Universidade de Lisboa Instituto de Ciências Sociais Mendes Correia e a Escola de Antropologia do Porto: Contribuição para o estudo das relações entre antropologia, nacionalismo e colonialismo (de finais do século XIX aos finais da década de 50 do século XX) Patrícia Carla Valente Ferraz de Matos Doutoramento em Ciências Sociais Especialidade: Antropologia Social e Cultural 2012 Universidade de Lisboa Instituto de Ciências Sociais Mendes Correia e a Escola de Antropologia do Porto: Contribuição para o estudo das relações entre antropologia, nacionalismo e colonialismo (de finais do século XIX aos finais da década de 50 do século XX) Patrícia Carla Valente Ferraz de Matos Doutoramento em Ciências Sociais Especialidade: Antropologia Social e Cultural 2012 Tese orientada pelo Professor Doutor José Manuel Sobral Tese apoiada pela FCT com a bolsa de doutoramento SFRH/ BD/ 25357/ 2005 Resumo A história da antropologia portuguesa – entendida nas suas dimensões biológica e sociocultural – deve ser percebida a partir de um estudo compreensivo da acção e da produção de alguns dos seus actores mais influentes. Em Portugal, a institucionalização da antropologia enquanto disciplina científica insere-se num processo alargado do desenvolvimento de instituições científicas e das disciplinas cujo estudo evoluiu, nos finais do século XIX, como a geologia, a arqueologia, as ciências naturais e a medicina, por um lado, e, por outro, a filologia, a história e a etnografia. Esteve também sempre vinculada a factores de natureza política e ideológica. Entre estes merecem destaque as preocupações relativas à construção e consolidação do império colonial e as que diziam respeito ao conhecimento das origens, identidade étnica e práticas culturais do povo português. O nacionalismo, vinculado a um paradigma etno-racial, foi também uma influência determinante nos discursos e práticas científicas e políticas no período em questão. Ao examinar o papel da Escola de Antropologia do Porto, na primeira metade do século XX, assim como a vida e a obra da sua principal figura - Mendes Correia - esta tese pretende: 1. contribuir para um melhor conhecimento da produção do saber antropológico em Portugal; 2. conhecer a história científica mais ampla em que essa produção se insere; 3. entender o discurso e a prática política em regimes sucessivos – da Monarquia ao Estado Novo; 4. incrementar o conhecimento global acerca das articulações entre ciência (antropológica) e política no período em questão, utilizando para o efeito este estudo de caso. Palavras-chave: antropologia, ciência, história da antropologia, escola, nacionalismo e colonialismo. Abstract The history of Portuguese anthropology – both in its biological and socio-cultural dimensions – must be understood based on a comprehensive study of the action and production of some of its most influent actors. In Portugal, the institutionalization of anthropology as a scientific discipline occurs in the scope of the wider development process of scientific institutions and of the disciplines whose study underwent an evolution during the late nineteenth century, as is the case of geology, archaeology, natural sciences and medicine, on the one hand, and philology, history and ethnography, on the other. Furthermore, this process has always been associated with factors of political and ideological nature. Among these, the concerns towards the erection and strengthening of the colonial empire deserve special attention, as well as the ones regarding the knowledge on the origins, ethnical identity and cultural practices of the Portuguese people. Nationalism, as associated with an ethno- racial paradigm, also decisively influenced speech and the scientific and political practices during the period in question. While examining the role played by the Porto School of Anthropology in the first half of the twentieth century, and also the life and works of its protagonist – Mendes Correia – this thesis aims at: 1. contributing to a better understanding of the production of anthropological knowledge in Portugal; 2. knowing the wider scientific history in which this production is integrated; 3. understanding speech and political practices in successive regimes – from de Monarchy to the Estado Novo; 4. increasing global knowledge on the articulation between (anthropological) science and politics in the period under study, using for this effect the present case study. Keywords: anthropology, science, history of anthropology, school, nationalism and colonialism. Agradecimentos Para chegar até aqui tive o apoio de várias pessoas a quem gostaria de agradecer. O meu interesse inicial pela antropologia vem de professores como o Prof. Doutor Manuel Laranjeira Rodrigues de Areia, que esteve por detrás da criação da licenciatura em antropologia na UC, o Prof. Doutor Nuno Porto e a Prof.ª Doutora Susana de Matos Viegas, que me convidou, após a licenciatura, para trabalhar num projecto ligado à UC e ao CEAS (ISCTE/IUL) e a quem devo o estímulo para me iniciar na investigação científica. Comecei a fazer investigação, como bolseira de um projecto, intitulado Poder e Diferenciação na Costa da Bahia. Identidades Culturais, Etnicidade e Raça em Contextos Multiétnicos, em 1997. Essa investigação, e alguns temas sobre os quais ela se debruçava, vieram a influenciar o trabalho que desenvolvi depois. Agradeço, por isso, à Prof.ª Doutora Susana Matos Viegas e ao Prof. Doutor Miguel Vale de Almeida por me terem convidado a participar no referido projecto e por continuarem a acompanhar o meu percurso. No âmbito desse projecto, a primeira pessoa que me falou num «Mendes Correia que tinha coisas que deviam ser espiolhadas e analisadas» foi o Prof. Doutor Miguel Vale de Almeida. Na altura fiz fichas de leitura de alguns dos seus textos referentes a questões raciais e ao contexto colonial. Mas, de facto, só depois vim a ter a percepção da vastidão da sua obra e da sua importância na primeira metade do século XX, não só a nível científico, mas também político. Posteriormente, o trabalho que realizei no mestrado despertou em mim a vontade de fazer futuramente uma pesquisa sobre Mendes Correia. Em 2005, após o meu investimento na realização do mestrado, fazia sentido e, felizmente, também para o Prof. Doutor José Manuel Sobral, meu orientador científico, a posterior realização de um estudo que contribuísse para um melhor conhecimento da história da antropologia portuguesa e, especificamente, da Escola de Antropologia do Porto. Ainda que parcamente se soubesse da sua existência, não tinha ainda surgido um verdadeiro interesse pela mesma. Tal era, por si só, um motivo que suscitava alguma reflexão, pelo menos para mim. Tornou-se claro na altura que a história da ciência assim como a história (e as estórias) das próprias disciplinas vão sendo feitas também de escolhas, de decisões nem sempre fáceis, que deliberadamente excluem episódios, factos e pessoas. Fazer este trabalho foi então o resultado dessa constatação, mas também, e sobretudo, de um interesse pessoal pela temática – história da disciplina em Portugal – e o resultado de uma oportunidade feliz, que reunia o Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (UL) como instituição acolhedora do projecto, o Prof. Doutor José Manuel Sobral, como orientador científico, e a bolsa de doutoramento da FCT (SFRH/ BD/ 25357/ 2005). Sem estes três pilares, a tese agora apresentada jamais veria a luz do dia. O apoio do Prof. Doutor José Manuel Sobral foi fundamental, assim como a sua influência em termos teóricos. Por outro lado, a forma como me foi orientando e direccionando, permitindo ao mesmo tempo que eu fosse amadurecendo as ideias e trilhasse o meu próprio percurso, não invalidou a sua prestimosa contribuição para o enriquecimento do mesmo. Após a primeira leitura do projecto feita pelo orientador, os primeiros comentários vieram do Prof. Doutor Ramon Sarró, no âmbito da avaliação da cadeira de «Projecto de Investigação em Ciências Sociais», que me ajudaram posteriormente no delinear da tese. Quero agradecer ainda as críticas da Prof.ª Doutora Susana de Matos Viegas, na altura coordenadora da secção de antropologia do Seminário de Investigação do ICS-UL, e dos colegas do doutoramento em duas sessões do Seminário de Investigação do ICS, sobretudo a Mónica Saavedra (em 2008) e o Nuno Martins (em 2009), que leram duas versões preliminares, depois transformadas em capítulos diferentes, e cujos comentários e pistas de investigação foram valiosos. Foram várias as pessoas que me ajudaram a reconstituir a biografia de Mendes Correia, disponibilizando-me tempo e materiais, e a quem quero deixar o meu agradecimento: Huet Bacelar Gonçalves, Maria Antónia Pinto Ponce de Leão Frey-Ramos, Maria do Céu Mendes Correia Magalhães Basto, Maria Antónia Mendes Correia Magalhães Basto, Alexandre Alves Costa, Ana Maria Vieira Pinto Alves da Costa, Manuel Vieira Pinto e Maria José Patronilho. Correndo o risco de me esquecer de alguém, não quero deixar de agradecer a alguns dos meus principais entrevistados: Agostinho Faria Isidoro, Maria Rosa Spohr, João Machado Cruz, Maria do Céu Mendes Correia Magalhães Basto, Maria Antónia Mendes Correia Magalhães Basto, Vítor de Oliveira Jorge, Helena Galhano, Adriano Moreira, João Pereira Neto e Norberto Santos Júnior. Também a Júlio Garcez de Lencastre, um informante privilegiado, com quem fui mantendo o contacto ao longo de vários anos, agradeço as pistas que me foi dando entusiasticamente, as sugestões bibliográficas, assim como as críticas, resultado de uma visão da realidade diferente da minha, mas que sempre encontrou espaço para o diálogo e permitiu trazer benefícios recíprocos. Aqui e ali foram-me dadas algumas pistas, que vieram a ser pertinentes, por: Maria Antónia Pires de Almeida, Cláudia Castelo, Augusto Nascimento, Gerhard Seibert, Ricardo Roque, Eduardo Medeiros e João de Vasconcelos. Nos locais onde foram realizadas as pesquisas tive o apoio fundamental de várias pessoas: Aires Oliva Teles (FCUP); Maria José Cunha (Museu de História Natural da FCUP); Maria João Moita (Centro de Memória em Torre de Moncorvo); Celeste Brandão (numa primeira fase da pesquisa) e Raquel Branco (numa segunda fase da pesquisa), ambas da FCUP; Rosário Guimarães (Arquivo Municipal do Porto); Paula Costa e Elvira Costa (Biblioteca do ICS-UL); e os funcionários da Hemeroteca Nacional, que me ajudaram a encontrar «agulhas em palheiro». No âmbito do curso de doutoramento do ICS-UL, as sessões do Seminário de Estudos Pós-Graduados permitiram-me ouvir vários especialistas e tomar conta do estado da arte de algumas investigações actuais que vão sendo feitas pelo mundo fora. Fora do ICS-UL foi importante a minha participação em congressos, seminários e conferências, nacionais e internacionais, por iniciativa própria, e por convite, em locais como Angola, Espanha, Brasil, EUA, Inglaterra e Itália, permitindo a apresentação e a discussão pública de algumas das fases deste trabalho com interlocutores diferentes, possibilitando o alargamento da minha rede de contactos e de intercâmbio intelectual. Em algumas destas deslocações, e também durante o período em que foram realizadas as pesquisas fora de Lisboa, o apoio do ICS-UL e da Comissão de Estudos Pós-Graduados foi fundamental. Esta tese é, assim, o resultado de vários anos de trabalho, de leitura, de sistematização de ideias, de actualização, de amadurecimento e de aperfeiçoamento constante. Um agradecimento é devido também aos colegas fundadores da Associação Académica do ICS-UL, da qual fui vice-presidente, pela sua amizade, pelas suas ideias novas e pelo seu empenho no âmbito das actividades que realizámos juntamente no ICS, em especial as «Conversas Sobre…», que organizei durante um ano, num ambiente informal que proporcionou a todos a troca de experiências, o debate de ideias e o traquejo na argumentação. Para além da academia, e fora dela, agradeço aos meus familiares e amigos mais próximos por fazerem parte da minha vida todos os dias, por contribuírem para o meu equilíbrio emocional, independentemente da tese, das formulações teóricas e da obtenção de graus académicos. A minha amiga jornalista Manuela Garcia contribuiu para a qualidade da língua portuguesa destas páginas. Agradeço-lhe a sua leitura atenta e a revisão do texto. Agradeço o apoio da família mais próxima, ao Afonso e ao António, principalmente, minhas inspirações de todos os dias, e por em certas ocasiões perceberem a minha ausência, e também aos meus pais e aos meus sogros, que constituem pilares importantes da minha vida. O período tratado por esta tese fez-me lembrar várias vezes os meus avós. Embora não os tenha conhecido pessoalmente a todos, também não conheci pessoalmente grande parte das figuras tratadas nesta tese e foi através da memória das pessoas que as conheceram, e dos registos que deixaram, que pude apreciar melhor as suas vidas. Tal como conhecer as histórias dos meus avós e bisavós foi fulcral para mim, percepcionar os meandros pelos quais passou a história da disciplina a que decidi dedicar-me, permitiu-me compreender melhor por que razão algumas licenciaturas de antropologia hoje, e falo só em Portugal, mantêm entre si tantas diferenças, apesar de guardarem uma raiz e um nome comum. Considero por isso importante não esquecer as histórias do passado, pois amiúde elas permitem-nos perceber melhor o presente e impelem-nos de força para dar continuidade, ou não, a algumas instâncias de outrora. Esta tese é, por isso, dedicada à memória dos meus avós e à memória da minha querida Irene Toscano, que partiu precipitadamente antes do trabalho, que ela sempre apoiou, estar concluído. Índice Resumo Abstract Agradecimentos Índice IX Índice de gráficos, quadros e figuras XIII Arquivos e Bibliotecas consultados XVII Siglas XVIII Introdução 1. Apresentação do tema, sua pertinência e contexto de realização da pesquisa 1 2. Biografia intelectual como objecto de estudo 6 3. Definição dos objectivos, questões a abordar e metodologia científica 12 4. Apresentação da estrutura da tese 15 Capítulo 1. Biografia de Mendes Correia (1888-1960) 17 1. Origens e família 17 2. Formação e carreira: entre a Medicina, as Ciências e as Letras 23 3. Congressos, reuniões científicas, agremiações e distinções 29 4. Homenagens durante a sua vida e posteriores ao seu falecimento 31 Em conclusão 35 Capítulo 2. Institucionalização da Antropologia em Portugal: O caso da Escola de Antropologia do Porto 37 1. Percursos do pensamento antropológico e da institucionalização da antropologia 38 1.1. O evolucionismo 40 1.2. Romantismo, nacionalismo e positivismo: fundadores da nação e da pátria 42 1.3. Estudar os factos naturais/ estudar os factos sociais 45 1.4. Antropologia de «construção da nação» e de «construção do império» 52 2. Contexto de emergência da antropologia em Portugal 53 3. A Escola de Antropologia de Coimbra (1885) 58 IX 4. Alguns antecedentes da Escola de Antropologia do Porto 62 5. A Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (SPAE) (1918) 67 5.1. A fundação da SPAE e os seus sócios fundadores 69 5.2. Os novos sócios da SPAE nacionais e estrangeiros 72 5.3. Umas das preocupações da SPAE: o reconhecimento universitário da antropologia 74 5.4. Parcerias nacionais e internacionais e permuta de revistas e trabalhos 75 5.5. A publicação dos TAE e os temas apresentados nas conferências da SPAE 78 Em conclusão 88 Capítulo 3. Uma variedade de temas subjacentes ao estudo da humanidade 91 1. A cadeira de Antropologia da FCUP: definições, propósitos e conteúdos 92 2. Os métodos antropológicos baseados na estatística 97 2.1. A parte prática da cadeira de Antropologia ministrada por Mendes Correia 99 3. Distintas explicações para a origem do homem: um intróito necessário 101 3.1. Transformismo 102 3.2. A dialéctica criação/ transformismo em Mendes Correia 105 4. O reconhecimento da animalidade do homem e a sua ligação aos primatas 107 4.1. O impulso dado por Mendes Correia ao desenvolvimento da primatologia 111 5. Estudo do homem pré-histórico 112 5.1. Datar os tempos pré-históricos 115 5.2. Surgimento do homem no período terciário 117 5.3. O «homem» do pleistoceno e do neolítico 123 5.4. Outras investidas no âmbito da arqueologia 126 6. Alguns dos principais argumentos de Mendes Correia 133 6.1. Os lusitanos são os antepassados dos portugueses: contributos para o estudo das origens dos portugueses 133 6.1.1. A influência do norte de África e do Mediterrâneo 145 6.2. Raça não é cultura: articulações inspiradas na antropossociologia 149 6.2.1. Hereditariedade ou meio? 153 6.3. Raciologia não é racismo: inventa(ria)r a humanidade 158 6.3.1. Os contributos científicos da antropobiologia 169 6.4. O mestiçamento não é diluidor: questões levantadas pela miscigenação 172 6.5. A cultura é uma atitude psicológica: definição e contextos 175 7. Variedade de temas na obra de Mendes Correia 179 X
Description: