ebook img

os demônios de loudun PDF

450 Pages·2009·2.11 MB·Spanish
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview os demônios de loudun

ALDOUS HUXLEY OS DEMÔNIOS DE LOUDUN http://groups.google.com/group/digitalsource Título original: The Devils of Loudun Capítulo I Em 1605, Joseph Hall, escritor satírico e futuro bispo, fez primeira visita à Flandres: «Quantas igrejas vimos destruídas ao longo de nosso caminho! Delas só fica um relatório montão de escombros que advertem ao viajante que ali houve devoção e hostilidade. Oh, o desolador rastro da guerra! Mas —o que me chama a atenção— as igrejas caem e os colégios de jesuítas surgem em qualquer parte. Não há cidade onde não haja um em construção ou onde não esteja já construído. A que se deve? Será devido a que a devoção não é tão necessária como a política? Estes homens —como as raposas— quanto mais execradas são tão mais a gosto se encontram. Ninguém tão repudiado pelos seus, ninguém tão odiado por todos, ninguém tão atacado pelos nossos; não obstante, toda essa má erva vai crescendo». Prosperaram por uma razão muito simples e suficiente: a gente os necessitava. Para os mesmos jesuítas, a «política» —como Hall e toda sua geração muito bem sabiam— era o fundamental. As escolas foram criadas com o fim de fortalecer à Igreja Católica frente a seus inimigos, os libertinos e os protestantes. Os bons padres da Ordem esperavam, com seus métodos de ensino, criar uma classe de laicos plenamente consagrados à Igreja. Nas palavras de Cerutti: palavras que conduziram quase até o extravio ao indignado Michelet: «do mesmo modo que enfaixamos o corpo de um recém-nascido para dar a seus membros as proporções devidas, devemos, por assim dizê-lo, enfaixar sua vontade desde sua idade mais precoce a fim de que possa manter, durante toda sua vida, uma ditosa e saudável docilidade». O espírito de autoridade era o suficientemente decidido, mas seu método de propaganda carecia da força necessária. Apesar do rigoroso enquadramento de sua vontade, alguns dos melhores alunos dos jesuítas abandonavam os centros onde se educavam para converter-se em livre pensadores ou, inclusive, em protestantes, como Jean Labadie. No que se refere à «política», o sistema nunca resultou tão eficiente como o tinham esperado seus próprios criadores. É que às pessoas lhe tinha sem cuidado o aspecto político: o que lhes interessava era ter boas escolas nas que seus filhos pudessem aprender tudo aquilo que um perfeito cavalheiro devia conhecer. Quanto a isto, os jesuítas satisfaziam melhor a demanda que a maior parte de outros fornecedores de educação. «O que obtive eu nos sete anos que passei sob o teto dos jesuítas? Uma vida plena de moderação, de diligência e de ordem. Os jesuítas dedicavam todas as horas do dia a nossa educação e o estrito cumprimento de seus votos. Como prova disso, apelo ao testemunho dos milhares que, igualmente a mim, foram educados pelos jesuítas.» Assim o escreveu Voltaire, e suas palavras são, por si mesmas, verdadeiro testemunho da excelência do método pedagógico que praticavam. Ao mesmo tempo, e com maior ênfase, toda sua carreira testemunha o fracasso daquela «política» que seus métodos de ensino tentavam servir. Quando Voltaire iniciou seus estudos, os colégios dos jesuítas já apareciam como figuras familiares no cenário da educação. Cem anos antes suas peculiares características e seus métodos tinham parecido positivamente revolucionários. Em uma época em que a única matéria que dominava a maioria dos pedagogos era o emprego da palmatória, seus métodos disciplinadores foram relativamente humanos e seus professores cuidadosamente escolhidos e sistematicamente selecionados. Ensinavam um latim de peculiar elegância, as últimas novidades da óptica, da geografia e da matemática, junto com a dramaturgia (em alguns aspectos da arte declamatória foram famosas), as boas maneiras, o respeito à Igreja e (na França ao menos, depois da conversão de Henrique IV) a obediência à autoridade real. Por tais razões, os colégios de jesuítas se recomendavam, por si mesmos, a todos os membros das famílias de classe alta: à mãe de coração tenro que não podia fazer-se à idéia de que seu querido menino fosse padecer as torturas de uma educação à antigo uso; ao douto tio preocupado por uma sã doutrina e um estilo ciceroniano e, finalmente, ao padre que, como patriota oficial, aprovava os princípios monárquicos, e como prudente burguês, considerava a diplomática influência da Companhia de Jesus como um meio para ajudar a seus alunos a obter um emprego, um posto na Corte ou uma sinecura eclesiástica. Tomemos, por exemplo, um importante matrimônio: o senhor Corneille de Ruan, Avocat du Roy à la Table de Marbre du Palais, e sua esposa, Marthe le Pesant. Seu filho Pierre é um jovem tão prometedor que decidem enviá-lo a estudar com os jesuítas. Coloquemos também o caso do senhor Joachim Descartes, conselheiro do Parlamento de Rennes. Em 1604 levou a seu filho menor, um esperto moço de oito anos chamado René, ao colégio de jesuítas da Fleche, recentemente baseado e instalado com todo esplendor. Pela mesma época, mais ou menos, temos também ao erudito cônego Grandier de Saintes, tem um sobrinho, filho de outro letrado, não tão rico e aristocrático como o senhor Descartes, ou o senhor Corneille, mas sim muito respeitável. O moço chamado Urbain, tem quatorze anos e é inteligente em extremo, pelo qual merece que lhe ofereça a educação mais esmerada e cumprida. Na vizinhança de Saintes, nenhuma instituição resulta mais apropriada que o Colégio dos Jesuítas de Burdeos. Este famoso centro de instrução contava com uma escola secundária para moços, uma escola de arte, um seminário e uma escola de altos estudos para pós-graduados, que tivessem recebido ordens. Aqui passou mais de dez anos o precoce e brilhante Urbain Grandier, primeiro como simples escolar, depois como aspirante a grau, logo como estudante de teologia e, depois de sua ordenação em 1615, como jesuíta noviço. Não é que tivesse o propósito de ingressar na Companhia, pois carecia de vocação para submeter-se a uma disciplina tão rígida. Sua carreira não seria a de uma ordem religiosa, a não ser a de um clérigo laico. Nesta profissão um homem de suas condições naturais, animado e protegido pela mais poderosa organização dentro da igreja, podia abrigar a esperança de chegar muito longe. Podia chegar a ser capelão de algum nobre, tutor de algum futuro Marechal da França ou de algum Cardeal em florações. Haveria convites que lhe permitiriam desdobrar a eloqüência de seu discurso ante os bispos, ante as princesas de sangue real e, inclusive, ante a própria Rainha. Possivelmente haveria missões diplomáticas, altos postos na administração, ricas sinecuras, muitas alternativas realmente importantes. Podia haver —embora não era provável, considerando que não tinha nascido em nobre berço— algum bispado preeminente que realçasse e desse maior brilho aos anos culminantes de sua vida. No início de sua carreira as circunstâncias pareciam favorecer tais esperanças, pois aos vinte e sete anos de idade, depois de dois cursos de estudos superiores de teologia e filosofia, o jovem Padre Grandier recebeu a recompensa por esses largos semestres de diligência e boa conduta. A Companhia de Jesus lhe ofereceu o importante benefício eclesiástico de Saint-pierre-du-parti de Loudun. Ao mesmo tempo, e obrigado também aos mesmos benfeitores, obteve a nomeação de cônego da Colegiata de Santa Cruz. Começava a pisar firme nos degraus da escala: desde esse momento tudo que tinha que fazer era ascender. À medida que seu novo pároco caminhava pausadamente para o Loudun, esta se ia revelando como uma pequena cidade sobre uma colina, dominada por duas altas torres: o capitel de São Pedro e o torreão medieval de seu grande castelo. Como um símbolo, como um hieróglifo sociológico, a silhueta de Loudun aparecia como algo fora de época. Aquele capitel ainda arrojava sua sombra gótica sobre toda a cidade, mas boa parte de seus vizinhos eram hugonotes que aborreciam a igreja a qual este pertencia. Aquele enorme calabouço, construído pelos condes de Poitiers, era ainda um lugar de formidável solidez. Mas Richelieu logo chegaria ao poder e os dias de autonomia local e de fortaleza provincial estavam contados. Ignorante, o pároco cavalgava para o último ato de uma guerra sectária, para o prólogo de uma revolução nacionalista. Às portas da cidade penduravam, das forcas do município, consumindo-se, um ou dois cadáveres. Dentro de seus muros se encontravam as