BALDUINIA. 0.19, p. 14-18, 15-XII-2009 o USO DA MADEIRA NAS REDUÇÕES JESUÍTICO-GUARANI DO RIO GRANDE DO SUL. 8- MÍSULA DO ALPENDRE DO COLÉGIO DE SÃO LUIZ GONZAGA 1 MARIA CRISTINA SCHULZE-HOFER2 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP RESUMO A madeira de uma mísula do alpendre do colégio de São Luiz Gonzaga, conservada no Museu das Missões (São Miguel dasMissões, Rio Grande doSul- Brasil), foianatomicamente identificada como Handroanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos, espécie lenhosa de notável resistência mecânica ealta durabilidade natural. Palavras-chave: Handroanthus heptaphyllus, Tabebuia heptaphylla, Ipê-roxo, Anatomia da Madeira, Arqueologia, Missões Jesuíticas, Rio Grande do Sul. SUMMARY [Wood utilization in the Jesuitic-Guarani Missions fram Rio Grande do Sul state, Brazil. 8- A supporting bracket from Saint Louis Gonzaga's college porch]. The supporting bracket wood of Saint Louis Gonzaga's college porch, housed at Missions' Museum (São Miguel dasMissões, Rio Grande doSul- Brazil), was anatomically identified asHandroanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos, awood species that is notable for its mechanical strength and decay resistance. Key words: Handroanthus heptaphyllus, Tabebuia heptaphylla, Wood Anatomy, Archeology, Jesuitic Missions, Rio Grande do Sul state - Brazil. INTRODUÇÃO de identificar anatomicamente a espécie de Na linguagem arquitetônica, chama-se de madeira utilizada em sua confecção, além de mísula aos ornatos salientes, presos àparede e contribuir para o melhor conhecimento das que, estreitos na parte inferior, largos na técnicas construtivas neste singular período da superior, destinam-se a sustentar um arco de história regional. abóbada, cornija, púlpito, suporte para vaso, estátua, etc. MATERIAL E MÉTODOS As mísulas do colégio jesuítico de São Luiz As amostras utilizadas (Figura 2B,C) foram Gonzaga, demolido na primeira metade do retiradas de uma das mísulas do alpendre do século XX, mereceram desenho deLucio Costa colégio de São Luiz Gonzaga, conservada no (Figura 1) e encontram-se, atualmente, no Museu das Missões (São Miguel das Missões, Museu das Missões (São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul). O material coletado foi Rio Grande do Sul), integrados a seu acervo registrado em fichário, fotografado, (Figura 2A). O presente estudo tem o objetivo acondicionado em envelope com identificação e enviado ao Laboratório de Anatomia da Madeira do Instituto Nacional de Pesquisas da I Recebido em 12-11-2008 e aceito para publicação em Madeira, em Lohbrügge - Hamburgo (Ale- 14-02-2009. manha), onde foram realizados os trabalhos de 2 Arquiteta e urbanista, Dra., IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. schu1ze- microtécnica e fotomicrografia. Os autores [email protected] agradecem à Sra. Eda John, pela colaboração J Engenheiro Florestal, Df., Professor Titular do nestas tarefas. Departamento de Ciências Florestais, Universidade Do material coletado foram preparados três Federal de Santa Maria, RS. Bolsista de Produtividade em Pesquisa, CNPq - Brasil. [email protected] corpos-de-prova, orientados para aobtenção de 14 do anel (Figura 3A). Madeira de porosidade S.lUIl. difusa (Figura 3A). Poros muito numerosos, arredondados ouovais (Figura 3A,B); solitários eemmúltiplos depoucas unidades (Figura 3A). Estratificação completa, incluindo elementos vasculares, parênquima axial, raios e fibras (Figura 3E, F). Elementos vasculares retilíneos (Figura 3C, ,1-. - F), com placas de perfuração simples e •• abundante conteúdo amarelado na cavidade ~i .___--......_ .I... celular (Figura 3B).Espessamentos espiralados, T i ausentes. Pontoações intervasculares alternas, 23 ' 1- de 12a 14!lm de diâmetro, com aréola circular e abertura lenticular inclusa. la5 Parênquima vasicêntrico incompleto, 1 tendente a confluente, sem formar, todavia, faixas concêntricas (Figura 3A, B). Séries parenquimáticas, geralmente com 2células por 7.3 série. Raios homogêneos (Figura 3C, D) e em número de 5 a lO/mm (Figura 3E), compostos inteiramente de células procumbentes (Figura FIGURA 1- Detalhe das mísulas do alpendre do extinto 3C,D). Raios com menos de 10células dealtura colégio jesuítico de São Luiz Gonzaga, em desenho do egeralmente trisseriados, menos comumente uni renomado arquiteto eurbanista Lucia Costa. e multisseriados (Figura 3E, F). Fibras libriformes, de paredes espessas