ebook img

O sujeito psicológico em Adorno PDF

16 Pages·2012·0.12 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview O sujeito psicológico em Adorno

Paula Campolina Oliveira O sujeito psicológico em Adorno P C O AULA AMPOLINA LIVEIRA Introdução O presente texto traz uma abordagem acerca do sujeito psi- cológico presente na obra de Theodor Adorno, enfocando os núcleos temáticos por ele mais abordados, além de buscar fa- zer uma análise do uso que este filósofo faz do Marxismo e da Psicanálise quando fala do indivíduo. Também será feita uma reflexão sobre os limites da Psicologia no sentido ético, normativo dessa disciplina. O sujeito condicionado pela sociedade torna-se coisa Segundo Adorno, apropriamo-nos da realidade, não só atra- vés da razão/pensamento, mas também via inconsciente, de modo irracional, ou seja, há um primado do objeto no sujeito. A 47 O sujeito psicológico em Adorno primazia do objeto significa que o sujeito carrega em si uma por- ção irredutível à consciência. Conseqüentemente, toda teoria da subjetividade deve investigar o modo como a realidade social penetra na dinâmica inconsciente dos sujeitos, pois tanto o lado racional como o afetivo, tanto o inconsciente como o conscien- te são marcados pela sociedade. A dimensão psicológica é au- tônoma, mas não se pode negar o aspecto social dos compor- tamentos. A manipulação das forças inconscientes, para longe do domí- nio do ego individual, é feita por um processo social de estandardização, no mundo administrado. Ceder ao impulso, assim, se torna mais difícil, pois esbarra na punição social – as massas não atuam “instintivamente” pois estão condicionadas pela censura do poder (indústria cultural). A dialética da adapta- ção às realidades endurecidas tornam endurecidos os indivídu- os, que, quanto mais se ajustam à realidade mais se convertem em coisas. Seu realismo acaba por destruir sua própria vida, superando a racionalidade auto-conservadora. O sujeito se dis- solve na maquinaria da produção social: quanto mais os indiví- duos são esvaziados de sua individualidade pela máquina soci- al, a qual está vinculada ao sistema condicionador, tanto mais se eleva, ilusoriamente, o homem a um ser dotado do atributo da criatividade e da dominação absoluta. Deste modo, o indivíduo e sociedade se tornam um, na medi- da em que a sociedade sobressai nos homens, impedindo sua individuação. A identidade que fica não é a reconciliação do geral e do particular, mas a absolutização do todo social, no qual de- saparece o particular; “abstrai-se dos indivíduos psicológicos o transcendental, tornando-os apêndices da maquinaria social e 1. ADORNO, Sobre sujeito por fim ideologia.”1 e objeto, p.185. 48 Paula Campolina Oliveira Indústria Cultural A Indústria Cultural é um sistema do capitalismo que controla o indivíduo de forma “prazerosa”, (sem que este perceba o contro- le exercido), pois ao consumir a indústria cultural, o indivíduo sen- te-se incluído em um universo imaginário proposto pela socieda- de como “o bom”. Ele satisfaz uma necessidade, além de consu- mir imaginariamente o poder – “eu tenho, portanto sou”. O indiví- duo não se reconhece no objeto consumido, ao contrário, ele molda sua subjetividade a partir do objeto. O objeto passa a ser objeto da subjetividade, porque ele simboliza o poder social. É necessário que se diga que, para Adorno, o homem na in- dústria cultural é apenas instrumento, tanto de trabalho como de consumo, o que o qualifica como objeto. E esse homem- objeto sofre a manipulação e a ideologização, a ponto de seu lazer se tornar uma continuidade do trabalho, no qual ele segui- rá a ideologia dominante. Na indústria cultural, o indivíduo é apenas uma ilusão de si mesmo, e a padronização do modo de produção é uma das causas disso. Ele só é aceito na medida em que sua identidade torna-se incondicional com o universal. As singularidades do eu são apenas mercadorias facilmente monopolizadas e condicio- nadas que se fazem passar por algo banal. A indústria cultural, que se norteia pela racionalidade técnica esclarecida, prepara as mentes para semear o esquematismo oferecido por ela – que aparece para os seus usuários como um conselho, um know how do qual o usuário se apossa sem se dar o trabalho de pensar, basta escolher. É a lógica do clichê. Receitas prontas, que podem ser empregadas indiscriminada- mente, tendo como condição à aplicação ao fim a que se desti- nam. Nada escapa da indústria cultural, o que faz com que toda vida se torne repetição do todo social. 