O DISCuRSO ACERCA DE LOS VERSOS DE FARIA y SOuSA. NO PRóLOGO DO COmENTáRIO DAS RImAS VARIAS DE CAmõES MariMilda viTali Universidade de Coimbra Resumo Segundo o cronista catalano Antonio Beuter, o inventor do decassílabo não foi um poeta da escola siciliana, mas sim Jordi de Sant Jordi. A esta mistificação, que se tornara bastante popular, Faria e Sousa substituiu outra, forjada pelo cronista Bernardo de Brito: já cerca de 1090 Gonçalo Hermigues, o ‘traga-Mouros’, teria composto alguns poemas em decassílabos, dedicados à sua amada Oureana. Na verdade, a ‘canção de Hemigues’ faz parte de um corpus de cinco poemas pretensamente antigos, compostos sob o reino de Felipe II no intuito de enobrecer as orígens de Portugal. Traduzida por Almeida Garrett, a lenda de Hermigues foi logo objecto de uma longa controversia entre Teófilo Braga e Carolina Michaëlis. Palavras-chave: Faria e Sousa Rimas várias – origens do decassílabo – Gonçalo Hermigues. Abstract Was the decasyllable really invented by a poet of the Sicilian school? According to the Catalan chronicler Antonio Beuter, it is Jordi de Sant Jordi who should rather be credited with the invention of this verse. For Beuter’s plain mystification, which nevertheless had become increasingly popular, Faria e Sousa managed to substitute a literary forgery found in Bernardo de Brito’s Chrónica de Cister. According to Brito’s version, Gonçalo Hermigues, the legendary hero styled ‘Traga-Mouros’, would have written around 1090 some decasyllabic lines dedicated to his beloved Oureana. In fact, that is one of the five apocryphal poems composed during Philip II’s reign with a view to dignifying the origins of Portugal. After Garrett’s poetic translation, that legend became the subject of a polemic exchange between Teófilo Braga and Carolina Michaëlis. Key-words: Faria e Sousa Rimas várias – origins of decassílabo – Gonçalo Hermigues. Humanitas 62 (2010) 189-224 190 Marimilda Vitali 1. O presente artigo concerne ao Discurso desenvolvido por Faria y Sousa em guisa de prólogo ao seu comentário das Rimas camonianas.1 A questão principal ali encarada diz respeito aos versos decassílabos, «de que vulgarmente se piensa fue Garcilasso su primer Introdutor en España, imitando a Italia». Neste contexto, Faria y Sousa defende que a prioridade pertence a Boscán, conforme aquilo que este afirma «en su Prólogo a la entrada del libro 2. que consta desta suerte de versos (…).2 Y adelante dice que lo hizo a instância de Navagero Poeta conocido en Italia».3 Faria y Sousa apoia-se na autoridade de Fernando de Herrera: «en la introdución a las Notas sobre Garcilasso», este confirma que depois do Marquês de Santillana, «devieron ser los primeros Juan Boscán, Don Diego de Mendoça, y casi iguales suyos en el tiempo Gutierre de Citina, y Garcilasso».4 Veja-se a seguir a conclusão de Faria y Sousa: Lo en que yo reparo es en dezir Boscán que siguió el parecer de Garcilasso en esta invención, por ser tenido en el mundo por regla cierta en esto (…).5 Esto es que Garcilasso antes de escrivir era famoso estudiante en los Poetas, y después vino a escrivir famosamente; y por esto, sin aver escrito, podía tener fama de docto en esta ciencia, y dar consejo a Boscán.6 1 Discurso acerca de los Versos de que constan los Poemas contenidos en los tres Tomos primeros de estas Rimas (…); y de la perfeción de los Sonetos, y quales Autores se aventajaron en ella, in Rimas várias de Luis de Camões comentadas por M. de Faria y Sousa. Nota introdutória do Prof. F. Rebelo Gonçalves. Prefácio do Prof. J. de Sena, Primeira Parte: Tomos I e II, Lisboa, IN-CM, 1972 [reprodução fac-similada da edição de 1685 e 1689]. Uma boa parte deste Discurso já se encontra no Prólogo de M. de Faria y Sousa, Divinas y humanas flores, primera y segunda parte. En Madrid por Diego Flamenco, 1624. 2 Cf. Clavería 1999: 115-120. En este conhecido prólogo A la Duquesa de Soma, Boscán declara-se «inventor de estas trobas, las quales hasta agora no las hemos visto usar en España», sendo consciente «de provar mi pluma en lo que hasta agora nadie en nuesta España ha provado la suya», até afirmar rotundamente: «he querido ser el primero que ha juntado la lengua castellana con el modo de escribir italiano». 3 Algumas das mais recentes observações sobre este encontro estão em Spaggiari 1992; Navarrete 1997: 84-100. 4 Cf. Pepe Sarno 2001: 279. 5 Cf. Clavería 1999: 118: «Mas esto no bastara a hazerme pasar muy adelante si Garcilaso, con su jüizio, el cual no solamente en mi opinión, mas en la de todo el mundo, ha sido tenido por regla cierta, no me confirmara en esta mi demanda». 6 Na verdade Boscán, «apoyado en la autoridad que el toledano tenía en 1542, cinco años después de su muerte, convierte la adhesión del joven Garcilaso a su intento de 1526 en ‘confirmatio’ de su propia opinión» (Armisén 1982: 147). Sobre o proveito que o próprio Boscán tirou das viagens de Garcilaso a Itália, veja-se Gargano 1988. O discurso acerca de los versos de Faria y Sousa 191 Logo a seguir, Faria y Sousa menciona os poetas italianos do séc.XIII e começos do XIV «que andan todos juntos (y otros inciertos) en un pequeño Tomo impresso en Florencia el año 1527».7 Este «pequeno tomo» pode ser seguramente identificado como sendo a recolha de Sonetti e canzoni di diversi antichi autori toscani.8 Comumente chamada de Giuntina di rime antiche, esta foi a primeira antologia metódica que reúne sonetos e canzoni de Dante e de seus predecessores,9 a começar pelos poetas sicilianos, os quais, conforme recorda Faria y Sousa (§ 4), são considerados como sendo os diretos continuadores dos provençais: de los Provenzales, y Alvernos, de quien se cree los tomaron primero los Sicilianos, según Petrarca (en la epist. ad Socrat. suum) de quien dize que fueron allá primeros en lo de escrivir versos en su vulgar idioma. A remissão de Faria y Sousa é para Petrarca, Familiarum Rerum libri, I,1 Ad Socratem suum,10 § 6: «Quod genus, apud Siculos, ut fama est, non multis ante seculis renatum, brevi per omnem Italiam ac longius manavit, apud Grecorum olim ac Latinorum vetustissimos celebratum; siquidem et Athicos et Romanos vulgares rithmico tantum carmine uti solito accepimus».11 Faria y Sousa não se satisfaz, contudo, com esta opinião (§ 4): «Pero aora mostraré yo que los versos de onze sílabas, o endecasílabos, no sólo son más antiguos en España de lo que pensó Herrera, sino que Italia los tomó della». Como vamos ver a continuação, ‘Espanha’ para ele significa, de fato, Portugal. 7 É a propósito deste volume que Sarmiento faz a alusão seguinte: «El mismo Faria dá noticia de una colección de Poetas italianos anteriores al Dante, que no he visto»; cf. Sarmiento 1775: 222-23. 8 Sonetti e canzoni di diversi antichi autori toscani in dieci libri raccolte (…). Impresso in Firenze per gli heredi di Philippo di Giuntina nell’anno del Signore 1577. Adì vi. del mese di Luglio. 9 Publicada por Bardo Segni, esta edição está repartida em 11 livros. Os autores, desde Dante até ao imperador Frederico II e ao rei Enzo, seu filho, aqui estão enumerados exatamente na mesma ordem que se encontram em Faria y Sousa. 10 Trata-se, como é sabido, de Ludovico Santo de Beringen, a quem Petrarca conheceu em Avinhão. 11 O assunto incide propriamente na métrica românica, com base nos acentos e na contagem silábica: Petrarca coloca-a em relação com a antiga poesia latina em verso saturnio, pelo qual remete para Servio, Ad Georg. 2.385. A este juizo de Petrarca faz-se alusão na carta dedicatória à chamada Raccolta aragonese: cf. Dotti 1991: 4-5 (texto) e 89 (notas). Veja-se também Boscán (Clavería 1999: 120): «Porque los hendecasíllabos, de los cuales tanta fiesta han hecho los latinos, llevan casi la misma arte, y son los mismos, en cuanto la diferencia de las lenguas lo sufre». 