ebook img

O significado do protesto negro PDF

110 Pages·1989·1.714 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview O significado do protesto negro

COLEÇÃO POLÊMICAS DO NOSSO TEMPO Volume 33 Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Fernandes, Florestan, 1920 — Significado do protesto negro / Florestan Fernandes. — São Paulo : Cortez : Autores Associados, 1989. — (Coleção polêmicas do nosso tempo ; v. 33) Bibliografia. ISBN 85-249-0195-0 ' 1. Negros - Brasil - Condições sociais I. Título. II. Série. CDD-305.896081 89-1265 índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Negros: Integração social: Sociologia 305.896081 2. Negros no Brasil: Sociologia 305.896081 Significado do protesto negro POLÊMICAS DO NOSSO TEfy SIGNIFICADO DO PROTESTO NEGRO Florestan Fernandes Conselho editorial: Antonio Joaquim Severino, Casemiro dos Reis Filho, Dermeval Saviani, Gilberta S. de Martíno Jannuzzi, Miguel de La Puente, Milton de Miranda e Walter Esteves Garcia. Capa: edição de arte: Carlos Clémen arte-fmal: Maria Regina Da Silva Composição em poSester: Comporart Coordenação editorial: Ana Cândida Costa Editoração: Danilo A. Q. Morales Preparação de originais: Silvana Cobucci Leite Revisão: Márcia Longo e Caimem T. S. Costa Supervisão editorial': Antonio de Paulo Silva Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do autor e dos editores. © 1989 by Florestan Fernandes Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA/AUTORES ASSOCIADOS Rua Bartira, 387-TeI.: (011) 864-0111 05009 —São Paulo—SP __________- "C.si iko UNIVERSITÁRIO UNLNOVE Impresso no Brasil - 19í SUMÁRIO Prefácio........................................................................ 7 Um mito revelador........................................................ 13 0 negro e a democracia................................................ 20 Alienação e auto-emancipação.................................... 25 O 13 de Maio.............................................................. 30 O protesto negro.......................................................... 35 As tarefas políticas do protesto negro........................... 33 Luta de raças e de classes.............................................. 55 A classe média e os mulatos: a questão dos "negros de alma branca” .............................................. 65 O centenário da antiabolição......................................... 77 Nexos da cultura negra................................................ 84 O negro........................................................................ 97 As relações raciais em São Paulo reexaminadas............ 100 Apêndice: Homenagem, a José Correia Leite................. 110 PREFÁCIO A pesquisa feita em 1951, dirigida pelo professor Roger Bastide e por mim, nasceu sob um signo prático. A UNESCO pretendia sensibilizar o governo para a adoção de medidas legais favoráveis ao negro e ao mu­ lato e demonstrar que negros e brancos podem conviver “democraticamente”. Essa é a idéia corrente no exte­ rior, fomentada pela mesma hipocrisia que impera no Brasil: nós somos o paraíso tropical da convivência de­ mocrática das raças. A questão seria meramente “so­ cial”, como se as formas de discriminação, segregação e preconceito dos Estados Unidos e da África do Sul não fossem também uma “questão social”, que deita raízes em um passado colonial recente e nas seqüelas que ele produziu e que ainda não foram ultrapassadas... Essa consciência falsa é fomentada por uma pro­ paganda tenaz, na qual se envolvem órgãos oficiais do govemo, personalidades que deveriam ter uma posição crítica em relação ao nosso dilema racial e livros que representam o português, o seu convívio com os escra­ vos e a Abolição sob o prisma dos brancos da classe dominante. Excetuando-se alguns raros autores, a ima­ gem autêntica da realidade histórica passou a circular graças à imprensa negra, aos movimentos sociais no meio negro e ao teatro experimental do negro. A pes­ quisa sociológica desvendou com maior rigor e objetivi­ dade a situação racial brasileira, e os principais sociólo­ go KT-ocíi^írnc niift contribuíram para isso, viram a fa­ çanha ser incluída em suas fichas policiais de agitadores e concorrer para a sua exclusão da universidade e, por vezes, do país. Essa “democracia”, que teme a verdade e reprime os que a difundem, oferece o retrato por intei­ ro do medo do negro e de seus descendentes mestiços. E mostra.que a repressão e a violência não podem impedir que eles se projetem como agentes de sua auto-emanci- pação coletiva e de criação de uma nova sociedade, com outro solo histórico. Para mim, e talvez para o professor Roger Bastide, a prática social transformadora não devia se encerrar no plano legal. Em nosso livro*, redigido em comum, cou­ be-me focalizar os efeitos & as limitações da “lei Afonso Arinos”, que apontavam na direção da necessidade de medidas mais drásticas e eficientes. Desde que descobri o que se ocultava por trás do “emparedamento do ne­ gro” (expressão usada pelos líderes dos movimentos so­ ciais), os meus sonhos iam na direção de uma rebelião consciente e organizada dos negros, que detonasse uma transformação democrática e igualitária da nossa ordem social. Os negros são os testemunhos vivos da per­ sistência de um colonialismo destrutivo, disfarçado com habilidade e .soterrado por uma opressão inacreditável. O mesmo ocorre com o indígená, com os párias da terra e com os trabalhadores semilivrès superexplorados _das cidades. Por que o negro? Porque ele sofreu todas as humilhações e frustrações da escravidão, de uma Abo­ lição feita como uma revolução do branco para o branco e dos ressentimentos que teve de acumular, vegetando nas cidades e tentando ser gente, isto é, cidadão co­ mum. O negro surgia como um símbolo, uma esperança e o teste do que deveria ser a democracia como fiisão de igualdade com liberdade. * Relações raciais entre negro e branco em São Paulo, 33 ed., São Pau­ lo, Editora Nacional, 1959. Comparativamente, as diferenças entre a situação racial brasileira de 1951 (e 1954, quando ampliei a son­ dagem empírica) e a situação racial de hoje são de pe­ quena monta. Quase quatro décadas depois, a maioria da população negra forma um bolsão de excluídos — da riqueza, da cultura e do poder. Aumentou a participação relativa de uma rala minoria, as migrações internas ele­ varam sua concentração em diferentes tipos de cidades inchadas e a ascensão social - especialmente em São Paulo, objeto da investigação - escancarou algumas vias para o aparecimento de uma diferenciação mais acen­ tuada dentro da população negra, pondo lado a lado os “peões” e os operários qualificados, uma^pequena hiif.- giíèsia negra mais ou menos consolidada, um agregado dé “classe média de cor” e. uns,poucos _“negros ricos òu milionários”. Traterse-doinicio.de .uma nova era, dentro dÕ^cãpítalismo. Mas um começo nada promissor, porque o processo de diferenciação é lento, sinuoso, com cons­ tantes vaivéns. Porém, que contraste com as trágicas realidades que permearam sua exclusão do mercado de trabalho, no alvorecer do século XX, e com o que veio em seguida', de 1900 a 1930, que despertou a .irá dos negros mais rebeldes e os incentivou a desencadear um movimento social de estilo moderno, de sentido cívico è urbano - o primeiro que assinala a luta de uma “mino­ ria’3, que é'majoritária, em nossa evolução, histórícal Os êxitos relativos haviam afastado as elites ne­ gras dos movimentos sociais” desde a década de .40 e.. com maior intensidade posteriormente. A cultura negra incorporou a açefalização e á aceitação tácita de uma condição ambígua como um preço a pagar. A identidade com a rebeldia e a rejeição ficara, pois, nas mãos dos negros oprimidos é que não queriam aceitar a ascensão so.cial. como uma catástrofe moral. Portanto, a radicali­ zação desliza para baixo é toma-se seletiva entre os ou­ tros estratos sociais daquela população. Ela se aloja nos movimentos sociais que não eram especificamente ne- ptos. nos sindicatos, em orp-aniracões cnlfnrais hnma- nitárias ou de justiça social