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O canto ancestral negro PDF

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0 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES CENTRO DE ESTUDOS LATINO AMERICANOS SOBRE CULTURA E COMUNICAÇÃO O canto ancestral negro Resistência e Protagonismo Feminino na Cultura negro-brasileira Marília Rosa Barbosa Novembro de 2015 Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão de Projetos Culturais sob orientação do Prof. Dr. Silas Nogueira. 1 O CANTO ANCESTRAL NEGRO1 Marília Rosa Barbosa2 RESUMO Este trabalho aborda aspectos do canto e sua influência no empoderamento das mulheres negras. Para isso, considera uma acepção de “empoderamento” sob a ótica de Paulo Freire, assim como o conceito de “culturas de arkhé” e o que Muniz Sodré denomina de “estratégias sensíveis”, cabíveis a uma leitura e análise das conjecturas em que se insere o canto, do contexto histórico do negro e da negra no Brasil, e das formas de lutas das mulheres negras – universo que envolve o Candomblé, filosofia e religião africana. Como contraponto, recorre ainda a elementos da Escola do Desvendar da Voz, fundada sob preceitos da Antroposofia, de Rudolf Steiner. Palavras-chave Cultura; Canto; Voz; Movimento Negro; Feminismo; Feminismo Negro; Empoderamento; Candomblé; Antroposofia ABSTRACT The present paper addresses singing and its influence on black women's empowerment. For that purpose, it takes "empowerment" as Paulo Freire poses it, as well as the concept of "arkhé cultures" and what Muniz Sodré calls "sensible energies", in the extent necessary for reading and analyzing instances in which singing is nestled, the historical context of black men and women in Brazil today, and the diverse ways black women fight – which involves Candomblé, philosophy and African religion. As a counterpart, this paper looks into Elements of The School of Uncovering the Voice, founded on Rudolf Steiner's Antroposophy precepts. Key words 1 Trabalho de conclusão de curso apresentado como condição para obtenção do título de Especialista em Gestão de Projetos Culturais. 2 Formada em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (2006). Pós- graduada em Comunicação Corporativa pela Fundação Getúlio Vargas (2008). 2 Culture; Singing; Voice; Black Movement; Feminism; Black Feminism; Empowerment; "Candomblé"; Anthroposophy RESUMEN Este trabajo aborda aspectos del canto y su influencia en el empoderamiento de las mujeres negras. Para ello, considera una aceptación de “empoderamiento” bajo la mirada de Paulo Freire, así como el concepto de “culturas arkhé” y lo que Muniz Sodré denomina “estrategias sensibles”, oportunas a una lectura y análisis de las conjeturas en las que se inserta el canto; del contexto histórico del negro y negra en Brasil; de las formas de luchas de las mujeres negras – universo que involucra el Candomblé, filosofía y religión africana. Como contrapunto, evoca elementos de la “Escuela del Desvelar de la Voz”, fundada bajo los preceptos de la Antroposofía de Rudolf Steiner. Palabras clave: Cultura; Canto; Voz; Movimiento Negro; Feminismo; Feminismo Negro; Empoderamiento; Candomblé; Antroposofía 3 À minha mãe, Sandra, pelos cuidados. Ao meu pai, Kleber, pelo sangue negro. Ao professor doutor Silas Nogueira, pela presença, sem a qual eu não poderia, durante a feitura deste trabalho, “deixar brilhar e ser muito tranquilo”. Odoyá 4 1. INTRODUÇÃO A beleza zabelê É uma forma de saber (Chico César, em “Beleza mano”) O presente trabalho adentra questões relacionadas ao canto como vivenciado na cultura negra, no Candomblé e pelas mulheres negras, aprofundando-se nas conjecturas da cultura negra no Brasil, assim como no movimento de mulheres negras brasileiro. Candomblé é a denominação mais conhecida da reunião de saberes, filosofias e cultura de várias etnias africanas, com maior influência dos povos conhecidos como Yorubá3, Ketu e Gegê, incluindo o nome de Nagô para os que, durante o período da escravidão, organizaram diferentes grupos africanos para a preservação, prática ritual e conservação dos aspectos míticos e místicos da cultura negra de matriz