UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES O nativo-‐experimental: Música experimental e seus contatos com a cosmologia nativo-‐ancestral da América do Sul Jonathan Xavier Andrade São Paulo 2015 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES O nativo-‐experimental: Música experimental e seus contatos com a cosmologia nativo-‐ancestral da América do Sul Jonathan Xavier Andrade Dissertação apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Música, sob a orientação do Prof. Dr. Rogério Luiz Moraes Costa. São Paulo 2015 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO, CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Dados fornecidos pelo(a) autor(a) JONATHAN XAVIER ANDRADE O nativo-‐experimental: Música experimental e seus contatos com a cosmologia nativo-‐ancestral da América do Sul Dissertação apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Sonologia. Aprovado em: ___/___/______. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr.:__________________________________________________________________________________ Instituição: ______________________________________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________________________________________ Prof. Dr.:__________________________________________________________________________________ Instituição: ______________________________________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________________________________________ Prof. Dr.:__________________________________________________________________________________ Instituição: ______________________________________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________________________________________ Agradecimentos A Rogério Moraes Costa pela predisposição, apoio e gratas experiências musicais compartilhadas durante a realização desta pesquisa. Aos professores Alexandre Zamith e Silvio Ferraz pelas relevantes e frutíferas contribuições no exame de qualificação. A Fernando Iazzetta pela oportunidade de participar do Núcleo de Pesquisa em Sonologia (NuSom) que foi uma fonte indispensável de conhecimentos teóricos e técnicos para direcionar esta pesquisa, possibilitando o contato com colegas experimentadores. A Secretaria de Educación, ciencia, tecnología e innovación (SENESCYT) pela bolsa concedida, que possibilitou toda a pesquisa. A meus colegas Lílian Campesato, Julián Jaramillo, Alexandre Porres e André Martins pelas contribuições e conversas sempre importantes. A meus colegas da Orquestra Errante: Fábio, Migue, Mari, Max, Felipe, Antônio e Renato por todas essas improvisações e sons compartilhados. A Yonara Dantas pela ajuda nas correções do texto, seu trabalho foi fundamental para esta pesquisa. Ao professor Manuel Falleiros por suas importantes contribuições junto com o Coletivo Improvisado. A meus pais Verónica e Alfonso pelo seu apoio eterno e incondicional. A minha família por estar sempre aí. A María Sol por proporcionar o amor e a inspiração para realizar qualquer projeto de transcendência. Este trabalho está dedicado para minha irmã Johana (1990 – 2013) por ser luz, amor e paz. Resumo A dissertação procura compreender os acontecimentos musicais derivados do contato da denominada Música Experimental com realidades musicais Nativo Ancestrais Indígenas do continente sul-americano. Para isso, realiza uma contextualização histórica da evolução do experimentalismo musical desde 1950, seguindo um percurso linear até a atualidade, onde se destacam trabalhos e pesquisas de compositores ativos, que têm abordado especificamente as relações entre música, cosmovisão indígena e o xamanismo dentro do processo de experimentação sonoro/musical. Nesse contexto, se evidencia a criação de relações transculturais, produzidas entre duas realidades heterogêneas que, na contemporaneidade, se complementam. Para finalizar a presente pesquisa apresenta o trabalho prático, decorrente da criação de partituras gráficas e instruções verbais, desenvolvidas com o grupo de pesquisa em improvisação e experimentação musical Orquestra Errante (ECA-USP), onde foram utilizados elementos conceituais e sonoro/musicais nativo-indígenas e eco-escuta em práticas regulares de improvisação livre, evidenciando as dificuldades e possíveis estratégias para a conjunção entre o nativo-natural e o experimental. Palavras chave: Música Experimental, Compositores, Transculturalidade, Cosmovisão nativa-ancestral. Abstract The thesis seeks to understand musical events derivate from the contact of the so called Experimental Music with musical realities of Indigenous Native-Ancestry of the South American continent. To do so, it performs a historical context of the evolution of musical experimentation since 1950, following a linear path to the present, which features work and research of active composers who have specifically addressed the relationship between music, indigenous worldview and shamanism within the process of sound/musical experimentation. In this context, it highlights the creation of cross-cultural relations, produced between two heterogeneous realities that, in contemporary times, complement each other. Finally this research presents the practical work, arising from the creation of graphic scores and verbal instructions, developed with the research group in improvisation and musical experimentation Orchestra Errante (ECA-USP), where are used conceptual and sound/musical elements forma indigenous native-ancestry of South America and eco-listening in regular practices of free improvisation, highlighting the difficulties and possible strategies for the conjunction between two antagonistic elements, native-experimental. Keywords: Experimental Music, Compositors, transculturality, indigenous native-ancestry cosmology. Sumário Agradecimentos ........................................................................................................................ 4 Resumo ..................................................................................................................................... 5 Abstract ..................................................................................................................................... 6 Introdução ................................................................................................................................ 9 Capítulo 1. Dois Paradigmas da Música Experimental: Considerações históricas, metodológicas e tecnológicas ................................................................................................. 15 I. Primeiro Paradigma: O som como experimento na Europa ...................................... 15 A. Schaeffer .................................................................................................................. 16 B. Stockhausen ............................................................................................................. 21 C. Apontamentos finais sobre o som na música experimental na Europa ................... 25 II. Segundo Paradigma: Experimentalismo Musical na América do Norte ...................... 28 A. Características gerais do Happening e da Performance. .......................................... 28 B. Diferenças entre o Happening e a Performance ...................................................... 30 C. Atitude experimental norte-‐americana: “Cage and Beyond” .................................. 34 D. Apontamentos finais sobre o experimentalismo musical na América do Norte ..... 41 Capítulo 2 . Improvisação e Indeterminismo (free-‐jazz, partitura gráficas/event score, improvisação livre) .................................................................................................................. 44 I. Três tipos de “improvisação” ...................................................................................... 52 A. Free Jazz como Improvisação não estruturada idiomática. ..................................... 53 B. Partituras gráficas e event-‐score como Improvisação estruturada não idiomática 57 C. Free Improvisation como Improvisação não estruturada não idiomática ................ 68 II. Apontamentos finais sobre a improvisação e o indeterminismo na música experimental. ...................................................................................................................... 77 Capítulo 3 . A máquina fazendo música: suas origens e sua projeção na América do Sul ..... 81 I. Revoluções desde 1950 .............................................................................................. 81 II. As máquinas de manipulação sonora analógica e sua progressiva digitalização na música experimental ........................................................................................................... 84 III. Música Experimental na América do Sul: uma revisão histórica ................................ 93 A. Argentina .................................................................................................................. 95 7 B. Brasil ....................................................................................................................... 100 IV. Apontamentos finais sobre as máquinas fazendo música na América do Sul .......... 112 Capítulo 4 . O experimental nativo: Música experimental, cosmovisão indígena e tecno-‐ xamanismo ............................................................................................................................ 118 I. Generalidades da cosmovisão indígena e seu processo transcultural na atualidade 120 II. Música, Experimentação e Cosmovisão indígena (Cergio Prudencio) ...................... 127 A. La Ciudad (1980 – 1986) ......................................................................................... 133 B. Apontamentos finais sobre o termo Nativo-‐Experimental no trabalho de Cergio Prudencio. ..................................................................................................................... 139 III. Tecno-‐Xamanismo na composição multimídia e performance. ................................ 141 A. O tecno-‐xamanismo na música multimídia de Matthew Burtner .......................... 149 B. Apontamentos finais sobre o termo tecno-‐xamanismo na composiçnao musical e performance. ................................................................................................................. 155 IV. Dois trabalhos de experimentação musical transcultural ......................................... 157 A. Tato Taborda – Amazônia: A Queda do Céu (2010) ............................................... 158 B. Mesías Maiguashca – Canción de la Tierra (2012) ................................................. 169 V. Apontamentos finais sobre a música nativa-‐experimental. ..................................... 178 Capítulo 5 . A prática entre o nativo-‐experimental e a livre improvisação .......................... 181 I. Orquestra Errante como improvisação ecológica ..................................................... 184 II. Experimentação com os instrumentos musicais nativo-‐ancestrais .......................... 190 III. Duas Peças ................................................................................................................ 200 A. Do natural ao artificial (instrução verbal) ............................................................... 203 B. Ñan Urkuman ......................................................................................................... 208 Conclusões ............................................................................................................................ 213 Referências ........................................................................................................................... 225 Anexos .................................................................................................................................. 237 Anexo A -‐ Entrevista com o compositor Mesías Maiguahca ............................................. 238 Anexo B -‐ Análise espectro-‐morfológica da peça eletroacústica El Oro ............................ 246 Anexo C -‐ Imagens de instrumentos andinos .................................................................... 256 Anexo D -‐ Instrução verbal da peça Do natural ao ancestral ............................................ 259 Anexo E -‐ Partitura gráfica da peça Ñan Urkuman ............................................................ 260 8 Introdução A presente pesquisa realiza o levantamento de informações de contextos práticos, teórico e históricos que vem sendo, desde 1950, os fatores que demarcam a música experimental, que se configura como uma série de características, processos e tecnologias conseguidas por meio de renovações e avanços progressivos dos meios tecnológicos e modos de criação musical, que resultaram em estéticas abstratas e não-representativas. Constatamos que, durante os quarenta anos de avanços e desenvolvimento dessa prática, não se manifestaram quaisquer tipos de contato evidente entre a música experimental e as cosmologias e tradições indígenas. Apenas entre as décadas de 1980 e 2000 observamos o aparecimento de gravações, composições, compositores e instituições que se dedicam a pesquisar a música, os instrumentos e o pensamento nativo-ancestral1 indígena da América do Sul, conseguindo inserir os mencionados conhecimentos e tradições musicais autóctones do continente na experimentação musical. Nossa perspectiva é de que o novo, o moderno, o experimental e o inovador na música podem ser influenciados por tecnologias ancestrais, ligadas ao conhecimento e relacionamento com a ordem natural, relacionada aos ciclos solares e cósmicos ou a uma procura por ritualizar os modos de criação musical experimental. As tecnologias ancestrais permitem a conexão com o ritual, o natural. As Técnicas arcaicas do êxtase, como as citadas por Mircea Eliade2 (1998); processos técnicos dominados pelo xamã da comunidade indígena, que no contemporâneo, se relacionam com os mais variados meios de criação multimídias, além de se converter em atribuições técnicas e tecnológicas que podem transitar dentro de um contexto moderno, dando origem ao termo tecno-xamanismo, o mesmo que será explicado no transcurso deste trabalho. Por outra parte os instrumentos autóctones ancestrais começam a cobrar novas 1 O termo nativo-ancestral é usado por nós entendendo sua dupla conotação. Primeiramente Nativo é explicado no dicionário Houaiss (2009) como: nascido ou oriundo de determinado local; natural; relativo, pertencente a, próprio de indígena (HOUAISS, 2009 p. 1342); por outra parte encontramos o termo Ancestral que é explicado como: relativo ou próprio dos antepassados; muito antigo, remoto (HOUAISS, 2009, p. 128). Para nós o termo nativoancestral significa: que pertence a um lugar geográfico ou etnologia específica com um passado de séculos ou milênios. As línguas nativas dos indígenas das Américas, os cantos e línguas aborígenes do norte da Austrália; Cantos e mantras da música do norte da Índia, e diversas outras manifestações culturais, podem ser definidas como nativo-ancestrais. Nesta pesquisa, partiremos da perspectiva nativo-ancestral na América do Sul, nós aproximando na música e cosmologia indígena. 2 Estas técnicas podem ser seus cantos, os ritos de iniciação, seus objetos sagrados e principalmente a capacidade de tornar o cotidiano numa experiência de hipersensibilidade. 9
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