1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS EMILIANO PALMADA LIU O CONCEITO DE SOBREDETERMINAÇÃO EM LOUIS ALTHUSSER: análise crítica de uma abordagem sobre a questão do método no marxismo GUARULHOS 2016 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS EMILIANO PALMADA LIU O CONCEITO DE SOBREDETERMINAÇÃO EM LOUIS ALTHUSSER: análise crítica de uma abordagem sobre a questão do método no marxismo Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo, campus Guarulhos, como requisito para obtenção do grau de Mestre em “Ciências Sociais”, sob Orientação do Prof. Dr. Davisson Charles Cangussu de Souza GUARULHOS 2016 3 Ficha Catalográfica 4 EMILIANO PALMADA LIU O CONCEITO DE SOBREDETERMINAÇÃO EM LOUIS ALTHUSSER: análise crítica de uma abordagem sobre a questão do método no marxismo Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo, campus Guarulhos, como requisito para obtenção do grau de Mestre em “Ciências Sociais”. Orientador: Prof. Dr. Davisson Charles Cangussu de Souza Aprovado em 29 de setembro de 2016. __________________________________________________________ Prof. Dr. Davisson Charles Cangussu de Souza PPGCS - UNIFESP __________________________________________________________ Prof. Dr. Sávio Machado Cavalcanti IFCH - UNICAMP __________________________________________________________ Prof. Dr. Henrique José Domiciano Amorim PPGCS - UNIFESP 5 RESUMO A presente dissertação tem como objeto central o estudo do conceito althusseriano de sobredeterminação, tal como é importado da psicanálise e incorporado (ressignificando-se) ao marxismo por Louis Althusser, com a finalidade de se pensar o corte epistemológico radical que o filósofo francês pretende construir entre a dialética marxista e a hegeliana. Para tanto, fez-se também necessária a leitura de textos teóricos marxianos que se expressam mais diretamente sobre questões relacionadas ao método dialético (teoria do conhecimento) e à formulação mais geral sobre a teoria da história, com o propósito de cotejar criticamente tais argumentações marxianas com a lógica que rege o uso conceitual da sobredeterminação em Althusser. Por fim, o presente trabalho também comporta um conjunto de reflexões críticas sobre as dificuldades epistemológicas nas quais, ao nosso ver, Althusser incorre em diversos momentos ao formular e fazer uso do referido conceito, principalmente a falta de distinção entre os conceitos de determinação e contradição na obra marxiana. Palavras-chave: Althusser, Sobredeterminação, Dialética, Contradição, Psicanálise, Epistemologia, Teoria marxista da história 6 ABSTRACT This work has as its central objective the study of the concept Althusserian overdetermination, as imported from psychoanalysis and incorporated (resignifying up) Marxism by Louis Althusser, for the purpose of considering the epistemological radical cut that the french philosopher intends to build between Marxist and Hegelian dialectics. To do so, it was also necessary to read Marxist theoretical texts expressing more directly on issues related to the dialectical method (theory of knowledge) and the more general formulation of the theory of history, for the purpose of collating critically such Marxian arguments with the logic that governs the use of conceptual overdetermination in Althusser. Finally, this study also includes a set of critical reflections on the epistemological difficulties in which, in our view, Althusser incurs several times to formulate and make use of the concept, especially the lack of distinction between the concepts of determination and contradiction in Marxian work. Keywords: Althusser, Overdetermination, Dialectic, Contradiction, Psychoanalysis, Epistemology, Marxist theory of history. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 08 2 QUESTÕES DO MÉTODO EM MARX 25 2.1 A sobredeterminação e a teoria do método 25 2.2 A sobredeterminação e a teoria da história 42 3 DO CONCEITO DE SOBREDETERMINAÇÃO EM ALTHUSSER: DESDOBRAMENTOS TEÓRICOS 50 3.1 Escritos de Althusser: delimitação do campo de pesquisa 50 3.2 Psicanálise e marxismo. 