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Michel Foucault PDF

422 Pages·2009·2.19 MB·Portuguese
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MMiicchheell FFoouuccaauulltt AAss PPaallaavvrraass ee aass CCooiissaass UUmmaa aarrqquueeoollooggiiaa ddaass cciiêênncciiaass hhuummaannaass TTrraadduuççããoo SSAALLMMAA TTAANNNNUUSS MMUUCCHHAAIILL MMaarrttiinnss FFoonntteess SSããoo PPaauulloo —— 22000000 Esta obra foi publicada originalmente em francês com o título LES MOTS ET LES CHOSES — Une Archéologie des Sciences Humaines, por Éditions Gallimard. Paris. Copyright © Éditions Gallimard, Paris, 1966. Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, 1981, para a presente edição. 8ª edição fevereiro de 1999 2ª tiragem junho de 2000 Tradução SALMA TANNUS MUCHA1L Revisão gráfica Ivete Batista dos Santos Ana Maria de Oliveira Mendes Barbosa Produção gráfica Geraldo Alves Paginação/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Foucault, Michel, 1926-1984. As palavras e as coisas : uma arqueologia das ciências humanas / Michel Foucault ; tradução Salma Tannus Muchail. — 8ª ed. — São Paulo : Martins Fontes, 1999. — (Coleção tópicos) Título original: Les mots et les choses. ISBN 85-336-0997-3 1. Ciências humanas — História 2. Classificação dos conhecimentos — História 3. Linguagem — História I. Título. II. Título: Uma arqueologia das ciências humanas. III. Série. 99-0089 CDD-001.309 Índices para catálogo sistemático: 1. Ciências humanas : História 001.309 Todos os direitos para o Brasil reservados à Livraria Martins Fontes Editora Ltda, Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil Tel. (11) 239-3677 Fax (11) 3105-6867 e-mail: [email protected] http://www.martinsfontes.com ÍNDICE Prefácio................................................................................................................... IX I Capítulo I. Las Meninas.......................................................................................... 3 Capítulo II. A prosa do mundo................................................................................ 23 I. As quatro similitudes, p. 23. — II. As assinalações, p. 35. — III. Os limites do mundo, p. 41. — IV A escrita das coisas, p. 47 — V O ser da linguagem, p. 58. Capítulo III. Representar........................................................................................ 63 I. Dom Quixote, p. 63. — II. A ordem, p. 68. — III. A representação do signo, p. 80. — IV A representação reduplicada, p. 87. — V A imaginação da semelhança, p. 93. — VI. “Máthêsis” e “taxinomia”, p. 99. Capítulo IV Falar.................................................................................................... 107 I. Crítica e comentário, p. 107. — II. A gramática geral, p. 112. — III. A teoria do verbo, p. 128. — IV A articulação, p. 135. — V A designação, p. 146. — VI. A derivação, p. 155. — VII. O quadrilátero da linguagem, p. 163. Capítulo V Classificar............................................................................................ 171 I. O que dizem os historiadores, p. 171. — II. A história natural, p. 175. — III. A estrutura, p. 181. — IV O caráter, p. 190. — V O contínuo e a catástrofe, p. 200. — VI. Monstros e fósseis, p. 208. — VII. O discurso da natureza, p. 218. Capítulo VI. Trocar..................................................................................................227 I. A análise das riquezas, p. 227. — II. Moeda e preço, p. 231. — III. O mercantilismo, p. 238. — IV O penhor e o preço, p. 248. — V A formação do valor, p. 262. — VI. A utilidade, p. 271. — VII. Quadro geral, p. 278. — VIII. O desejo e a representação, p. 287. II Capítulo VII. Os limites da representação..............................................................297 I. A idade da história, p. 297. — II. A medida do trabalho, p. 303. — III. A organização dos seres, p. 310. — IV A flexão das palavras, p. 319. — V Ideologia e crítica, p. 325. — VI. As sínteses objetivas, p. 334. Capítulo VIII. Trabalho, vida, linguagem................. 343 I. As novas empiricidades, p. 343. — II. Ricardo, p. 347. — III. Cuvier, p. 362. — IV Bopp, p. 386. — V A linguagem tornada objeto, p. 408. Capítulo IX. O homem e seus duplos.......................................................................417 I. O retorno da linguagem, p. 417. — II. O lugar do rei, p. 423. — III. A analítica da finitude, p. 430. — IV. O empírico e o transcendental, p. 439. — V O “cogito” e o impensado, p. 444. — VI. O recuo e o retorno da origem, p. 453. — VII. O discurso e o ser do homem, p. 463. VIII. O sono antropológico, p. 470. Capítulo X. As ciências humanas............................................................................475 I. O triedro dos saberes, p. 475. — II. A forma das ciências humanas, p. 482. — III. Os três modelos, p. 491. — IV A História, p. 508. — V Psicanálise, etnologia, p. 517. — VI. p. 536. Índice onomástico....................................................................................................537 PREFÁCIO Este livro nasceu de um texto de Borges. Do riso que, com sua leitura, perturba todas as familiaridades do pensamento — do nosso: daquele que tem nossa idade e nossa geografia —, abalando todas as superfícies ordenadas e todos os planos que tornam sensata para nós a profusão dos seres, fazendo vacilar e inquietando, por muito tempo, nossa prática milenar do Mesmo e do Outro. Esse texto cita “uma certa enciclopédia chinesa” onde será escrito que “os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas”. No deslumbramento dessa taxinomia, o que de súbito atingimos, o que, graças ao apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento, é o limite do nosso: a impossibilidade patente de pensar isso. Que coisa, pois, é impossível pensar, e de que impossibilidade se trata? A cada uma destas singulares rubricas [pág. IX] podemos dar um sentido preciso e um conteúdo determinável; algumas envolvem realmente seres fantásticos — ani- mais fabulosos ou sereias; mas, justamente em lhes conferindo um lugar à parte, a enciclopédia chinesa localiza seus poderes de contágio; distingue com cuidado os animais bem reais (que se agitam como loucos ou que acabam de quebrar a bilha) e aqueles que só têm lugar no imaginário. As perigosas misturas são conjuradas, insígnias e fábulas reencontram seu alto posto; nenhum anfíbio inconcebível, nenhuma asa arranhada, nenhuma pele escamosa, nada dessas faces polimorfas e demoníacas, nenhum hálito em chamas. Ali, a monstruosidade não altera nenhum corpo real, em nada modifica o bestiário da imaginação; não se esconde na pro- fundeza de algum poder estranho. Sequer estaria presente em alguma parte dessa classificação, se não se esgueirasse em todo o espaço vazio, em todo o branco intersticial que separa os seres uns dos outros. Não são os animais “fabulosos “ que são impossíveis, pois que são designados como tais, mas a estreita distância segundo a qual são justapostos aos cães em liberdade ou àqueles que de longe parecem moscas. O que transgride toda imaginação, todo pensamento possível, é simplesmente a série alfabética (a, b, c, d) que liga a todas as outras cada uma dessas categorias. Tampouco se trata da extravagância de encontros insólitos. Sabe-se o que há de desconcertante na proximidade dos extremos ou, muito simplesmente, na vizinhança súbita das coisas sem relação; a enumeração que as faz entrechocar-se possui, por si só, um poder de encantamento: “Já não estou em jejum, diz Eustenes. Por todo o dia de hoje estarão a salvo da minha saliva: Áspides, Anfisbenas, Anerudutos, Abedessimões, Alartas, Amóbatas, Apinaos, Alatrabãs, Aractes, Astérios, Alcarates, Arges, Aranhas, Ascálabos, Atélabos, [pág. X] Ascalabotas, Aemorróides...”. Mas todos esses vermes e serpentes, todos esses seres de podridão e de viscosidade fervilham, como as sílabas que os nomeiam, na saliva de Eustenes: é aí que todos têm seu lugar-comum, como, sobre a mesa de trabalho, o guarda- chuva e a máquina de costura; se a estranheza de seu encontro é manifesta, ela o é na base deste e, deste em, deste sobre, cuja solidez e evidência garantem a possibilidade de uma justaposição. Era decerto improvável que as hemorróidas, as aranhas e as amóbatas viessem um dia se misturar sob os dentes de Eustenes: mas, afinal de contas, nessa boca acolhedora e voraz, tinham realmente como se alojar e encontrar o palácio* de sua coexistência. * No original: palais, que significa palácio, palato, e paladar. (N. do T.) A monstruosidade que Borges faz circular na sua enumeração consiste, ao contrário, em que o próprio espaço comum dos encontros se acha arruinado. O impossível não é a vizinhança das coisas, é o lugar mesmo onde elas poderiam avizinhar-se. Os animais “i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo” — onde poderiam eles jamais se encontrar, a não ser na voz imaterial que pronuncia sua enumeração, a não ser na página que a transcreve? Onde poderiam eles se justapor, senão no não- lugar da linguagem? Mas esta, ao desdobrá-los, não abre mais que um espaço impensável. A categoria central dos animais “incluídos na presente classificação “ indica bem, pela explícita referência a paradoxos conhecidos, que jamais se chegará a definir, entre cada um desses conjuntos e aquele que os reúne a todos, uma relação estável de conteúdo e continente: se todos os animais classificados se alojam, sem exceção, numa das casas [pág. XI] da distribuição, todas as outras não estarão dentro desta? E esta, por sua vez, em que espaço reside? O absurdo arruína o e da enumeração, afetando de impossibilidade o em onde se repartiram as coisas enumeradas. Borges não acrescenta nenhuma figura ao atlas do impossível; não faz brilhar em parte alguma o clarão do encontro poético; esquiva apenas a mais discreta, mas a mais insistente das necessidades; subtrai o chão, o solo mudo onde os seres podem justapor-se. Desaparecimento mascarado, ou, antes, irrisoriamente indicado pela série abecedária de nosso alfabeto, que se supõe servir de fio condutor (o único visível) às enumerações de uma enciclopédia chinesa... Numa palavra, o que se retira é a célebre “tábua de trabalho”; e, restituindo a Roussel uma escassa parte do que lhe é sempre devido, emprego esta palavra “tábua “ em dois sentidos superpostos: mesa niquelada, encerada, envolta em brancura, faiscante sob o sol de vidro que devora as sombras — lá onde, por um instante, para sempre talvez, o guarda-chuva encontra a máquina de costura; e quadro que permite ao pensamento operar com os seres uma ordenação, uma repartição em classes, um agrupamento nominal pelo que são designadas suas similitudes e suas diferenças — lá onde, desde o fundo dos tempos, a linguagem se entrecruza com o espaço. Esse texto de Borges fez-me rir durante muito tempo, não sem um mal-estar evidente e difícil de vencer. Talvez porque no seu rastro nascia a suspeita de que há desordem pior que aquela do incongruente e da aproximação do que não convém; seria a desordem que faz cintilar os fragmentos de um grande número de ordens possíveis na dimensão, sem lei nem geometria, do heteróclito; e importa entender esta palavra no sentido mais próximo de sua etimologia: as coisas aí são “deitadas”, “colocadas”, “dispostas” em lugares [pág. XII] a tal ponto diferentes, que é impossível encontrar-lhes um espaço de acolhimento, definir por baixo de umas e outras um lugar-comum. As utopias consolam: é que, se elas não têm lugar real, desabrocham, contudo, num espaço maravilhoso e liso; abrem cidades com vastas avenidas, jardins bem plantados, regiões fáceis, ainda que o acesso a elas seja quimérico. As heterotopias inquietam, sem dúvida porque solapam secretamente a linguagem, porque impedem de nomear isto e aquilo, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a “sintaxe”, e não somente aquela que constrói as frases — aquela, menos manifesta, que autoriza “manter juntos “ (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as coisas. Eis por que as utopias permitem as fábulas e os discursos: situam-se na linha reta da linguagem, na dimensão fundamental da fábula; as heterotopias (encontradas tão freqüentemente em Borges) dessecam o propósito, estancam as palavras nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda possibilidade de gramática; desfazem os mitos e imprimem esterilidade ao lirismo das frases. Parece que certos afásicos não chegam a classificar de maneira coerente as meadas de lãs multicores que se lhes apresentam sobre a superfície de uma mesa; como se esse retângulo unificado não pudesse servir de espaço homogêneo e neutro onde as coisas viessem ao mesmo tempo manifestar a ordem contínua de suas identidades ou de suas diferenças e o campo semântico de sua denominação. Eles formam, nesse espaço unido, onde as coisas normalmente se distribuem e se nomeiam, uma multiplicidade de pequenos domínios granulosos e fragmentários onde semelhanças sem nome aglutinam as coisas em ilhotas descontínuas; num canto, colocam as meadas mais claras, noutro, as vermelhas, aqui, [pág. XIII] aquelas que têm uma consistência mais lanosa, ali, aquelas mais longas, ou as que tendem ao violeta, ou as que foram enroladas em novelo. Mas, mal são esboçados, todos esses agrupamentos se desfazem, pois a orla de identidade que os sustenta, por mais estreita que seja, é ainda demasiado extensa para não ser instável; e, infinitamente, o doente reúne e separa, amontoa similitudes diversas, destrói as mais evidentes, dispersa as identidades, superpõe critérios diferentes, agita-se, recomeça, inquieta-se e chega finalmente à beira da angústia. O embaraço que faz rir quando se lê Borges é por certo aparentado ao profundo mal-estar daqueles cuja linguagem está arruinada: ter perdido o “comum” do lugar e do nome. Atopia, afasia. No entanto, o texto de Borges aponta para outra direção; a essa distorção da classificação que nos impede de pensá-la, a esse quadro sem espaço coerente Borges dá como pátria mítica uma região precisa, cujo simples nome constitui para o Ocidente uma grande reserva de utopias. A China, em nosso sonho, não é justamente o lugar privilegiado do espaço? Para nosso sistema imaginário, a cultura chinesa é a mais meticulosa, a mais hierarquizada, a mais surda aos acontecimentos do tempo, a mais vinculada ao puro desenrolar da extensão; pensamos nela como numa civilização de diques e de barragens sob a face eterna do céu; vemo-la estendida e imobilizada sobre toda a superfície de um continente cercado de muralhas. Sua própria escrita não reproduz em linhas horizontais o vôo fugidio da voz; ela ergue em colunas a imagem imóvel e ainda reconhecível das próprias coisas. Assim é que a enciclopédia chinesa citada por Borges e a taxinomia que ela propõe conduzem a um pensamento sem espaço, a palavras e categorias sem tempo nem lugar mas que, em essência, repousam sobre um espaço [pág. XIV] solene, todo sobrecarregado de figuras complexas, de caminhos emaranhados, de locais estranhos, de secretas passagens e imprevistas comunicações; haveria assim, na outra extremidade da terra que habitamos, uma cultura votada inteiramente à ordenação da extensão, mas que não distribuiria a proliferação dos seres em nenhum dos espaços onde nos é possível nomear, falar, pensar. Quando instauramos uma classificação refletida, quando dizemos que o gato e o cão se parecem menos que dois galgos, mesmo se ambos estão adestrados ou embalsamados, mesmo se os dois correm como loucos e mesmo se acabam de quebrar a bilha, qual é, pois, o solo a partir do qual podemos estabelecê-lo com inteira certeza? Em que “tábua”, segundo qual espaço de identidades, de similitudes, de analogias, adquirimos o hábito de distribuir tantas coisas diferentes e parecidas? Que coerência é essa — que se vê logo não ser nem determinada por um encadeamento a priori e necessário, nem imposta por conteúdos imediatamente sensíveis? Pois não se trata de ligar conseqüências, mas sim de aproximar e isolar, de analisar, ajustar e encaixar conteúdos concretos; nada mais tateante, nada mais empírico (ao menos na aparência) que a instauração de uma ordem entre as coisas; nada que exija um olhar mais atento, uma linguagem mais fiel e mais bem

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No fim do século XVI, no começo ainda do sé- culo XVII, como era pensada a similitude? Como podia ela [pág. 23] organizar as figuras do saber? E se é nunciadas: “Se escreveres, em tempo favorável, somente essas palavras em velino,. 27 Paracelso. Archidoxis magica. Trad. francesa, 1909, pp.
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