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O mundo como vontade e como representação PDF

98 Pages·2005·0.251 MB·Portuguese
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Versão eletrônica do livro três (3) da obra “O Mundo como Vontade e Representação” Autor: Arthur Schopenhauer Tradução: Wolfgang Leo Maar Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia) Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/ A distribuição desse arquivo (e de outros baseados nele) é livre, desde que se dê os créditos da digitalização aos membros do grupo Acrópolis e se cite o endereço da homepage do grupo no corpo do texto do arquivo em questão, tal como está acima. O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO LIVRO III O MUNDO COMO REPRESENTAÇAO CONSIDERAÇÃO SEGUNDA “A representação independente do princípio de razão: A idéia platônica: o objeto da arte.” Tí tò mén aeì génestn dê ouk ékhon; kaí tí tô gignômenon mèn kaì apollýmenon, óntos dê oudépote ón;(1) Platão § 30 Apresentado no primeiro livro como pura representação, objeto para um sujeito, consideramos o mundo no segundo livro por sua outra face e verificamos como esta é vontade, que unicamente se mostrou como o que aquele mundo é além da representação; em conformidade, denominávamos o mundo como representação, no todo ou em suas partes, a objetividade da vontade, quer dizer: a vontade tornada objeto, i. e., representação. Recordamos também que tal objetivação da vontade possuía graus numerosos, porém determinados, em que, com clareza e perfeição gradualmente crescente, a vontade surgia na representação, i. e., se apresentava como objeto. Reconhecíamos as idéias de Platão em tais graduações, na medida em que estas são as espécies determinadas, ou as formas e propriedades invariáveis originárias de todos os corpos naturais, orgânicos ou inorgânicos, como também as forças genéricas se manifestando conforme leis naturais. Tais idéias, portanto, se manifestam em indivíduos e particularidades inumeráveis, comportando-se como modelo para estas suas imagens. A multiplicidade de tais indivíduos é concebível unicamente mediante o tempo e o espaço, seu surgir e desaparecer unicamente mediante a causalidade, em cujas formas reconhecemos somente as diversas modalidades do princípio de razão, principio último de toda finitude, toda individuação, forma geral da representação, tal como esta se dá na consciência do indivíduo como tal. A idéia, porém, não se submete àquele princípio: por isto não experimenta pluralidade nem mudança. Enquanto os indivíduos em que se manifesta são inumeráveis e nascem e perecem incessantemente, ela permanece invariavelmente a mesma, e para ela o princípio de razão não possui significado algum. Mas como este é a forma sob a qual se encontra todo conhecimento do sujeito, enquanto este conhece como indivíduo, assim as idéias se localizarão totalmente fora da esfera do conhecimento do sujeito como tal. Portanto, se as idéias devem se tornar objeto do conhecimento, a condição é a supressão da individualidade no sujeito cognoscente. Esclarecimentos mais acurados e pormenorizados sobre este assunto nos ocuparão a seguir. NOTAS: 1 O que é sempre, sem possuir origem? Que é o que será e o que foi, mas realmente nunca é? (N. do T.) § 31 Antes de iniciar, seja a seguinte observação essencial. Espero ter sido bem sucedido no livro precedente no formar a convicção de que aquilo que é denominado coisa em si na filosofia de Kant, apresentado em doutrina sobremodo importante, porém obscura e paradoxal, sobretudo devido à maneira pela qual Kant a introduziu, concluindo do efeito para a causa, era encarado como ponto conflitante, e até mesmo como o lado débil de sua filosofia, que isto, assim pretendo, quando atingido pelo caminho bem diverso por nós percorrido, nada mais é do que a vontade, na esfera deste conceito ampliada e determinada do modo indicado. Espero, além disto, que não se hesite em reconhecer, feita a exposição precedente, nos graus determinados da objetivação desta