~K~=_:::::,~d""""""/j'l.lí<ii..\.~"'" 1,;:"""""':" I ~einricf)\'!i5amet e Wames ~ptenget .:r rJST ITO rz.1.sI ~L",,:.c,h L'lartelo --<!& i:" .ba~iJeitictira~ = malltu~rolaItfitantm . Introdução histórica: ROSE MARIE MURARO Prefácio: CARLOS BYINGTON Tradução de PAULO FRÓES ; ~ '1 12"EDIÇÃO l.;: ../.1..•.1...,. i ". '1 • 't.,' ".., :... '11' {:"f .;'!II EDITORA !\.lb!;,;jc~~ RoSADOS ~flt:J~t TEMPOS I! f'C¥j '''''',),'', ,.•f[":~,~ &)/i#,." ...,""'••... :,f'" ,. CJP-Brasi1. Catalogaçll.ê--na.fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Institoris, Heinrich, 1430-1505 147m Omartelo dasfeiticeiras IHeinrich Kramer e 12"ed, James Sprenger: introdução histórica, Rose Marie Muram; prefácio, Carlos Byington; tradução Paulo Breve Introdução Hist6rica Fr6es. - 12"ed.- RiodeJaneiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. Trnduçi'lode:Malleus ma1eficarnrn Inclui bibliografia ROSE MARtE MURARa ISBN 85-0I-64706-3 1. Inquisiçi'lo - Obras anteriores a 1800. 2. Feitiçaria - Obras anteriores a 1800. 3, Demono1ogia.- Obras anteriores a 1800. 4, Processos (Feitiçaria) - Obrasanteriores a 1800, I. Para campreendermas a importância da Malleus é precisa ter- Sprenger, Jakob, 1436 ou 8-1495. 11Titulo. mas uma visâa ao.menas mínima da história da mulher na interiar da CDD-272.2 história humana em geral. 95-0147 CDU-272 Segunda a maia ria das antrapólagas, a ser humana habita este; planeta há mais de do.is milhões de anas. Mais de três quartas deste Titulooriginal ,.I:.-o-~.:.::-..-...--.M.:~. tempo. a nassa espécie passau nas culturas de caleta eca.ça.aas peque- tEUS MALEFICARUM nas animais. Nessas saciedades não. havia necessidade defarça física •-••,0'".•••• __._..z."••••1•••f•••••-.f20~••-...-_.?._:-o.._.._ R...oe--Y---O!>.sp..~..o:.R1ºseIsSqaunet:oCslRaroasRaeMchotrDeiIraam,Reenntat.aNeto para Eamsanbaressvaivêtenmcipao, aeinndealaes.xaisstemmulrheemreasnepscaessnuteíasmdeussmaslucuglatrurcaesn,trtaali.s .....:F.~!1:~0~~~;â~t~~e~~ Lacerd~__ .__ cama as grupas maharis (Indanésia),pigmeus e basquímanas (África Central). Estes são.as grupas mais primitivas que existem e ainda so.-: .-........ ;' -_._ ".., _ __ _.,. I .r, Universidadl!EstadualdeMaringá 'I'. /1b..8.(A. ! •••"•"'~ brevivem da caleta das frutas da terra e da pequena caça au pesca. Sislema c1eBibliolecas-BCE Nesses grupas, a mulher ainda é cansiderada um ser sagrada, parque ,I",.:,):'1..~jj~"Q;,5~ .9!;1.'": ;1;;:~Ii~'[U-0Il!ii?~11111111111111111111111111111 pade dar a vida e, partanta, ajudar a fertilidade da terra e das ani. n .••••••• ,•••••• ''-li! ; mais. Nesses grupas, a princípio. masculina e a feminina gavernam a i .•:.:•::,." ........'o... .... 0000013803 .DrroRA........,. mundo. juntas. Havia divisão. de trabalha. entre as sexas, mas não.ha. :EJ.~.;.""e':í'.ó..... ' }j11.b6:s .. __._: .via desigualdade. A vida carria mansa e paradisíaca . ." /1 :25 . Islo4/c'IJ- i ., ,................ DireTIõs'exclusivodsepublicaçãodestaedição Nas saciedades de caça aas grandes animais, que sucedem a essas ;~_•n.l_r(.':.._•._.~.__.-~_..~......•....._ .i..•,./.1...'(•1.•_1.•~....e..".E_lJITjORaAdRquOirSidAosDpOelSaTEMPOS mais primitivas, em que a farça física é essencial, é que se inicia a su- premacia masculina. Mas nem nas saciedades de caleta nem nas de ca- Umseloda DISTRIBUIDORARECORDDESERViÇOSDEIMPRENSAS.A çasecanhecia função.masculina na procriação.. Também nas sociedades quesereservaapropriedadeliteráriadestatradução de caça.a mulher era cansiderada um ser sagrada, que passuía a privi. légia dada pelas deuses de repraduzir a espécie. Os hamens sesentiam ImpressonoBrasilpelo SistemaCamerondaDivisãoGráficada marginalizadas nesse pracessa e invejavam as mulheres. Essa primiti- DISTRIBUIDORARECORDDESERViÇOSDEIMPRENSAS.A va "inveja da útero." das hamens éa antepassadada made-rila "inveja . RuaArgenlinal7l-2092l-380.Rio deJaneiro,RJ- Te!':585-2000 da pênis" que sentem asmulheres nas culturas patriarcais mais recentes. A inveja da útero dava arigem a dais ritas universalmente encan- ISBN85-01-64706-3 tradas nas saciedades decaça pelas antrapólagas eabservadas em partes PEDIDOSPELOREEMBOLSOPOSTAL s CaixaPostal23.052'~RiodeJaneiro,RJ- 20922-970 - - ----=- - ~ -- ~~"'~~ -- _. ,-- ~-~.. - --'--r"' r:ostas do mundo, como Brasil e Oceania. O primeiro é O fenômeno estratificação social esexual, mas não écompleta como nas sociedades , da couvade, em que a mulher começa a trabalhar dois dias depois de que se lhes seguem. parir e o homem fica de resguardo com O recém-hascido, recebendo É no decorrer do neolítico que, em algum momento,ohomem visitas e presentes ... O segundo é a iniciação dos homens. Na ãdoles- '" começa a dominar a sua função biológica repnldutora, e, podendo cência, a mulher tem sinais exteriores que marcam o limiar da sua en- controlá-la, pode também controlar a sexualidade feminina. Aparece trada no mundo adulto. A menstruação a torna apta à maternidade então o casamento como Oconhecemos hoje, em que a mulher é pro- e representa um novo patamar em sua vida. Mas ,osadolescentes ho- priedade do homem e a herança se transmite através da descendência mens não possuem esse sinal tão óbvio. Por isso, na puberdade eles masculina. Já acontece assim, por exemplo, nas sociedades pastoris des- são arrancados pelos homens às suas mães, para serem iniciados na critas na Bíblia. Nessa época, o homem já