FERNANDO SANTAROSA DE OLIVEIRA O PESSIMISMO DE CIORAN E CÉLINE: O DESAFIO DE PENSAR SEM UTOPIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI MESTRADO EM LETRAS Agosto de 2016 FERNANDO SANTAROSA DE OLIVEIRA O PESSIMISMO DE CIORAN E CÉLINE: O DESAFIO DE PENSAR SEM UTOPIA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural Orientador: Anderson Bastos Martins UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI MESTRADO EM LETRAS Agosto de 2016 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Meire e Geraldo, pelo incentivo, apoio e generosidade incondicionais; Aos meus irmãos, Júlio e Juliano, pela amizade e apoio irrestritos; À minha mulher, Michelli, pela compreensão, carinho e companheirismo; Ao professor e orientador Anderson por toda a ajuda, ideias e liberdade que tornaram esse trabalho possível; Aos colegas de curso, pela amizade, pela troca de ideias e o apoio em momentos complicados; A todos os professores do mestrado que ajudaram diretamente minha pesquisa, com ideias e críticas valiosas; À UFSJ, por financiar essa pesquisa; RESUMO O filósofo romeno Emil Cioran (1911 - 1995) dedicou grande parte de sua obra à crítica dos ideais utópicos que guiaram o pensamento de seu tempo. Seu pessimismo foi a pedra de toque dessa crítica. Louis Ferdinand Céline (1894 - 1961), escritor francês conhecido por sua relação direta com o nazismo e por sua escrita revolucionária, em seu primeiro livro, Viagem ao fim da noite, escreveu sobre a queda de grande parte desses mesmos ideais, a partir de uma visão tão pessimista quanto a do filósofo romeno. É nesse contexto que surge o interesse desse trabalho. O objetivo é pensar a obra de Céline a partir do pessimismo de Cioran e, ainda, como esse pessimismo encontra eco nas teorias pós-modernas, funcionando ora como um princípio dessa forma de pensamento, ora como consequência do mesmo. Palavras-chave: Cioran, Céline, pessimismo, utopia, pós-modernidade. ABSTRACT The Romanian philosopher Emil Cioran (1911-1995) devoted much of his work to criticize the utopic ideals, which were guide to the thought at his time. His pessimism was the touchstone of such criticism. Louis Ferdinand Céline (1894- 1961), a French writer known for his straight relation to Nazism, and for his revolutionary writing, in his first book, Journey to the End of the Nigh, he wrote about the fall of great part of those ideals, from a view as pessimist as the Romanian philosopher’s. This is the context that raises the interest of this paper. The aims is to analyse Céline’s work from Cioran’s pessimism, and, in addition, how this pessimism finds echo in the post-modern theories, working either as the principle of that way of thinking, or as a consequence of it. Key-words: Cioran, Céline, pessimism, utopia, post-modernity. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .....................................................................................................................7 CAPÍTULO I - VOCÊ ESTÁ VENDO ENTÃO QUE ELES MORRERAM PARA NADA.....12 1.1 O pessimismo existencial de Cioran e Bardamu .........................................................19 1.2 Utopia: um sonho possível? .........................................................................................29 1.3 Primeira Parte: Tempos de Guerra ..............................................................................38 1.4 Sobre Lucidez: Céline e Cioran: um pensamento dissolvente ....................................51 CAPÍTULO II - ENTÃO VIVAM OS LOUCOS E OS COVARDES .....................................56 2.1 Céline e Cioran: pensadores pós-modernos? .............................................................67 2.2 Os males do pessimismo: o tédio ................................................................................75 2.3 Pessimismo desengajado e suas incapacidades (ou insuficiências) ...........................83 2.4 Pessimismo e suicídio .................................................................................................90 2.5 Lucidez paradoxal: cinema e