UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA O fenômeno da atenção e suas implicações no campo da análise fenomenológico-existencial CARLOS HENRIQUE MARTINS TEIXEIRA Niterói/RJ Setembro de 2013 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá T266 Teixeira, Carlos Henrique Martins. O fenômeno da atenção e suas implicações no campo da análise fenomenológico-existencial / Carlos Henrique Martins Teixeira. – 2013. 170 f. Orientador: Roberto Novaes de Sá. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de Psicologia, 2013. Bibliografia: f. 166-170. 1. Atenção. 2. Fenomenologia. 3. Heidegger, Martin, 1889-1976; crítica e interpretação. I. Sá, Roberto Novaes de. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título. CDD 153.733 ii CARLOS HENRIQUE MARTINS TEIXEIRA O fenômeno da atenção e suas implicações no campo da análise fenomenológico-existencial Tese apresentada ao Departamento de Psicologia – Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense para obtenção do título de Doutor em Psicologia. Orientador: Professor Dr. Roberto Novaes de Sá – UFF. Niterói/RJ Setembro de 2013 iii Dedico este trabalho à minha esposa, Ana Maria, a quem sou muito grato. Seu modo de estar presente é de especial singeleza, somente possível para aqueles que cultivam a sabedoria. iv AGRADECIMENTOS Neste momento do trabalho, gostaria de fazer um agradecimento especial ao Professor Gilvan Fogel, pelo modo gentil com que se dispôs, através de diversos encontros, a ler e comentar os textos que eu ia lhe apresentando. Agradeço à Professora Elza Dutra, por sua disponibilidade em aceitar o meu convite com carinho e pelo modo como vem desempenhando seus trabalhos na fenomenologia. Agradeço à Professora Márcia Moraes, por me incluir entre os seus orientandos, ao aceitar estar aqui, e deixar com que eu desfrute, assim, do belo trabalho que vem desenvolvendo junto aos alunos da UFF. Agradeço ao Professor André do Eirado, pela forma grata com que se disponibilizou em atender ao meu convite e por suas significativas intervenções no nosso grupo de pesquisa. Ao Professor Roberto, meus agradecimentos pela companhia segura e serena, como se coloca em suas orientações. Conseguiu manter-se à espera de que eu também visse o fenômeno. À Ana Tereza Camasmie, minha amiga, pela sua leitura e comentário. Ao Professor Jadir Lessa, meu amigo, pelo seu incentivo contumaz, sem o qual este projeto não teria vindo para o papel. Aos colegas do Grupo de Pesquisa da UFF. À Mariana Klôh Rabello, pela disposição cuidadosa e atenciosa de ler, sugerir e revisar o texto. v RESUMO O objetivo deste texto é nos aproximarmos da atenção, não como uma essência, uma propriedade ou uma instância do homem, mas como um fenômeno de seu existir, como um caráter existencial, pelo qual ele se realiza como ser humano. Buscamos observar este fenômeno da atenção nos termos da análise da cotidianidade mediana do ser-aí – Dasein. Para esse percurso, fez-se sempre necessário a aproximação com outros existenciais, como ser-no- mundo, ser-em, ser-com, assim como o ver e o escutar. Outro aspecto importante desta pesquisa foi a questão da abertura do ser-aí, do homem, sua dinâmica do corresponder ao solicitado, pelos entes que se apresentam neste espaço de abertura de realização, na qual o homem é sempre chamado a habitar. Fez-se um caminho inicialmente por aspectos filosóficos da existência humana, com base na filosofia de Martin Heidegger, para então entrarmos nos aspectos da compreensão do fenômeno da atenção na clínica da Daseinsanalyse. Ao abordá-lo junto à clínica, revisitamos algumas patologias, que nos ajudaram a destacar a presença deste fenômeno em seus possíveis modos de poder-ser do humano. Neste momento, foi possível, também, refletirmos sobre a medicalização da infância. Ao longo de todo o texto, as nuances da atenção, como concentração, foco, dispersão, distração, foram conjugadas com a dinâmica do existir do ser-aí, bem como esteve presente a temporalidade do ser-aí. Outro ponto abordado foi a manifestação deste caráter existencial do ser-aí no que corresponde à manifestação do sofrimento existencial. Deste modo, este trabalho, que se desenvolve com base fenomenológica, pode nos