tinha aprendido a fundir "casa dos homens". Em quase todas essas iniciações, o ritual é seme- metais. Essa descoberta acontece por volta de 10000 ou 8000 a.C. E, lhante: éaimitação cerimonial do parto com objetos de madeira eins- à medida que essa tecnologia seaperfeiçoa, começam a ser fabricadas trumentos musicais. E nenhuma mulher ou criança pode seaproximar não só armas mais sofisticadas como também instrumentos que per- da casa dos homens, sob pena de morte. Desse dia em diante o homem mitemcultivar melhor a terra (o arado, por ex.). pode "parir" ritualmente e, portanto, tomar seu lugar na cadeia das Hoje há consenso entre os antropólogos de que os primeiros hu- gerações... manos a descobrir os ciclos da natureza foram as mulheres, porque Ao contrário da mulher, que possuía o "poder biológico" , o ho- podiam compará-los com ociclo do próprio corpo. Mulheres também mem foi desenvolvendo o "poder cultural" à medida que a tecnologia devem ter sido as primeiras plantadoras eas primeiras ceramistas, mas foi avançando. Enquanto as sociedades eram de coleta, as mulheres foram os homens que, a partir da invenção do arado, sistematizaram mantinham uma espécie de poder, mas diferente das culturas patriar- as atividades agrícolas, iniciando uma nova era, a era agrária, e com cais. Essas culturas primitivas tinham de ser cooperativas, para poder ela a história em que vivemos hoje. sobreviver em condições hostis, eportanto não havia coerção ou cen- Para poder arar a terra, os grupamentos humanos deixam de ser tralização, mas rodizio de lideranças, eas relações entre homens emu- nômades. São obrigados a setornar sedentários. Dividem a terra e for- lheres eram mais fluidas do que viriam a ser nas futuras sociedades mam as primeiras plantações. Começam a se estabelecer as primeiras patriarcais. aldeias, depois as cidades, as cidades-estado, os primeiros Estados e Nos grupos matricêntricos, as formas de associação entre homens os impérios, no sentido antigo do termo. As sociedades, então, se tor-l<;: emulheres não incluíam nem a transmissão do poder nem a da heran- nam.patriarcais, isto é, os portadores dos valores eda sua transmissãO+- ça, por issoa liberdade em termos sexuais era maior. Por outro lado, são os homens, Já não são mais os principios feminino e masculino quase não existiaguerra, pois não havia pressão populacional pela con- que governam juntos o mundo, mas, sim, a leido mais forte. A comi- quista de novos territórios. ' da era primeiro para o dono da terra, sua família, seus escravos eseus Ésó nas regiões em que a coleta é escassa, ou onde vão se esgo- soldados. Até ser escravo era privilégio. Só ospárias nômades, os sem- tando os recursos naturais vegetais e os pequenos animais, que se ini- terra, é que pereciam no primeiro inverno ou na primeira escassez. cia a caça sistemática aos grandes animais. E aí começam a se instalar Nesse contexto, quanto mais filhos, mais soldados e mais mão- a supremacia masculina e a competitividade entre os grupos na busca de-obra barata para arar a terra. As mulheres tinham a sua sexualida- de novos territórios. Agora, para sobreviver, as sociedades têm de com- de rigidamente controlada pelos homens. O casamento era monogâ- petir entre si por um alimento escasso. As guerras se tornam constan- mico e a mulher era obrigada a sair virgem das mãos do pai para as tes epassam a sermitificadas. Os homens mais valorizados são osheróis mãos do marido. Qualquer ruptura desta norma podia significar a mor- guerreiros. Começa a se romper a harmonia que ligava a espécie hu- te. Assim também o adultério: um filho de outro homem viria amea- , mana à natureza. Mas ainda não seinstala definitivamente a leido mais çar a transmissão da herança que se fazia através da descendência da forte. O homem ainda não conhece com precisão a sua função repro- I mulher. A mulher fica, então, reduzida ao âmbito doméstico. Perde dutora e crê que a mulher fica grávida dos deuses.' Por isso ela ainda I qualquer capacidade de decisão no dominio público, que fica inteira- conserva poder de decisão. Nas culturas que vivem da caça, já existe mente reservado ao homem. A dicotomia entre o privado e o público 6 7 ,..-_ •. . ;jiii'-~~' -- .-""',,!,-'-.',"- .•~"" '".-. .. . • ",";Jr .~~-;1,.' {~,:,..',, .. torna-se, então, aongem da dependência econõm.i.ca'.dam.ulher, e.esta : , tivamente a deusa Siduri reinava num jardim de delícias e cujo poder ~},:: • dependêncIa, por sua vez, gera, no de"correr das gerações, uma sub. I foi usurpado por um deus solar. Mais tarde, na epopéia de Gilgamesh, ,missão psicológica que dura até hoje. . .,..ela'é descrita como simples serva. Ainda, os mitos primitivos dos aste" i'~ ~ É nesse contexto que transcorre todo o período histórico ilté os I cas falam de um mundo perdido, de um jardim. paradisíaco governado c ~~ dias de hoje. De matricêntrica, a cultura humana passa a patriarcal. por Xoxiquetzl, a Mãe Terra. Dela nasceram os Huitzuhuahua, que ~~~~j são os Titãs e os Quatrocentos Habitantes do Sul (as estrelas). Mais ~,:<, E o Verbo Veio Depois tarde, seus filhos se revoltam contra ela e ela dá à luz o.deus que iria i governar a todos, Huitzilopocht1i. "No princípio era a Mãe, o Verbo veio depois." Éassim quP Ma- A partir do segundo milênio a.C., contudo, raramente se regis- J I rilyn French, uma das maiores pensadoras feministas americanas, co- tram mitos em que a divindade primária seja mulher. Em muitos de- 11 meça o seu livro Beyond Power (Summit Books, Nova York, 1985). t les,estas são substituídas por um deus macho que cria o mundo a partir 11 11 Enão.