amar. Trad. Antônio Feliciano de Castilho. São Paulo: Edições cultura, 1943. Quando utilizada outra tradução, o fato será observado em nota. LISTA DE ABREVIAÇÕES A.A. : Arte de amar A. P. : Antologia Palatina Am. : Amores 4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 7 CAPÍTULO I : A PREPARAÇÃO DO BASTIDOR................................................................... 12 1.1 - A palavra ars e sua linhagem............................................................................. 16 1.2.- A manipulação da linguagem para obtenção do efeito desejado....................... 18 1.3 - A história do poeta artesão................................................................................ 22 Do alvitre ........................................................................................................................... 24 CAPÍTULO II : OVÍDIO E O GÊNERO DIDÁTICO................................................................. 26 2.1 - A sinceridade dos poemas................................................................................ 27 2.2.- A poesia lírica.................................................................................................... 31 2.3 - Com um pé na cova........................................................................................... 32 2.4 - Ovídio e seu lugar no gênero............................................................................ 39 2.5.- A erotodidaxis.................................................................................................... 42 2.6 - O cômico em Ovídio.......................................................................................... 44 2.6.1 - Referências textuais à alegria e ao riso............................................... 46 2.6.2 - Os elementos cômicos da tradição elegíaca ....................................... 48 2.6.2.1 - Os poetas alexandrinos e a formulação das elegias........... 48 2.6.2.2 - A influência da retórica ......................................................... 51 2.6.2.3 - A influência da comédia nova nas elegias............................. 52 2.6.3 - Outros recursos cômicos ..................................................................... 54 2.6.3.1 - Sátira em Ovídio? ................................................................. 60 Do alvitre ................................................................................................................... 64 CAPÍTULO III: AS IMPLICAÇÕES DO USO DOS RELATOS MITOLÓGICOS NAS ELEGIAS ERÓTICAS DE OVÍDIO ......................................................................................................... 65 3.1 - A linguagem mítica e a linguagem poética ....................................................... 68 3.2 - O mito de Galatéia e as elegias ovidianas ....................................................... 71 Do alvitre .................................................................................................................. 75 CAPÍTULO IV: CRÍTICA COM BASE NOS GÊNEROS......................................................... 78 4.1 - O gênero didático.............................................................................................. 78 Do parvo alvitre ......................................................................................................... 84 CAPÍTULO V: O EFEITO DA MISTURA DE GÊNEROS........................................................ 85 CAPÍTULO VI : A LUZ DA LUA............................................................................................... 90 Do médio alvitre......................................................................................................... 90 5 6.1 - Confrontando poéticas....................................................................................... 90 6.1.1 - Ars e Ingenium...................................................................................... 91 6.1.2 - O processo de criação como algo laborioso e feio demais para ser manifesto ......................................................................................................... 93 6.1.3 - A unidade da matéria............................................................................. 95 6.1.4 - Adequação do discurso, gênero e metro............................................... 95 6.1.5 - Sobre o tom dos poemas...................................................................... 97 6.1.6 - A crítica como algo inerente à criação, proporcionando experiência – a experiência e o trabalho de lima....................................................................... 97 6.1.7 - A audiência............................................................................................ 99 6.2 - Exemplos de arte em Ovídio.............................................................................. 101 6.3 - A união de ars e ingenium................................................................................. 105 Do magno alvitre ........................................................................................................ 108 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 114 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 117 POEMA ................................................................................................................................... 