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O Século Dezenove - do Neoclassicismo ao Modernismo PDF

177 Pages·2015·8.95 MB·Portuguese
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História da arte no Brasil O Século Dezenove: do Neoclassicismo ao Modernismo Sumário O Século 19 - Raul Mendes Silva A pintura indianista - André Luiz Faria Couto Ender, pintor da Missão Austríaca - Raul Mendes Silva A Carioca, de Pedro Américo - Raul Mendes Silva Candelária, Decorações da - André Luiz Faria Couto O século XIX Raul Mendes Silva 1. A Missão Artística Francesa. O Neoclassicismo Em 1816 chegou ao Rio de Janeiro uma “Missão” de artistas e artesãos franceses, em condições que ainda despertam dúvidas e polêmicas. De qualquer forma, sua influência nas artes e nos costumes foi profunda e prolongada. Para entendermos melhor as circunstâncias e o significado da Missão precisamos observar o que nessa altura se passava na Europa, em particular na França. O mais intrigante é que D. João VI não parecia ter quaisquer inclinações pelas luzes da cultura iluminista, nem lhe passaria pela cabeça educar seus filhos, entre os quais o futuro Imperador Pedro I, no seio da cultura francesa e de seus ideais libertários. Além disso, os franceses convidados eram francamente contra a Monarquia, sobretudo seu chefe, Lebreton. Antecedentes históricos na Europa Na Europa do final do séc.18 e início do seguinte, a História havia-se desenrolado com “rapidez”, modificando radicalmente em prazos curtos a situação política dos Estados. Fora apenas dezessete anos antes da chegada da Missão, em novembro de 1799, que Napoleão Bonaparte tinha articulado com êxito e sem derramamento de sangue, um golpe de estado na França. Ele estava voltando de campanhas militares vitoriosas pelo Continente e encontrara muitos franceses decepcionados com a desorientação republicana, a quem faltava um líder. Às vezes, os heróis parecem fazer muita falta, mas quando um surge provoca um tremendo vendaval histórico. Era o que estava para acontecer na França. A instalação da República, após a Revolução de 1789, gerara um clima de nacionalismo que transcendia a exacerbação étnica ou regional. A ideia da “Pátria” irrompia com pujança no Velho Continente, até então à mercê dos conchavos oligárquicos das cortes envelhecidas. Esse golpe ficou conhecido como o 18 de Brumário - a Revolução republicana tinha sido tão radical que até mesmo mudara os nomes dos meses – novembro, mês invernoso europeu, período de brumas, passara a chamar-se Brumário. A burguesia liberal, sucedânea da aristocracia e do clero no poder, ambicionara estabelecer uma república representativa, mas os acontecimentos acabaram arrastando a situação para uma monarquia “romana”, com o aparecimento de um novo César, o Napoleão nascido em Ajaccio, na Córsega, em 1769. Logo após o 18 de Brumário cresceu a desordem interna na França, que além disso enfrentava ameaças nas suas fronteiras de Leste e Sudeste, situação que, aliás, permitiu a Napoleão mostrar sua capacidade de liderança. A dinastia dos Bourbons tinha sido apeada violentamente do poder pela Revolução e muitos imaginaram erroneamente que o ditador fazia jogo duplo, preparando a volta da Monarquia. Mas em dezembro de 1799 ele mesmo proclamava que sua intenção era “fazer a República querida dos cidadãos, respeitada pelos estrangeiros e formidável para com os inimigos.” A autocracia de Luiz XIV, com seu poder ilimitado (cinzelado popularmente na frase-síntese “O Estado sou Eu”) fora substituída por uma ideologia laica: a autoridade e o poder não pertencem a um monarca, qualquer que seja, que se apresente como representante de Deus na Terra. O poder é uma delegação de apresente como representante de Deus na Terra. O poder é uma delegação de toda a Nação, não mais ilimitado e muito menos perpétuo. A vontade geral da Nação pode retirar tal poder a qualquer momento, se ele não estiver mais de acordo com essa vontade. Entretanto, os desejos