é sem razão, pois podemos retraçar oscaminhos da espécie atra- I, de si mesmo, tais como os mitos persa, meda e, principalmente e aci- 'I vésda sucessão dos seus mitos. Um mitólogo americano, em seu livro ma de todos, o nosso mito cristão, que é o que será enfocado aqui. b i The M(Jsksof God:Oecidental Mythology (Nova York, 1970), citado Javé é deus único todo-poderoso, onipresente, e controla todos " por French, divide em quatro grupos todos osmitos conhecidos da cria. os seres humanos em todos os momentos da sua vida. Cria sozinho j ção. E, surpreendentemente, esses grupos correspondem às etapas cro- f o mundo em sete dias e, no final, cria o homem. E só depois cria a I iJ nológicas da história humana. mulher, assim mesmo a partir 110 homem. E coloca ambos no Jardim Na primeira etapa, o mundo écriado por uma deusa mãe sem au- das Delícias onde oalimento éabundante ecolhido semtrabalho. Mas, xílio de ninguém. Na segunda, ele écriado por um deus andrógino ou graças à sedução da mulher, o homem cede à tentação da serpente e um casalcriador. Na terceira, um deus macho ou toma opoder da deusa o casal é expulso do paraíso. ~,.:;-ji ou cria o mundo sobre o corpo da deusa primordial. Finalmente, na Antes de prosseguir, procuremos analisar o que já setem até aqui ''''I quarta etapa, um deus macho cria o mundo sozinho. I emrelação à mulher. Em primeiro lugar, ao contrário das culturas pri- ~l l Essas quatro etapas que sesucedem também cronologicamente são mitivas, Javé é deus único, centralizador, dita rígidas regras de com- ~;il testemunhas eternas da transição da etapa matricêntrica da humanida-! portamento cuja transgressão é sempre punida. Nas primitivas I de para sua fase patriarcal, eéesta sucessão que dá veracidade à frase mitologiás; ao contrário, a Grande Mãe é permissiva, amorosa enão- õ~1 ja citada de Marilyn French. It cQercitivá..E como todos os mitos fundantes das grandes culturas ten- . Alguns exemplos nos farão entender as diversas etapas e a frase dem asacralizar osseus principais valores, Javé representa bem a trans- ~~I I de French. O primeiro e mais importante exemplo da primeira etapa ( formação do matricentrismo em patriarcado. em que a Grande Mãe cria o universo sozinha éo próprio mito grego. ' O Jardim das Delícias é a lembrança arquetípiea da antiga har- t Nele a criadora primária é Géia, a Mãe Terra. Dela nascem todos as monia entre.o ser h~mano ea nat~reza. Nas culturas de coleta não se 1. protodeuses: Urano, osTitãs eas protodeusas, entre asquais Réia, que trabalhava sistematicamente. Por ISSOos controles eram frouxos epo- virá a ser a mãe do futuro dominador do Olimpo, Zeus. Há também ~ .dia se viver mais prazerosamente. Quando o homem começa a domi- o caso do mito Nagõ, que vem dar origem ao candomblé. Neste mito i nar a natureza, ele começa a se separar dessa mesma natureza em que I africano, é Nanã Buruquê que dá à luz todos os orixás, sem auxílio ~t, até então vivia imerso. de ninguém. Como o trabalho é penoso, necessita agora de poder central que t Exemplos do segundo caso são o deus andrógino que gera todos imponha controles mais rígidos e punição para a transgressão. Épre- os deuses, no hinduísmo, e o yin e o yang, o princípio feminino e o I 'ciso usar a coerção e a violência para que os homens sejam obrigados masculino que governam juntos na mitologia chinesa. ~, a trabalhar, e essa coerção é localizada no corpo, na repressão da se- Exemplos do terceiro caso são as mitologias nas quais reinam em i xualidade edo prazer .Por isso o pecado original, a culpa máxima, na primeiro lugar deusas mulheres, que são, depois, destronadas por deu- ...... Bíblia, écolocado no ato sexual (éassim que, desde milênios, popular- sesmasculinos. Entre essas mitol.ogias está a sumeriana, em que primi- mente se interpreta a transgressão dos' primeiros humanos). t 8 9 .L I'" Épor isso que a árvore do conhecimento étambém a árvore do ,gra inteligência e emoção, ,corpo e alma, enfim, aquele conhecimento bC.fiedo mal. Oprogres'~Õ'qà.Gooheci'mento gera o trabauio epor is$..O 9 que é, especificamente na cultura patriarcal, o conhecimento feminino corpo tem de ser amaldiçoado. porque o trabalho ébom. Mas éinte- , por, excelência. ressante notar que O homem só consegue çonhecimento do bem e do • Freud dizia que a natureza tinha sido madrasta para a mulher por- mal transgredindo a lei do Pai. O sexo (o prazer) doravante é mau e, ,ij que ela não era capaz de simbolizar tão perfeitamente como o homem. portanto, proibido.'Praticá-lo étransgredir a lei. Ele é, portanto, limi- I tado apenas às funções procriativas, e mesmo assim é uma culpa. De fato, para podermos entender a misoginia que daí por diante ca- racterizará a cultura patriarcal, é preciso analisar a maneira como as I- Daí a divisão entre sexo eafeto, entre corpo ealma, apanágio das ! ciências psicológicas mais atuais apontam para uma estrutura psíquica civilizações agrárias e fonte de todas as divisões e fragmentações do feminina bem diferente da masculina. homem e da mulher, da razão e da emoção, das classes... 1: À mesma idade em que o me~ino conhece a tragédia da castração 'i Tomam aí sentido as punições de Javé. Uma vez adquirido O co- imaginária, a menina resolve de outra maneira o conflito que acondu- nhecimento, o homem tem que sofrer. O trabalho o escraviza. E por zirá à maturidade. Porque já vem castrada, isto é, porque não tem pê- li isso O homem escraviza a mulher. A relação homem-mulher-natureza nis(osímbolo do poder edo prazer, no patriarcado), quando seudesejo não é mais de integração e, sim, de dominação. O desejo dominante 'li a leva para o pai ela não entra em conflito com a mãe de maneira tão agora é O do homem. O de.~~jQda mulher será para sempre carência, .it trágica e aguda como o menino entra com o pai por causa da mãe. 1 e éesta paixão que será o seu castigo. Daí em diante, ela será definida Porque já vem castrada, não tem nada a perder. E a sua identificação ~ por sua sexualidade, e o homem, pelo seu trabalho. com a mãe se,resolve sem grandes traumas. Ela não se desliga inteira- Mas o interessante éque os primeiros capítulos do Gênesis podem mente das fontes arcaicas do prazer (o corpo da mãe). Por isso, tam- ser mais bem entendidos à luz das modernas teorias psicológicas, espe- 1 bém, não sedivide de si mesma como sedivide o homem, nem de suas cialmente a psicanálise. Em cada menino nascido no sistema patriarcal emoç,ões. Para o resto da sua vida, conhecimento e prazer, emoção e repete-se, em nível simbólico, atragédia primordial. Nos primeiros tem- inteligência são mais integrados na mulher do que no homem e, por pos de sua vida, eles estão imersos no Jardim das Delicias, em que to- isso, são perigosos edesestabilizadores de um sistema que repousa in- dos os seus desejos são satisfeitos. E isto lhes faz buscar o prazer que I teiramente no controle, no poder e, portanto, no conhecimento disso- lhes dá o contato com a mãe, a única mulher a que têm acesso. Mas ciado da emoção e, por isso mesmo, abstrato. a lei do pai proíbe ao menino 'a posse da mãe. E o menino é expulso 1 De agora em diante, poder, competitividade, conhecimento, con- do mundo do amor, para assumir a sua autonomia e, com ela, a sua trole, manipulação, abstração e violência vêm juntos. O amor, a in- 1 ',maturidade. Principalmente, asua nudez, a sua fraqueza, os seus limi- tegração com o meio ambiente e com as próprias emoções são os tes. Éà medida que o homem secinde do Jardim das Delícias propor- ;\ elementos mais desestabilizadores da ordem vigente. Por isso épreciso •1 cionadas pela mulher-mãe que ele assume a sua condição masculina . I precaver-se de todas as maneiras contra a mulher, impedi-la de inter- E para que possa setornar homem em termos simbólicos, ele pre- 1 ferir nos processos decisórios, fazer com que ela introjete uma ideolo- cisa passar pela punição maior que é a ameaça de morte pelo pai. Co- gia que a convença de sua própria inferioridade em relação ao homem. mo Adão, o menino quer matar o pai e este o pune, deixando-o só. ,i Assim, aquilo que severifica no decorrer dos séculos, isto é, a tran- Enão espanta que na própria Biblia encontremos o primeiro indi- cio desta desigualdade entre homens e mulheres. Quando Deus cria o sição das culturas de coleta para a civilização agrária mais avançada, homem, Ele,o cria só e apenas depois tira a companheira da costela érelembrado simbolicamente na vida decada um dos homens do mundo deste. Em outras palavras: o primeiro homem dá à luz (pare) a primei- de hoje. Mas duas observações devem ser feitas. A primeira é que o ( ra mulher. Esse fenômeno psicológico de deslocamento é um mecanis- ,pivô das duas tragédias,' a individual e a coletiva, é a mulher; e a se- mo de defesa conhecido por todos aqueles que lidam com a psique ~ gunda, que O conhecimen'to condenado não é o conhecimento disso- humana eserve para revelar escondendo. Tirar da costela émenos vio- , ciado e abstrato que daí por diante será o conhecimento dominante, lento do que tirar do próprio ventre, mas, em outras palavras, aponta '1i mas sim o conhecimento do bem edo mal, que vem da experiência con- para a mesma direção. Agora, parir é ato que não está mais ligado ao I creta do prazer eda sexualidade, o conhecimento totalizante que inte- --I sagrado e é, antes, uma vulnerabilidade do que uma força. A mulher 10 11 ,-,''; •.'''' '~-~--~ f,?:-:',_,~i":"-' """"êf' t. ' ~ •. se inferioriza pelo próprio fato de parir, que outrora lhe assegurava o Cristianismo se sedimenta entre as tribos bárbaras da Europa. Nes- i I a grandeza. A grandeza agora'pertence ao homem, que trabalha edo- se período de conflito de valores, é muito confusa a situação da mu- ,I mina a natureza. Illher. Contudo, ela tende aocupar lugar de destaque no mundo das ,li' Já não é mais o homem que inveja a mulher. Agora é a mulher ,decisões, porque os homens se ausentavam muito e morriam nos pe- I f- que inveja o homem e é dependente dele. Carente, vulnerável, seu de_ríodos de guerra. Em poucas palavras: as mulheres eram jogadas para" il' sejo éo centro da sua punição. Ela passa a se ver com os olhos do ho- ,o domínio público quando havia escassez de homens e voltavam para ••.. mem, isto é, sua identidade não está mais nela mesma esim em outro. 