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o estado federal da áfrica negra na obra do cheikh anta diop PDF

13 Pages·2014·0.17 MB·Portuguese
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O ESTADO FEDERAL DA ÁFRICA NEGRA NA OBRA DO CHEIKH ANTA DIOP Gabriel Ambrósio1 Kassoum Diémé2 RESUMO O presente trabalho visa mostrar a importância do cientista Cheikh Anta Diop na criação de bases sólidas de um Estado Federal da África Negra, que resultaria de uma união entre os países do continente habitada majoritariamente por negros. A ideia de Diop não é um convite para a volta à configuração geográfica dos impérios e reinos que neste existiram, mas sim um apelo para uma nova construção geográfica contrária à imposta pela superioridade de força bélica de certos países ocidentais na Conferência de Berlim de 1984/1985. Nestas bases, sendo algumas delas a tomada de consciência da própria história, a unidade territorial e a unidade linguística, Diop busca uma união para o desenvolvimento continental da África Negra. Esta união teria como meta liberar a África Negra da dominação colonial, bem como lutar contra o racismo e proporcionar a dignidade do negro africano e de outros continentes consequentemente. Palavras Chaves: Cheikh Anta Diop, Estado Federal, África Negra. Introdução A realidade vivida pelos povos da África Negra durante o período colonial, bem como, após as chamadas independências da grande maioria dos países que compõem a África Negra, provocou dentre os próprios africanos diversos sentimentos. Destes, os de libertação negociada ou exigida ocuparam certa posição de destaque. No pensamento de Cheikh Anta Diop, podemos dizer que as independências poderiam favorecer uma configuração prejudicial para a África Negra, no sentido que não se livrariam de um contexto geográfico e geopolítico que precisaria ser mudado com certa urgência. É neste sentido que nasce o projeto de criação um Estado Federal da África Negra, no qual se percebe respostas a fatos históricos desta parte do planeta negados pelo Ocidente. É justamente a partir de tal restauração dos fatos que Diop apresenta, não só as razões para a unidade da África Negra, como também os caminhos para sua realização. Na primeira parte do trabalho, procurou-se expor as razões para a criação do Estado Federal da África ___________ 1 Graduando em Letras Portugês-Inglês na PUC-Goiás. E-mail: [email protected]. Orientadora: Janira Sodré Miranda IFG/ PUC GOIÁS [email protected] 2 Mestrando em Sociologia no IFCH da UNICAMP. E-mail: [email protected]. Orientador: Prof. Dr. Mário Augusto Medeiros da Silva IFCH/UNICAMP * In: http://www.cheikhantadiop.net/ 2     Negra e, na segunda, falar da atualidade do pensamento de Cheikh Anta Diop, considerando a África Negra nos dias de hoje. A partir desta análise, foram feitas as considerações finais. I- As razões para a criação do Estado Federal da África Negra em Cheikh A. Diop Em L’Afrique Noire précoloniale, Diop mostra que na parte da África povoada por negros houve uma história, organizações sociais, econômicas e políticas de grande envergadura tais como estados, ou melhor, impérios e reinos e, culturas, produções artísticas, técnicas e científicas. A Europa que por alguns séculos do último milênio teve a hegemonia militar, técnica e econômica não poderia ter a pretensão de ser o único lugar de produção e manifestação da história, da religião, da arte, da economia, da cultura, da política ou da técnica. Quanto à organização política, destacamos alguns exemplos que Diop nos fornece. Nas suas palavras, ele afirma na obra anteriormente citada que “Na época pré-colonial, com efeito, todo o continente estava coberto de monarquias e de impérios. Nenhum lugar em que viviam homens, até mesmo em floresta virgem, escapava à autoridade monárquica” (DIOP, 1987:74). Os Impérios do Gana, do Mali e Songai servem de confirmação das estruturas político-militares que existiram na África Negra. Conforme Bekri (apud Diop,1987:89): “O Império de Gana eram defendido por duzentos mil guerreiros, dentre eles quarenta mil arqueiros. Sua potência e sua reputação que ecoavam até Bagdá no Oriente não eram, por tanto, ilusórias; é uma realidade evidenciada pelo fato de que, durante 1250 anos, imperadores negros se sucederam no trono de um país vasto