ajudar a refletir sobre os desdobramentos do fenômeno da atenção na existência humana. Palavras-chave: Atenção; Dasein; Fenomenologia; Daseinsanalyse; Heidegger. vi ABSTRACT The aim of this paper is to approach attention, not as an essence, a property or an instance of man, but as a phenomenon of its existence as an existential character, by which he is held to be a human being. We seek to observe this phenomenon of attention in terms of analysis of the averageness everydayness of Dasein. For this route, it has always been necessary to approach other existentials, such as Being-in-the-world, Being-in, Being-with, as well as seeing and hearing. Another important aspect of this research is the issue of the disclosedness of Dasein, of man, his dynamics with matches the request, the ones that appear in this space of disclosedness realization, in which man is called to dwell. There was an initial path of the philosophical aspects of human existence, based on the philosophy of Martin Heidegger, to then enter into the aspects of understanding the phenomenon of attention in the clinic of Daseinsanalyse. When we approach it together with the clinic, we revisit some pathologies, which help to highlight the presence of this phenomenon in their possible modes of potentiality-for-Being of the human. At this time, it has also been possible to reflect upon the medicalization of childhood. Throughout the text, the nuances of attention, such as concentration, focus, dispersion, distraction, were intertwined with the dynamics of the existence of Dasein, as well as with the temporality of Dasein. An additional topic was the manifestation of this existential character of Dasein in which corresponds to the manifestation of existential suffering. Thus, this work, which develops phenomenological basis, can help us to reflect on the unfolding of the phenomenon of attention in human existence. Key words: Attention; Dasein; Phenomenology; Daseinsanalyse; Heidegger. vii SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 8 CAPÍTULO I: O FENÔMENO DA ATENÇÃO 1.1 Considerações Primárias sobre o Conceito Fenomenológico de Atenção................... 17 1.2 O Ver, a Fenomenologia e o Fenômeno.......................................................................... 35 1.3 A Escuta, o Lógos e o Sentido......................................................................................... 53 1.4 Ser-aí, Cuidado e Realidade............................................................................................ 72 CAPÍTULO II: CLÍNICA 2.1 Aspectos da Clínica........................................................................................................ 102 2.2 A Clínica sob o Viés da Daseinsanalyse........................................................................ 109 2.3. A Atenção e o Sofrimento............................................................................................. 148 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 161 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 166 8 INTRODUÇÃO A presente tese tem por objetivo primário explorar o tema da atenção e suas implicações no campo da clínica com orientação fenomenológico-existencial, baseada na investigação fenomenológica de Martin Heidegger, sobretudo naquela realizada no período de Ser e tempo. Com esta perspectiva fenomenológica queremos escapar de um modo de fazer ciência onde se busca definir o que é uma coisa; isso não quer dizer que abriremos mão de um método, de uma teoria, pois a fenomenologia tem o seu método, que é a descrição fenomenológica. Nesta pesquisa fenomenológica, estamos visando o fenômeno da atenção como um existencial1 do ser-aí; o existencial fala da condição de possibilidade para as possibilidades dos modos de ser se darem. Deste modo, não poderemos refletir sobre ele isoladamente; assim, buscaremos pensá-lo, articulando-o a outros fenômenos tratados pela fenomenologia, tais como o ver, o escutar, o mundo, a experiência, o afeto e o cuidado, por entendermos que a atenção não só está perpassando esses fenômenos, mas também que esses fenômenos fazem parte do campo correlato de seu modo de mostração. Lembrando-nos sempre da recomendação de Husserl (2007, p. 36) que diz: “Não é absolutamente possível descrever os atos que visam sem recorrer, na expressão, às coisas visadas”. Para isso, precisamos explorar cada um destes fenômenos e suas relações entre si e com a atenção. Nosso campo de observação é o ser-aí em sua cotidianidade, por onde analisaremos os modos ontológicos – existenciais –, em sua expressão ôntica – existenciária. O ser-aí ou Dasein heideggeriano é o ente que é marcado por uma constituição ontológica originária, porém velada, silenciada. Podemos vislumbrar isso nas tentativas de definição do homem, como por exemplo: bio-psico-social e espiritual, mostrando que, quantas palavras forem acrescentadas neste conceito, nada muda na essência dinâmica dele, pois o que se vê é a necessidade de se apreender, de posicionar ontologicamente o homem, tentando dar conta do que o homem é. No entanto, o problema fundamental do homem é que ele não é, ele não tem nenhuma realidade previamente dada, constituída, ele é um puro poder-ser. Buscaremos nos apropriar deste problema na Clínica, para analisarmos a questão da atenção, 1 Embora a atenção não apareça descrita entre os existenciais, na obra de Heidegger, de Ser e Tempo, julgamos pertinente denominá-la, aqui, deste modo. Já que é fundamentalmente, enquanto aspecto da constituição ontológica existencial do ser-aí, que ela nos interessa. 9 pois esta dinâmica existencial, que quer dizer que o homem só é a partir da realização dos seus modos de ser, envolve constantemente modulações e possibilidades, onde ele, diante e coadunado ao seu mundo, apresenta-se, realiza-se, existe de diferentes modos e, através dos quais, recebe os diversos adjetivos, predicados, e/ou “apelidos”, que não são, muitas vezes, mais do que uma tentativa de traçar, de colocar margens no ser-aí, que, como um rio caudaloso, ora por outra transborda levando por águas abaixo teorias, crenças. Por isso mesmo, nesta pesquisa sobre o fenômeno da atenção, não buscamos causas ou consequências de uma pessoa ser atenta, desatenta ou hiperatenta, mas visamos, através destes fenômenos, compreender como a atenção se dá no modo de “ek-sistir” do ser-aí. Sendo assim, destacamos que não é nosso objetivo o caminho da fisiologia, por entendermos que já se tornaria um contrassenso, uma vez que entraríamos num modo de pesquisa diametralmente oposto ao da fenomenologia, o qual tem como um dos pressupostos básicos a epoché, ou a suspensão de todo e qualquer conteúdo apriorístico sobre o que se pretende analisar. A busca, então, de uma causa, de um porquê, nos colocaria num pressuposto de que há um sentido e uma substância intrínsecos, previamente dados, e que se quer aprisioná-los, fixá-los, para estudá-los. Este modo de pensar e atuar nos faria abandonar o fenômeno em seu movimento de aparecer, e tenderia a nos colocar a caminhar através de argumentos, buscando exaustivamente no corpo, mais especificamente no aparelho auditivo e no cérebro, as causas e as condições para uma escuta atenta. Neste âmbito, o escutar não seria mais do que uma função ou uma propriedade sedimentada do aparelho auditivo. Citaremos uma passagem da Ideia da fenomenologia, onde Husserl faz uma observação sobre o compromisso da fenomenologia com o conhecimento e que pode, desde o início deste texto, nos ajudar a tornar clara a nossa decisão pela fenomenologia: As teorias físicas e fisiológicas das cores não proporcionam nenhuma claridade intuitiva do sentido da cor, tal como o tem quem vê. Se, pois, como indubitável se torna em virtude deste exame, a crítica do conhecimento é uma ciência que quer continuamente, só e para todas as espécies e formas de conhecimento, criar claridade, então não pode utilizar nenhuma ciência natural; não pode religar-se aos seus resultados nem às suas asserções sobre o ser; este permanece para ela em questão. Todas as ciências são para ela apenas fenômeno (1989, p. 25). Vemos por este texto de Husserl que qualquer tipo de aprisionamento do ser já seria um obscurecimento, e como as ciências ditas naturais partem de um modo hipostasiante para estudar o ser das coisas, ou tudo o que aparece. Elas acabam por planificar suas estratégias, ao
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