africana. Essa elaboração resultou na organização de espaços que hoje são conhecidos como “terreiros”, os Ilês (“casa” na língua Yorubá) ou ainda Egbé, expressão que pode ser traduzida no conceito de comunidade e mesmo sociedade. Suas mais conhecidas características concentram-se na louvação aos Orixás, entidades, mitos, representações, energias que, para um entendimento inicial dentro da cultura ocidental, são identificados como divindades ou como “santos”, embora, na concepção original, isso seja extrapolado. Segundo Muniz Sodré: A ideia de território coloca de fato a questão da identidade, por referir-se à demarcação de um espaço na diferença com outros. Conhecer a exclusividade ou a pertinência das ações relativas a um determinado grupo implica também localizá-lo territorialmente. É o território que (...) traça limites, especifica o lugar e cria características que irão dar corpo à ação do sujeito. (SODRÉ, 1988: p. 23) 3 Segundo Sodré, os Yorubá foram guerreiros notáveis e também mercadores de escravos, resultantes de suas vitoriosas ações bélicas contra reinos como o Abomé, Nupe e outros (SODRÉ, 1988). 5 Como contraponto – relevadas suas contribuições para o livre cantar –, o trabalho aborda a proposta pedagógica da Escola do Desvendar da Voz, que, fundada sobre princípios antroposóficos, sugere uma busca no sentido da descoberta do verdadeiro canto, inclusive por meio do disciplinamento da audição na tradição da música ocidental contra uma suposto barbarismo musical. A saber, a Antroposofia, do grego “conhecimento do ser humano”, caracteriza-se como um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo que busca ir além do conhecimento obtido por meio do método científico convencional4. À medida que objetiva garantir autonomia à mulher negra, o empoderamento feminino negro desafia as relações patriarcais e, além do poder dominante do homem e seus privilégios de gênero, o poder dominante do Ocidente. É no sentido do protagonismo da mulher negra na luta contra as formas de dominação machista e branca que estes escritos apontam para a força do canto, mais especificamente do canto negro feminino. O termo empoderamento ganha importância para este estudo a partir de sua interpretação referenciada no trabalho do educador brasileiro Paulo Freire. De acordo com Rute Baquero: A inexistência do termo “empoderamento” em dicionários brasileiros recentes e a diversidade de sentidos atribuídos ao termo indicam o caráter polissêmico e complexo desta categoria. O neologismo “empoderamento” está, no entanto, consignado no Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea das Ciências de Lisboa e registrado no Mordebe – Base de Dados Morfológica do Português. O termo é um anglicanismo que significa obtenção, alargamento ou reforço de poder. (BAQUERO, 2012: p. 183) Contextualizado por Baquero, o termo estende-se ao empoderamento de classe social, ou seja, que não designa apenas um processo de natureza individual. A libertação é um ato social, como afirma Freire. Como tal, implica em um processo de reflexão e tomada de consciência quanto à condição atual do indivíduo, seus desejos e necessidades. A partir dessa nova 4 Sociedade Antroposófica no Brasil. 6 consciência, o indivíduo deve formular mudanças no sentido de suas novas demandas, assim como ações rumo às mudanças formuladas. Segundo Baquero: (Empoderamento) É mais do que trabalhar em nível conceitual, envolve o agir, implicando processos de reflexão sobre a ação, visando a uma tomada de consciência a respeito de fatores de diferentes ordens – econômica, política e cultural – que conformam a realidade, incidindo sobre o sujeito. Neste sentido, um processo de empoderamento eficaz necessita envolver tanto dimensões individuais quanto coletivas. (BAQUERO, 2012: p. 183-184) 1.2 METODOLOGIA No que se refere a seu embasamento teórico-metodológico, esta pesquisa contou com o conceito de Arkhé, desenvolvido por Muniz Sodré para interpretar aspectos mais sutis da cultura negra de origem africana, como os presentes nos cantos ancestrais: “A arkhé está no passado e no futuro, é tanto origem como destino” (SODRÉ, 1988: p. 153). Dessa formulação nasce a expressão “culturas do arkhé”, usada pelo autor para designar as culturas que cultuam a própria vivência; que se fundam na experiência presente entendida não só como herança mas como continuidade das origens, do “eterno impulso inaugural”, da ancestralidade. A cultura negra de matriz africana é, essencialmente, uma “cultura do arkhé” e suas manifestações, aqui ressaltadas a música e o canto, acompanham sua existência, sua vivência – desde sua origem. Tal como o autor, aqui tem-se como referência o universo cultural dos Nagô (ou Yorubás, na Nigéria), os últimos grupos de escravos chegados ao Brasil, no fim do século XVIII e início do XIX. Essa escolha se deve à vivência prévia desses grupos “de um espaço urbano na África e à sua uniformidade cultural, diferentemente dos Bantos” (SODRÉ, 1988: p. 48). Outra contribuição de Sodré para este trabalho, mais complexa, está em uma proposta de sua autoria que é uma verdadeira ruptura epistemológica, por meio da qual o autor afirma que “o trabalho teórico com o sensível implica uma nova perspectiva no campo das ciências humanas em geral e das ciências da linguagem em particular” (SODRÉ, 2006: p. 70). Em sua obra As Estratégias Sensíveis – afeto, mídia e política, o conceito de estratégias se 7 explica como uma relação cujas regras ou normas não são imutáveis ou rígidas, mas dadas à flexibilização, para o que: ...impõe-se um mapeamento completo de uma situação, capaz de fornecer indicações quanto à escolha racional a se fazer em cada eventualidade possível. Essa relação é o que normalmente se conhece como estratégia. (SODRÉ, 2006: p. 9). Esse sentido de relação/estratégia Sodré usa para mostrar a amplitude do conceito de comunicação quando retomado o seu sentido etimológico, de “tornar comum”, de “comunhão”, de relação entre duas subjetividades ou duas consciências, de modo que “são muitas as estratégias discursivas no jogo da comunicação. Cabe-lhes jogar, segundo as circunstâncias da situação interlocutória, com a formação inicial do sistema, visando à comunicação com um outro [...]” (SODRÉ, 2006: p. 10). É esta amplitude do conceito que permite que a comunicação seja entendida para além do simples diálogo ou das formas discursivas restritas à linguagem verbal e a estende para as muitas manifestações da cultura, para as expressões humanas que envolvem as artes e criações (entre elas o canto, a música) colocadas para a apreciação, para o contato, ou, de forma geral, para a decodificação por outras consciências. Assim, Sodré reafirma o sentido de relação existente no conceito de comunicação da mesma forma que já fez antes com o conceito de cultura: ...uma linguagem ou um discurso, como se sabe, não se reduz à função de transmissão de conteúdos referenciais. Na relação comunicativa, além da informação veiculada pelo enunciado, portanto, além do que se dá a conhecer, há o que se dá a reconhecer como relação entre duas subjetividades, entre interlocutores. (SODRÉ, 2006: p. 10) Para chegar ao termo e ao conceito “estratégias sensíveis”, Sodré retoma o linguista e semioticista Eric Landowski, que buscou situar-se teoricamente “aquém e além das estratégias” e conceber “um regime comunicativo em que o sentido troca a lógica de circulação de valores do enunciado pela copresença somática e sensorial dos actantes” (SODRÉ, 2006: p. 10). Para penetrar essa copresença somática e sensorial – o “sensível” da estratégia –, o autor aponta os limites da racionalidade linguística e de outras 8 racionalidades e lógicas predominantes no pensamento moderno ocidental, sendo que esses limites interferem, inclusive, nas análises da comunicação: Quem é para mim, este outro com quem eu falo e vice-versa? Esta é a situação enunciativa, da qual não dão conta por inteiro a racionalidade linguística, nem as muitas lógicas argumentativas da comunicação. Aqui têm lugar o que nos permitimos designar como estratégias sensíveis, para nos referirmos aos jogos de vinculação dos atos discursivos às relações de localização e afetação dos sujeitos no interior da linguagem. (SODRÉ, 2006: p. 10, grifos do autor) Sua elaboração e explicitação do conceito prosseguem na crítica à instrumentalização do conhecimento no pensamento moderno-ocidental, e da própria ciência, afirmando que: ...quando se age afetivamente, em comunhão, mas com abertura criativa para o Outro, estratégia é um modo de decisão de uma singularidade, de um sujeito único, mas no sentido de aproximação das diferenças e não do isolamento, e essa aproximação afetiva entre partes (sujeitos) diferentes está fadada “à constituição de um saber que, mesmo sendo inteligível, nada deve à racionalidade crítico-instrumental do conceito ou às figurações abstratas do pensamento”. (SODRÉ, 2006: p. 11) Ou seja, não se processa na mesma lógica da constituição formal de teorias, conceitos e disciplinas e campos consagrados pela ciência ocidental no processo de modernização do mundo. Por isso, enquanto suporte metodológico, sua proposta não se resume à análise de discurso, à maneira predominante nas hostes linguísticas, mas, antes, busca a contemplação na relação e no contexto, a “mirada justa” capaz de salvaguardar “sempre para o indivíduo um lugar exterior aos atos puramente linguísticos, o ato singularíssimo do afeto” (SODRÉ, 2006: p. 11). Trata-se, logo, do campo das operações singulares, estas que se oferecem ao reconhecimento tal e qual se produzem, sem dependência para com o poder comparativo das equivalências ou sem o caução racionalista de um pano de fundo metafísico. A estratégia configura-se aí como eustochia, a clássica designação grega para a mirada justa sobre uma situação problemática, convocada pela potência sensível do sujeito ou do objeto. (SODRÉ, 2006: p. 11) 9 Nessa estratégia, o afeto refere-se ao exercício de uma ação no sentido do Outro, em particular sobre a sensibilidade do outro, que é um ser necessariamente vivo. O autor explica que “a ação de afetar (do latim clássico, poderia corresponder a commovere)” define-se como uma perturbação de consciência e o afeto “pode muito bem equivaler à ideia de energia psíquica assinalada por uma tensão” e mostra-se, assim, “no desejo, na vontade, na disposição psíquica do indivíduo que, em busca de prazer, é provocado pela descarga da tensão” (SODRÉ, 2006: p. 26-27). Em termos de aplicabilidade, ou de outras preocupações metodológicas para uma análise, para o estabelecimento de uma relação criativa entre “sujeito e objeto” nas pesquisas, Sodré tranquiliza as inevitáveis dúvidas e temores quanto às rupturas epistemológicas contidas na propositura das estratégias sensíveis enquanto recurso: “é o que costuma acontecer nas falências dos sistemas, nos regimes de reciprocidade ou interação direta entre as pessoas, onde uma súbita diferença pode dissolver as posições fixas de sujeito” (SODRÉ, 2006: p. 11), desde que, acrescenta-se aqui, essas diferenças sejam reconhecidas como tais, como singularidades e não como negação ou obstáculo. Essa postura metodológica vai ao encontro dos propósitos desta pesquisa tanto no sentido de ser “uma mirada justa sobre uma situação problemática” (SODRÉ, 2006: p. 11), sobre um fenômeno, quanto no sentido de ser coerente com a qualidade da relação “sujeito/objeto” que se busca aqui. O canto, a música, as mulheres, as Grandes Mães Negras e as lutas empreendidas por elas desde o início foram aqui concebidos como sujeitos plenos que não poderiam ser “lidos” ou ser motores de uma relação de conhecimento sem a sensibilidade, sem o afeto existente e percebido já na escolha do tema e nas primeiras análises apreensivas. Importa, aqui, mostrar que, do ponto de vista metodológico, para Sodré, recorrer às estratégias sensíveis “trata-se finalmente de reconhecer a potência emancipatória contida na ilusão, na emoção do riso e no sentimento da ironia mas também na imaginação” (SODRÉ, 2006: p. 13). Segundo ele: É o caminho teórico que privilegia o emocional, o sentimental, o afetivo e o mítico (nisto foi pioneiro, aliás, Gilberto Freyre, ao

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elementos de la “Escuela del Desvelar de la Voz”, fundada bajo los preceptos de la Antroposofía de Rudolf Steiner. Palabras clave: Cultura; Canto;
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