habituais ruas sujas, a usual gama de aromas, desde o de fumaça de lenha até o de excrementos, desde o das aves de curral até o do incenso, desde o de pão assando-se até o de cavalos, porcos e suja humanidade. Aldeãos e artesãos, jornaleiros e criados, os pobres constituíam uma desprezível e anônima maioria entre os quatorze mil habitantes da cidade. Um pouco acima dessa gente se achavam os lojistas, os professores de oficinas, os insignificantes oficiais agrupados precariamente na fila inferior da respeitabilidade burguesa. Acima destes — dependendo totalmente de seus inferiores, mas gozando de indisputáveis privilégios e dominando-os por direito divino— estavam os ricos mercados, os profissionais, a gente qualificada em uma ordem hierárquica: a desprezível classe média, os grandes latifundiários, os senhores feudais e os prelados de linhagem. De tanto em tanto era possível encontrar uns poucos oásis de cultura e de inteligência desinteressada. Fora destes oásis, a atmosfera intelectual era sufocante e provinciana. Entre os ricos, o interesse pelo dinheiro e a propriedade —com direitos e privilégios— era apaixonado e crônico. Para as duas mil ou três mil pessoas —como máximo— que contavam com recursos suficientes para expor um pleito ou solicitar o assessoramento legal de algum profissional, havia em Loudun não menos de vinte advogados, dezoito procuradores, dezoito oficiais e oito notários. Todo o tempo e a energia que não empregavam na preocupação por suas posses, era dedicado às trivialidades da vida cotidiana; aos gozos e agonias da vida familiar; a cismografia a respeito dos vizinhos; às formalidades da religião e, já que Loudun era uma cidade dividida em seu interior, às inesgotáveis amarguras da controvérsia teológica. Não existiam evidências de nenhuma religião puramente espiritual na cidade de Loudun, durante a permanência do pároco. Na vizinhança, só algumas individualidades manifestavam certo interesses pela vida espiritual: eram aqueles que sabiam, por experiência própria, que Deus é um espírito e que deve ser adorado espiritualmente. junto com uma boa provisão de trapaceiros, Loudun também tinha sua quota de homens honrados, bem-intencionados e piedosos, e até sua gente devota. Mas não tinha santos, nenhum homem nem nenhuma mulher cuja mera presença fosse prova válida de uma penetração mais profunda na realidade eterna, ou de uma mais estreita união com o divino fundamento de tudo o que é. Só sessenta anos mais tarde apareceu semelhante pessoa dentro dos muros da cidade. Quando Louise de Tronchay chegou para trabalhar no hospital de Loudun, depois de correr as mais horripilantes aventuras físicas e espirituais, de imediato chegou a ser o centro de uma intensa e veemente vida espiritual. Gente de toda idade e de todas as classes sociais iam em multidão a lhe perguntar a respeito de Deus e em demanda de seu conselho e ajuda. «Aqui nos amam muito — escrevia Louise a seu velho confessor de Paris—. Sinto-me envergonhada disso, porque quando lhes falo de Deus as pessoas se comovem tão intensamente que começam a chorar. Temo estar contribuindo à boa opinião que tem de mim.» Desejava fugir e ocultar-se, mas ficou prisioneira da exaltação da cidade. Quando rezava, os doentes freqüentemente curavam. Para sua vergonha e mortificação, consideravam-na responsável por seus restabelecimentos. «Se alguma vez eu produzisse um milagre — escrevia—, teria que me pensar condenada.» Anos depois, seus diretores espirituais lhe ordenaram que abandonasse Loudun. Para a gente já não houve janela alguma através da qual pudesse penetrar a luz. Em pouco tempo se apaziguou o ardor e decaiu o interesse pela vida do espírito. Loudun voltou para sua normalidade: a mesma que tinha vivido duas gerações antes, quando Urbain Grandier chegou à cidade. No primeiro momento, os sentimentos públicos com respeito ao novo pároco estiveram intensamente divididos. A maior parte de seus paroquianos o passava. O pároco anterior tinha terminado como um adoentado nonagenário. Em troca, seu sucessor era um homem na primeira juventude, alto, atlético, com ar de grave autoridade e até (na opinião de um contemporâneo) de majestade. Seus olhos eram grandes e escuros, e sob o casquete podiam lhe ver-se as mechas de cabelo abundante, negro