como a Europa sem que seja desmembrado por ataques exteriores ou tensões internas”. Ao se referir do Império do Mali, cuja potência não pode ser menosprezada, Diop (1987) lembra que às vezes os árabes solicitavam seu apoio militar. Foi o caso de El Mamer quando solicitou um socorro militar de Kankan Mouça. Do ponto de vista religioso, o autor ressalta a contribuição africana ao monoteísmo cuja origem é geralmente atribuída aos hebreus, pelos historiadores, quando escreve afirmando que: _________________ 3 Mille ans avant les penseurs grecs, Socrate, Platon, Zenon, etc., les Egyptiens, avec la réforme de Aménophis IV, avaient réalisé clairement l’idée d’un Dieu universel responsable de la création et que tous les hommes sans distinction pouvaient adorer : il n’était le Dieu d’aucune tribu, ni d’aucune cité, ni même d’aucune nation, mais bien celui du genre humain. 3     “Mil anos antes dos pensadores gregos, Sócrates, Platão, Zenão, etc., os egípcios, com a reforma de Amenófis IV, tinham claramente em mente a ideia de um Deus universal responsável pela criação e que todos os homens sem exceção podiam louvar: ele não era o Deus de nenhuma tribo, de nenhuma cidade, tampouco de nenhuma nação, mas sim o do gênero humano.3” (DIOP, 1987:37). À luz de tais evidências, a conclusão é que a África Negra, tal como a Europa, mas muito antes desta, teve sua organização e produções sociais, sua criação espiritual e política, sua civilização, todas sujeitas a certas mudanças no tempo e no espaço. Já nesta obra percebe-se que uma das intenções do autor é assinalar a existência de bases comuns, do ponto de vista cultural, entre os negros africanos. Como elemento cultural da África na época, o fato de qualquer chefe africano falar à multidão durante uma cerimônia por intermédio de um porta-voz e a “matrilinearidade” eram apenas um exemplo (Diop, 1987). No aspecto cultural, a África Negra se distinguia em diversos elementos da Europa. Estas diferenças, muitas vezes serviram a estes de fonte de inspiração não reconhecida. A omissão das fontes, mas sobretudo a falsificação da história, em particular, a da África Negra, pelo Ocidente, era uma das principais preocupações de Cheikh Anta Diop, em Nations Nègres et Culture. É nesta obra que Diop enfatiza a contribuição dos negros para a civilização universal. Neste esforço intelectual, ele desmonta as frágeis tentativas, até então institucionalizadas e consolidadas no Ocidente, aceitas pela África e, inclusive, pelo mundo, de dissociação da civilização egípcia com a do negro africano, o que revela, sem dúvida, o olhar racista do branco europeu sobre o negro africano. Os egiptólogos foram tomados pela admiração diante do passado de grandeza e de perfeição que encontram enquanto, pouco a pouco, passaram a reconhecer como sendo o da mais antiga civilização que gerou todas as outras. Contando com o imperialismo, tornava-se cada vez mais “inadmissível” continuar aceitando a tese de acordo até então evidente de um Egito negro (DIOP, 1979:62). Como Diop costuma afirmar: “O Egito foi para a África o que a Grécia foi para o Ocidente”. Portanto, a negação arbitrária de presença negra dominante no passado do Egito seria no mínimo um “crime intelectual” motivado pelo racismo, que embaçaria as bases comuns de uma história da qual todos os negros de hoje são herdeiros. Seria uma grande lacuna procurar entender o projeto de criação de um Estado Federal da África Negra, perdendo de vista a colonização da África em geral, 4     e da África Negra em particular. A propósito, Aimé Césaire, no Discurso sobre o Colonialismo mostra que a colonização exercida pelos europeus, em vez levar a civilização para os povos supostos carecer dela, desumanizou os colonizados, ao passo que provocou o mesmo efeito no próprio europeu. “Digo que da colonização à civilização a distancia é infinita; que, de todas as expedições coloniais acumuladas, de todos os estatutos coloniais elaborados, de todas as circulares ministeriais expedidas, é impossível resultar um só valor humano.” (CESAIRE, 1978:15-16). Para este poeta intelectual, longe de por em contato povos diferentes, a colonização promoveu a submissão, o uso de violência, a expropriação, a exploração, de uns por outro, no caso, o europeu, levando a um desfecho desprovido de qualquer