123 6 ççççççççç 7 PARA UMA LEITURA EM OUTRAS DIREÇÕES Arranjos teóricos sobre a Ars amatoria de Ovídio INTRODUÇÃO (Onde a autora se nomeia, declara suas intenções, define seu estilo, confessa suas angústias e descreve a estrutura da obra, não raro sem esconder os andaimes que permitiram a sua construção.) No final de um artigo seu, intitulado A arte de produzir fome (que guarda bastante proximidade temática com a Arte de amar, já que ambos tratam de como fazer aflorar o desejo), Rubem Alves expressa a seguinte opinião: “Toda tese acadêmica deveria ser isto: uma maquineta de roubar o objeto que se deseja...”1. Mas todos sabemos o quanto nossos desejos podem assumir proporções que exorbitam de nossa potencialidade para concretizá-los e acabam nos atirando num limbo. No caso de teses e dissertações, isso é mais do que comum, é quase a Ianitor - indignum! regra. Não é por menos que Dewey2 dedicou um estudo sobre esse fenômeno, - dura religate no qual determina como condição de realização do desejo a sua transformação em propósito. O desejo é um combustível, capaz de nos levar a qualquer lugar, mas que precisa ser convertido em um conjunto de metas humanamente exeqüíveis, caso contrário, logo se mostra irrealizável. Por outro lado, o desejo não pode ser fraco a ponto de deixar de instilar a volição, sob pena de que o sujeito questione seu plano quando se depara com as inevitáveis tarefas maçantes que fazem parte de qualquer atividade e ponha-se a alterar suas metas aleatoriamente, quando não acaba por questionar o próprio desejo. Em qualquer dos casos, o resultado é o mesmo: uma irremediável sensação de impotência. Pois não foi outra coisa senão o desejo que levou a dissertadora para a obra de Ovídio, e não foram raros os momentos em que ela se viu na contingência de quem, voltada para o seu desejo, e tentando ser do tamanho 1 Rubem Alves, Folha de S. Paulo. 2 Dewey, J. Sociedade e educação. 8 dele, não conseguia falar do objeto desse desejo. Fernando Pessoa alertava para esse perigo3. Contudo, não é só um desejo por demais intenso que pode nos armar icarianas ciladas, mas a própria ação acadêmica de debruçar-se sobre um objeto tão antigo quanto comentado. (Quid plura dicam?). Também nessa situação viu-se a dissertadora um sem número de vezes, na situação que Apparicio Torelly captou bem ao relatar a sua aflição diante da imagem de um castelo abandonado e silencioso sobre o qual se dispunha a escrever. Como falar de um castelo abandonado e silencioso sem tirá-lo, com essa atitude, da sua condição de abandonado e silencioso? Isso demonstra como algumas decisões sobre uma obra podem alterar-lhe a condição original e imediatamente passar a negar a proposição com que a caracterizamos. O Barão (codinome de Apparicio – Barão de Itararé) encerra o V Capítulo de sua “historieta chistosa” sobre um castelo abandonado com a seguinte conclusão: “... é certo também que, com um pouco de boa vontade e uma grande dose de arrojo, poderia congelar os alicerces desse castelo e, pelo processo das catena, difficilem estacas Franki, removê-lo, como se fosse um templo, para um local habitado e moto barulhento. Nada disso, entretanto, seria correto. O castelo não é meu. Encontrei-o abandonado e silencioso. O meu dever é deixá-lo como o achei”4. Mas ponderando que a função da linguagem é reconduzir num espaço simbólico aquilo que não é mais, substituindo-o pedagogicamente por algo em que o leitor deve crer, a dissertadora imbuiu-se de ânimo para levar a termo a empreitada. E diz Certeau: Mais exatamente, ela [a escrita] recebe os mortos, feitos por uma mudança social, a fim de que seja marcado o espaço aberto por este passado e para que, no entanto, permaneça possível articular o que surge com o que desaparece. Nomear os ausentes da casa e introduzi-los na linguagem escriturária é liberar o apartamento para os vivos, através de um ato de comunicação, que combina a ausência dos vivos na linguagem com a ausência dos mortos na casa.5 3 “Se eu pensasse nessas cousas,/Deixaria de ver as árvores e as plantas/E deixava de ver a Terra,/Para ver só os meus pensamentos.../Entristecia e ficava às escuras/E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu”. (Pessoa, 1980, p. 158). 4 Barão de Itararé, 1985. p. 190. 5 Certeau, 1982, p. 108. 9 O castelo com que se deparou a dissertadora, contudo, não estava abandonado e silencioso, pelo contrário, está povoado de presenças cujas vozes lançam luzes a iluminar de tal sorte o ambiente, que tudo nele parece já explicitado. Esse quase aconchego estimulou a dissertadora a atravessar-lhe os portões e percorrer seus corredores. Uma vez lá dentro, tendo desfeito a condição natural, cumpre-lhe apenas realizar, no intervalo desta dissertação, o mesmo objetivo que se propôs o Barão de há pouco ao comentar o texto O Castelo Abandonado: “Mais do que isso, é (...) cheio de nobreza, onde se lê, com emoção, a árdua luta de um grande espírito em prol da verdade, procurando, a todo o transe, manter os compromissos assumidos com o leitor”6. E eis que a dissertadora, a gritar “mehr Licht!” (não se sabe se pedindo ou constatando), como Goethe em seu leito de morte, deparou-se com a dificuldade de reconhecer algum ponto de sombra que pudesse tornar mais nítido por obra de seu artifício. Diante de uma tal tarefa, ela investiu-se das cardine artes de Blimunda7. O marido de Blimunda, de nome Sete-Sóis, tinha por ofício pande forem! forjar peças de metal, nas quais, depois de prontas, ela reconhecia partes que precisavam de reparos. Deles disse então o Padre Bartolomeu: Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um. Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais. Diante do exposto, a dissertadora postularia ser doravante designada e reconhecida por Sete Luas, mas, no estrito cumprimento dos trâmites acadêmicos, vai mesmo valer-se do discurso impessoal. Assim se justifica a exposição dos estados emocionais (“Se não é seca, é enchente”, diria Catulo8) com que a dissertadora Sete-Luas alternou a mirada sobre os textos ovidianos e os demais de que se valeu para mais uma vez falar da obra ovidiana. A demarcação dessas condições é importante para que os leitores possam melhor seguir o raciocínio desenvolvido e dar sentidos às 6 Idem, p. 187. 7 José Saramago, 1983, p. 90. 8 Catulo da Paixão Cearense, poeta cearense.

Description:
o Poeta, tem a merecida reputação de “conhecer todas as artes”. (Detienne, 1992 , p. 58) cum te celare volebam, Jerônimo Soares Barbosa.
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.