a cortes anatômicos nos planos transversal, muito espessas (Figura 3B). longitudinal radial elongitudinal tangencial. Os mesmos sofreram fervura em água, com vistas ANÁLISE ANATÔMICA E DISCUSSÃO ao amolecimento e expulsão completa do ar, A presença de raios relativamente estreitos foram incluídos em PEG 2000 e seccionados e baixos, de pontoações intervasculares não em micrótomo de deslizamento (modelo ornamentadas, bem como aporosidade difusa e American Optical), regulado para aobtenção de a ausência de espessamentos espiralados em cortes anatômicos com espessura nominal de20 vasos, remetem a amostra à família Bigno- !lm. No caso dos cortes radiais, parte deles foi niaceae, segundo chave dicotômica para tratada com hipoclorito de sódio, com vistas a madeiras americanas com estrutura estratificada salientar a eventual presença de cristais. As (Record, 1943). fotomicrografias daFigura 3foram tomadas com O parênquima vasicêntrico incompleto, câmera Olympus AX, em diferentes aumentos. tendente aconfluente, bem como aporosidade Para aidentificação anatômica, serviu-se da difusa, aabundância deconteúdo amarelado nos literatura indicada na discussão e apresentada vasos e os raios finos, com 3 - 4 (raro mais) nas referências bibliográficas. células de largura, inserem aamostra no "grupo Lapacho" do gênero Tabebuia, de acordo com DESCRIÇÃO ANATÔMICA Record &Hess (1940). Composto denumerosas Anéis de crescimento distintos, marcados, espécies, distribuídas em vasta área geográfica, fracamente, pelo alinhamento deporos noinício oreferido grupo distingue-se das demais seções 15 c B FIGURA 2 - Mísulas do alpendre do extinto colégio jesuítico de São Luiz Gonzaga. A - Vista parcial das peças, conservadas no Museu das Missões (São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul). B, C - Amostras coletadas para estudos anatômicos. 16 FIGURA 3- Fotomicrografias damadeira. A- Anel decrescimento distinto, porosidade difusa eporos muito numerosos, em seção transversal. B- Poros ovais com abundante conteúdo, parênquima vasicêntrico incompleto efibras deparedes espessas amuito espessas, em seção transversal. C- Raios homogêneos elinhas vasculares retilíneas, em seção radial. D - Raios compostos inteiramente de células procumbentes e fibras de paredes espessas a muito espessas, em seção radial. E- Linhas vasculares retilíneas eestratificação completa, em seção tangencial. F- Mesmos aspectos daimagem anterior, com maior aumento. 17 de Tabebuia pela cor castanho-esverdeada da no presente estudo anatômico, demonstra que madeira, bem como pelapresença deabundantes os construtores jesuítas conheciam - e muito depósitos amarelados (Lapachol) em vasos do bem - amatéria-prima disponível naregião, por cerne (Record &Hess, 1943). terem escolhido a madeira mais resistente e O exame detalhado dos três cortes apropriada a obras externas, caso das mísulas anatômicos, comparado a exemplares repre- do alpendre do extinto colégio jesuítico de São sentados no Laminário do Departamento de Luiz Gonzaga. Ciências Florestais da Universidade Federal de Santa Maria, permite identificar o material em estudo como Tabebuia heptaphylla (Vell.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Toledo, com base na presença de raios LOZANO, E.c.; ZAPATER, MA Delimitación y relativamente finos e no parênquima vasicên- estatus de Handroanthus heptaphyllus y H. impetiginosus (Bignoniceae, Tecomeae). trico incompleto, tendente a confluente, sem Darwiniana, San Isidro, v.46, n.2,p. 304-317, formar, todavia, faixas concêntricas. Atribuído 2008. ao popular "Ipê-roxo" do Rio Grande do Sul, MATTOS, J.R. Handroanthus, um novo gênero para este binômio latino foi reduzido, por Mattos os "ipês" do Brasil. Loefgrenia, São Paulo, (1970), à sinonímia de Handroanthus n. 50, p. 1-4, 1970. heptaphyllus, nome científico atualmente válido RECORD, S.J. Woods of storied structure. Tropical para aespécie (Lozano &Zapater, 2008). VVoods,n. 76,p. 32-47,1943. Abundante na região missioneira do Rio RECORD, S.J.; HESS, R.W. American timbers of Grande do Sul, o ipê-roxo é árvore de grande thefamily Bignoniaceae. Tropical Woods,n.63, porte, com troncos retos ediâmetro considerável p. 9-38, 1940. em indivíduos adultos, produtora de madeira RECORD, S.J.; HESS, R.W. Timbers of the New notável por sua durabilidade natural e elevada VVorld.New Haven: YaleUniversity Press, 1943. resistência mecânica. Ouso doipê, comprovado 640 p. 18