valor humano. Kamabaya (2011) também se pronunciou sobre a colonização. Sua observação se aproxima de alguma maneira da do Césaire. Na ótica dele colonialismo, exploração e opressão estão estreitamente ligadas. Ele escreve que: O sistema de exploração e opressão colonial entra em período áureo central à volta dos anos 1920 e 1950, depois de reprimidas as resistências internas de cada país africano e uma vez terminadas as invasões em todo continente. Este é de facto o período de ouro do colonialismo e a coroação das decisões acordadas na famosa Conferência de Berlim de 1884/ 85, onde as grandes nações Europeias dividiram entre si todo o continente africano como um bolo de aniversário, sem terem qualquer consideração pelos africanos (...) que as colônias existiam para darem lucros aos seus possuidores europeus e não beneficiar os africanos, e que os africanos eram obrigados a fornecer as matérias primas para a Europa - O centro do mundo. Quanto à obtenção dos lucros, que era o fim principal porque possuíam colônias, havia também duas formas de exploração dos africanos(as) obrigar os negros a trabalharem nas minas dos brancos ou nas roças de café, cacau, cana-de-açúcar etc. Sempre com salários baixos de miséria e nunca lhes permitir que tivessem roças próprias (KAMABAYA, 2011:102). Cabe dizer que na ótica de Diop o legado da Conferência de Berlim não poderia trazer mais vantagens para os africanos do que para os próprios europeus. Daí toda a legitimidade de qualquer novo projeto pensado por africanos e que levaria à implementação de um novo mapa para os africanos. Este projeto de partilha da África é, sem dúvida, uma das violências proferidas e sofridas por europeus e africanos, respectivamente. Não sendo um projeto ingênuo, a não ser para a grande maioria dos africanos de hoje, esta partilha almejava, dentre outros objetivos, embaralhar as antigas formas de organização dos africanos, enfraquecer as relações entre africanos, apagar sua história, impor-lhes uma nova, na qual se 5     enxergam a partir de do seu colonizador, perpetrar sua dominação, em todos os sentidos, sobre eles próprios. Tendo publicado três de suas principais obras até 19604, Diop já tinha claramente em mente que a África como um todo, mas particularmente a África Negra, precisava lidar com seu destino de outra forma. Diop (1974) defende que uma nova configuração geográfica, num Estado Federal de África Negra, que aglomeraria os minúsculos Estados traçados por europeus, era então indispensável para livrar os africanos da dominação das ditas potências ocidentais. É importante sublinhar que Diop não era solitário nesta na busca de soluções para a libertação da África Negra. Já no final dos anos 1950, grandes pensadores políticos africanos, como kwame Nkrumah, Patrice Lumumba, Amílcar Cabral e, mais tarde, Thomas Sankara apontaram o dilema fundamental dos africanos (MOORE, 2010:33). Antes da manifestação destes, já se falava de pan-africanismo, movimento mais defendido fora do que dentro da África. Na ótica deste movimento, a união dos povos africanos, desconsiderando as fronteiras, seria uma resposta prática à condição de violentados na qual se encontram. Para Diop a resolução deste problema, ao qual a África está submetida, começaria por outro projeto intelectual de autoconhecimento por meio da própria história, após o qual, o projeto de um espaço territorial africano se realizaria paulatinamente e, em médio prazo, levaria a um território único da África Negra. Um ambiente geopolítico coerente e estável sobre as bases de uma racionalidade centralizada em suas atividades econômicas internas e externas era imprescindível. Sem esta, as nações africanas “desapareceriam” uma após outra, engolidas pelas duras realidades do cenário internacional e pelas incessantes guerras civis, tal qual os líderes já o perfilhavam nos anos 60. “África deve se unir”! De outro modo, é todo o continente que sumirá no caos, não cansou de advertir Krumah.[...] O cientista Cheikh Anta Diop definiu as bases estruturais que poderiam sustentar um governo federal continental” (MOORE, 2010:33). Essa é uma grande contribuição do ponto de vista teórico, político, científico, estratégico e técnico que Cheikh Anta Diop trouxe para a África Negra. _____________ 4 Neste ano Cheikh Anta Diop publicou: Les Fondements Économiques et Culturels d’un État Fédéral d’Afrique Noire, L’Unité Culturelle d’Afrique Noire e L’Afrique Noire Pré-coloniale. A década de 1960 foi o período das “independências” políticas de boa parte dos países africanos. 