da Nação devem ser expressos através de seus políticos eleitos (deputados, senadores e outros tipos de representantes populares) e não diretamente. Hoje diríamos não escolhidos em eleições diretas. A ideologia do nacionalismo, mesclada com a emoção do patriotismo, já não se baseava na personalidade do monarca, mas acendia-se e fundia-se com os emblemas da Revolução: a Bandeira (tricolor: azul, vermelha e branca) e o Hino Nacional, A Marselhesa, que conclamava às armas os soldados e os cidadãos para lutar pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O que isto tinha a ver de ideológico com o poder na sociedade colonial brasileira de D. João VI? Certamente pouco ou nada, a não ser em círculos intelectuais muito limitados. Como tinham sido quebrados os grilhões sociais impostos pela nobreza e o clero, nem o nascimento em “berço de ouro”, aristocrático, nem os privilégios religiosos poderiam determinar os limites da lei. Agora era a riqueza, o poder laico, que elevaria qualquer pessoa aos mais altos cargos públicos. Os quadros que vão governar o país sairão desta nova classe - a burguesia - uma camada heterogênea de cidadãos, que tanto podem ser agricultores bem sucedidos como comerciantes ou industriais com intuição para os negócios. Os Jacobinos: durante dez anos, a partir da Revolução de 1789, um grupo de republicanos exaltados, a certa altura liderado pelo revolucionário Robespierre, foi até 1794 (data da execução deste político) protagonista da cena política da França. Os jacobinos encarnavam a oposição à monarquia, ao espírito tradicionalista e aos privilégios classistas e fiscais da aristocracia dominante. Boa parte da energia jacobina transferiu-se para a ideologia dos socialistas do final do séc. 19. A palavra passou para a sociedade brasileira com sentido idêntico e atravessou longo período desse séc. com o mesmo conteúdo semântico. Mas nem na Europa, nem na França, os princípios anteriores estavam mortos. A tradição contrarrevolucionária, o saudosismo monarquista e a nostalgia do ancien régime logo iriam aflorar. As ideias revolucionárias, porém, tinham mexido com estruturas centenárias, por exemplo, proclamando a igualdade racial e a abolição da escravatura. Mais uma vez, na sociedade brasileira da época, quase não se cogitava ainda destes temas. “ ... A revolução é moral em sua quase não se cogitava ainda destes temas. “ ... A revolução é moral em sua própria essência: em primeiro lugar porque cada povo tem o direito de adotar a constituição que deseja, sem a intervenção de qualquer potência estrangeira: depois, porque esta constituição (sendo) conforme ao direito e à moralidade, tornará impossível qualquer guerra de agressão (estrangeira) o que será uma nova garantia para o progresso da humanidade, princípio que só pode fazer parte de uma constituição republicana ... Mesmo que esta finalidade não tenha sido atingida, mesmo se a constituição finalmente acabar fracassando e se, aos poucos, tivermos de voltar ao Velho Regime (monarquia) como estão dizendo os políticos, estas horas iniciais de liberdade, em termos de testemunho filosófico, nada perderiam de seu valor. Trata-se de um acontecimento muito importante, muito mesclado com os interesses da humanidade, que terá uma imensa influência em todas as partes do mundo e dos povos. Mesmo em outras circunstâncias (esses povos) se lembrarão e desejarão recomeçar essa experiência (da revolução)”. (Emmanuel Kant, O Conflito das Faculdades, 1798). Em 1814, após uma desastrada invasão da Rússia, as tropas napoleônicas são vencidas e Bonaparte enviado para o exílio na Ilha de Elba, no Mediterrâneo. O ditador consegue escapar e de novo comandar suas tropas para, em junho do ano seguinte, sofrer uma derrota definitiva em Waterloo, onde as tropas francesas foram massacradas pelos exércitos inglês e prussiano. Napoleão foi então desterrado para a Ilha de Santa Helena no Atlântico, onde morreu. Três potências imperiais (Rússia, Prússia e