10 domínio privado quando os homens reassumiam o seu lugar nar jl~~aIi I O homem é autônomo e a mulher é reflexa. Daqui em diante, como Icultura. il[ o pobre se vê com os olhos do rico, a mulher se vê pelo homem. Na alta Idade Média, a condição das mulheres floresce. Elas têm Da época em que foi escrito o Gênesis até os nossos dias, isto é, a~essoàsartes, àsciências, à literatura. Uma monja, por exemplo, Hros- de alguns milênios para cá. essa narrativa básica da nossa cultura pa- vltha de Gandersheim, foi o único poeta da Europa durante cinco sé- .1:; triarcal tem servido ininterruptamente para manter a mulher em seu culos. Isso acontece durante ascruzadas, período emque não sóa Igreja 'i~ devido lugar. E, aliás. com muita eficiência. A partir desse texto, amu- alcança seu maior poder temporal como, também, o mundo se prepa- , '~r lher é vista como a tentadora do homem, aquela que perturba a sua ra para as grandes transformações que viriam séculos mais tarde, com .1~ t r:lação com a transcen,dência e.também aquela que conflitua as rela- a Renascença... . ..' ti çoes entre os homens;' Ela é ligada à natureza, à carne, ao sexo,e i E élogo depOISdessa epoca, no peno do que Vaido fIm do século ~ ao prazer,' domínios que têm de ser rigorosamente normatizados: a"IXIV até meados do século XVIII que aconteceu o fenômeno generali l serpente. que mis eras matricêntricas era o símbolo da fertilidade zado em toda a Europa: a repressão sistemática do feminino: Estamos !~~ ,, ; e tida na mais alta estimt: como símbolo máximo da sabedoria, se Inos refenndo aos quatro séculos de "caça às bruxas". ' transforma no demônio, no tentador, na fonte de todo pecado. E! Deirdre English eBarb~r~ Ehrenreich, em seu livro Witches. Nu,- iA ao demônio é alocado o'pecado por excelência, o pecado da carne. jses and Mldwlves (The FemInlst Press, 1973),nos dão estatísticas ater- " Coloca-se no sexo o pecado supremo e, assim, o poder fica imune à .radoras do que foia queima de mulheres feiticeiras em fogueiras durante crítica. Apenas nos tempos modernos está se tentando deslocar o pe, Iesses qu~tro séculos. ',:A extensão da caça às bruxas é espantosa. N01 cado da sexualidade para o poder. Isto é, até hoje não só o homem !fIm do seculo XV eno começo do século XVI, houve milhares emilha-I '~ 'j:íl:~ como as classes dominantes tiveram seu status sacralizado porque a ires de execuções - usualmente eram queimadas vivas na fogueira _ it"I mulher ea sexualidade foram penalizadas como causa máxima da de- j na Alemanha, na Itália e em outros países. A partir de meados do sé- ~~ gradação humana. :culo XVI, o terror se espalhou por toda a Europa, começando pela ~ \Franç.a e pela Inglaterra: Um escritor estimou o número de execuções 1r,[<i o Malleus como Continuação do Gênesis I:mseIscentas po.rano,para certas cidades, uma média de duas por dia, 'ài exceto aos domIngos. Novecentas bruxas foram executadas num únil l .~''>1 l Enquanto seescrevia oGênesis no Oriente Médio, as grandes cul- ,co ano na área de Wertzberg, e cerca de mil na diocese de Como. Em li' turas patriarcais iam se sucedendo. Na Grécia. o status da mulher foi 'Toulouse, quatrocentas foram assassinadas num único dia; no arce- E'~ ;.1~{ extremamente degradado. O homossexualismo era prática comum en- j'bispado de Trier, em 1585, duas aldeias foram deixadas apenas com tre os homens eas mulheres ficavam exclusivamente reduzidas às suas dua~mulheres moradoras cada uma. Muitos escritores estimaram que funções de mãe, prostituta ou cortesã. Em Roma, embora durante certo 0numero total de mulheres executadas subia à casa dos milhões, e as período tivessem bastante liberdade sexual, jamais chegaram a ter po- mulheres constituíam 850/0de todos os bruxos ebruxas que foram exe- der de decisão no Impériol Quando o Cristianismo setorna a religião ,f1c.utados." . oficial dos romanos no século IV, tem início a Idade Média. Algo no- Outros cálculos lev~ntados ~or Marilyn French, em seu já citado ---\"> vo acontece. E aqui nos deteremos porque é o período que mais nos livro, mostram que o numero mInlmo de mulheres queImadas vivas é interessa.! 'I' de cem mil. Do terceiro ao décimo séculos. alonga-se um período em que l 12 , 13 (-~ ,~,m-'-"- - ," r : E Por Que Tudo Isso? Todos, homens e mulheres, passam a ser, então, os próprios controla. I .. dores de si mesmos a partir do mais íntimo de suas mentes. É assim , '" Desde a mais remota antiguidade, as mulheres eram as curadoras l que se instala oiQuritanismo, do qual se origina, segundo Tawnwy e ~ . populares, as parteiras, enfim, detinham saber próprio, que lhes era : I . Max Weber, o capitalismo avançado anglo-saxão. Mas até chegar a ~'~ transmitido de geração em geração. Em muitas tribos primitivas eram .~ esse ponto foi preciso usar de muita violência. Até meados da Idade elas as xamãs. Na Idade Média, seu saber se intensifica e aprofunda. .' ',t II Média, as regras morais do Cristianismo ainda não tinham penetrado ~s mulheres camponesas pobres não tinham como cuidar da saúde, a a ~undo nas massas populares. Ainda existiam muitos núcleos de "pa- não ser com outras mulheres tão camponesas e tão pobres quanto A ganismo" e, mesmo entre os cristãos, os controles eram frouxos .. " elas: Elas (as curadoras) eram as cultivadoras ancestrais das ervas que As regras convencionais só eram válidas para as mulheres e ho- {: devolviam a saúde, e eram também as melhores anatomistas do seu mens das classes dominantes através dos quais setransmitiam o poder tempo. Eram as parteiras que viajavam de casa em casa, de aldeia em .!~ •.e a heranç;a..,Assim, os Cjuatro s~ulos d~_M..u;.çg]ll,ª,o_às..bruxas.e-aos . '! aldeia, e as médicas populares para todas as doenças. t h,eréticos nada tinham de histeria coletiva, mas, ao contrário, foram :J::j ~ $! Mais tarde elas vieram a representar uma ameaça. Em primeiro ul1)jlJ~,e!seguiçãomuito bem calculada.e planejada pelas classes dom;- I .lugar, ao poder médico, que vinha tomando corpo através das univer- o!lntes, para chegar a maior centralização e poder. ~~ sidades nojntenor do sistema feudal. Em segundo, porque formavam i "-._-.. "' f"~,~ " Num mundo teocratico, a transgressão da fé era também trans- ~ª "organizações pontuais (comunidades) que, ao sejuntarem, formavam gressão política. Mais ainda, a transgressão sexual que grassava solta vastas confrarias, as quais trocavam. entre si os segredos da cura do , 'jf entre as massas populares. Assim, os inquisidores tiveram a sabedoria ~, corpo e muitas vezes da alma. Mais tarde, ainda, essas mulheres vie- de ligar a transgressão sexual à transgressão da fé. E punir as mulheres g ram aparticipar das revoltas camponesas que precederam a centraliza- por tudo isso. As grandes teses que permitiram esse expurgo do femi- ção dos feudos, os quais, posteriormente, dariam origem às futuras nino eque são astesescentrais do Malleus Malefiearum são asseguintes: ~ nações. I) O demônio, com a permissão de Deus. procura fazer o máximo de ~ Opoder disperso efrouxo do sistema feudal para sobreviver éobri- .1; mal aos homens a fim de apropriar-se do maior número possível de ~!4 . gado, a partir do fim do século XIII, a centralizar, a hierarquizar e almas. ;:-. a se organizar com métodos políticos e ideológicos mais modernos. A . 2) E este mal é feito prioritariamente através do ~oJJ?o,único "lugar" "g'1 noção de pátria aparece, mesmo nessa época (Klausevitz). onde o demônio pode entrar, pois "o espírito [do homem] é governa- fA religião católica e, mais tarde, a protestante contribuem de mà. I do por Deus, a vontade por um anjo e o corpo pelas estrelas" (Parte ~. neira decisiva para essa centralização do poder. E o fizeram através I,Questão 1). E porque as estrelas são inferiores aos espíritos e o de- 1 dos tribunais da Inquisição que varreram a Europa de norte asul, leste . mônio é um espírito superior, só lhe resta o ÇQ[Q.o para dominar. e oeste, torturando e assassinando em massa aqueles que eram julga. I 3) E este domínio lhe vem através do controle e da manipulação dos dos heréticos ou bruxos. !~ atos sexuais. Pela sexualidade o demônio pode apropriar-se do corpo Este "expurgo" visava recolocar dentro de regras de comporta~ I 1 e da alma dos homens. Foi pela sexualidade queo primeiro homem ~ mento dominante as massas camponesas submetidas muitas vezes aos pecou e, portanto, a sexualidade é o ponto mais vulnerável de todos \~ i mais ferozes excessos dos seus senhores, expostas à fome, à peste e à ; os homens. " guerra e que se rebelavam. E principalmente as mulheres. '(; 4) Ecomo as mulheres eS,tã_oe.ss~nçia.!l1)e-')te.ligª-cias~~~-ªlidade, elas r Era essencial para o sistema capitalista que estava sendo forjado I se íôr'nain as'.agentes por excelência do demônio (as feiticeiras). E as no seio mesmo dofeudalismo um controle estrito sobre o corpo e a .i mulheres têm mais conivência com o demônio "porque Eva nasceu de ~ sexualidade, conforme constata a obra de Michel Foucault, História J' .umacostela torta de Adão, portanto nenhuma mulher pode ser réta" I'~ .,.da Sexualidade. Começa a seconstruir ali ocorpo dócil do futuro irã- (1,6). ::g balhadór.que vaiser alienado do seu trabalho enão serebelará. A par- . fi 5) A primeira e maior característica, aquela que dá todo o poder às tir do século XVII, oscontroles atingem profundidade eObseSSiVidade. feiticeiras, é copular com o demônio. Satã é, portanto, O senhor do ,":1i tais que os menores, os mínimos detalhes e gestos são normatizados. . prazer. 1 14 • 15 f li'" I,, -:J' ..•,.\1.: r r""""- . I 6)Um,"~o";d" m,;m;d>d0.0. od.mO"~.~ f,;,;~;"".o" Écom acaça às bruxas que senormatiza ocomportamento deho- . r pazes de desencadear todos os males, especialmente a impotênCia mas- 'mens emulheres europeus, tanto na área pública como no domínio do ..1•. culina,a impos~ib}lidade .delivro/cs_~d~paixões de.sor~enada~,..~borto~, . J privado. . h oferendas de cnanças a Satanás, estr,ago das colheitas, doenças nos am- • E"assim se passam os séculos.. ,I: .Ji mais etc. I A sociedade de classes que já está construída rios fins do século 7) E esses pecados eram mais hediondos ao que os próprios pecados XVIII é composta de ,trabalhadores dóceis que não questionam o . li:1 de Lúcifer quando da rebelião dos anJo, edos primeiros pais por oca- sistema. . .d sião da queda', porque agora as bruxas 'pecam contra D~us e o Reden- i i:' tor (Cris"to), e portanto este'crime é imperdoável e p'ôr isso só pode As Bruxas do,Século XX ser resgatado com a tortura e a morte. ;) Vemos assim que na mesma época em que o mundo está entrando Agora, mais de.dois séculos após o término da caça às bruxas, é !,::l ~~-;... na Renascença, que virá a dar na Idade das Luzes, processa-se a mais t que podemos'ter uma noção das suas dimensões.' Neste final de século delirante perseguição às mulheres e ao prazer. Tudo aquilo que já es- e de milênio, o que se nos apresenta como avaliação da sociedade in- ~~; I 't~ tava em embrião no Segundo Capítulo do Gênesis torna-se agora si- dustrial? Dois terços da humanidade passam fome para o terço restan- t~i:,;' nistramente Concreto; Senas culturas de coleta as mulheres eram quase te superalimentar-se; além disto há a possibilidade concreta da I,"i! sagradas por poderem ser férteis e, portanto, eram as grandes estimú- r destruição instantânea do planeta pelo arsenal nuclear já colocado e, ;11 ladoras da fecundidade da natureza, agora elas são, por sua capacida- ! principalmente, a destruição lenta mas contínua do meio ambiente, já I; de orgástica, ascausadoras de todos os flagelos a essa mesma natureza. chegando ao ponto do não-retorno. A aceleração tecnológica mostra- Sim, porqueás'feitiêeiras se ericontram apenas entre as mulheres or- se, portanto, muito mais louca do que o mais louco dos inquisidores. l/;'.' gásticas eambiciosas (I, 6), iS1QJ,-ªQ!,IS'.LllS,Que.!ltãinohl!.m-ª..s.~!,uaI1dã- Ainda neste fim de século outro fenõmeno está acontecendo: na ~UI OhlIol de ainda normatizada e' procurl!'i.al}1in.mor-s,e_no cfõmínio.público, mesma jovem rompem-se dois tabus que causaram a morte das feiti- ~~,.i exclusivo dos homens. ceiras: a inserção no mundo público ea procura do prazer sem repres- Assim, o Malleus Maleficarurn, por ser a continuação popular do I são. A mulher jovem hoje liberta-se porque o controle da sexuáfidãde 1\. Segundo Capítulo do Gênesis, torna-se a testemunha mais importante .e a reclusão ao domínio privado formam também os dois pilares da il da estrutura do patriarcado ede como esta estrutura funciona concre- 1 opressão feminina. ;L tamente sobrei repressão da mulher e do prazer: \" Assim, hoje as bruxas são legião no século XX. E são bruxas que ~, De doadora da vida, símbolo da fertilidade para as colheitas e os não podem ser queimadas vivas, pois são elas que estão trazendo pela animais, agora a situação se inverte: a mulher é a.primeira e a !11l!to.r primeira vez na história do patriarc.ado, para o mundo masculino, os ~~ J~..; pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao 'homem, à natureza I valores femininos. Esta reinserção do feminino na história, resgatan- w e aos animais .. I do oprazer, a solidariedade, a não-competição, a união com a nature- tlti"i: . Durante três.séculos.o.Malleus foi a bíblia dos Inquisidores eeste- za, talvez seja a única chance que a noss'a espécie tenha de continuar f vena banca de todos osjulgamentos. Quando cessou acaça 'àsbruxas, viva. :! no século XVIII, houve grande transformação na 'condição feminina. I Creio que com isso as nossas bruxinhas da Idade Média podem ~: A sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam frígidas, pois or- I se considerar vingadas! . .:~' gasmo era coisa do diabo e, portanto, passível de punição. Reduzem I i't h seexclusivamente ao âmbito doméstico, pois sua ambição também era li' passível de castigo. O saber feminino popular cai na clandestinidade, ~\ li ,quando não é assimilado como próprio pelo poder médico masculino .já solidificado.,As mulheres não têm mais acesso ao estudo como na . t Idade Média epassam a transmitir voluntariamente a seus filhos valo- I res patriarcais já então totalmente introjetados por elas. ~, I~ 16 f 17 '1..\ I, t, -- r~-', "-1~ "", " I Prefácio o MARTELO DAS FEITICEIRAS _ I MALLEUS MALEFICARUM À LUZ DE UMA TEORIA SIMBÓLICA DA HISTÓRIA CARLOS AMADEU B. BYINGTON* o I- 'século vinte entra em sua última década perplexo diante do ji,~ desmoronamento da ideologia materialista que o empolgou, guiou e r,~ n~ revolucionou. A civilização industrial se dá conta, por seus próprios l;'l ! descaminhos, de uma grande falta de valores para orientar seu desen. I li')'; volvimento. Das profundezas geladas desta desidealização, reativam. l {ili se os arquétipos expressos nos mitos portadores dos simbolos históri. '~r .1 cos que orientaram o desenvolvimento das culturas. A civilização in- .i ;;;;: dustrial eas ciências modernas surgidas no Renascimento europeu, ao 'l~ ii~ ; ,retornarem às suas raízes míticas, reencontram o mito cristão que lhes '11t, I moldou os caminhos. Em sua bagagem, eJils'incluem dois séculos de ,..lk ;. psicologia para vivenciá-lo de forma diferente. Com menos fervor e '\Ií~ J ;~~ fanat.ismo talvez, mas certamente com maior capacidade de separar a ,,al'~ l i:lj: mensagem fecunda dos símbolos do mito das suas deformações his- l:("{~!'~ I tóricas. ;W,' . A importância do papel civilizatório do mito cristão no terceiro ;.:fj;: milênio deverá incluir a continuação da elaboração dos seus símbolos que ainda não puderam ser devidamente integrados pela cultura. Nes- ll~.'iJ .se sentido, o estudo dos pontos históricos estratégicos de estrangula- j"ii i '" .mento da mensagem do mito formarão um capítulo importante da sua t:,' '. :;;;~ continuidade. ,~; l!' ,11 ft ~"IJ!,I,![; *Médicopsiquiatraeanalista, membrodaSociedade BrasileiradePsicologia Analítica. Jf'"P' t,V.' ~i::!. i 19 -.;.?' '~"'";;..~,\\ '.';- .','~-~.