56 3.3 A teoria do corte epistemológico 67 3.4 A forma da dialética marxista: seu conceito e suas categorias sob a ótica de Althusser 78 4 LIMITAÇÕES E DIFICULDADES NO USO DO CONCEITO DE SOBREDETERMINAÇÃO EM ALTHUSSER 92 4.1 Monismo x pluralismo: a dialética entre a ordem e o caos 92 4.2 O exílio interno provocado pelo fechar-se em um círculo hermenêutico, ou o milagre da partenogênese 95 4.3 O lugar de uma ausência 103 5 CONCLUSÃO 117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 121 8 1 INTRODUÇÃO A questão do método para a produção do conhecimento científico é das mais importantes e controvertidas na história das ciências sociais1. Positivismo, racionalismo, materialismo, teoria da ação social, funcionalismo, estruturalismo...são apenas alguns exemplos de correntes que, em maior ou menor medida, remetem o leitor a certas ideias sobre procedimentos teóricos e metodológicos presentes nessa história. O grande peso que a questão do método possui dentro desse campo reside, em grande parte, na ideia de que um objeto de conhecimento possui basicamente uma única verdade fundamental, e de que, por conta disso, apenas o método verdadeiro será capaz de apreender e evidenciar a verdade essencial do objeto. Em consequência disso, se explicam as muitas e intermináveis batalhas teóricas que continuam sendo geradas e alimentadas dentro do nosso campo de pesquisa, em razão de que cada teoria metodológica, na medida em que recorta e assedia um objeto que não é exclusivamente seu, acusa os adversários de incorreção, distorção ou má fé, e alça-se a si mesma como a verdadeira (o que nos faz lembrar a conhecida advertência de Marx: "Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de 1 Mesmo no campo das ciências naturais essa questão gera muita controvérsia. Por exemplo, Paul Feyerabend, filósofo da ciência, no seu livro "Contra o método" defende a posição de que o melhor é adotar uma postura de "anarquismo epistemológico", entendido por ele como ensinamento que se extrai do estudo da história das práticas científicas, história essa onde não se observa a repetição de um mesmo padrão de procedimentos metodológicos na formulação de novos conhecimentos, mas, ao contrário, a diversidade de práticas que são adotadas, muitas vezes, contra o modelo que é aceito como racional e científico numa determinada época e lugar da história: "Assim, tudo o que podemos dizer é que os cientistas procedem de muitas maneiras diferentes, que regras de método, se explicitamente mencionadas, ou não são obedecidas de modo algum ou funcionam na maior parte dos casos como regras práticas de proceder, e resultados importantes surgem da confluência de realizações produzidas por tendências separadas e frequentemente conflitantes. A ideia de que "o conhecimento 'científico' é, de algum modo, peculiarmente positivo e isento de diferenças de opinião" (Campbell, 1957, p.21) não passa de uma quimera." (FEYERABEND, Paul. Contra o método. editora unesp. 2º edição. 2011. p. 307) 9 transformação pela mesma consciência de si;..."2). É a partir das acusações ou das apropriações críticas de processos metodológicos que vão ser construídas as possíveis relações de endosso, endosso parcial, rejeição produtiva3 ou desqualificação e proscrição 4que um teórico vai estabelecer na sua relação com um conjunto variado de teorias. E se aquela advertência é legítima para indivíduos e para épocas no seu conjunto, parece válido que possa também ser aplicada para o teórico que discursa sobre o método que adotou. É em função de questões como essas que Althusser vai elaborar alguns importantes posicionamentos sobre a prática teórica, suas possibilidades, características e limitações, ora pontuando ideias de natureza mais comum dentro da história do marxismo, ora avançando em novas ideias, sendo um dos propósitos mais importantes dessa dissertação oferecer algumas respostas à seguinte pergunta: até que ponto essas novas ideias, se de fato novas, avançam em relação ao que já estava postulado na obra marxiana? Pergunta simples e ambiciosa, sem dúvida, mas que pode nos trazer alguma luz sobre os caminhos mais heterodoxos que o marxismo pode percorrer. Para ilustrar essa ambivalência entre o ortodoxo e o heterodoxo na pesquisa marxista, tomemos por exemplo as batalhas teóricas que se 2 MARX, Karl. Contribuição à crítica da Economia Política. wmfmartinsfontes. 