EQUIDADE RACIAL Sistematização do Projeto de Fortalecimento Institucional EQUIDADE RACIAL Sistematização do Projeto de Fortalecimento Institucional APReseNTAÇÃO “Reinventar-se.” Se buscássemos uma palavra para definir a CESE, “reinven- tar-se” seria, sem dúvida, uma das melhores. Quando a CESE surgiu, em 1973, sua opção era trabalhar em defesa dos direitos humanos. Naquela época de tempos difíceis, era necessária muita coragem para atuar nessa área, pois viví- amos em plena ditadura militar. Como fermento colocado na massa, que aos poucos e silenciosamente vai transformando o todo, assim podem ser carac- terizadas as ações que a CESE realizava. Com o tempo, a situação política no país mudou e fomos nos adaptando a no- vas formas de atuação. Também mudou a situação econômica das organiza- ções, e foi preciso reinventar-se, buscar outros financiamentos, novas parce- rias, desenvolver formas próprias que possibilitassem o desenvolvimento e o fortalecimento da nossa instituição. Em um cenário marcado por transições, novos desafios e diminuição da cooperação internacional, ou seja, num ce- nário de incertezas, a única certeza era continuar sendo fermento na massa. Isso significava continuar apoiando pequenos projetos de iniciativas popula- res empenhadas em lutas por transformações. Durante estes 41 anos de existência, a certeza da necessidade de continuar trabalhando pela garantia de direitos foi se firmando. Porém, alguns focos precisaram ser ampliados. Era preciso clarear a que direitos nos estávamos referindo, bem como ampliar a visão e os públicos. A luta por direitos no Bra- sil era e continua sendo muito abrangente. Não é possível pensar apenas em direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, sem incluir as categorias de raça/etnia e de gênero. Desafiada, assim, pelas mudanças que as novas reflexões e os novos sujeitos históricos exigiram, a CESE comprometeu-se, há muitos anos, com uma série de ações vinculadas à questão racial. Esse compromisso vai além do apoio a projetos específicos através do seu Programa de Pequenos Projetos (PPP). Ele SANKOFA – ideograma Adinkra que significa a importância da aprendizagem do passado para construir o futuro. também engloba a formação e o fortalecimento institucional das organiza- ções que atuam com programas de promoção da igualdade racial. Além disso, a CESE também vem contribuindo e promovendo espaços de diálogo entre igrejas cristãs, religiões de matriz africana e o movimento negro. “Reinventar-se” é também dar as mãos a outras organizações e trabalhar em parceria buscando contribuir e aprender. Nesse sentido, a parceria com Steve Biko e Mídia Étnica foi extremamente importante para a realização deste pro- jeto, cujo resultado vai sendo contado nas páginas desta publicação. A espe- cificidade de cada organização promotora favoreceu a diversidade de olhares e de abordagens, contribuindo de forma especial para o aprofundamento das questões. Mencione-se também a diversidade de perfis dos grupos apoiados que propiciaram uma enorme riqueza de troca de experiências. No final deste projeto, a CESE olha para esta parceria construída e se dá conta de que, junto com Mídia Étnica e com Steve Biko, recitou o poema UBUNTU. Conforme definição do arcebispo e prêmio nobel da paz Desmond Tutu: Uma pessoa com ubuntu está aberta e disponível aos outros, apoia os ou- tros, não se sente ameaçada quando os outros são bons e capazes, porque ele ou ela tem uma autoconfiança que vem de saber que ele ou ela pertence a um todo maior e é diminuído quando outros são humilhados ou diminu- ídos, quando outros são torturados ou oprimidos. Como CESE queremos reafirmar o poema UBUNTU, que significa: “Eu sou porque nós somos”. É assim que queremos continuar caminhando ao lado das organizações que atuam para a garantia dos direitos da população negra. A CESE só é o que é porque junto com outras parcerias consegue atuar para de- fender direitos e buscar uma sociedade com igualdade e justiça. Sônia Gomes Mota Diretora Executiva CESE PReFáCIO A CESE, com esta publicação, nos brinda com uma sistematização preciosa sobre a experiência de formação e apoio a projetos de desenvolvimento ins- titucional para organizações negras dos estados do Nordeste brasileiro. Este texto nos permite conhecer a diversidade das iniciativas de combate ao ra- cismo, às desigualdades raciais e de gênero, valorização e preservação das ma- nifestações culturais de matrizes africanas, direitos das comunidades quilom- bolas e da juventude negra, ao mesmo tempo em que aponta os entraves que o ativismo negro enfrenta para o fortalecimento de sua ação política. Um aspecto a ser destacado nesta experiência é a atenção conferida à dimen- são de gênero no desenvolvimento institucional das organizações populares, contribuindo para a sensibilização e aprimoramento das abordagens de gê- nero adotadas pelas organizações negras, tanto no âmbito interno como nas suas estratégias de incidência. Essa perspectiva, em conjunto com o apoio a organizações de mulheres negras no âmbito do Programa sistematizado, for- talecem o enfrentamento da conjugação perversa do racismo e do sexismo e seus impactos na vida das mulheres negras brasileiras. É um documento que dialoga também com os desafios persistentes para o for- talecimento da sociedade civil brasileira em sentido amplo, na medida em que coloca em questão o tema da sustentabilidade das organizações da sociedade civil, da necessidade de aprofundamento do marco legal que as legitime e a ênfase da tradição filantrópica existente no Brasil que, via de regra, não apoia as iniciativas da sociedade civil destinadas à conquista, expansão e defesa de direitos. Nesse sentido, esta publicação é referência para ativistas, estudiosas/os e todas as pessoas interessadas em compreender a sociedade civil brasileira na atua- lidade. Em especial, identifica as dificuldades adicionais com que as organi- zações do movimento negro se defrontam para pautar a questão racial, num sUMáRIO contexto em que o racismo opera para invisibilizar, criminalizar ou desqua- lificar o ativismo negro e sua agenda de reivindicações. Se tais reivindicações referem-se às necessidades da maioria negra que conforma o país, os meca- nismos que enfraquecem os sujeitos políticos que as conduzem fragilizam a sociedade civil brasileira como um todo em sua luta pela concretização da de- Introdução 17 mocracia com igualdade de direitos, de oportunidades e justiça social. Apesar desses dilemas, o que se afirma nesta publicação é a tenacidade da re- sistência negra nordestina que, mesmo em condições adversas, mantém, por projetos // síNTeses 28 meio das organizações negras aqui arroladas, o grito insurgente do Quilombo dos Palmares. Zumbi vive! Dandara vive! DIáLOGOs // Marcos da luta antIrracIsta no BrasIl // VALDísIO FeRNANDes 35 Sueli Carneiro, doutora em Educação, feminista e ativista antirracista, coordenadora CAPíTULO 1 // contextualIzação 41 e fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra de São Paulo, integrante da AMNB – Articulação NOVO séCULO, CONqUIsTAs e DesAFIOs 48 de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras. CRIse e MUDANÇAs 51 A ARTICULAÇÃO PeLA eqUIDADe RACIAL 53 DIáLOGOs // relaçÕes de GÊnero // VALDeCIR NAsCIMeNTO 59 CAPíTULO 2 // ForMação 65 O PeRCURsO DA FORMAÇÃO 70 A CONsTRUÇÃO De UMA CONCePÇÃO DePOIMeNTO: MARIA De LOURDes ARAújO LUNA e De DeseNVOLVIMeNTO INsTITUCIONAL 73 MARIA RIsOLeNe - GRUPO MULHeR MARAVILHA 119 sUsTeNTABILIDADe e OUTROs TeMAs 76 PMA – PLANejAMeNTO, MONITORAMeNTO e AVALIAÇÃO 122 O PROCessO AVALIATIVO 80 INCIDêNCIA POLíTICA 124 DIáLOGOs // racIsMo InstItucIonal // sAMUeL VIDA 129 DIáLOGOs // sustentaBIlIdade // eLIANA ROLeMBeRG 89 CAPíTULO 4 // dIÁloGo coM a Fundação KelloGG 135 alGuMas hIstórIas 95 As BêNÇÃOs De ODARA 96 DIáLOGOs // racIsMo InstItucIonal e sexIsMo // eMANUeLLe Góes 145 VOCês ACReDITAM NIssO qUe esTÃO FALANDO? 100 A GeNTe TINHA OLHOs, CAPíTULO 5 // InstItuto MídIa ÉtnIca e InstItuto MAs NÃO VIA 103 steve BIKo: parceIros de caMInhada 151 sTeVe BIKO 154 DIáLOGOs // causas FeMInIstas e antIrracIstas INsTITUTO MíDIA éTNICA 162 na aGenda polítIca // GUACIRA CesAR De OLIVeIRA 107 conclusão 169 CAPíTULO 3 // sustentaBIlIdade, pMa e IncIdÊncIa púBlIca 113 sUsTeNTABILIDADe 115 reFerÊncIas 177 INTRODUÇÃO O TeCIDO sOBRe O qUAL se CONsTITUI A eXPeRIêNCIA Quem não sabe de onde veio, não tem como saber para onde vai. Provérbio africano Revisitar uma dada experiência é um exercício de reconstrução da memória. Quando, no entanto, tal memória se coloca como objeto de reflexão e apren- dizagem, estamos diante de uma possibilidade singular de criar referenciais e mapas para o presente e o futuro mais consistentes e possíveis. É este o de- safio de qualquer processo de sistematização: colocar o vivido em evidência, reconectando-se com os trajetos percorridos, olhando-os, extraindo deles ele- mentos que contribuam para a definição de novos caminhos ou de novas pos- sibilidades de trilhar os já existentes. É com essa perspectiva que iniciamos e pretendemos trilhar o revisitar da ex- periência que a CESE construiu em conjunto com seus parceiros no quadro do Programa de Equidade Racial/Projeto de Fortalecimento Institucional para o Combate ao Racismo, implementado entre os anos de 2011 e 2013, com foco no Nordeste brasileiro. Apoiada pela Fundação Kellogg, a iniciativa surge em um cenário para o qual converge uma série de elementos que, juntos, confor- mam um quadro no qual é possível distinguir ao menos três questões am- plamente discutidas em diferentes frentes dos movimentos sociais no Brasil, sobretudo nos últimos dez anos, denotando a urgência e relevância de seus objetos: racismo, mudanças no cenário da cooperação internacional no Brasil e sustentabilidade das organizações não governamentais, levando essa última, por sua vez, à temática do desenvolvimento institucional. Todas questões que vêm sendo acompanhadas pela CESE em seus mais de 40 anos de apoio a or- ganizações da sociedade civil “empenhadas nas lutas por transformações po-
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