~'l' 'r.". ~,_c" . Na medida em que a mídia do processo civilizatório integrar os' objetivo de defender e de enaltecer Cristo,,'o que o transforma, louca- idiomas hispano.ibéricos nO,mundo moderno, a língua portuguesa ad.l mente, num código penal redigido por criminosos eruditos, doutamente quirirá outra importância da que tem hoje. Dentro dessa perspectiva'r', ;':ij:' referenciados no que havia de melhor na teologia cristã. Abençoados aEditora Rosa dos Tempos justifica seu nome eo pioneirismo da per. "f e protegidos por bula papal, os inquisidores Sprenger e Kramer, que r,,: sonalidade das suas quatro fundadoras, ao traduzir para o português escreveram o Malleus, são um sintoma da Inquisição, o grande cãn- ,:! e inaugurar suas atividades com esta obra. ' 't cer,',a deformação psicótica do mito cristão. Durante sua instituciona- 1'[0Mar/elo das Feiticeiras - Malleus Maleficarum é uma das pá- , ~Ii," lização, o mito se subdividiu. Uma parté preservou a essência da ginas mais terríveis do Cristianismo. É difícil imaginar que, durantel, "i} mensagem cristã etransformou a relação Eu/Outro do padrão patriarcal três séculos, ele foi a Bíblia do inquisidof,l Tentarei demonstrar que, para um padrão de igualdade e interação criativa. Outra deformou o ,;.... não foi por acaso que ele foi escrito no esplendor do Renascimento , mito através da Inquisição ecriou uma enorme dissociação cultural ex- e setransformou no apogeu ideológico epragmático da Inquisição con., '*' pressa nas polaridades Cristo/Demônio e Santa Madre Igreja/Bruxa. tra a bruxaria, atingindo intensamente as mulheres.~omo o leitor po-í r Uma história simbólica do Crístianismo nos mostra como a Demono- derá verificar sobejamente por conta própria, eleéum manual de ódio, ~::: logia e o Ódio às mulheres cresceram às expensas da despotencializa- de tortura e de morte, no qual o maior crime é o cometido pelo pró-' ,ção do papel cultural revolucionário dos símbolos de Cristo eda Igreja. prio legislador ao redigir a lei. Suas vítimas não nos deixaram testemu.! Este poderosíssimo mito de salvação pelo amor foi aprincipal ma- nho. Éa própria sanha dos legisladores, cuja loucura os levou a expor! triz estruturante da chamada civilização ocidental, dentro da qual se '." orgulhosamente seus crimes para a posteridade, que nos faz imaginar' ..(,' o terrível sofrimento passado pelos milhares de pessoas, em sua maio.! ,desenvolveu a ciência moderna ese forjou a identidade das nações eu- ropéias e americanas. ' " ria mulheres, muitas das quais histéricas, que foram por eles tortura-' ~:'" A essência do mito está em dois mandamentos: " das e..c.ondenadas à prisão perpétua ou à mortêJ. ' ~\ "Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda ~ livro é diabólico na sua concepção e redaçao. Dividido em três rt~~ partes, a primeira cuida de enaltecer o Demônio com poderes divinos a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força ... Ama- rás o próximo como a ti mesmo." (Mt 22:37.39) h~. extremos e'ligar suas açôes com a bruxaria. Isto é ardilosamente, arti. " "Eu não vos deixarei desamparados'; Eu virei a vós. Dentro de culado com a ideoiogia repressiva da Inquisição, declarando-se heréti.' ::., t..' pouco tempo,'o mundo não me verá máis. Mas vós me vedes eporque ca qualquer descrença nesses postulados. Na segunda parte, ensina-se' '! eu vivo, vós vivereis. Nesse dia, sabereis que eu sou no meu Pai, vós ~.. a reconhecer e a neutralizar a bruxaria nas vivências do dia-a-dia da' ',' .í< emmim eeu em vós. Aquele que tem meus mandamentos eosguarda, ~+~ população. Uma pessoa deconduta diferente, uma briga entre vizinhos,l U esse me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o uma vaca que dá mais ou menos leite, uma criança que adoece, uma! ~;i'>,i tempestade ou a diminuição da potência sexual, qualquer ocorrênciaí amaCr~i e me mostrarei a ele." (João 14:18-21) A tarefa deste prefácio éexplicar como este mito de solidariedade ":i,-l'í,' pode ser atribuída à bruxaria. Trata-se de uma verdadeira religião do' humana pôde ser tão deformado a ponto de produzir a Inquisição e l,;I;~ Diabo para explicar todos os males da vida individual e comunitária,' oMalleus. Buscarei esta compreensão em uma teoria simbólica da his- ~ ji~ Édifícil imaginar que qualquer bruxo ou bruxa, por maior formação~; .,1~:1!1 ~" em ciência jurídica que tivesse, conseguisse legislar sobre os poderes) tória e da cultura. I Parece-me que somente uma pe,rspee,t,iva,~imbóli. :i1i : do Demônio com tanta prodigalidade. Na terceira parte, descrevem-se', ca go desenvolvimento normal e patológico da culturà pode tornar compreensível tamanha aberração] ,;-a;;~, o julgamento e as sentenças. Aí compreende-se como o livro é ardilo-J, • so. Em realidade, as duas primeiras partes são escolasticamente racio.~, Do ponto de vista da,psicopatologia simbólica coletiva, o parale- ,l"'i~' nalizadas para justificar toda sorte de ab,errações ecrueldades mandadas' lo comumente feito entre a Inquisição e o nazismo é importante para 1,""(:' ilustrar o que é a psicose paranóide cultural. Afora a duração de uma executar na terceira parte, um verdadeiro escoadouro da patologia cul,l j'l;',@ , f sermedida em algumas décadas eda outra emmuitos séculos, esta com- tural acumulada no milênio da Idade Médiajt "~' paração necessita delimitar uma grande diferença, que é a patologia !' , Ainda que delirante, sádico e puritano, não está aí a essência da~ Hd /' 0, do caráter Coletivo que acompanhou a Inquisição. Os nazistas assassi. patologia do Malleus. Ela advém fundamentalmente de o texto ter l'êÜ ' navam suas vítimas porque se julgavam puros e elas impuras. Ao "jf;~ J 20 ,/\'~liíl, 21 I 2.b B GI;lo':.., ,i ',,.~•.. IH'(;.,) ~~