49 O sujeito psicológico em Adorno Como dizem Adorno e Horkheimer: ...ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma di- mensão na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediata- mente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam es- 2 2. ADORNO & HORKHEI- sas capacidade em virtude de sua própria constituição objetiva. MER, Dialética do esclare- cimento: Fragmentos filo- A proposta da indústria cultural é ofuscar a percepção das sóficos, p.119. pessoas, priorizando o poder daqueles que são formadores de opinião. Sendo assim, ele é a própria ideologia, regendo os va- lores e até mesmo influenciando e condicionando a felicidade dos indivíduos. Desse modo, percebe-se que a indústria cultural hoje tem gran- de força econômica e psíquica, ela está imersa no cotidiano, passa a ser a própria vida cotidiana tanto em termos objetivos como psicológicos. Elementos do Anti-Semitismo Segundo Adorno, o anti-semitismo não é dirigido apenas con- tra os judeus, é um processo universal que vai além da especificidade da vítima, e a conseqüência filosófica disso é que, no preconceito, o objeto do preconceito é o que menos importa para explicá-lo. Adorno, quando se refere aos elementos do anti-semitismo, diz que todo sujeito que mostra predisposição anti-semita é tam- bém um sujeito etnocêntrico, ou seja, predisposto a discriminar vários grupos. Ele tende a idealizar o grupo e o líder com os 50 Paula Campolina Oliveira quais se identifica, projetando qualidades negativas naqueles com os quais não têm identidade, tornando-os objetos do precon- ceito: vagabundos, judeus, protestantes, católicos, negros, homos- sexuais etc.: cada um deles pode tomar o lugar do inimigo. O anti-semitismo baseia-se numa “falsa projeção”. Ele carac- teriza o mais familiar como algo de hostil. Os impulsos que o sujeito não admite como seus e que, no entanto, lhe pertencem são atribuídos ao objeto: à vítima em potencial. O preconceito é gerado na sociedade, no entanto, a sua internalização depende de motivações irracionais e necessidades inconscientes dos sujeitos, ou seja, compõe-se por meio de deter- minações objetivas e subjetivas, adquiridas durante o processo de socialização: elas são psicossociais. O que nutre os preconceitos é a própria dinâmica psicológica, não sendo fácil erradicá-los. Às vezes, a própria ciência pode servir para legitimar preconceitos ou colocar-se neutra frente a eles, como se não existissem. “A psicologia anti-semita foi, em grande parte, substituída por simples ‘sim’ dado ao ticket fascista, ao inventário de slogans da grande indústria militante.”3 O papel da psicologia declinou, o 3. ADORNO & HORKHEI- MER, Dialética do esclare- indivíduo não precisa ser psicologicamente contra os judeus, cimento, p.187. basta aceitar a ideologia, o slogan, o ticket vigente: aceitar se omitir frente a perseguição. A “Mentalidade de Ticket” divide o mundo em partidos rigida- mente distintos. Não há mudanças, mas um congelamento da realidade em campos de forças que não mudam, e segue-se uma plataforma que já está pronta, sem muita reflexão. Tipologia psicológica “O fator que torna sempre plausível o enfoque tipológico não é de caráter estático – biológico senão, muito pelo contrário, dinâmico e social. O fato de que a sociedade humana tenha 51 O sujeito psicológico em Adorno estado dividida em classes até a atualidade afeta algo mais que as relações externas entre os homens. Na alma do indivíduo caem 4. ADORNO, La personali- impressas as marcas da repressão social.”4 dad autoritária, p. 697. A crítica das modernas sociedades passa necessariamente pela crítica do indivíduo. Na década de 1940, Adorno apresenta em “A personalidade autoritária”, uma espécie de tipologia psicológica: enquadram-se os sujeitos em “tipos” uma vez que as forças sociais impedem a individuação, submergindo o particular no mais geral. A tipologia pretende ser, portanto, uma denúncia do existente. Há um processo de perda da individualidade que, na verda- de, é despolitizante, pois junto com o enfraquecimento da cons- ciência individual, reduz-se a capacidade de crítica social. Horkheimer explica tal processo através da obsolescência da unidade familiar. A conseqüência disso é a falta de contato com uma autoridade, o que origina uma falta de capacidade de críti- ca da própria autoridade. A sociedade burguesa atual é forma- da por indivíduos que podem ser usados como exemplos de uma heteronomia radical. Desse modo, a questão do indivíduo é muito mais complexa e eminentemente ético-política, embora seja também psicológi- ca. Quanto maior o grau de alienação social, menor será o de- senvolvimento das individualidades. Adorno e a Psicanálise Adorno esteve sempre preocupado em romper com sistemas positivistas de pensamento, pois estes pregam a existência de algo positivo, que estaria no indivíduo e no ambiente, como uma essência, algo dado, invariável. Adorno, por outro lado acredita em um entrelaçamento dialético de sociedade e indivíduo. A psicanálise revisionista americana é uma das correntes que adotam o ideário positivista, concebendo o ego como algo raci- 52 Paula Campolina Oliveira onal, que não depende do inconsciente. Ela corta a relação do ego com a libido. Assim como a civilização moderna se baseia na alienação da natureza e do sujeito, o ego também é visto como algo independente. Já Adorno, em sua perspectiva dialética, concebe uma inter- cessão entre o ego e a libido, e uma intercessão dos dois com a sociedade/cultura. Há uma dialética, um entrelaçamento variá- vel desses elementos. Em termos freudianos, a dinâmica libidinal origina o caráter, diferentemente dos revisionistas, que cortam a relação impulso/ caráter, colocando a cultura na base de tal dinâmica. Deslocar a raiz dos conflitos inconscientes para o consciente, para as rela- ções conscientes do indivíduo com a sociedade, torna tudo su- perficial. Separar o indivíduo da libido, deixando apenas uma razão egóica plasmada pela sociedade e capaz de administrar os sentimentos, isto torna o indivíduo uma mera função do meio. A psicanálise precisa incluir as forças sociais em seu pensamen- to analítico, porém, não do modo como os revisionistas pro- põem pois, quanto mais se sociologizar a psicanálise, mais po- bre esta se tornará enquanto órgão para obter um conhecimen- to dos conflitos de origem social. Freud via a psicologia do indivíduo como uma psicologia Social. Uma psicologia na qual a dinâmica psíquica singular era vista como ligada às relações sociais mais amplas. Porém, ao mesmo tempo em que percebia o entrelaçamento indivíduo/ sociedade, Freud pensava na sociedade como algo rígido, legi- timando a repressividade da civilização. Ele não criticava a mo- ral civilizada, aceitando, assim, sua repressividade. Adorno criti- ca Freud, pois este não analisou até o fim o problema da civiliza- ção: será que a civilização tem razão ao limitar os impulsos dos indivíduos? É daí que os revisionistas desenvolvem sua teoria: o indivíduo ‘são’ é o indivíduo normalizado pela sociedade. Tal consideração, porém, suscita uma questão: quais os 53 O sujeito psicológico em Adorno parâmetros de normalização? Quem define o que é bom e o que é ruim em uma sociedade? Saúde psíquica não é nem, pode ser, um mero ajustamento social, visto que nem sempre os pa- drões sociais são os melhores ou corretos. Deve-se lembrar que a realidade social é permeada por relações de dominação, as quais não são fundadas no bem-estar social, mas nos ditames da produção. Diante disto, Adorno iguala a psicanálise revisionista à indús- tria cultural: as duas estão preocupadas com a integração do indivíduo à sociedade – isso é ideologia. Adorno tenta justamen- te desfazer totalidades ideológicas: a bela harmonia, a crença de que a sociedade é boa, mas que existe um ou outro indivíduo que é ruim; a idéia de que o indivíduo tem tudo para ser feliz, mas apenas aquele que se esforça vence na vida, enquanto aquele que é ruim fracassa. Esse mecanismo ideológico, que é muito difundido na indústria cultural, vide o “Big Brother”, é trans- posto para o interior de uma psicanálise revisionista, que prioriza as relações do “aqui-e-agora”, que é superficial e leva os indiví- duos a se conformarem com as coisas como são: aquele que for “do contra”, lidaremos com seu ego para que ele perceba que está errado. O método catártico utilizado pela psicanálise revisada é o da adaptação e sucesso econômico, o que torna a psicanálise americana uma espécie de higiene, uma ideologia da normalização dos indivíduos. Segundo Adorno, uma terapêutica da verdade é aquela que explicita a própria relação de dominação e o modo como as pessoas estão submetidas a ela. Explicita a infelicidade, mos- trando que não são os únicos que passam por isso. A real tera- pia deve estimular o pressentimento da insuficiência da felicida- de. Mostrar que a felicidade oferecida, a “felicidade do consu- mo” é apenas mais uma forma de dominação, de estandardização do indivíduo. 