6     Como se pode alcançar o Estado continental? De acordo com Diop (1974:17, 1979), há uma unidade histórica, cultural e psíquica no continente negro. Há também uma unidade geográfica que implica numa unidade econômica. Existe ainda um fundo linguístico comum, apesar das inúmeras tentativas de falsificação da história do negro. Na ótica de Diop (1974:19) é preciso que a unidade linguística domine toda a vida nacional. Sem esta, a unidade nacional e cultural efetiva não passaria de ilusão. Portanto, o aspecto linguístico ocupa um lugar fundamental neste processo que levaria à unificação. A ideia da união continental seria uma federação flexível que não sufoque as atuais identidades nacionais, mas na qual a defesa, de relações exteriores e comércio exterior sejam adquiridos no bojo de um governo continental (MOORE, 2010). Percebe-se aqui que as bases culturais ou linguísticas comuns não significam ausência de diferenças locais. Pois, Estados fortes não seriam facilmente dominados, porque primeiro há união, e evitariam os abusos exteriores. Diop ainda declararia que a independência de governos é simbólica, dera um exemplo, a Uganda humilhada pelo raid de Israel. Outros tão pertinentes quanto este poderiam ser citados. Ele sustentaria que uma união pode salvar a África, a união pode promover o desenvolvimento industrial, tecnológico, político e cientifico dos povos africanos. Outro fato que o estudioso Diop, conforme as interpretações de Moore sobre as origens da civilização das sociedades do planeta, no sentido da evolução política social e econômica, ressalta é que há muito mais diferenças no mundo cultural no universo africano” (MOORE, 2007:148). Entretanto, estas não constituem um empecilho para o projeto. “A União de todos os países africanos numa federação com unidade política, econômica, social, cultural e militar” imbuída com a imensa vontade de unificação para o desenvolvimento real e autônomo das nações subsaarianas era necessária na obra de Diop, dizia Lima* (2008). Em seus vários estudos o cientista, político engajado desde sua juventude, nas questões relacionadas ao continente africano, e os seus vários contextos que perfazem a sua obra, se empenha em evidenciar a contribuição da África, notadamente dos negros africanos, para a civilização universal. Foram muitas vezes constrangedores os seus posicionamentos. Na ânsia de intervir na mudança do continente, sob diversos olhares, visto como o do atraso e dos problemas que não se extinguem, ele propusera então o seu projeto que albergava o continente __________ * Em palestra organizada pelo Núcleo de Estudantes e Professores Africanos (NEEPA) Universidade de Brasília 7     africano, pensando entre o aspecto cultural, de desenvolvimento econômico científico, técnico, industrial, institucional. Todos os principais aspectos envolvidos na construção de uma África moderna são abordados: controle de sistemas educacionais, cívicos e políticos, com a introdução e a utilização das línguas nacionais em todos os níveis da vida pública, o equipamento de energia do continente, o desenvolvimento da investigação é fundamental, a segurança e a construção de um Estado federal democrático, a representação das mulheres nas instituições políticas etc. (DIOP, 1974). O uso de línguas africanas no continente é caro ao Diop, na medida que ele afirma: “A influencia da língua é tão importante que as diferentes metrópoles europeias acham que podem sem grande prejuízo retirar- se política e aparentemente da África, permanecendo nesta de forma concreta no âmbito econômico, espiritual e cultural” (DIOP, 1974:26)   Como no Discurso sobre o Colonialismo do Aimé Césaire, “Uma civilização que se revele incapaz de resolver os problemas que o seu funcionamento suscita, é uma civilização decadente, uma civilização que prefere fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais, é uma civilização enferma e, uma civilização que trapaceia com os seus princípios é uma civilização moribunda” (CESAIRE, 1978:13), em Diop, cabia à África pensar, procurar e traçar seu caminho para por um fim a tal processo civilizatório que a enfraquece e a reduz ao que só serve de sustentáculo do desenvolvimento ocidental. Depois de longos anos de estudos, desafiando vários estudiosos e conterrâneos sobre os diversos assuntos científicos, culturais, antropológicos, históricos e linguísticos, Cheikh Anta Diop chega à conclusão de que o caminho da reviravolta do continente africano é a união dos estados numa federação. Este seria o desfecho de um processo que começaria com a tomada de consciência da unidade histórica da África. Assim, ele contribui para o aprimoramento da consciência sociopolítica dos africanos, publicando em 1954 Nations nègres et culture e, em 1960 L’unité culturelle de l’Afrique noire, e L’Afrique noire pré- coloniale, sendo sua contribuição hoje, uma das heranças mais relevantes para o futuro dos povos e das nações da África Negra. Junto à tomada de consciência que sua obra promove, Diop aponta o passo seguinte a tomar em Les fondements économiques et culturels d’un État Fédéral d’Afrique Noire - obra publicada pela primeira vez em 1960 - na qual mostra, com mais ênfase, por que e como realizar a 8     Unidade Africana, considerando que a África está repleta de recursos (Diop, 1974), que vão assegurar seu próprio desenvolvimento. Uma das expectativas do autor é que a leitura de sua obra provoque revoluções internas nos leitores, causadas por uma consciência histórica, e transformando-os em verdadeiros criadores. Nas suas palavras, Diop escreve que: O africano que nos entendeu e aquele que, após a leitura de nossas obras, sentiria nascer dentro de si um outro homem, impulsionado por uma consciência histórica, um verdadeiro criador, um Prometeu portador de uma nova civilização e perfeitamente consciente de que o mundo inteiro deve ao seu gênio ancestral em todos os campos da ciência, da cultura e da religião* (Diop,1974, tradução nossa) Em busca da reafirmação civilizacional africana, Cheikh Anta Diop ressalta na sua obra que nesta perspectiva, o caminho para um Estado federal torna-se uma emergência para o continente, porque tal conjunto geopolítico seria capaz de garantir a segurança, estruturar e otimizar o desenvolvimento do continente Africano. "É preciso empurrar uma vez por todas a África Negra na declive de seu destino federal [...] só um Estado federal continental ou sub- continental oferece um espaço político e econômico, seguro, estabilizado o suficiente para que uma fórmula racional de desenvolvimento econômico de nossos países com diversas potencialidades possa ser implementado.” (DIOP, 1974:31). Atrasar este processo de unidade, alegando motivos irrelevantes de certa forma, significaria dar a estes Estados o tempo de enrijecerem e tornarem-se inaptos à Federação, tal como se pode ver na América Latina (DIOP, 1974:121). Em Les Fondements Économiques et Culturels d’un État Fédéral d’Afrique Noire, a centralidade da Unidade da África Negra permea a obra e é retomada a guisa de conclusões práticas que apontam 14 pontos como bases de uma ação concreta. A restauração da consciência, a unidade histórica da África Negra, o esforço para a unificação linguística nas escalas territorial e continental e, sua adoção como línguas oficiais, devendo uma destas línguas africanas ser adotada para todos os Estados, a necessária atenção a ser dada à questão da representação da mulher da nação, a criação de um potente moderno exército equipado de uma aviação, de uma forte educação cívica, inadequada aos golpes de estados, o repovoamento da África a tempo, a criação de uma poderosa indústria de Estado, além de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico são algumas das ações que condizem com a futura nação da África Negra. A consciência histórica à qual Diop 9     (1987) faz alusão é a importância do conhecimento do passado do povo negro africano pelos próprios africanos. Em L’Afrique Noire Pré-coloniale, como dito anteriormente, o autor mostrou a extensão dos impérios da África Negra de então, um deles comparável individualmente ao tamanho da Europa, sua força e suas respectivas capacidades de derrotar ataques externas ou tensões internos. Com isso, fica evidente que, a inspiração do projeto de construção de um Estado Federal da África Negra é mais o próprio passado da África Negra do que inspiração à realidade Europeia dos dias atuais. A volta às fontes históricas seria, na obra de Cheikh Anta Diop, o início do caminho para a libertação dos africanos negros do mundo contemporâneo e das futuras gerações, que implicaria certamente numa nova configuração, ao menos, geopolítica e econômica. II- Atualidade do pensamento de Diop na África Negra contemporânea. O pensamento de Cheikh Anta Diop se inspirou, sem dúvida alguma, de análises da condição do negro no mundo feita por outros intelectuais, tais como Garvey, Du Bois, Senghor, Damas, Césaire, por exemplo, com as quais dialoga, ora para criticá-las, ora para mostrar seu mérito ou para aprofundar certos aspectos delas. O pan-africanismo, a negritude, bem como a ideologia racista institucionalizada no Ocidente, por meio de pensadores europeus franceses, ingleses, alemães,... serviram de incentivo para a pesquisa desenvolvida por Diop, num contexto em que estava se formando intelectualmente. No tocante à ideologia racista ocidental, era preciso adquirir um sólido conhecimento, não só histórico, mas também científico para enfrentar, com real vantagem, os argumentos superficiais, defensores da superioridade da raça branca em relação às demais e tidos como verdades absolutas. O objetivo principal de Diop, nesta empreitada, era restabelecer a verdadeira história do negro africano, desvendando o caráter racista dos ideólogos disfarçados em cientistas. Por outro lado, as relações concretas de expropriação, de desapropriação - do solo, do sobsolo, do mar, do espaço aéreo -, de violência, de exploração, de ridicularização, de arbitrariedade, de “coisificação” mediante a privação de liberdade, mas também e sobretudo, de negação de qualquer capacidade intelectual 10     e técnica do negro pelo branco levaram Diop, já em 1954, a publicar Nações Negras e Cultura. Nesta parte do trabalho, através da realidade contemporânea africana, nos propusemos analisar a atualidade do pensamento do estudioso africano do Senegal. Como dito anteriormente, Diop (1974) explicava porque havia necessidade de uma estrutura de governo racional e econômico para a África Negra, considerando que esta sempre tentou se livrar da dominação ocidental e promover seu desenvolvimento. Seu pensamento não pode ter caído em desuso se, por um lado, os países “independentes” da África Negra, mas não só eles, ainda permanecem na Zona de influência dos seus antigos colonizadores. Dado que a subordinação econômica, política, militar e linguística dos países da África Negra é mais do que uma evidente condição de desconforto para o povo, a necessidade de se recorrer aos estudos de Diop ainda é fundamental para aqueles que pensam e querem promover o desenvolvimento da África Negra. Por outro lado, observa-se sinais de iniciativas de aproximação dos países desta África por meio das organizações como a BCEAO fundada em 1961, a CEDEAO criada em 1975 e a UEMOA criada em 1994 que, no entanto, estão distantes de materializar o projeto de criação de um Estado Federal da África Negra, apesar de parecerem se inspirar claramente deste pensamento. A criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, atenderia, a princípio, certos planos previstos no projeto de Diop de criação de um Estado Maior. Junto a estes fatos, a África Negra, ainda permanece controlada pelo Ocidente, pois comunidades como a UEMOA adotam moedas submissas à política monetária da França, por exemplo. Outro elemento que dificultaria a implementação de iniciativa do pensamento de Diop é o combate aos líderes africanos que com ele se espelham profundamente e queiram levá-lo adiante. Neste sentido, Moore (2010:86) defende que o domínio imperialista no continente e o extermínio dos intelectuais é, até hoje, o grande problema contemporâneo, junto a ele, outro problema: a postura dos atuais lideres que dirigem o povo são “fantoches, nanicos, sem ideias nem projetos e, sobretudo, sem princípios”. Em uma entrevista concedida por Cheikh Anta Diop a Carlos Moore e Shawna Moore em 1976 sobre a futura organização da África enquanto confederação de três áreas relacionadas no continente, este destaca o imperativo da criação de um “Estado continental” por meio do qual se ultrapassaria o “estágio

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