e ondulado. Sua fronte era alta, seu nariz aquilino, seus lábios vermelhos, carnudos e ágeis. Uma elegante barba a Van Dick rematava seu queixo, e em seu lábio superior luzia um fino bigode cuidadosamente aparado e suavizado com delicadas pomadas, de modo que suas aneladas pontas se confrontavam a ambos os lados do nariz, como um par de coquetes sinais de interrogação. Aos olhos de um post-faustiano seu retrato sugere um Mefistófeles metido em carnes, nada inexeqüível, e só um pouco menos inteligente que o autêntico, vestido com hábito de clérigo não isento de fantasia. A esta aparência sedutora, Grandier acrescentava as virtudes sociais das boas maneiras e da animada conversação. Sempre se achava disposto a corresponder a um cumprimento com a maior gentileza, e o olhar com que acompanhava suas palavras eram mais lisonjeiras que as palavras mesmas se se tratava de uma senhora muito apresentável. Era óbvio que o novo pároco se tomava por seus paroquianos um interesse que não era meramente pastoral. Grandier vivia na cinza alvorada do que podia chamar-se a era da respeitabilidade. Ao longo da Idade Média e a princípios da Moderna, o abismo existente entre a doutrina professada pela Igreja Católica e a maneira de conduzir-se individualmente seus clérigos não tinha podido ser salvado e, ao que parece, era insalvável. É difícil encontrar um escritor Medieval ou Renascentista que não desse por seguro que, do mais alto prelado até o frade mais humilde, a maioria dos homens do clero eram altamente desprezíveis. A corrupção eclesiástica originou a Reforma, e a seu turno, a Reforma produziu a Contra- reforma. Depois do Concílio de Trento houve, cada vez, menos papas escandalosos até que, finalmente, em meados do século XVII, a casta escandalosa tinha desaparecido por completo. Do mesmo modo, alguns dos bispos, cujo único mérito para as ascensões era serem filhos menores de famílias nobres, fizeram certo esforço para comportar-se corretamente. Muitos abusos sob o clero foram controlados pelas altas autoridades da Igreja graças a uma mais vigilante e eficiente administração eclesiástica e, sobretudo, ao fervoroso zelo desdobrado por instituições como a Companhia de Jesus e a Congregação do Oratório. Na França, onde a monarquia se valia da Igreja como de um instrumento para dar maior força ao poder central, às custas dos protestantes, da nobreza e da tradicional autonomia das províncias, a respeitabilidade clerical o concernia à realeza. As massas nunca respeitarão uma Igreja cujos ministros sejam culpados de conduta escandalosa. Mas em um país onde não só l'État, mas também l'Église c'est moi, a falta de respeito à Igreja traduz a falta de respeito para com o Rei. «Lembro-me—escreve Bayle em uma das intermináveis notas ao pé de seu grande Dicionário —, lembro-me que um dia o perguntei a um cavalheiro que me fazia o relato de uma inacabável série de irregularidades do clero veneziano, como era possível que o Senado tolerasse coisas como as que me contava, que não favoreciam nada a honra da Religião e do Estado. Contestou-me que o bem público obrigava o Soberano empregar esta indulgência e, para explicar esta contradição, adicionou que o Senado estava muito agradecido de que padres e monges fossem desprezados pelo povo, posto que, por tal razão, seriam menos capazes de provocar uma insurreição unidos à eles. Uma das razões, diz, pelas quais os jesuítas não agradecem ao Príncipe, é que preservam o decoro de seu caráter e assim, sendo os mais respeitados pela gente inferior, acham-se nas melhores condições para promover uma rebelião.» Ao longo de todo o século XVII, a política do Estado com respeito às irregularidades do clero na França, era exatamente a oposta à desenvolvida pelo Senado de Veneza. Posto que este temia a intrusão eclesiástica, gostava de ver seus clérigos conduzir-se como porcos e desgostavam-lhes os respeitáveis jesuítas. Politicamente poderosa e fortemente gálica, a monarquia francesa não tinha por que temer ao papa e se dava conta que a Igreja lhe era muito útil como instrumento de

Description:
ALDOUS HUXLEY. OS DEMÔNIOS DE LOUDUN http://groups.google.com/group/digitalsource. Page 2. Título original: The Devils of Loudun. Capítulo
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.