Áustria) uniram-se numa Santa Aliança conservadora, com o objetivo de preservar o poder absoluto das monarquias e impedir a propagação de ideias liberais. Vencido o Corso, a França da Restauração voltou aos Bourbons, enfrentando problemas políticos profundos, tendo numa ponta os ultraconservadores e no centro os monarquistas moderados. Mas, por mais que os reacionários saudosistas quisessem voltar aos velhos tempos, as conquistas da burguesia eram irreversíveis e, aliás, a economia do país encontrava-se em expansão. Além de tudo isto, os Bourbons tinham voltado ao poder politicamente despreparados. A transição foi bastante pacífica entre o fim do bonapartismo e o reinício da monarquia. Mas os jacobinos, que haviam antes invadido todos os níveis do poder no governo napoleônico, começaram, logicamente, a sofrer perseguições, além de perderem seus cargos públicos. Suposições e fatos sobre a vinda da Missão Os integrantes da Missão de 1816, a começar pelo chefe, Lebreton, tinham sido partidários de Napoleão. Uma viagem para um país longínquo como o Brasil devia-lhes parecer uma solução. D. João VI não era, realmente, pessoa de ressentimentos: haviam sido, precisamente, os exércitos napoleônicos que tinham invadido Portugal, obrigando-o refugiar-se no Brasil ... Oliveira Lima (D. João VI no Brasil, Topbooks, Rio de Janeiro, 1996, págs 159 e segs) nessa monumental biografia daquele monarca, estranhamente não parece ter atribuído à Missão grande importância, escrevendo sobre ela apenas meia dúzia de páginas num livro de oitocentas: “ ... deram princípio a uma Academia de Belas-Artes, organizada com artistas franceses de mérito e reputação contratados por intermédio do Marquês de Marialva, embaixador (português) em Paris depois da Restauração dos Bourbons ... Há até quem julgue e Debret o insinua, que a primeira ideia da Academia nasceu das conversações de Humboldt com aquele diplomata e ilustre fidalgo português, que em França soubera constituir-se um círculo de artistas, sábios e homens de letras, para ajudar e socorrer, aos quais estava sempre aberta sua generosa e franca bolsa ... ” Outra hipótese para a vinda dos franceses é que eles próprios tenham solicitado ao Governo português seu exílio no Brasil. Marialva recebia diariamente pedidos de franceses desejosos de sair do seu país, após o desastre de Waterloo. A França das artes mergulhara em estado de abandono. O governo francês não podia opor-se, mas não viu com olhos muito favoráveis essa emigração de profissionais da arte organizada pelo embaixador de Portugal. Maler, no Rio (era o cônsul francês, fiel aos monarquistas e inimigo dos derrotados bonapartistas) chegou a pensar que se tratava de um exílio disfarçado de indivíduos afetos ao Império, mas o próprio Ministério dos Estrangeiros (francês) negou que houvesse tal circunstância, afirmando ser voluntária a expatriação e não se acharem os artistas em questão visados pela polícia ou ameaçados pelas leis de segurança da monarquia restaurada. Continua Oliveira Lima: “ ... É provável, escrevia o ministro, que alguns deles cederam, ao afastarem-se da França, a um vago sentimento de inquietação, e imaginaram que além-mar encontrariam mais tranquilidade ... numa ocasião em que as produções artísticas gozam porventura entre nós (na França) de menor que as produções artísticas gozam porventura entre nós (na França) de menor procura, seus talentos seriam melhor apreciados na sua nova residência ... (Porém) em abril de 1821 regressava a corte portuguesa para Lisboa, votando ao abandono os figurantes desse belo tentame artístico, os personagens desse verdadeiro sonho da Renascença. A Academia de Belas-Artes, ideada pelo Rei, por um gentil-homem faustoso e por um estadista afeiçoado às coisas do espírito, só conseguiria abrir suas portas depois de acalmada a excitação patriótica ... ” O legado artístico português, em termos de pintura, era fraco e sem comparação com o de outros países europeus, como