literatura no pensamento pessimista ............................97 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................117 INTRODUÇÃO Nos primeiros momentos que deram origem a este trabalho, a ideia de uma dissertação sobre distopia parecia ser a melhor opção para responder ao desafio de pensar sem utopia. Para tal intento, escritores como George Orwell e Aldous Huxley seriam opções mais óbvias. Mas a ideia principal aparece com as leituras de Emil Cioran e de autores de filosofia mais aclamados, como Friedrich Nietzsche e Arthur Schopenhauer, também eles opções óbvias. Mas foi com Louis Ferdinand Céline e seu livro Viagem ao fim da noite (2009) que surgiu verdadeiramente a possibilidade de responder ao desafio. Louis Ferdinand Céline (1894-1961) e Emil Cioran (1911-1995) parecem complementares, até mesmo indissociáveis em alguns momentos, como se falassem, tanto à literatura quanto à filosofia, da necessidade de pensar a condição humana a partir de um pensamento não utópico, sem, no entanto, delimitar um horizonte necessariamente distópico. Os primeiros passos em direção à obra de Céline foram acidentais. O seu nome surgiu em leituras sobre assuntos relacionados à Segunda Grande Guerra, que faziam menções à sua relação com o antissemitismo nesse período. Sua obra era vinculada mais à sua opção moral do que a questões literárias. Minha intenção com este trabalho não é negar ou justificar os posicionamentos do autor, mas estudar outras características de sua obra e a importância da mesma para a literatura e crítica contemporânea. O que interessa aqui é o que a obra de Louis Ferdinand Céline e de Emil Cioran - mais especificamente, a ideia de pessimismo como lucidez - pode nos ajudar ou servir como alternativa ao pensamento utópico. "A miséria é, efetivamente, a grande auxiliar do utopista, a matéria sobre a qual trabalha, a substância com que nutre seus pensamentos, a providência de suas obsessões" (CIORAN, 2011b, p.91). Cioran também se ocupa da miséria, mas de forma diferente. Não se entrega a imaginar um mundo isento dela, mas pensa-a 7 como a condição humana por excelência. Ele a assume, atesta, tanto em sua vida particular e profissional quanto em sua obra filosófica. Esta é a principal característica de seu pessimismo. Munido da leitura das obras de Cioran, embebido, portanto, de seu pessimismo cósmico, entreguei-me à leitura da obra Viagem ao fim da noite de Louis Ferdinand Céline. Ao contrário de Cioran, que, no início dos anos de 1960, havia se dedicado por meses ao estudo das obras de utopistas - esse fato é relatado no ensaio Mecanismo da utopia, que compõe o livro Breviário de decomposição (2011a) - para fazer uma crítica ao pensamento utópico, dediquei-me à obra do escritor francês, que, sabidamente, não é uma obra preocupada em descrever bons sentimentos do ser humano. Céline, nome da avó materna do autor (seu verdadeiro nome de batismo é Louis Ferdinand Destouches), que ele adota para a assinatura de seu trabalho artístico, tinha como profissão a medicina, que exerceu até o fim de seus dias. Nasceu em Courbevoie, periferia parisiense, em 27 de maio de 1894. Seu pai trabalhava em uma companhia de seguros e sua mãe era dona de uma loja de artigos de renda, moda e lingerie na elegante Passage Choseuil de Paris. Dos treze aos quinze anos, Céline viveu em internatos na Alemanha e na Inglaterra, com a intenção de aprender línguas. Os pais acreditavam que seria mais importante ver o filho bem colocado no ramo do comércio, daí a necessidade de falar vários idiomas. Dos quinze aos dezoito anos, ele foi aprendiz em uma loja de tecidos finos e em uma joalheria. Por esses motivos, até então, Céline só completara o ensino primário. Em 1914, quando o autor tinha vinte anos e prestava o serviço militar na Lorena, estourou a Primeira Grande Guerra. Em outubro do mesmo ano, ele foi ferido gravemente no braço e na cabeça por estilhaços de uma bomba. Impossibilitado de continuar na frente de batalha, foi transferido para Paris. Apesar de poucas semanas no campo de batalha, os ferimentos perseguiram-no pelo resto da vida, com graves enxaquecas, dores no corpo e problemas de audição. Essa 8 experiência foi muito importante para moldar seu caráter e principalmente seu estilo literário, sua obra e suas ideias em relação à condição humana. Conhecendo o mundo a partir de seus horrores, ou seja, tendo experimentado na carne, na prática, a violência resultada das decisões políticas e ideológicas do ser humano, Céline encontrou justificativas para o fato de não ser amante do que Cioran afirma ser a felicidade imaginada, da utopia de um mundo perfeito, moldado por ideias de um paraíso repleto de amor ao próximo. A história da humanidade é rica em desastres e misérias. Ter experimentado e sobrevivido a dois dos maiores exemplos dessa história, as Grandes Guerras, ajudou Céline a atestar seu ponto de vista sobre o homem. Também o ajudou a moldar sua lucidez em relação à nossa condição, dentro de sua visão de mundo configurada no pós-guerra, e justificar seu pensamento pessimista. Assim é retratado o humano em Viagem ao fim da noite, primeiro romance de Céline, lançado em 1932, ao qual este estudo se dedica. Parte dos mesmos acontecimentos que serviram de pano-de-fundo para a formulação das obras, tanto de Céline quanto de Cioran, também deram origem à construção do pensamento e da crítica política e cultural hoje conhecida como pós-moderna. São os primeiros destroços da ruína do mundo moderno, balizado pela crença na capacidade do homem em dominar a natureza e conduzir a humanidade por meio da sua razão, que dão o tom dessa crítica. Apesar da incerteza, das diferentes versões sobre o nascimento da era dita pós- moderna, as duas Grandes Guerras surgem como dois dos principais acontecimentos para o seu surgimento. Os dois conflitos mundiais fizeram surgir dúvidas gigantescas na capacidade do homem em gerir a própria existência, colocando em xeque o ideário do homem moderno. As noções que fundam essa teoria nascem, portanto, sob os auspícios de um certo pessimismo em relação aos ideais da modernidade. 9 Pessimismo é uma palavra que carrega um grande peso em seu significado. Um peso ruim, podemos dizer, mas que está inscrito em grandes obras do pensamento ocidental, desde a literatura até a filosofia, que são os campos a que se presta este trabalho. O principal aqui, porém, não é focar nos diferentes significados da palavra pessimismo, mas mostrar a importância dessa forma de pensar para a formulação crítica (em todas as áreas do conhecimento) do nosso tempo. A intenção é demonstrar como a expressão de Cioran, o seu texto, seu trabalho, sua filosofia, encontram no pessimismo sua origem e sua consequência. E como essa expressão, fundadora e delimitadora de seu pensamento, pode ser vista como pedra de toque da teoria pós-moderna. O pessimismo é uma das palavras com sentidos pesados que compõem este trabalho, mas não a única. O trágico, a derrota, a queda, o fracasso e o acidental rondam as ideias que fazem parte da crítica que Cioran faz da história e do pensamento ocidental. Linda Hutcheon (1947 - ), uma das principais autoras da teoria pós-moderna, procura se afastar dessa visão, que considera a face mais negativizada da crítica. Para a autora a condição pós-moderna, considerada a partir da queda das grandes narrativas (conceito criado por François Lyotard), deve ser encarada como uma etapa ou possibilidade de superação dessa mesma queda. O pessimismo representaria, portanto, uma visão que deveria ser superada em detrimento da necessidade de construção de uma nova realidade, de uma nova possibilidade para os nossos tempos. O que ele representa para este trabalho, no entanto, é uma possibilidade crítica e de entendimento dessa condição, mas dificilmente, como veremos adiante, sinaliza alguma espécie de superação. Ao mesmo tempo em que partilha influências com a teoria pós-moderna , Cioran também se distancia, ou potencializa essa crítica com o seu pessimismo, que chamarei aqui de existencial. Para tanto, o filósofo romeno procura encontrar nas 10
Description: