UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS JUDAICOS E ÁRABES MESSIANE BRITO DOS SANTOS O ’adab nas Mil e Uma Noites: A história do segundo dervixe VERSÃO CORRIGIDA v.1 SÃO PAULO 2014 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS JUDAICOS E ÁRABES O ’adab nas Mil e Uma Noites: A história do segundo dervixe Messiane Brito dos Santos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Estudos Árabes Orientador: Prof. Dr. Mamede Mustafa Jarouche VERSÃO CORRIGIDA v.1 SÃO PAULO 2014 SANTOS, Messiane Brito dos. O ’adab nas Mil e Uma Noites: A história do segundo dervixe. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Letras (Área de Concentração: Estudos Árabes). Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr. ________________________________________________ Instituição: Universidade de São Paulo Julgamento: ___________ Assinatura: ________________________ Prof. Dr. ________________________________________________ Instituição:_______________________________________________ Julgamento: ___________ Assinatura: ________________________ Prof. Dr. ________________________________________________ Instituição: ______________________________________________ Julgamento: ___________ Assinatura: ________________________ AGRADECIMENTOS Sínval Carlos Mello Gonçalves, meu amor, nenhuma palavra poderá te agradecer a contento. Dedico este trabalho a nossa filha que começou a existir quando eu ainda dissertava. É imperioso agradecer ao meu venturoso orientador, Mamede Jarouche, de correto parecer e louvável proceder, por sua generosa acolhida, pela confiança neste trabalho e entusiasmo contagiante. Safa Jubran, que me apresentou com entusiasmo a língua árabe, acolheu com carinho e auxiliou em vários momentos. Alfredo Jatobá, admirável chacal mergulhador e “mão amiga”. Ruth Andrade de Freitas, André Barbosa de Souza, Átila Villar, pessoas com quem partilhei as primeiras leituras do “Livro das Mil e Uma Noites”. Julia Grillo, que já estava lá quando precisei de uma amiga numa cidade desconhecida. José Eduardo Lohner, gentil, tranquilo e acolhedor amigo paulista. Aos amigos e amigas do Caminho. Natália Novaes, uspiana com quem partilhei intensamente o primeiro ano de mestrado e as primeiras aulas de árabe. Agnes Carayon, amiga e exemplo de mãe que me encorajou bastante. Maeva Breau, Malika Bas, Ilyas Oussedik, Jaqueline Ramos, Júlia Rodrigues, companheiros no aprendizado de árabe no oriente. Marie Helène Avril, Mohamed Abdel Maurice, Afaf al-Sayed, professores do DEAC. Jean-Charles Ducène, professor da École Pratique de Hautes Études. Socorro Jatobá, Tatiana Schor pelo apoio em momentos diversos. Luana, Adriana, Nízia, Cristina, Cínthia, Elessandra e Márcia, amigas desde a adolescência, queridas irmãs para sempre. Meu pai, minha mãe e toda a família, com lembrança especial e saudosa de figuras que nos deixaram: finada Vó Maria; a Vó Natividade (que partiu durante esta dissertação), e falecido Tio Enoque, que me presentou com os primeiros livros, que me contava mitos gregos. E todas as pessoas que me acompanharam e auxiliaram durante este trabalho. Biblioteca do IFAO, Biblioteca Nacional da França, Instituto do Mundo Árabe, instituições francesas sempre abertas para os estudantes da literatura árabe. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas e CAPES, que concederam o indispensável auxílio para a realização desta pesquisa. RESUMO SANTOS, Messiane Brito. O ’adab nas Mil e Uma Noites: a história do segundo dervixe. 2014. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Este trabalho tem por objetivo analisar a utilização da noção de ’adab (ﺏﺩﺃ), no "Livro das Mil e Uma Noites". Dividido em três capítulos, no primeiro deles tentamos recuperar, através de diferentes estudos dedicados ao tema, a evolução e a variedade de usos desse termo ao longo dos séculos. Essa abordagem visa, sobretudo, mostrar a dificuldade de fixar-se uma definição precisa para o termo, devido ao vasto corpus de ’adab e a variedade de assuntos que aborda. Num segundo momento, foi observada a presença do termo ’adab nas narrativas do chamado "ramo sírio" do “Livro das Mil e Uma Noites”. Essa observação teve como ponto de partida a advertência, contida em seu preâmbulo, de que suas histórias estariam "plenas de ’adab.” Tomando como referência os elementos associados ao termo neste preâmbulo fizemos um levantamento das formas de sua ocorrência e, em seguida, passamos a explorar de maneira mais detalhada sua função através da análise de uma narrativa em particular. Assim, encerramos o trabalho com a análise da história “O segundo dervixe” (ﻲﻧﺎﺛﻟﺍ ﻲﻟﺩﻧﺭﻘﻟﺍ), onde a presença desse termo é importante no desenvolvimento da trama. Dando destaque aos momentos da história onde o termo ʼadab se faz presente, efetuou-se a sistematização e a análise de seus significados, enfatizando-se a representação feita por ela da figura do ’adīb (ﺏﻳﺩﺃ, o possuidor de ʼadab). Palavras chave: Livro das Mil e Uma Noites, ’adab, literatura árabe. ABSTRACT SANTOS, Messiane Brito dos. The 'adab in the Arabian Nights: the tale of the second dervish. 2014. 103 f. Dissertation (Master). Faculty of Letters, Philosophy and Humanities, University of São Paulo, São Paulo, 2014. This work aims to analyze the use of the concept of 'adab in the Arabic cycle of narratives known as "Arabian Nights". Divided into three chapters, the first of them try to recover, through different studies devoted to the subject, the evolution and variety of uses of the term throughout the centuries. This approach aims, mainly, to show the difficulty of a precise definition for the term, due to the vast corpus of 'adab and the variety of subjects it covers. Secondly, the presence of the word 'adab was observed in the narratives of the "Syrian branch" of the "Book of the Thousand and One Nights". This observation had as its starting point the warning contained in its preamble, that their stories were "full of 'adab." Taking as reference the elements associated with the term in this preamble, we did a survey of the forms of their occurrence and then, we explore in more detail its function through the analysis of one specific narrative. Thus we closed the work with the analysis of the story "The second dervish", where the presence of this term is very important in the development of the plot. Highlighting the moments in history where the term 'adab is present, we performed the systematization and analysis of their meaning, emphasizing how it represents the figure of the 'adib (the possessor of 'adab). Keywords: Arabian Nights, 'adab, Arabic literature. ﺺﺨﻠﻣ ﺩﺮﺳ ﻰﻟﺇ ،ﻰﻟﻭﻻﺍ ﻪﺘﻈﺤﻟ ﻲﻓ ،ﻞﻤﻌﻟﺍ ﺍﺬﻫ ﻑﺪﻬﻳ ﻦﻣ ﺎﻗﻼﻄﻧﺍ ،"ﺏﺩﺃ" ﺓﺩﺮﻔﻣ ﻰﻨﻌﻤﻟ ﺔﻟﻮﻘﻌﻣ ﺔﻳﺍﻭﺭ ﺔﻌﺑﺎﺘﻣ ﻰﻠﻋ ﺎﻧﺪﻋﺎﺴﺗ ﻲﺘﻟﺍ ﺔﻔﻠﺘﺨﻤﻟﺍ ﺕﺎﺳﺍﺭﺪﻟﺍ .ﺭﻮﺼﻌﻟﺍ ﺮﻣ ﻰﻠﻋ ﺎﻬﻟﺎﻤﻌﺘﺳﺍ ﻉﻮﻨﺗﻭ ﺎﻬﺟّﺭﺪﺗ ﺭﺎﻬﻇﺇ ﻰﻟﺇ ،ءﻲﺷ ﻞﻛ ﻞﺒﻗ ،ﺔﻳﺍﻭﺮﻟﺍ ﻩﺬﻫ ﻲﻣﺮﺗﻭ ،ﺓﺩﺮﻔﻤﻟﺍ ﻩﺬﻬﻟ ﻖﻴﻗﺩ ﺪﻳﺪﺤﺘﺑ ﻡﺎﻴﻘﻟﺍ ﺔﺑﻮﻌﺻ ،ﺮﺧﺂﺑ ﻭﺍ ﻞﻜﺸﺑ ،ﻪﺑﻮﺴﻨﻤﻟﺍ ﻥﻮﺘﻤﻟﺍ ﺔﻣﺎﺨﺿ ﺐﺒﺴﺑ .ﺎﻬﻟﻭﺎﻨﺘﻳ ﻲﺘﻟﺍ ﻊﻴﺿﺍﻮﻤﻟﺍ ﻉﻮﻨﺗﻭ ،ﺏﺩﻷﺍ ﻰﻟﺇ ﺓﺩﺮﻔﻣ ﺩﻮﺟﻭ ﻆﺣﻮﻟ ،ﺚﺤﺒﻟﺍ ﻦﻣ ﺔﻴﻧﺎﺛ ﺔﻈﺤﻟ ﻲﻓﻭ ﺓﺭﺎﺷﻹﺎﻓ ،ﺔﻠﻴﻟﻭ ﺔﻠﻴﻟ ﻒﻟﺃ ﺺﺼﻗ ﺾﻌﺑ ﻲﻓ "ﺏﺩﺃ" ﻲﺣﺎﺘﺘﻓﻻﺍ ﻡﻼﻜﻟﺍ ﻲﻓ ﺃﺮﻘﺗُ ﻞﻤﻌﻟﺍ ﺍﺬﻬﻟ ﺔﻛّﺮﺤﻤﻟﺍ ﻦﻣ ،ﺭﺬﻨﻳ ﻝﺅﺎﺴﺘﻠﻟ ﺮﻴﺜﻣ ﻊﻄﻘﻣ ﺚﻴﺣ ،ﻲﻟﺎﻴﻠﻟ ،"ﺏﺩﻷﺍ ﺓﺮﻴﺜﻛ" ﺏﺎﺘﻜﻟﺍ ﺺﺼﻗ ﻥﺍ ،ﺭﺬﻨﻳ ﺎﻣ ﺔﻠﻤﺟ ﻩﺬﻫ ﻝﺎﻤﻌﺘﺳﻻ ءٍﺎﺼﺣﺎﺑ ﻡﺎﻴﻘﻟﺍ ﻰﻠﻋ ﺎﻨﺿّﺮﺣ ﺎﻤﻣ ﻉﺮﻔﻠﻟ ﺔﻴﻠﻳﺯﺍﺮﺒﻟﺍ ﺔﻤﺟﺮﺘﻟﺍ ﻱﺪﻠﺠﻣ ﻲﻓ ﺓﺩﺮﻔﻤﻟﺍ .ﺏﺎﺘﻜﻠﻟ ﻲﻣﺎﺸﻟﺍ ﻪﺑ ﻡﻮﻘﻧ ﺎﻣ ﺭﺎﻴﺘﺧﺍ ﺎﻨﻴﻠﻋ ﺐﺟﻮﺗ ءﺎﺼﺣﻻﺍ ﺪﻌﺑﻭ ّ ﺍﺬﻫ ﺎﻧﺪﻋﺎﺴﻳ ﺪﻗ ﻒﻴﻛﻭ ﺓﺩﺮﻔﻤﻟﺍ ﻊﻗﺍﻮﻣ ﻑﺎﺸﻜﺘﺳﻻ ﻢﻬﻓ ،ّﻞﻗﻷﺍ ﻰﻠﻋ ،ﻭﺃ ﻞﻜﻛ ﻒﻟﱠﺆﻤﻟﺍ ﻢﻬﻓ ﻰﻠﻋ ﻲﻓ ،ﻚﻟﺬﻟ .ﺓﺩﺮﻔﻤﻟﺍ ﻞﻤﻌﺘﺴﺗ ﺎﻬﻴﻓ ﻲﺘﻟﺍ ﺔﺼﻘﻟﺍ ﺎﻨﻤﻗ ،ﺚﺤﺒﻤﻟﺍ ﺍﺬﻬﻟ ﺓﺮﻴﺧﻻﺍﻭ ﺔﺜﻟﺎﺜﻟﺍ ﺔﻈﺤﻠﻟﺍ ﻦﻣ ﻦﻳﺯﺮﺒﻣ ،ﻲﻧﺎﺜﻟﺍ ﻲﻟﺪﻧﺮﻘﻟﺍ ﺔﺼﻗ ﻞﻴﻠﺤﺘﺑ ﺪﻘﻓ ،ﺏﺩﺃ ﺓﺩﺮﻔﻣ ﻞﻤﻌﺘﺴﺗ ﻲﺘﻟﺍ ﺎﻫﺪﻫﺎﺸﻣ ﺔﺼﻘﻟﺍ ،ﺎﻨﻈﺣﻻ ﺚﻴﺣ ،ﺎﻬﻠﻴﻠﺤﺗﻭ ﺎﻬﻴﻧﺎﻌﻣ ﺐﻴﺗﺮﺗ ﺎﻨﻳﺮﺟﺍ ،ﺐﻳﺩﻷﺍ ﺔﻴﺼﺨﺷ ﺔﺼﻘﻟﺍ ﻩﺬﻫ ﻞّﺜﻤﺗ ﻒﻴﻛ ،ﺎﻤﻴﺳ ﻻ .ﻪﺤﻣﻼﻣ ﻢﺳﺮﺗ ،ﺍﺮﻴﺧﺍ ،ﻒﻴﻛﻭ ،ﺏﺩﻷﺍ ﺐﺣﺎﺻ ﻱﺃ :ﺔﻴﻠﻴﻟﺪﻟﺍ ﺕﺎﻤﻠﻜﻟﺍ .ﺔﻴﺑﺮﻌﻟﺍ ﺏﺍﺩﻵﺍ ؛ﺏﺩﺃ ؛ﺔﻠﻴﻟﻭ ﺔﻠﻴﻟ ﻒﻟﺃ LISTA DE QUADROS Quadro 1: O termo ’adab no primeiro volume das Noites .................................... 52 Quadro 2: O termo ’adab no primeiro volume das Noites. ................................... 53 Quadro 3: O termo ’adab no segundo volume das Noites. .................................. 54 Quadro 4: O termo ’adab nas Noites (Lista - Volume I e Volume II) ...................... 56 Quadro 5: O ʼadab em “O carregador e as três jovens de Bagdá. ......................... 67 Quadro 6: Conhecimentos do segundo dervixe e da princesa ............................... 78 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1. Vicissitudes de uma palavra .................................................................................. 14 2. Uma palavra nas Noites ........................................................................................ 43 2.1. “A metáfora de um mapa” ............................................................................... 51 3. O segundo dervixe ................................................................................................ 