vontade, que é o em-si do mundo, aquilo que Platão denominou as idéias eternas, ou as formas imutáveis (eidos) que, reconhecidamente o dogma principal, mas simultaneamente mais obscuro e paradoxo de sua doutrina, constituiu-se em objeto de meditação, de discussão, de escárnio e de admiração por parte de espíritos numerosos e diversos durante séculos. Sendo a vontade a coisa em si, e a idéia a objetividade imediata desta vontade em um grau determinado, atinamos com a coisa em si de Kant e a idéia de Platão, única que lhe é óntós ón, estes dois grandes obscuros paradoxos dos dois maiores filósofos do Ocidente, não como idênticas porém estreitamente afins, e distintas apenas por uma única determinação. Ambos estes grandes paradoxos formam mesmo, justamente por se enunciarem de modo tão diverso, dadas as individualidades extraordinariamente diferentes de seus autores, e malgrado toda sua concordância e afinidade internas, o melhor comentário um em relação ao outro, ao se assemelharem a dois caminhos bem distintos conduzindo a objetivo único. Isto permite esclarecimento em poucas palavras. Com efeito, o que Kant diz é essencialmente o seguinte: “Tempo, espaço e causalidade não são determinações da coisa em si, mas pertencem unicamente a seu fenômeno, na medida em que não passam de formas de nosso conhecimento. Mas como toda multiplicidade e todo surgir e fenecer são possíveis unicamente mediante tempo, espaço e causalidade, também aquelas pertencem apenas ao fenômeno, e de modo algum à coisa em si. Contudo como todo nosso conhecimento é condicionado por aquelas formas, toda a experiência é apenas conhecimento do fenômeno, não da coisa em si: por isto suas leis não podem ser aplicadas à coisa em si. Isto é válido inclusive para nosso próprio eu, que nós conhecemos unicamente como fenômeno, e não pelo que possa ser em si . Eis, com respeito ao ponto importante considerado, o sentido e conteúdo da doutrina de Kant. Por seu lado, Platão afirma: “As coisas deste mundo, percebidas por nossos sentidos, não possuem ser verdadeiro: elas sempre vêm a ser, mas nunca são: possuem apenas um ser relativo, são em conjunto apenas em e mediante sua relação recíproca”: assim é possível denominar todo seu ser-aí um nao-ser. Em conseqüência também não são objetos de um conhecimento propriamente dito (epistéme), pois este é possível quanto ao que é em e para si e de um modo sempre idêntico: elas porém são apenas o objeto de uma suposição sugerida pela sensação (dóxa met’ aisthéseos alógou). Enquanto limitados à percepção das coisas, parecemos homens em uma caverna escura, atados de maneira tal que impossibilite mesmo os movimentos da cabeça, e que nada vissem além das silhuetas de coisas reais projetadas em uma parede à sua frente pela luz de um fogo aceso por trás de suas costas, inclusive uns em relação aos outros e mesmo cada um quanto a si próprio: somente as sombras naquela parede. Sua sabedoria, porém, constituir-se-ia na previsão da sequência daquelas sombras, aprendida por experiência. Por outro lado, que pode ser denominado única e verdadeiramente existente (óntôs ón) porque sempre é, mas nunca vem a ser, nem deixa de ser, são os modelos de tais imagens: as idéias eternas, as formas originais de todas as coisas. Não lhes cabe a multiplicidade: pois cada uma é, conforme sua essência, unicamente enquanto é o próprio modelo, cujas reproduções ou sombras são todas as coisas da mesma espécie, de igual nome, individuais e transitórias. Também não possuem começo e nem fim, pois são verdadeiramente existentes, nunca porém o que começa, nem o que termina, como suas cópias perecíveis. (Estas duas determinações negativas contêm necessariamente o pressuposto, porém, de que tempo, espaço e causalidade não possuem significado nem validade para as idéias, que não existem nestes.) Assim, apenas delas podemos ter um conhecimento propriamente dito, uma vez que pode ser objeto deste unicamente o que existe sempre e sob qualquer consideração (portanto em si), e não o que existe, mas também não existe, conforme seja enfocado”. Esta é a doutrina de Platão. É evidente, e não requer qualquer comprovação adicional, que o sentido interno de ambas as doutrinas é totalmente o mesmo, que ambas explicam o mundo visível como um fenômeno, sem existência em si, e que somente mediante o que nele se manifesta (para um, a coisa em si, para outro, a idéia) possui significado e realidade emprestada; realidade esta porém, verdadeiramente existente, a que, conforme ambas as doutrinas, todas as formas daquele fenômeno, mesmo as mais gerais e essenciais, são inteiramente estranhas. Para negar estas formas, Kant as encerrou em expressões abstratas e por assim dizer negou à coisa em si o tempo, o espaço e a causalidade como meras formas do fenômeno. Platão, por outro lado, não atingiu a expressão mais elevada, e recusou aquelas formas somente de modo mediatizado, às suas idéias, ao negar a estas o que unicamente é possível mediante aquelas, ou seja, a multiplicidade do análogo, o surgir e o desaparecer. Por redundância, contundo, desejo ressaltar ainda com um exemplo aquela peculiar e importante concordância. Esteja frente a nós um animal em sua vitalidade plena. Platão dirá: “Este animal não tem uma existência verdadeira, mas somente uma aparente, um devir constante, um ser-ai relativo, que pode ser chamado tanto não-ser quanto um ser. Verdadeiramente existente é apenas a idéia que se reproduz naquele animal, ou o animal em si mesmo (autô tô thérion), de tudo independente, mas existindo em e para si (kath ‘eautò, aeì hosautôs), sem começo, sem fim, porém sempre do mesmo modo (aeì ón, kaì medépote oúte gignómenon, oúte apollýmenon). Portanto, enquanto reconhecemos neste animal a sua idéia, é totalmente indiferente e sem significado o termos frente a nós agora este animal, ou seu ancestral de um milênio, que o local seja este ou num país distante, que se apresente desta ou daquela maneira, posição ou ação, que finalmente seja este ou aquele indivíduo de sua espécie: isto tudo não existe e refere-se somente ao fenômeno: unicamente a idéia do animal possui existência verdadeira e é objeto de conhecimento real”. Assim Platão. Kant diria por exemplo: “Este animal é um fenômeno no tempo, no espaço e na causalidade, que todos são as condições a priori da possibilidade da experiência que se encontram em nossa capacidade cognitiva, e não determinações da coisa em si. Por isto este animal, tal como o percebemos neste instante determinado, neste dado local, em conexão com a experiência, i. e., a cadeia de causas e efeitos, como um indivíduo que teve início e do mesmo modo necessariamente terá fim, não é um ser em si, mas um fenômeno válido apenas em relação ao nosso conhecimento. Para se conhecê-lo no que possa ser em si, conseqüentemente independente de todas as determinações situadas no tempo, no espaço e na causalidade, seria necessário um modo de conhecimento outro do que o único que nos é possível, através dos sentidos e do entendimento”. Aproximando ainda mais o enunciado kantiano do platônico, diríamos: tempo, espaço e causalidade são aqueles dispositivos de nosso intelecto graças a que o ser único de qualquer espécie, propriamente existente, se nos apresenta como uma multiplicidade de seres de mesma espécie, num nascer e perecer incessantemente renovado, numa sucessão infinita. Tomar as coisas mediante e conforme dito dispositivo é a apercepção imanente; mas fazê-lo com consciência do processo empregado constitui a apercepção transcendental. Esta última atingimos in abstracto pela crítica da razão pura; contudo excepcionalmente ela pode se verificar também de modo intuitivo. Este adendo final é meu, que me esforço por aclarar com este terceiro livro. Tivesse jamais a doutrina kantiana, tivesse, a partir de Kant, a doutrina platônica sido efetivamente compreendida e interpretada, houvesse sido meditado com fidelidade e seriedade sobre o sentido e conteúdo interno das doutrinas de ambos os grandes mestres, em vez de empregar a torto e a direito os termos de um e parodiar o estilo de outro; não se subtrairia o reconhecimento de quanto ambos os grandes sábios concordam, e o significado estrito, o objetivo de ambas as doutrinas, é estritamente o mesmo. Não somente não se teria comparado constantemente Platão e Leibniz, quem de modo algum seu espírito inspira, ou até com um conhecido senhor (1) ainda vivo, como a zombar dos manes do grande pensador da antiguidade; mas ter-se-ia de um modo geral muito além do que o feito, ou melhor, não se teria retrocedido de modo tão ignominioso como nestes derradeiros quarenta anos; não se teria sido logrado, hoje por um, amanhã por outro cabeça de vento, e não se teria inaugurado na Alemanha o século XIX, tão promissoramente significativo, com farsas filosóficas apresentadas sobre o túmulo de Kant (como ocasionalmente os antigos durante os funerais dos seus), sob o justo escárnio de outras nações, visto ser o alemão, sério e mesmo cerimonioso, o menos indicado para tanto. Porém tão restrito é o público efetivo de filósofos verdadeiros, que, mesmo os discípulos que compreendem, lhes são conduzidos mui parcamente através dos séculos. Eísi dê narthekophóroi mên poliol, bákkhoi dê gepaurói. (Thyrsigeri quidem multi, Bacchi veropauci.)(2) He atimia philosophía dià taúta prospéptoken, hóti ou kath’, áxian autês haptóntai ou gàr nóthous edei áptesthai, allà gnésious. (Fam oh rem philosophia in infamiam incidit, quod non pro dignitate ipsam attingunt: neque enim a spuriis, sed a legitimis erat attrectanda).(3) (Platão) Estribavam-se nas palavras, as palavras: “representações a priori, formas conscientes do intuir e do pensar independente da experiência, conceitos primitivos do entendimento puro”, etc., e perguntava-se então se as idéias de Platão, que também pretendem ser conceitos primitivos e além disto também reminiscências de uma intuição das coisas verdadeiramente existentes, anterior à vida, não seriam idênticas com as formas kantianas do intuir e do pensar, que se encontram apriori em nossa consciência: estas duas doutrinas inteiramente heterogêneas, a kantiana das formas, que restringem o conhecimento do indivíduo ao fenômeno, e a platônica das idéias, cujo conhecimento nega explicitamente aquelas formas — estas doutrinas, nesta medida diametralmente opostas, pois que se assemelhavam um pouco em suas expressões, eram comparadas com atenção, discutidas quanto a sua identidade, concluindo-se por fim que não eram mesmo iguais, e inferindo que a doutrina das idéias de Platão e a crítica da razão de Kant nada possuem em comum.(4) Mas isto é o suficiente sobre este assunto. NOTAS: 1 F. H. Jacobi. (N. do A.) 2 Há muitos condutores de Tirso, mas somente poucos Bacantes. (N. do T.) 3 Por isto a filosofia caiu na infâmia pois que a ela não há dedicação suficiente: porque não deveria ser ocupação de charlatâes, mas de profissionais. (N. do T.) 4 Veja-se por exemplo: Immanuel Kant, um Monumento de Fr. Bouterweck, p..49,e a História da Filosofia, de Buhle, tomo 6, p. 802 até 815 e 823. (N. do A.) § 32 Em conseqüência de nossas. considerações anteriores, com toda a coincidência interna entre Kant e Platão, e a identidade do objetivo que ambos tinham em mente, ou a concepção de mundo, que os estimulava e conduzia ao filosofar, mesmo assim idéia e coisa em si não são simplesmente uma e a mesma: mas a idéia é para nós somente a objetividade imediata, e por isto adequada, da coisa em si, que porém ela própria é a vontade, a vontade enquanto ainda não objetivada, ainda não tornada representação. Pois a coisa em si deve, conforme Kant, ser livre de todas as formas presas ao conhecimento como tal: e é apenas um erro de Kant (como será mostrado no suplemento) (1), que ele não incluísse entre estas formas, antes de todas as outras, o ser-objeto-para-um-sujeito, por ser justamente esta a forma primeira e mais geral de todo fenômeno, isto é, representação; eis porque ele deveria ter recusado expressamente a sua coisa em si o ser objeto, o que o teria preservado daquela grande inconseqüência, que não se tardou em descobrir. A idéia platônica, por outro lado, é necessariamente objeto, algo reconhecido, uma representação, e justamente devido a isto, e somente devido a isto, distinta da coisa em si; ela se despojou apenas das formas subordinadas do fenômeno, todas por nós compreendidas sob o princípio de razão, ou melhor, ainda não as adotou; contudo manteve a forma primeira e mais geral, a da representação em geral, do ser objeto para um sujeito. As formas a esta subordinadas (cuja expressão geral é o princípio de razão) multiplicam a idéia em indivíduos singulares e transitórios cujo número é inteiramente indiferente à idéia. O prinçípio de razão é portanto novamente a forma adotada pela idéia, ao cair no conhecimento do sujeito enquanto individuo. A coisa individual que aparece em conformidade com o princípio de razão é portanto somente uma objetivação mediata da coisa-em-si (que é a vontade), entre as quais se encontra a idéia, como a única objetividade imediata da vontade, ao não adotar forma alguma própria ao conhecer como tal, senão a da representação em geral, i. e., do ser objeto para um sujeito. Por isto também unicamente ela é a objetivação mais adequada da vontade ou coisa-em-si, é ela mesma toda a coisa-em-si, apenas sob a forma da representação: e nisto reside o motivo da grande concordância entre Platão e Kant, embora, a rigor extremo, o dito por ambos não seja idêntico. As coisas individuais porém não são uma objetividade da vontade inteiramente adequada, mas aqui esta já se encontra obscurecida por aquelas formas, cuja expressão comum é o princípio de razão, que constituem, contudo, condições do conhecimento, tal como esta é possível ao indivíduo enquanto tal. De fato, se fosse permitido concluir a partir de um pressuposto impossível, nós não mais conheceríamos coisas individuais, nem acontecimentos, nem mudanças, nem multiplicidade, mas somente idéias, somente os graus da objetivação daquela vontade única, da verdadeira coisa-em-si, seriam captados com conhecimento distinto, e em consequência nosso mundo seria um Nunc stans;(2) se não fôssemos, como sujeito do conhecimento, simultaneamente individuos, i. e., nossa intuição não fosse mediatizada por um corpo, de cujas afecções ela parte, e ele próprio apenas vontade concreta, objetividade do desejo, portanto objeto entre objetos, e como tal, na medida em que penetra na consciência conhecedora, pode fazê-lo apenas nas formas do principio de razão, e conseqúentemente pressupõe e assim introduz o tempo e todas as outras formas expressas por aquele principio. O tempo é somente a visão dispersa e dividida possuida por um ser individual das idéias que estão fora do tempo, e portanto são eternas: por isto Platão afirma que o tempo é a imagem móvel da eternidade: aidnos eíkon kinetê ho khrónos.(3) Uma vez que, como indivíduos, não temos conhecimento algum fora do subordinado ao princípio de razão, porém esta forma exclui o conhecimento das idéias, é certo que, se for possível nos elevarmos do conhecimento das coisas individuais ao das idéias, isto somente pode se verificar pela ocorrência de uma transformação no sujeito, correspondente e análoga àquela grande mudança de todo o modo do objeto, e mediante o qual o sujeito, enquanto conhecendo uma idéia, não é mais indivíduo. NOTAS: 1 Trata-se do adendo ao 1.° vol. de O Mundo Como Vontade e Representação, que se denomina Crítica da filosofia kantiana, e que porta a seguinte epígrafe: “C ‘est le privilège du vrai génie, et surtout du génie qui ouvre une carriêre, defaire impunement de grandes fautes (voltaire.) (É o privilégio do verdadeiro gênio, e sobretudo daquele que abre novos rumos, de fazer impunemente grandes erros.) (N. do T.) 2 Ser no presente. (N. do T.) 3 O tempo é o quadro em movimento da eternidade. (N. do T.) Veja-se cap. 29 do 2º vol. [de O Mundo...] (N. do A.) § 33 Sabemos, pelo livro precedente, que o conhecimento em geral pertence ele próprio à objetivação da vontade em seus graus mais elevados, e que a sensibilidade, os nervos, o cérebro, como outras partes do ser orgânico, constituem apenas expressão da vontade neste grau de sua objetividade, e portanto a representação por ela produzida está igualmente destinada ao serviço daquela como um meio (mekhané) para atingir seus agora complexos (polyteléstera) objetivos, para a manutenção de um ser provido de múltiplas necessidades. Originalmente, portanto, e conforme sua essência, o conhecimento é útil à vontade, e, assim como o objeto imediato que, com a aplicação da lei da causalidade se torna seu ponto de partida, é somente vontade objetivada, assim também todo conhecimento resultante do princípio de razão se mantém numa relação mais ou menos estreita com a vontade. Pois o indivíduo encontra seu corpo como um objeto entre objetos, com todos eles mantendo variadas relações e proporções conforme o princípio de razão, cuja observação, portanto, por vias mais ou menos extensas, sempre reconduz ao seu corpo, logo à sua vontade. Como é o princípio de razão que situa os objetos nesta relação com o corpo, e por isto com a vontade, o conhecimento servidor desta também se empenhará unicamente em conhecer dos objetos justamente as proporções estabelecidas pelo princípio de razão, portanto em seguir suas diversas relações no espaço, tempo e causalidade. Pois é somente graças a estas que o objeto é interessante ao indivíduo, i. e., possui uma relação com a vontade. Por isto o conhecimento a serviço da vontade conhece dos objetos praticamente nada além de suas relações, conhece os objetos somente enquanto existem neste momento, neste local, sob tais circunstâncias, por tais causas, com estes efeitos, em uma palavra, como coisas individuais; e suprimindo todas estas relações, também os objetos desapareceriam ao conhecimento, que deles nada mais conheceria. Não devemos também dissimular que o que as ciências consideram nas coisas de igual modo constitui essencialmente nada além daquilo, ou seja, suas relações, as relações de tempo e espaço, as causas de transformações naturais, a comparação das configurações, os motivos dos acontecimentos, portanto nada senão relações. O que as distingue do conhecimento comum é apenas sua forma, o sistemático, a facilitação do conhecimento pela reunião de todo o individual no geral, mediante a subordinação dos conceitos, e pela completeza destes assim adquirida. Toda relação possui ela mesma somente uma existência relativa: por exemplo, todo ser no tempo é também um não-ser: pois o tempo é apenas aquilo mediante o que podem corresponder à mesma coisa determinações opostas: por isto todo fenômeno no tempo também não é: pois o que separa seu começo de seu fim é justamente apenas o tempo, algo essencialmente passageiro, desprovido de substância e relativo, aqui denominado duração. O tempo, porém, é a forma mais geral de todos os objetos do conhecimento a serviço da vontade e o protótipo das demais formas do mesmo. Regra geral, o conhecimento permanece sempre sujeito ao serviço da vontade, dado que se formou para este serviço, e mesmo emergiu da vontade assim como a cabeça emerge do tronco. Nos animais, esta serviçalidade do conhecimento sob a vontade nunca pode ser suprimida. Nos homens, esta supressão ocorre somente como exceção, como a seguir veremos mais de perto. Esta distinção entre homem e animal é expressa externamente pela diferença da relação da cabeça com o tronco. Nos animais inferiores ambas as partes se acham ainda soldadas homogeneamente; em todos, a cabeça está orientada para a terra, onde se encontram os objetos da vontade; mesmo nos superiores, a cabeça e o tronco permanecem unos de modo mais acentuado do que no homem, cuja cabeça parece livremente assente sobre o corpo, apenas portada por este, sem servi-lo. Este privilégio humano, o apresenta em seu mais alto grau o Apolo de Belvedere: a cabeça contempladora do deus das musas de tal modo se ergue livre nos ombros, que parece liberta inteiramente do corpo, e desobrigada de cuidados com ele.

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