54 Paula Campolina Oliveira Adorno e o Marxismo Na sociedade capitalista, a força de trabalho tornou-se mer- cadoria. E por isso o trabalho foi coisificado, alienado, não apa- recendo na consciência das pessoas como presente nas mer- cadorias. Esse fetichismo da mercadoria (aparência de indepen- dência e poder que a mercadoria adquire diante do trabalha- dor) acaba se apoderando das pessoas e as transforma em feti- ches para si mesmas: os indivíduos precisam/querem ter o mes- mo fascínio, a mesma visibilidade e mobilidade que as mercado- rias possuem. Adorno retoma Marx, ao salientar a questão da transposição do fetiche da mercadoria para o indivíduo, e a questão do valor de troca e do valor de uso dado às pessoas, as quais pensam e se vêem também como mercadoria/coisa. Sob o ponto de vista da comercialização, o vivente enquanto tal transformou-se a si mesmo em coisa, em equipamento. Adorno volta-se para a questão segundo a qual a formação do indivíduo não é meramente biológica, mas também social, o que faz com que indivíduo reflita não só externamente, mas tam- bém internamente o processo social no qual está inserido. Sua autoconsciência, como um “ser-em-si” é ilusória, funcionando conforme a necessidade de produção, uma vez que “tudo que é individual funciona como mero instrumento da lei do valor”. Segundo Adorno, “o processo, que se inicia com a transforma- ção da força de trabalho em mercadoria, permeia todos os ho- mens – transformando-os em objetos e tornando, a priori, comensuráveis cada um de seus impulsos, como uma variante da relação de troca.”5 5. ADORNO, Minima mora- lia, p. 201. Todo empenho na adaptação, todos atos de conformismo re- latados pela psicologia social e pela antropologia cultural são apenas epifenômenos. Adorno enfatiza que a “constituição or- 55 O sujeito psicológico em Adorno gânica do homem” não diz respeito apenas às suas capacida- des técnicas racionais, mas também, aos aspectos da natureza corporal que apareceram com a dialética social, e agora sucum- bem a ela. Até mesmo aquilo que não diz respeito à técnica vê-se incor- porado ao homem como algo que atua na manutenção dessa técnica. Como exemplo, pode-se citar as diferenças psicológi- cas dos indivíduos, as quais são produzidas através da divisão do trabalho, e que também o dividem, fracionam, colocando-os num embate entre a liberdade e a produção, no qual acaba ven- cendo a produção. Adorno tenta mostrar que, na verdade, existe uma ideologia individualista que diz que todos são livres para serem indivíduos plenos: “você tem o direito de ser feliz...desde que...”. Uma ideo- logia individualista, que não corresponde à situação da realida- de do indivíduo na sociedade: indivíduos com problemas para se educar, com dificuldade de arranjar trabalho, aspectos que são grandes fatores de individuação. A realidade do indivíduo, hoje, é de perigos, de precariedade, apesar disso, tem-se a indústria cultural fazendo um movimento para reconstruir as mesmas condições sociais, reproduzir as mesmas estruturas econômicas, fazendo com que o indivíduo acredite que “do jeito que está, está ótimo”, não havendo, as- sim, confrontação com o sistema. Os Limites da Psicologia A Psicologia emergiu como uma ciência autônoma no mes- mo solo social que gerou a idéia do indivíduo como “mônada” (fragmento individual da realidade que é, ao mesmo tempo, uma síntese do universal), e sua função social tem sido alimentar as ilusões dos indivíduos sobre si mesmos, ou detê-los em suas 56

Description:
O presente texto traz uma abordagem acerca do sujeito psi- cológico presente na obra de Theodor Adorno, enfocando os núcleos temáticos por ele
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.