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Memorial de candidatura de Boaventura de Sousa Santos ao título de PDF

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http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php Memorial de candidatura de Boaventura de Sousa Santos ao título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Brasília Nair Heloisa Bicalho de Sousa (coord.)1 “...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. (Santos, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56). 1 Coordenadora do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da Universidade de Brasília (NEP-UnB). 4 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php Sumário Introdução 1. Apresentação da candidatura e do memorial 4 2. Nota biográfica e apresentação do homenageado 10 I. Boaventura e o direito 1. Sociologia do direito 14 2. Direitos humanos 28 3. Produção relativa a esta área de concentração 32 II. Boaventura : política e economia solidária 1. Democracia 34 2. As organizações da sociedade civil e do Fórum Social Mundial 43 3. Economia solidária: cooperativas populares e o paradigma ecossocialista 52 4. Produção relativa a esta área de concentração 57 III. Boaventura e a divisão geopolítica do conhecimento 1. Teoria pós-colonial 60 2. Epistemologias 66 3. Produção relativa a esta área de concentração 71 IV. Boaventura e a Universidade de Brasília 1. A universidade entre as preocupações teóricas de Boaventura 74 2. Os fraternos laços de Boaventura com o Brasil 84 3. Contribuições e parcerias com a UnB 90 4. Produção relativa a esta área de concentração 95 5 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php V. Nota de encerramento 97 Introdução 1. Apresentação da candidatura e do memorial “A universidade vai para onde o mundo vai e é por isso que uma boa universidade deve ajudar a mudar o mundo”2. Assim Boaventura de Sousa Santos abriu sua conferência na Universidade de Brasília, a 4 de junho de 2009, por ocasião do seminário Universidade e Sociedade, parte do ciclo de debates para reestruturação da UnB. Um discurso afinado com o ideal utópico de emancipação dos sujeitos, pilar fundante da UnB com Darcy Ribeiro, Boaventura apresenta a necessidade urgente de concebermos e realizarmos um sistema social alternativo às propostas que observamos falhar no último século XX. É preciso “tentar ver o mundo com novas lentes”, afirma. “É difícil imaginar o fim do capitalismo, mas também é difícil não imaginar que tenha fim. (…) Houve um tempo em que tínhamos o socialismo, a revolução. Hoje, temos adjetivos: conservador, convencional, dominante. Os substantivos foram aparentemente roubados ou deixaram se perder”3. A comunidade universitária, aponta Boaventura, tem a responsabilidade e o poder de oferecer as condições para formação de um pensamento crítico, capaz de se contrapôr às correntes hegemônicas da ordem desigual estabelecida no mundo globalizado. A concessão do título de Doutor Honoris Causa a Boaventura de Sousa Santos, um dos mais importantes autores de língua portuguesa nas ciências sociais hoje, 2 Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=1172 , acesso em 26/10/2011. 3 http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=1790 , acesso em 26/10/2011. 6 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php representa mais que uma simples homenagem. O reconhecimento de seu trabalho, de extraordinário valor, aponta para um posicionamento político. Não necessariamente remete a endossar de forma universal todos os aspectos de sua obra, mas, sem dúvida, significa afirmar uma posição, à qual a universidade não se pode eximir, em favor de inserir no discurso dominante, e, assim, dar voz, às demandas de sujeitos invisibilizados pela ordem hegemônica vigente. Por considerar ainda que a figura de Boaventura de Sousa Santos engrandecerá a plêiade de personalidades laureadas com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Brasília, o Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da UnB (NEP-UnB) apresenta este memorial de candidatura à referida titulação, elaborado por pesquisadores e alunos de pós-graduação da Universidade de Brasília, sob a minha coordenação, cuja contribuição será mencionada a seguir: Carolina Pereira Tokarski (direitos humanos), Cleuton César Ripol de Freitas (democracia e epistemologia), Diego A. Diehl (economia solidária), Eneida Vinhaes Bello Dultra (democracia e epistemologia), Erika Macedo Moreira (epistemologia), Fábio Costa Morais de Sá e Silva (sociologia do direito), Flávia Carlet (as relações entre Boaventura e o Brasil), José Humberto de Góes Junior (universidade), Layla Jorge T. Cesar (teoria pós-colonial), Lívia Gimenez Dias da Fonseca (direitos humanos), Nair Heloisa Bicalho de Sousa (apresentação e contribuições e parcerias com a UnB) e Priscila Paz Godoy (Organizações de Sociedade Civil e o Fórum Social Mundial). Esse conjunto de tópicos resgatam eixos temáticos importantes de sua obra, configurando uma constelação de categorias analíticas que compõem sua teoria crítica da emancipação social. Apoiado na teoria pós-colonial formula o projeto Epistemologias do Sul, o qual resgata os saberes suprimidos pela epistemologia dominante, mas que resistiram e se tornaram parceiros de um diálogo horizontal produzido pelo conhecimento-emancipação. Ao propor a transição paradigmática, apoia-se na ideia da sociologia das ausências (experiências desperdiçadas pela razão 7 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php indolente) que por meio da tradução, define em cada contexto histórico “as constelações de práticas com maior potencial contra-hegemônico” (Santos, 2004: 806), de modo a configurar a sociologia das emergências (alternativas ao modelo hegemônico de sociabilidades). Em relação ao direito, toma como ponto de partida seu papel estratégico para garantir a sobreposição da regulação sobre a emancipação na modernidade, para propor uma pluralidade de espaços e tempos relevantes de produção de juridicidades (mapa estrutura-ação das sociedades capitalistas Santos, 2001: 273), que se complementam com as lutas concretas presentes nos diferentes espaços estruturais analisados em estudos empíricos realizados em diferentes países. Dessa reflexão, Boaventura reconhece o direito como um fenômeno plural, presente em vários domínios da vida social e articulado com a retórica, a burocracia e a violência. Na reflexão que desenvolve sobre os direitos humanos, ele parte de uma concepção multicultural para a ideia de interculturalidade. Preocupado com uma política emancipatória, volta-se para as versões da dignidade humana presentes em diferentes culturas (umma, dharma e direitos humanos) e aponta por meio da hermenêutica diatópica o exercício do diálogo intercultural que tem como pressuposto a incompletude das culturas. Preocupado em elaborar um conjunto de premissas para orientar uma política contra-hegemônica, mostra as dificuldades para sua reconstrução e aponta condições para sua efetivação. Ao final, propõe um conjunto de direitos humanos interculturais e pós-imperiais capaz de configurar um cosmopolitismo insurgente contra a globalização neoliberal. Crítico contundente do capitalismo-expansionista (Santos, 2001: 33) ao qual atribui a produção de desigualdades de recursos e poder, formas de sociabilidades não solidárias, individualistas e empobrecidas, além de ser instrumento de destruição da natureza, caminha em direção ao paradigma ecossocialista cosmopolita (Santos, 2001: 56), pautado na ecologia socialista, no antiprodutivismo, na democracia e na 8 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php diversidade cultural. Como coordenador de pesquisas sobre formas alternativas de produção em países periféricos (Brasil, Colômbia, Moçambique, África do Sul e Índia), reune um conjunto de experiências factíveis em contraponto ao modo de produção capitalista que se colocam como alternativas concretas às formas de produção pautadas nas regras da globalização neoliberal. No campo da política, abre a discussão sobre o papel do Estado, a partir de sua natureza social (Estado Providência nos países centrais e Estado desenvolvimentista nos países periféricos e semiperiféricos), cuja crise levou à substituição pelo Estado Mínimo de natureza neoliberal. Em contraposição a estes perfis institucionais, propõe uma nova forma de organização política ampliada, onde o Estado é o articulador de “um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que se combinam e intepenetram elementos estatais e não estatais nacionais e globais” (Santos, 1998: 59), considerado um “novíssimo movimento social” (Santos, 1998: 61), capaz de atuar como um Estado experimental em direção a possibilidades democráticas. Além disso, coloca no horizonte conceitual a refundação do Estado na América Latina com a emergência de Estados plurinacionais na Bolívia e no Equador. É neste enquadramento que reabre o debate sobre a questão da democracia em perspectiva contra-hegemônica. Analista crítico da trajetória da democracia representativa centrada no processo eleitoral que resultou em apatia política, apura seu olhar para as experiências de arranjos participativos do Sul, em especial o Brasil com sua experiência de orçamento participativo, e propõe uma articulação entre democracia representativa e participativa, capaz de democratizar os espaços de poder. Mais além, reconhece a indeterminação do processo democrático e renova com a proposta de democracia redistributiva, pautada no exercício do Estado articulador das lutas democráticas por novos desenhos institucionais. A abordagem crítica da sua análise se estende à matriz política da globalização neoliberal denominada governação, pautada nos princípios das leis de mercado, tendo 9 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php como contraponto o processo de ressurgimento da sociedade civil principalmente a partir de 1980, em especial, as lutas das organizações da sociedade civil em prol da democracia participativa, configurando uma governação contra-hegemônica insurgente. Como corolário desse conjunto de lutas democráticas foi instituído o Forum Social Mundial, política e legalidade cosmopolita subalterna e insurgente do Sul global, conceituado como “conjunto de iniciativas de troca transnacional entre movimentos sociais e organizações não-governamentais, onde se articulam lutas sociais de âmbito local, nacional ou global, travadas de acordo com a Carta de Princípios de Porto Alegre contra todas as formas de opressão geradas ou agravadas pela globalização neoliberal” (Santos, 2006 : 415). Os laços fraternos de Boaventura com o Brasil se confundem com sua biografia pessoal, pautada em laços familiares e acadêmicos que marcaram sua vida e seu compromisso com intelectuais, pesquisadores, gestores públicos e classes populares (povos indígenas, quilombolas, afrodescendentes, moradores de favelas, camponeses sem terra, dentre outros) na luta contra as desigualdades sociais e pela construção da solidariedade. Nesta perspectiva, sua parceria com a UnB foi iniciada na gestão democrática de Cristovam Buarque (1985) e se desdobrou na interlocução que já mantinha com Roberto Lyra Filho desde 1978, em especial com o seu projeto teórico-prático O Direito Achado na Rua e com o atual reitor professor José Geraldo de Sousa Junior. Sua influência acadêmica nas dissertações e teses produzidas pela linha de pesquisa homônima da Faculdade de Direito, expressa a presença viva que mantém com sua produção intelecual de alto nível e de caráter emancipatório. Visitante assíduo de eventos acadêmicos, culturais e institucionais do país, Boaventura de Sousa Santos representa um pensamento inquietante e mobilizador que tem contribuido para as reflexões sobre as opressões, desigualdades sociais, exclusões e injustiças sofridas pelas classes populares, ao mesmo tempo em que 10 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php incentiva seus interlocutores a assumir uma ação rebelde capaz de refletir no campo da política como um instrumento de emancipação social. Brasília, DF, 28 de novembro de 2011. Referências Santos, Boaventura de Sousa (1998). Reinventar a democracia.Lisboa: Gradiva. Santos, Boaventura de Sousa (2001). A crítica da razão indolente: contra o desperdicio da experiência. São Paulo: Cortez. Santos, Boaventura de Sousa (2004). “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”, in Boaventura de Sousa Santos (org.) Conhecimento prodente para uma viada decente: um discurtso sobre as ciências revisistado. São Paulo: Cortez, 777-829. Santos, Boaventura de Sousa (2006). A gramática do tempo. Para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez. 11 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php 2. Nota Biográfica e apresentação do homenageado De 16 de novembro de 1926, data do decreto ditatorial que nomeia interinamente o general Carmona como presidente da República, a 25 de abril de 1974, quando amanhece a Revolução dos Cravos, Portugal viveu sob regime político ditatorial. As gerações de intelectuais que atravessaram este período não se escusam em transparecer os seus efeitos sobre sua produção. Também o trabalho de Boaventura responde à esta condição, e é notadamente marcado por um posicionamento político a favor da democracia, da igualdade e da emancipação. Boaventura de Sousa Santos nasce em Coimbra, a 15 de novembro de 1940. Durante a juventude, milita no movimento católico progressista. Cursa então a faculdade de Direito de Coimbra e vai estudar Filosofia na Universidade de Berlim Ocidental. Regressa a Portugal e parte para os Estados Unidos em 1969. É então que desenvolve seu interesse pela sociologia, especializando-se na área de Sociologia do Direito. Realiza seu doutoramento na Universidade de Yale, participando de um projeto de pesquisa cujo foco versava sobre América Latina. Entre os países envolvidos na proposta, Boaventura opta pelo Brasil como campo de investigação, escolha esta que não se dá ao acaso. Sua relação de intimidade com este país remonta a vínculos ancestrais: seus dois avós migraram para o Brasil em princípios do século XX. “Conhecia desde pequenino”, conta Boaventura, “o que era este país por meio de meu avô, que ajudou a instalar as linhas de bonde do Rio, e que me falava sempre no 'grande presidente' Washington Luís”4. Chega ao Rio de Janeiro disposto a viver numa favela, em situação de observação participante, para realizar sua pesquisa como uma tentativa de estabelecer alternativas à antropologia então vigente. No Brasil, a perspectiva antropológica 4 Extrato da entrevista concedida por Boaventura à Revista Teoria e Debate, nº 69, janeiro/fevereiro de 2007, uma publicação da Fundação Perseu Abramo. 12 http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/novidades.php sobre as favelas era de influência predominantemente norteamericana e polarizava-se entre a condenação dos favelados como parte de um sistema de ilegalidade ou a sua exaltação romântica. Procurando isenção em relação a estas posições, Boaventura afirma que: (…) queria estabelecer uma outra explicação, mostrando que a favela não era o paraíso mas também não era o inferno. Era uma sociedade em que pessoas em situação de extrema pobreza procuravam uma vida digna. (…) Morei durante meio ano num barraco na favela do Jacarézinho porque queria ver como funcionava. Era 1970, estávamos sob ditadura, e havia nesta época a luta clandestina, o Partido Comunista, os grupos do Brizola, as associações de moradores. Todo o meu trabalho foi feito à volta dessas associações de moradores. Foi aí que eu conheci um pouco a realidade, o outro lado que eu não tinha visto, o lado da miséria, da exclusão, das condições horríveis em que se vivia. Fiz a tese e, para não identificar as pessoas e não causar nenhum problema aos meus amigos que tinham ajudado na pesquisa, pus um nome fictício, “Direito de Pasárgada”, título inspirado no poema de Manuel Bandeira.5 Sua formação teórica e política toma, neste momento, os rumos definitivos que o guiariam ao longo de toda a sua trajetória intelectual. Estuda em Yale durante quatro anos, testemunhando o período da grande mobilização estudantil contra a guerra do Vietnã. “Adquiri uma consciência marxista, como dizia José Martí, 'nos intestinos do monstro'. Foi nos EUA, com a Guerra do Vietnã e, depois, com as favelas do Rio. Essas foram para mim as grandes escolas da vida”6. Boaventura conclui seu doutoramento em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale em 1973 e atua, hoje, como Professor Catedrático Jubilado da 5 Idem, Ibidem. 6 Idem, Ibidem. 13

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