ebook img

O dialeto dos fragmentos PDF

245 Pages·1997·5.158 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview O dialeto dos fragmentos

O D IA L E T O DOS FRAGM ENTOS T * % TRADUÇÃO, APRESENTAÇÃO E NOTAS M arcio Suzuki S C H L E G E L B I B L I O T E C A P Ó L E N ILUMl^JRAS Friedrich Schlegel O DIALETO DOS FRAGMENTOS Tradução, apresentação e notas Márcio Suzuki da Universidade de São Paulo ILUMtyÜRAS Biblioteca Pólén Dirigida por Rubens Rodrigues Torres Filho Títulos originais: Lyceums - Fragmente; Athenaums - Fragments; Ideen Copyright © 1997 desta tradução e edição: Editora Iluminuras Ltda. Revisão: Ana Paula Cardoso Composição: Iluminuras ISBN: 85-7321-057-5 1997 EDITORA ILUMINURAS LTDA. Rua Oscar Freire, 1233 01426-001 - São Paulo-SP Tel.: (011)3068-9433 Fax:(011)282-5317 SUMÁRIO Nota Preliminar................................................................................9 A GÊNESE DO FRAGMENTO.................................................. 11 Márcio Suzuki e r a g m e n io c r íik :q s ^ _ Lyceum..............................................................................................19 Athenäum.........................................................................................43 Idéias...............................................................................................143 Notas...............................................................................................167 APENDICÊS Crítica dos fragmentos em fragmentos Novalis Crítica dos fragmentos Athenäum.............................................. 215 Títulos dos fragmentos................................................................219 Anotações às Idéias de Friedrich Schlegel (1799)..................247 Notas...............................................................................................253 Nota preliminar Por sugestão do editor, o organizador deste volume tomou a pequena liberdade de escolher um título que não consta na lista das obras de Schlegel. O dialeto dos fragmentos é uma tentativa de dar nome a três grupos distintos de reflexões que, embora diferentes, apresentam solução semelhante do ponto de vista da forma. O título do livro foi extraído de uma passagem do ensaio Sobre a ininteligibilidade, onde Schlegel explica os mal-entendidos causados pela palavra tendências, utilizada no fragmento 216 do Athenäum: “Abro mão, portanto, da ironia e declaro abertamente que, no dialeto dos fragmentos, a palavra significa que tudo ainda é apenas tendência, a época é a época das tendências... ” Também não escapará ao leitor que a segunda série de fragmentos não foi redigida exclusivamente pelo autor cujo nome figura na capa deste volume, constituindo antes um momento singular de sinfilosofia e simpoesia — isto é, daquele trabalho filosófico e poético em conjunto idealizado por ele e concretizado, nos fragmentos do Athenäum, pela intervenção de Novalis, August Wilhelm, Schleiermacher e do próprio Friedrich. 9 A gênese do fragmento O poeta igualmente expõe apenas fil[osofia] individual, e lodo ser humano, por mais vividamente que de resto possa reconhecer a fil[osofia] da ftl[osofia], será na prática apenas mais ou menos filósofo individual e, a despeito de todo esforço, nunca poderá sair totalmente do círculo mágico de sua filosofia individual. Novalis1 Negar capacidade de especulação e sistematização ao mais novo dos irmãos Schlegel tem sido a condenação mais comum de seus trabalhos filosóficos. Essa crítica, partilhada já por dois de seus mais ilustres contemporâneos, Schelling e Hegel, não se vê de certo modo confirmada apenas nos inúmeros projetos jamais concluídos, mas também no inacabamento em que se apresentam algumas das obras por ele publicadas. E quem mais poderia dar um testemunho definitivo a esse respeito além do próprio Friedrich, que, numa carta ao irmão, datada de 17 de dezembro de 1797, se descreve nestes termos: “De mim, de todo meu eu, não posso absolutamente dar outro échcintillon [amostra] que um tal sistema de fragmentos, porque eu mesmo sou um”? É sem dúvida um traço peculiar e surpreendente da filosofia de Friedrich Schlegel que tente se firmar como um “caos de fragmentos” exatamente num momento da história da filosofia I) Pólen. Fragmentos—Diálogos— Monólogo. Tradução, apresentação e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. S3o Paulo, Iluminuras, 1988, pp. 110-11. 11 em que os maiores esforços estão voltados para a completitude e acabamento sistemático da crítica kantiana. Mas seria possível entender essa nota dissonante no conjunto do chamado pós- kantismo sem recorrer às velhas teses sobre sua insuficiência especulativa ou falta de sistematização? Para isso não faltam certamente confiáveis guias de leitura. Em vez de sintoma de um fracasso intelectual, a percepção da fragm entação e do dilaceramento da consciência poderia ser antes considerada como um dos instantes em que o idealismo alemão se dá conta de seus limites, em que passa a investigar seus próprios pressupostos e a corrigir seus desvios: abdicar da pretensão de estabelecer, pelo viés da teoria, um sistema do saber absoluto, minimizando o alcance especulativo da dialética. No caráter assistemático da reflexão schlegeliana já se evidenciariam os principais elementos deflagradores da “crise do idealismo”, cujo desfecho será a filosofia da vida do próprio Schlegel e a filosofia positiva do último Schelling.2 Seria possível, assim, refazer com rigor e pertinência o percurso do idealismo à margem daquilo que se conhece como sua trajetória lógica. O caso de Schlegel é tanto mais interessante, porque desde o início já se mostra reticente quanto ao ideal de sistematicidade pelo qual a filosofia pretende adquirir foros de ciência. Seus “anos de aprendizado filosófico” poderiam ser entendidos como ensaios sucessivos de solução deste problema inicial: despir a filosofia de seu aparato artificial, tecnicista, tentando torná-la tanto quanto possível apta a expor o saber na figura original em que ele mesmo imediatamente se manifesta. Por aí já se vê que a escolha da forma não é meramente obra do capricho, mas requer, por assim dizer, uma dedução de seus direitos. Quando Schlegel recorre à noção de fragmento, pode-se afirmar que não é levado a isso apenas por um lance de gênio, 2) Esta c a tese de Claudio Ciancio em Friedrich Schlegel - Crisi delia filosofia e rivelazione (Milão, Mu rs ia, 1984). Veja-se também, com uma pequena mudança de enfoque, o trabalho de Hinrich Knittermeyer em Schelling und die romantische Schule (Muni­ que, Ernst Reinhardt, 1929). 12 mas também o é pelo intuito de responder a uma questão decisiva para os pensadores pós-kantianos, e que foi formulada de modo bastante preciso pelo jovem Schelling: se a crítica, segundo suas próprias palavras, é o sistema de todos os princípios da razão pura, se é a idéia completa da filosofia transcendental — embora não a própria filosofia transcendental3 — , então ela tem de acreditar que o saber constitui um sistema ordenado ou, em outras palavras, que há uma forma da filosofia em geral.4 Para poder dizer o que disse, para poder afirmar que esgotou todos os princípios sintéticos a priori, Kant certamente não precisa explicitar todo o conteúdo da consciência, mas é necessário supor que conseguiu circunscrever uma totalidade e, com isso, vislum brar a “protoforma” (Urform) da filosofia ou a forma para toda e qualquer forma singular dela. No entanto, o que justamente torna seu texto “obscuro e difícil” é a ausência de um princípio a partir do qual não somente se possa entender a presumida unidade e coerência do saber, mas também como ocorre a “conexão necessária” daquela forma originária da filosofia “com todas as formas singulares dela dependentes” — incluindo, é claro, aquela sob a qual se apresenta a própria crítica da razão pura.5 Se a falta do princípio sistematizador é aquilo que, ainda segundo Schelling, leva os céticos Enesidemo-Schulze e Maimon a questionar a solidez do sistema crítico e anima Reinhold e Fichte a tentar demonstrá-la, também se pode dizer que esse problema está no centro das inquietações de Schlegel. Mas é certamente 3) Crítica da razão pura, Introdução, B 27-28. 4) A interdependência entre idéia e forma, sistema e forma aparece claramente em Kant, quando diz, por exemplo, na Analítica Transcendental, que a tábua das categorias, delineando “completamente o plano do todo” da ciência, “contém completamente todos os conceitos elementares do entendimento, e mesmo a forma de um sistema deles no entendimento humano”. Na Dialética Transcendental, se diz também com clareza que a “unidade da razão sempre pressupõe uma idéia, a saber, a da forma de um lodo do conhecimento...” (Do uso regulador das idéias, B 673) (grifos nossos). 5) Über die Mo^lichkeit einer Form der Philosophie iiberhaupt (Sobre a possibilidade de uma formada filosofia em geral). In: Ausgewülilte Werke. Dannstadt, Wissenschaftliche Buchgcsellschaft, 1980, p. 3. Os mesmos problemas discutidos nesse texto também sào tratados por Fichte em O conceito da doutrina - da -ciência, escrito que, como confessa Schelling, confirma suas suposições e o instiga a levar adiante suas investigações. 13 intrigante como pode preteoder dar uma resposta consistente a ele através da descoberta de que o fragmento é a “forma da filosofia universal”.6 Schlegel teria então como primeira tarefa mostrar que há também na consciência, estreitamente enlaçada com sua imperscrutável unidade, uma primordial e inevitável inclinação para o fracionamento — um pendor original à fragmentação.7 Naquele que inegavelmente pode ser considerado um dos textos mais estruturados de Schlegel, A conversa sobre a poesia, a primeira verdadeira discussão que ocorre entre os amigos toca justamente nessa questão através de um tema — o da divisão dos gêneros poéticos — , que em princípio tem muito mais a ver com poética e estética do que com filosofia transcendental. O problema da classificação dos gêneros se apresenta inicialmente sob a forma de uma disjunção entre posições contraditórias em relação ao texto, lido por Andrea, sobre as “épocas da poesia”: Marcus, secundado por Lotário e Ludovico, lamenta que o relato não tenha dado mais atenção aos gêneros poéticos, procedimento, ao contrário, defendido por Amália, a quem, como ela mesma diz, sempre causa “arrepios” quando abre um livro “em que a fantasia e suas obras são classificadas em rótulos”. Na opinião dela, o espírito livre deveria “abraçar diretamente o ideal e se entregar à harmonia que tem de encontrar em seu interior, tão logo a queira procurar ali”, e se espanta de que Marcus sempre tenha de “separar e dividir [sondern und teilen] onde, no entanto, somente o todo pode atuar e satisfazer com força indivisa”. “Porque não”, pergunta ela, “toda a poesia una e indivisível?” As afirmações de Amália sobre a indivisibilidade da poesia se chocam frontalmente com o ponto de vista defendido por Marcus, para quem uma classificação correta proporcionaria, além do mais, uma história e teoria da arte poética. Cabe a Ludovico afirmar 6) Athenãum 259. 7) A maneira como Schlegel desenvolve essa questão já poderia sem dúvida constituir um interessante comentário à dificuldade que Kant tem para apresentar a unidade da consciência (consciência-de-si ou “unidade sintética da apercepção”), e àquele princí­ pio dialético que a doutrina-da-ciência descobre para solucioná-la: “logo que o eu só e para si mesmo, surge-lhe ao mesmo tempo necessariamente um ser fora dele” (Zweite Einleitung in die Wissenscliaftslehre. Hamburgo, Felix Meiner, 1984, pp. 37-8). 14 que uma teoria dos gêneros poéticos “nos exporia como e de que maneira a fantasia de um poeta... tem necessariamente de se limitar e dividir [beschranken und teilen] em virtude de sua própria atividade e por meio dela”. A própria maneira de atuar do poeta teria de ser o fundamento da distinção entre as espécies de poesia: se o poeta não abre mão da esperança de ter, de uma só vez, toda a poesia e se não se divide em partes (sich teilen), não há poema determinado, nem divisão-classificação (Einteilung) dos gêneros; se não se separa de uma parte de si mesmo (Absonderung), não há formação, não há constituição de uma forma (Bildung).* Essa ruptura que ocorre já no mais íntimo da criação poética não é apenas decorrência necessária dela, mas também condição indispensável para que possa se manifestar. Se a poesia, como diz Ludovico, deve ser pensada desde sua origem radical a partir de um “protopoeta” — de um “proto-autor” (Urheber) ou “proto- escritor” (Urschriftsteller), de um “protótipo” (Urbild), de um “poeta de todos os poetas” (Dichter aller Dichter) — , que dá unidade e coesão a todas as suas particularizações, essa idéia, por outro lado, não se dissocia de um fracionamento que lhe é congenial? É dessa perspectiva que se pode entender o fragmento 24 do Athenaum: “Muitas obras dos antigos se tornaram fragmentos. Muitas obras dos modernos já o são ao surgir”. O modo como se articula a conversa entre os amigos da poesia deixa então perceber claramente que na verdade as falas de Amália e Marcus não exprimem apenas duas opiniões contraditórias excludentes, mas se combinam de uma maneira complementar. As teses sobre a unidade e divisibilidade se contradizem e se condicionam mutuamente, são os extremos entre os quais oscila a reflexão, segundo a operação que Fichte designou com o nome de 8) Conversa sobre a poesia. In: KA, II, pp. 304-310; trad. bras., pp. 46-9. À página 306 (trad., p. 48), diz Marcus: “O csscncial são os fins determinados, a separação [Absonderung] unicamente por meio da qual a obra de arte ganha contorno e se toma perfeita e acabada em si mesma. A fantasia do poeta não deve se desfazer numa caótica poesia genérica [chaoíisc/ie Überliauptpoesie], mas cada obra deve ter, segundo a forma e o gênero, um caráter inteiramente determinado”. 9) Ibidem, p. 305: trad. bras., p. 47. 15

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.