192 Marimilda Vitali 2. Dentre os poetas ibéricos mais antigos que Santillana, Faria y Sousa menciona Auzias March12 assim como o Infante Dom Pedro de Portugal,13 filho de D.João I, «y antecedente al de Santillana, pues se carteava con Juan de Mena (como consta de sus obras)»:14 dele nos restam dois sonetos,15 sendo o primeiro composto em louvor de «Vasco de Lobeyra Cavallero Portugués,16 e inventor de los libros de Cavallerías con su Amadís»17 (o mesmo é reafirmado na Crónica do conde Don Pedro de Meneses,18 escrita en 1454). Depois de ter advertido que outros atribuiram este soneto ao rei Afonso IV († 1357), Faria y Sousa finalmente informa: «agora hallé en un manuscrito, que el Soneto es 12 Auzias March «fue muy anterior al Marqués de Santillana (…). Y por aquí queda claro que en Castilla, Valencia, y Cataluña avia poemas deste género mucho antes no sólo que Boscán y Garcilasso, sino que el propio Marqués de Santillana». 13 Nascido em Lisboa, a 9 de Dezembro de 1392; falecido na Batalha de Alfarrobeira, a 20 de Maio de 1449; sepultado no Mosteiro da Batalha. Primeiro duque de Coimbra, casou a 13 de Setembro de 1429 com D. Isabel de Urgel. Foi regente do Reino de 1438 a 1446. «Juan de Mena lo tuvo en alta consideración y la literatura popular del siglo XVI lo convirtió en el príncipe que había recorrido las siete partes del mundo». Autor do Livro da Virtuosa Benfeitoria (em colaboração com seu confessor frei João Verba), da tradução do Livro dos Ofícios de Cícero, assim como de outras muitas obras, hoje perdidas (Fernández Sánchez/Sabio Pinilla 1999: 62). Quanto à autoria contestada duma das suas obras mais conhecidas, veja-se ultimamente Sánchez Lasmarías 2008. 14 Faria y Sousa refere-se com certeza a dois poemas inseridos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, no primeiro dos quais Juan de Mena presta homenagem à vertente viajeira do infante; veja-se a edição de Dias 1990, II: 85-88 (Do Ifante Dom Pedro, filho d’el-Rei Dom Joam, em louvor de Joam de Mena, e Reposta de Joam de Mena, à qual Reprica o Ifante). 15 Cuja atribuição à D. Pedro já se encontra em M. de Faria i Sousa, Fuente de Aganipe o rimas varias (…) divididas en siete partes. En Madrid: por Carlos Sánchez Bravo, 1646, cf. Prólogo § 8-9. 16 Vasco de Lobeira escreveu, em 3 livros, uma redação de Amadis, hoje perdida: a única versão ainda existente, foi composta em língua espanhola por García Ordóñez de Montalvo, governador de Medina del Campo, quem a escreveu entre 1492, data da ocupação de Granada, e 1504, data da morte de Isabela de Castilha. Editada em Saragossa (1508, em 4 livros), ela foi reproduzida na Biblioteca de Autores Españoles (Rivadeneyra), vol.40, 1857; ver a nova ed. de Place 1959-1969. 17 Armado cavaleiro depois da batalha d’Aljubarrota (1385), morreu em 1404. Quanto ao autor e à língua d’Amadis de Gaula em sua versão originária, o problema está exposto com muita clareza em Saraiva/Lópes 1989: 95-98. Sobre Amadís veja-se o recente artigo de Colán 2007-2008: 779-89. 18 Primeiro capitão de Ceuta; escrita a pedido da duquesa de Bragança, sua filha. Cf. zurara 1792; King 1978 (ed. diplomática); zurara 1988 (repr. fac-similada). Gomes Eanes de zurara (ou Azurara) foi nomeado cronista por Afonso V em 6 de julho de 1454 e serviu até 2 de abril de 1474, pouco antes de morrer. O discurso acerca de los versos de Faria y Sousa 193 del mismo Lobeyra». Na realidade, esses dois sonetos figuram nos Poemas Lusitanos de Antônio Ferreira,19 sendo, como podemos ler no ms., redigidos em lingoagem antiga. O primeiro dos dois foi igualmente trasmitido pelo Cancioneiro de corte e de magnates20 assim como pelo Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro.21 O texto de Faria y Sousa reproduz fielmente o soneto presente na edição dos Poemas Lusitanos de 1598; enquanto à atribuição ao Infante Dom Pedro, Faria y Sousa deve ter recorrido à um dos dois Cancioneiros mencionados.22 Em contrapartida nenhum dos códices atribui o soneto a Lobeira. Quanto à atribuição à Afonso IV, é preciso lembrar-se que, na versão portuguesa original, o protagonista do romance Amadis de Gaula, na esteira do seu modelo Lancelot, havia sido apresentado como sendo absolutamente fiel à Oriane, sua amada: tanto que, quando a rainha Briolania fez ao cavaleiro alguns avanços, Amadis permaneceu insensível. Foi o rei Afonso de Portugal quem interviu, fazendo assim com que o autor modificasse seu texto: temos então na sua versão portuguesa posterior, um Amadis que cede aos charmes de Briolanie e, com a permissão de Oriane, faz-lhe duas crianças. De fato, ambos sonetos reproduzidos por Faria y Sousa «hablan de Brioranja»; e no primeiro, o autor pede a Vasco Lobeira de tornar essa personagem menos desafortunada: Maes porque vos figestes a fremosa Brioranja anar endoado23 hu nom amarom, Esto combade,24 & contra25 sâ vontade. Ca heu hey muy26 gram dó de a ver queyxosa, Por sâ gram fremosura, & sâ bondade, E her porque ó fim amor nom lho pagarom. 19 Earle 2000: 95-96. 20 Askins 1968: 297. Abreviado CCM por Earle 1990: 509, mas por E no aparato do seu texto crítico, p. 95 e p. 297 («Soneto Do Infante Dom P.o a Vasco do Lobeira do que fez»). 21 Castro 1988: 167 («Infante D. P°»). 22 A variante figestes, dada por Faria y Sousa no v.9, se aproxima de figuestes que podemos ler em CP. 23 endoado ‘em vão’: age como fator dinâmico, porque E o transforma em enloado, enquanto no texto de CPP ele não aparece. 24 De fato cambade nos Poemas Lusitanos (cambrai E, cambai PPR). 25 De fato compra nos três mss. 26 Provavelmente foi adicionado por Faria y Sousa, para remediar à aparente hipometria Cá eu hei grã dó de a ver queixosa no texto dos Poemas Lusitanos, à qual também reagiram os dois autros mss, cf. Porque eu E: Perque eu ei her PPR. Será necessário então supormos v <e> er no original. 194 Marimilda Vitali Quanto ao segundo soneto, onde podemos ver Briolania exercer sua vigança sobre o Amor, Faria y Sousa afirma que se trata de uma «tradución de Petrarca». De fato, tanto Carolina Michaëlis de Vasconcellos quanto Adrien Roig (1978) propuseram como fonte o Trionfo della Pudicizia de Petrarca; Earle, por sua parte, declara não estar de acordo.27 Publicados em 1598, estes dois sonetos atribuídos a Lobeira são, segundo Carolina Michaëlis, a causa objetiva das invenções literárias que foram inseridas, quatro anos depois, na Crônica de Bernardo de Brito.28 Com efeito, é com os dois sonetos que Faria y Sousa termina, en 1624, a parte do Prólogo às Divinas y humanas flores consagrada à questão do decassílabo: «Assí que parece que primeros que Italianos, imitaron Portugueses a los Provençales, o por lo menos son los primeros que en España exercitaron esta poesía».29 Ainda estamos aquém da mistificação creada por Brito, e Faria contenta-se com afirmar que os Portugueses fueron os primeiros a imitar a versificação dos trovadores provençais. 3. Finalmente, quanto ao emprego dos decassílabos na península ibérica na época de Dante, Faria y Sousa remonta a Don Juan Manuel, príncipe da Espanha30 e autor do Libro de Patronio o Conde Lucanor (1325), como também a Dom Dinis.31 27 Earle 1990: 204; cf. Id. 2000: 510: «É uma composição frívola, com evidentes paralelismos temáticos, como aliás nota Roig, com alguns dos epigramas de Ferreira». 28 Vasconcellos 1897: 165. 29 É este prólogo que José Pellicer menciona ao encarar a mesma questão: «Allá Manuel Faria en un prólogo de sus Flores pleitea, Portugués al fin, que el origen de la octava rima, y sonetos, se les deve a los Portugueses, porque a un tiempo mismo de los Provençales y Alvernos lo imitaron ellos y los Italianos, pues fueron de una era el Dante en Italia año de 1265, y el Rey don Dionís de Portugal año de 1261 (…): y assí no quiero yo creer que fuesse imitación de Italia, sino conservación de lo que Portugal, troço no el menos ilustre de España, observó de los Provençales y Alvernos. Y si el Marqués fue el primero que escrivió Endecasílabos Castellanos, nos es cierto que imitó a los de Italia, pues en su tiempo ya andavan públicos los versos de onze sílabas, que el Infante don Pedro de Portugal escrivió, de los quales refiere algunos Manuel Faria. De que puede colegirse, que el Marqués imitó a Portugal, y no a Italia, pues a un tiempo mismo estudiaron el Ritmo de los Provençales, Italianos, y Portugueses. Sea pues quien fuere el primero, en este género de canto se ha escrito en España lo más valiente de su poesía» (Salas y Tovar 1971: 3). 30 «Don Juan Manuel Príncipe estudioso, y elegante, que vivió en Castilla por los años del Reynado de D. Pedro en Portugal (cuyo fallecimiento fue el de 1367) trae en su Conde Lucanor algunos versos Castellanos deste número, de que se ve que entonces se escrivian en Castilla». 31 ««El Rey Don Dionís de Portugal nació primero que el Dante tres, ó quatro años, y escrivió mucho deste propio género Endecasílabo, como consta de manuscritos». O discurso acerca de los versos de Faria y Sousa 195 No Conde Lucanor cada conto exemplar dito pelo conselheiro Patronio se termina por dois versos finais (moraleja), que servem para resumir a sentença pronunciada na conclusão. Estes versos, dos quais a qualidade é em geral mode- rada, estão em medidas diferentes. Eis aqui os decassílabos presentes na obra:32 En [el] comienço deve omne partir/El danno, que non le pueda venir Si non sabedes que devedes dar,/A grand danno se vos podria tornar Non te espantes por cosa sin rrazon/Mas defiendete bien commo [fuerte] varon Quien te mal faz mostrando grand pesar,/Guisa commo te puedas del guardar Por quexa non vos fagan ferir,/Ca siempre vence quien sabe sofrir Non te quexes por lo que Dios fiziere,/Ca por tu bien seria quando el quiziere. Embora, no nível da cronologia, estes autores sejam, segundo Faria y Sousa, quer contemporâneos, quer mesmo anteriores a Dante, «todo esso (aun siendo anterior a Boscán, y a Garcilasso com más de 200 años) pudo ser a imitación de Italia, pues el Emperador Federico, de que se hallan semejantes versos, vivió por los años 1200 que son ciento antes de los en que florecía El Rey Don Dionis». Contudo, continua Faria y Sousa, não são os italianos que podem felicitar-se do fato de terem composto os primeiros poemas com versos decassílabos, mas sim «los Lemosines, o Valencianos», e nomeadamente Jordi de Sant Jordi. Faria y Sousa já o tinha sugerido no § 6: Lo que se sabe es que Petrarca imitó mucho de Mossén Jordi Poeta Lemosino, o Valenciano, o, para mejor dezir, le trasladava. Assí lo afirma Pedro Antón Beuter en su Dedicatoria de su Corónica General, y trae de aquel Autor estos versos: E no he pau, e no tinch quim guarreig. Vol sobrel cel, e non movi de terra. E no estrench res, e tot lo mon abrás. Hoy he de mi, e vull altri gran bé. Si no Amor, donç aço que sem. Y essos cinco versos son en Petrarca, por su orden, estos: Pace non trovo, e non ho da far guerra. E volo sopra il cielo, e ghiacio in terra. E nulla stringo, e tutto ’l mondo abraccio. Et ho in odio me stesso, & amo altrui. S’amor non è, che dunque è quel ch’io sento. 32 Cf. Knust 1900: 35, 39, 55, 57, 65, 73. Ver também a edição de Blecua 2003. 196 Marimilda Vitali De aquí se ve que los endecasílabos no sólo eran más antiguos en España que Petrarca en Italia, sino que el mayor Lýrico Italiano trasladava de uno Español. Y también es cierto que Mossén Jordi no fue acá el inventor destos versos, sino que escrivia en los que hallava usados en su Patria. Faria y Sousa, no § 12, retoma o argumento: Mas porque no quitemos a nadie su gloria, digo que hasta aquí pudieron Portugueses, y Castellanos imitar a los Lemosines, o Valencianos; porque esse Cavallero Mossén Jordi (de quien Petrarca trasladava) florecía, según Beuter, por los años 1250 reynando Don Jayme, el famoso, de cuya casa fue: con que es anterior no sólo a Boscán con algunos cientos de años, y al de Santillana con mucho, y a Don Juan Manuel, sino a Petrarca con más de ciento: y al Rey D. Dionís, que no era nacido quando él poetava, casi contemporáneo del Emperador Federico segundo. Dize allí Beuter que escrivió Sonetos, Sextinas, y Terceroles, que son todas las suertes de composición del Petrarca, menos las Canciones. Repárese que Terceroles es lo que oy llamamos Tercetos, de que algunos quieren que Dante fuesse el inventor, y no es assí, pues el Jordi los escrivía quando aun Dante no era nacido. De otro Cavallero de los mismos dias, llamado Mossén Febrer, dize (tambien allí) el Beuter, que compuso en Sonetos la tormenta que el Rey D. Jayme corrió en el mar aquel año de 1250 hallándose ambos estos Poetas en ella. Gran ventaja, por cierto, de los Valencianos en la antigüedad de Poetas con este número! Neste caso, a fonte de Faria y Sousa foi Padre Antonio Beuter, teólogo e cronista valenciano, na nota adicionada à tradução de sua Primera part de la història de València (1538), imprimida em Valência no ano de 1546 e intitulada Corónica general de España y especialmente del Reyno de Aragón, Cataluña y València. Como justificação desta tradução para uma língua estrangeira, Beuter faz um elogio da língua catalã e de seu prestígio.33 Vejam-se a seguir as duas passagens de Beuter utilizadas por Faria y Sousa:34 el Petrarca se aprovechó y hurtó de la trobas de un nuestro cavallero valenciano, que fue quasi cient años primero que el Petrarca escriviesse, y usó sonetos y sextiles y terceroles en nuesta lengua valenciana limosina. Y aunque pudiesse poner aquí muchas pruevas desto que escrivo, tengo que abastará lo que aquí quiero poner, porque se sepa la verdad del negocio (…). Este mossén Jordi 33 Se trata de um exemplo de «apologia compensatòria de la llengua valenciana», como diz Valsalobre 2007 :11. 34 Epístola, in Corónica 1546 cit. Reproduzimos a transcrição de Valsalobre 2007: 5. O discurso acerca de los versos de Faria y Sousa 197 fue un cavallero cortesano del rey don Jayme que ganó Valencia, y se halló con él en el passaje de ultramar que se desbarató por la tormenta que le tomó enfrente de Mallorca, año MCCL quasi o poco más. Y un otro cavallero su compañero, que se llamava mossén Febrer, hizo unos sonetos descriviendo aquella tormenta.35 Como já foi constatado, 36 os quatro primeiros versos de Petrarca citados por Beuter e, na sequência dele, por Faria y Sousa, correspondem aos versos 1, 3, 4 e 11 do soneto Rvf 134, enquanto o último verso citado reproduz o incipit do soneto Rvf 132. No tocante a Jordi, os versos citados são respectivamente os vv. 44, 6, 5 e 12 da Cançó d’opòsits, enquanto o último verso – adicionado por Argote de Molina37 - não se encontra em nenhum dos poemas de Jordi que chegaram até nós. 38 4. Como Valsalobre argumenta (p. 8-9) de forma muito persuasiva, os componentes principais da invenção confeccionada por Beuter remontam todos a Íñigo López de Mendoza, marquês de Santillana, e notadamente a seu Prohemio e carta qu’el Marqués de Santillana enbió al Condestable de Portugal con las obras suyas, escritos em meados de 1446.39 De fato, Santillana se limita a mencionar uma canção de Jordi, sem precisar que nela se encontram alguns versos que derivam, incluindo o incipit, dum soneto de Petrarca:40 35 Este fato aconteceu, como foi estabelecido por Riquer, em setembro de 1398; cf. Valsalobre 2007: 5 n. 10. Em todo o caso, Jordi e Febrer participaram juntos, em 1420, na expedição de Afonso o Magnânimo para a Córsega e a Sardenha. Jordi morreu em 1424, entre 12 e 15 de junho segundo Villalmanzo Cameno 1993; ou, mais precisamente, 18 junho: ver Chiner Gimeno 1999. 36 Riquer/ Badia 1984: 222; Duran 1991: 253. 37 Cf. abaixo, nota 40. Este verso corresponde evidentemente à Rvf 32,1 (Riquer/ Badia 1984: 222). 38 O exemplar do manuscrito do qual Beuter se serviu poderia ser próximo do ms. P (Bibl. Univ. de Saragossa, ms. 184), assim como sugere Valsalobre 2007 :6, com base nas variantes tinch (v.1) e altri (v.4). O texto de Beuter permete corrigir alguns erros presentes no texto de Faria y Sousa, a saber, nom em lugar de non no v.2, enquanto o último verso deve ser lido Si no∙s amor, dons açò que serà. 39 Santillana é igualmente autor da Coronaçión de Mossén Jordi, onde Jordi é colocado no mesmo nível que Homero, Virgílio e Lucano, e somente um grau abaixo de Dante. Cf. Riquer/Badia 1984: 314-19; Cabré 1998: 25-38. 40 «Els ressons de Petrarca es creuen en el text amb d’altres de Folquet de Marselha i de Giraut de Bornelh» (Riquer/Badia 1984: 221). 198 Marimilda Vitali En estos nuestros tienpos41 floresçió mosén Jorde de Sant Jorde, cavallero prudente, el qual çiertamente conpuso asaz fermosas cosas, las quales él mesmo asonava, ca fue músico músico excellente; fizo entre otras una ‘cançión de oppósitos’ que comiença: Tos iorns aprench e desaprench ensems; fizo la Passión de amor, en la qual copiló muchas buenas cançiones antiguas, asý destos que ya dixe commo de otros.42 Esta mistificação feita por Beuter43 foi retomada primeiramente por Gaspar Gil Polo no catálogo de poetas44 que se encontra na Diana enamorada (1564), onde ele se refere, pela primeira vez, a Jorge del Rey; logo por Gaspar Escolano,45 e um século depois, por Antoni de Bastero, cônego de Girona exilado na Itália, no prefácio de sua Crusca provenzale (Roma, 1724);46 finalmente por Augustí Sales em seu Juicio sobre o Diccionario valenciano-castellano de Charles Ros (Valencia, 1764).47 Fora de Valência, foi primeiramente Gonzalo Argote de Molina quem se fez eco da invenção de Beuter, em seu Discurso sobre la poesía castellana pelo qual começa a sua edição d’El Conde Lucanor.48 E foi justamente à margem do comentário de Argote y Molina sobre a poesia de Boscán que 41 Como estabeleceu Cabré 1998: 30-32, o Marquês se refere aos anos de 1420, quando ele esteve em contato com os poetas da corte de Margarida de Prades e do jovem Afonso. A 1420 justamente remonta a investidura de Jordi como cavaleiro. 42 Gómez Moreno 1990: 59. A referência «de otros» concerne Guillem de Berguedà, Pau de Bellviure e Pere Marc, aos quais Santillana já fez alusão. De fato, na Passio amoris de Jordi não existe qualquer menção aos mesmos. 43 «Tot i amb tot, parlant amb propietat, la ‘proposta’ de Beuter no és una falsificació en sentit estricte (és a dir, la confecció d’un text nou ‘acabat de trobar’ atribuït a un personatge remot). Potser seria més just dir-ne tergiversació. Tergiversació interessada, és clar. Una mistificació, si voleu» (Valsalobre 2007: 10). 44 Os catálogos versificados dos escritores valencianos da segunda metade do século XVI constituem, como diz Valsalobre, «un gènere característicament valencià». 45 Década primera de la historia de la insigne y coronada ciudad y Reyno de Valencia (Valencia, 1610-1611), no cap. XIV De la lengua limosina y valenciana, p. 89-91. Em Valsalobre 2007 encontra-se uma vasta lista de todos os que se fizeram eco da teoria de Beuter. 46 Quanto à atitude mais precisamente cética de Bastero sobre este assunto, ver Valsalobre 2007: 17. 47 O texto foi editado por Bertran 2004: 108-17. 48 Obra de D. Juan Manuel (1282-1349?), descoberta e publicada por Gonzalo de Argote de Molina em Sevilha, 1575, ff. 92-97. Veja-se Tiscornia 1995.
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