e nos partidos de esquerda. Os grandes partidos da ordem recorrem à manipulação clientelista e ao fisiologismo, cooptando negros que já podem concorrer' na arena política por cargos públicos expressivos. Mas essa investida é repelida pela maioria, e o negro radical se aloja nos partidos de esquerda, principalmente no PT. Transcorrera uma mudança de avaliações nesses partidos. Em 1951 enfrentamos a re­ sistência do PCB, que teimava em separar raça e classe e considerava a questão racial como exclusivamente de classe. As descobertas sociológicas e o clamor dos tra­ balhadores e militantes negros modificaram a consciên­ cia da situação. De outro lado, mesmo no seio da es­ querda, a percepção da realidade dos negros demonstrou que o próprio, companheiro branco nunca estava isento do preconceito e da discriminação ou que os partidos de esquerda avançaram sobre uma pregação igualitária que estavam longe de praticar. Seria preciso dar tempo ao tempo e moldar uma personalidade democratica, que não^poderia nascer pronta e acabada em um átimo. Ouvi e~tvve~de debater honestamente criticas ao PT e a CUT. Contudo, ainda não chegamos à sociedade que preten­ demos construir e ao homem novo, que ela deverá ge­ rar! O último capítulo de O negro no mundo dos bran­ cos constitui um dos ensaios mais sofridos e sinceros que escrevi. Mas, na ansiedade de ver mudanças mais rápidas e profundas, imputei ao negro um papel radical que ele não poderia desempenhar, ainda menos sozinho. A nossa situação racial foi elaborada ao longo do de­ senvolvimento do modo de produção escravista e da so­ ciedade senhorial. Atentei logo o quanto o passado moldara o presente, pois tratei do assunto no primeiro livro, a ele voltei nos outros e em 1965 escrevi um en­ saio sobre o peso do passado. É preciso extirpar esse passado para que nos livremos dele. Essa não é uma ta­ refa exclusiva dos negros mais firmes e conscientes. Ela pertence a todos nós - e as transformações recentes permitem que nos unamos no mesmo combate, com os irmãos e companheiros negros à frente. A dispersão dos negros mais ou menos revoltados por toda uma rede ins­ titucional ativa facilita esse processo e lhe confere uma prioridade e uma urgência que são realmente novas. O clima cindido das comemorações do 13 de Maio e do centenário da Abolição demonstra que os tradicionalis­ tas operam a partir de cima e não contam com força para preservar seus mitos. Há um impulso coletivo, que pro­ cede de baixo, e redefine a ótica dos que se querem en­ xergar diante do espelho com a pele de cordeiros ou a natureza de democratas. A ótica nova é implacável, tan­ to na definição da realidade existente quanto no desdo­ bramento do que. deve ser feito para que o Brasil mereça o conceito de sociedade plurirracial democrática. As mentiras desabam. Mas as verdades se objeti­ vam e se impõem devagar. Elas exigem que o negro não se separe do todo, como o fez por inclinação e necessi­ dade o senhor de escravos. A camada senhorial encara­ va o escravo como uma coisa, um “fôlego vivo”, ou se­ ja, um animal e uma mercadoria. Ele não fazia parte da sociedade estamental, era excluído como uma casta e dentro dela não contava como uma pessoa, dotada da condição para valer-se de direitos e deveres. Na socie­ dade capitalista e como trabalhador assalariado, ele des­ fruta de uma posição social e pode associar-se livremen­ te para alterar o status quo. A classe não o expulsa, in­ tegra-o ao sistema de trabalho e à estrutura social do modo de produção capitalista. Ele pode ser, assim, du­ plamente revolucionário - como proletário e como ne­ gro. Se não conta com razões imperativas para defender a ordem existente, ele tem muitos motivos para negá-la, destruí-la e construir uma ordem nova, na qual raça e classe deixem de ser uma maldição. Por essa razão, os de cima estão tão atentos aos movimentos negros, suas simpatias pelos partidos de esquerda, suas atividades no PT e seu ânimo de converter um mito no túmulo dos que

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.