Espanha, Itália, França, Holanda. Além disso, por razões históricas que não interessa aqui discutir, a capital brasileira quase não dispunha de palácios tanto que, quando chegou a Corte, foi um Deus- nos-acuda para providenciar alojamentos à altura. “ ... No Rio de Janeiro de 1808, que havia de realmente inspirado pela estética ? Talvez só a linda igreja da Glória do Outeiro, o majestoso Mosteiro de São Bento, a elegante e tão distinta igreja de Santa Cruz dos Militares, a preciosa igreja dos Terceiros do Carmo e o Aqueduto da Carioca, revestido de grandiosa simplicidade romana ... (Afonso de Taunay, A Missão Artística Francesa, IPHAN, 1956, pág.3). Outro testemunho, no mesmo sentido de Taunay, vem de Araújo-Porto Alegre, artista contemporâneo da Missão e que foi discípulo de Debret e Grandjean, que também atribui ao grupo de franceses o estatuto de Missão: “ ... Com tudo quanto ficou dito relativamente aos antecedentes da Missão Artística Francesa, ficam definitivamente pulverizados os argumentos ilógicos ... dando-a como um aglomerado de desgraçados artistas ... de maneira indelével (ficou) a influência dos franceses no Brasil.” Podemos então imaginar que o monarca português (que descendia de uma linhagem algo interessada pelas artes, sobretudo pela música) aceitou a sugestão de Antônio de Araújo Azevedo, Conde da Barca, que viera para o Brasil junto com o monarca, no sentido de fundar uma Escola de Belas Artes. A chegada da Missão A chegada dos artistas causou grande alegria em D. João VI, tanto que um seu ministro, o Marquês de Aguiar, escreveu ao Marquês de Marialva, que vivia em Paris, dando conta da satisfação causada ao monarca “ (foi) ... sumamente agradável a aquisição de estrangeiros que, pela natureza e variedade dos talentos deviam, sem dúvida, muito contribuir para o melhoramento da indústria nacional ... ” Outro contemporâneo dos acontecimentos, o padre Luis Gonçalves dos Santos, conta que D. João VI “ ... recebeu a todos (os integrantes da Missão) com benignidade, e mandou que fossem aposentados à custa da Real Fazenda.” Logo que chegaram os franceses tiveram providenciadas boas acomodações, onde moraram provisoriamente por quatro meses. O Conde da Barca os acolheu cordialmente, mandou que um intérprete os acompanhasse e que recebessem nas casas fartas refeições, que lhes eram levadas por escravos. Em 12 de agosto de 1816 o Marquês de Aguiar, com a rubrica de Sua Majestade, publicou um decreto atribuindo-lhes pensões anuais, que no seu conjunto somavam muito dinheiro para a época: oito contos e trinta e dois mil reis. Calcula-se o ciúme que este ato despertou entre os artistas luso-brasileiros que aqui penavam atrás de recursos ... não é de hoje a nossa preferência por quem vem de fora, com descaso pelos talentos domésticos. Observando com uma visão atual, somos levados a seguir a opinião dos viajantes-cientistas Spix e von Martius (a quem adiante nos referimos) criticando os gastos de uma corte empobrecida e de uma sociedade carente, com aquela iniciativa: “ ... melhor teria sido preparar o terreno com a estabilidade econômica e com o desenvolvimento das artes mecânicas, deixando-se para mais tarde o estudo superior das artes ... ” Mas os tempos eram outros e na Colônia ninguém parecia importar-se com a falta de saneamento básico ou de logística. Lebreton faleceu três anos depois de chegar, sempre sofrendo com seu temperamento irascível e inconformado com a volta da monarquia à França, sendo substituído por um obscuro pintor português recém-chegado de Lisboa, Henrique José da Silva, a quem as artes pouco ficaram devendo e que logo se revelou inimigo dos integrantes da Missão. O Estado encontrava-se engessado pela tremenda burocracia lusitana e a Escola não foi fundada logo após a chegada da Missão. As cortes são propícias a ciúmes e traições - o que não faltava no Paço Real. Intrigas palacianas, invejas pessoais e questiúnculas só

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