61 3.1. “Todos ficaram assombrados com o meu ʼadab” ......................................... 62 3.2. “Sou jurisconsulto, sábio, letrado, poeta, gramático e calígrafo” ................. 74 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 89 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 93 APÊNDICE A – “O invejoso e o invejado”, uma história exemplar. ......................... 101 APÊNDICE B - Esquema sintético com os personagens e os conhecimentos adquiridos, divididos por áreas ................................................................................ 103 10 INTRODUÇÃO “As Mil e Uma Noites e a arte de narrar no mundo árabe medieval” tal era o título do projeto que deu origem ao presente trabalho. É perceptível a ingênua ambição que pode existir num projeto em seu princípio. Porém, o texto que impulsionou tal ambição não era igualmente grandioso? Este trabalho foi instigado pelas primeiras palavras do “Livro das Mil e Uma Noites”, seu preâmbulo. E, agora, avisamos aos homens generosos e aos senhores gentis e honoráveis que a elaboração deste agradável e saboroso livro tem por meta o benefício de quem o lê: suas histórias são plenas de decoro [’adab], com significados agudos para os homens distintos; por meio delas, aprende-se a arte de bem falar e o que sucedeu aos reis desde o início dos tempos. Denominei-o de livro das mil e uma noites, que contém, igualmente, histórias excelentes, mediante as quais os ouvintes aprenderão a fisiognomonia: não os enredará, pois, ardil algum. Este livro, enfim, também os levará ao deleite e à felicidade nos momentos de amargura provocados pelas vicissitudes das fortunas, encobertas de sedutora perversidade. E é Deus altíssimo quem conduz ao acerto (LIVRO das Mil e Uma Noites, volume I: ramo sírio, 2005, p. 39, grifo nosso). Na primeira vez, esse aviso foi lido como se a narrativa estivesse se apresentando e mostrando como se configura sua arte. Nisso, havia a expectativa de conhecer cada um desses aspectos e a vontade de desvendar a arte de narrar no mundo árabe. E logo surgiu a questão: será que o conjunto de características presentes nesse preâmbulo poderia ser considerado como estratégia para compreender o “Livro das Mil e Uma Noites”, a partir do que se estabelece como características e efeitos das histórias? Estaria o preâmbulo de acordo com determinados pressupostos de uma tradição narrativa, acordo esse que serviria para demonstrar o nível de adequação à certas convenções estéticas, onde tais características deveriam manifestar sua presença? A primeira leitura desse preâmbulo suscitou essas e muitas outras questões relacionadas a cada elemento apresentado, instigando o desejo de conhecer todo o conjunto de características e efeitos; entretanto, era preciso abandonar essa ingênua ambição e escolher um elemento. E, nesse caso, delimitar-se na
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