2016. Prefácio, p. 5- 6) 3 Um exemplo daquilo que se imagina ser a rejeição produtiva de uma teoria nos é dado pelo comentário de Weber sobre o "Manifesto Comunista", ao afirmar que o "erro espirituoso" de suas teses foi muito mais frutífero para o desenvolvimento da ciência do que muita "correção sem espirituosidade". (WEBER, Max. O Socialismo. Texto incluído na coletânea Max Weber e Karl Marx. Org. René E. Gertz. Editora Hucitec. 2º Edição. 1997, p. 264) 4 Essa desqualificação e proscrição pode também funcionar como critério revestido de parecer técnico para permitir ou recusar o financiamento de pesquisas. Assim, a síntese do parecer da CAPES relativa ao projeto “Crise do Capital e Fundo Público: Implicações para o Trabalho, os Direitos e as Políticas Sociais”, apresentado ao Edital Procad 071/2013, envolvendo doutorandos, mestrandos e graduandos da UnB, UERJ e UFRN. Justificativa do parecerista: “Projeto afirma basear-se no método marxista histórico-dialético. Julgo que a utilização deste método não garante os requisitos necessários para que se alcance os objetivos do método científico (…) considerando a metodologia a ser empregada – cujos requisitos científicos não tem unanimidade – a proposta pode ser considerada pouco relevante (…) a formação proposta estaria no âmbito do método marxista histórico-dialético, cuja contribuição à ciência brasileira parece duvidosa.” 10 processam no campo das ciências sociais. Não são nunca disputas que se definem por critérios técnicos puramente epistemológicos. As divergências intermináveis evidenciam, sempre, um posicionamento de classe, uma escolha política que se faz no contexto da luta de classes, a favor ou contra cada uma delas. Esse posicionamento é decisivo para se determinar o alcance que pode ser atingido pelo lançamento do olhar crítico sobre o objeto. Daí, em "Marx e Freud", a analogia entre Maquiavel e Marx: No entanto, essa mesma condição se entrelaça com uma tradição diferente, cujos traços podem encontrar-se em Maquiavel, por exemplo, quando este escreveu 'para conhecer os príncipes, é preciso ser povo'. Marx disse a mesma coisa, no fundo, em toda a sua obra...E se tomamos as palavras de maquiavel em sentido forte e as aplicamos à história de Marx e de sua obra, poderemos dizer com justiça: é preciso ser proletariado para conhecer O Capital. (ALTHUSSER, 2000, p. 81) Temos assim um critério marxista dos mais clássicos, de caráter histórico e objetivo, que ajuda a explicar o motivo pelo qual há profundas divergências de teoria e de método dentro da ciência. É o tipo de critério usado com muita frequência para fazer a clivagem entre ciência burguesa e ciência revolucionária. Mas esse não é o único fator operativo. O posicionamento político no contexto das lutas de classe (que vai se expressar no posicionamento político que se faz no contexto das lutas teóricas5) não é suficiente para produzir o conhecimento científico. Há também a 5 A propósito desse tema cumpre dizer que nos textos de Pour Marx, bem como na edição original de "Ler o Capital", Althusser formulava um entendimento bem específico sobre o estatuto teórico da filosofia, tal como ele a perseguia: ela era entendida como a "Teoria (com "T" maiúsculo) da prática teórica", ou seja, a produção teórica do método, a formulação conceitual da dialética em sua forma marxista. No entanto, com o passar dos anos, vai se consolidando um certo movimento de autocrítica que vai se expressando de modo cada vez mais definitivo, no prefácio de 1967 à edição italiana de "Ler o Capital", nos seus "Elementos de Autocrítica", e também na nota de advertência ao leitor da edição francesa de "Ler o Capital" do ano de 1975, base da nossa primeira tradução brasileira: "...temos agora razões de sobra para pensar que uma das teses que apresentei sobre a natureza da filosofia exprime uma tendência 'teoricista' certa, apesar de todos os esclarecimentos feitos. Mais precisamente, a definição (dada em Pour Marx e invocada no prefácio de Ler o Capital) da filosofia como teoria da prática teórica é unilateral e portanto inexata. De fato, não se trata de simples equívoco de terminologia, mas de erro na própria concepção. Definir a filosofia de modo unilateral como teoria das práticas teóricas (e, por conseguinte, como teoria da diferença das práticas) não passa de uma fórmula que só pode suscitar efeitos e ressonâncias teóricas e políticas ou 'especulativas' ou 'positivistas'. " A partir daí, a filosofia não será mais identificada com a
Description: