Ferreira Gullar, testemunha poético da vida brasileira na segunda metade do século XX e início do novo século, é um poeta de muitas vozes e caminhos, separados por quase cinquenta anos de atividade poética, mas entrelaçados pela coerência íntima, por alguns temas permanentes e a preocupação fundamental com o ser humano e o mundo que o envolve. Todas as coisas de que falo estão na cidade/ entre o céu e a terra, [...] são coisas, todas elas,/ cotidianas, como bocas/ e mãos, sonhos, greves,/ denúncias. Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís, MA, em 1930. Aos 19 anos estreou com o volume de poemas Um Pouco Acima do Chão, uma espécie de prefácio à sua obra madura, que se inicia com A Luta Corporal (1954), um livro inovador pela linguagem e as experimentações gráficas, que o aproximou dos poetas paulistas Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos, lançadores da poesia concreta (1956).
Na década de 1960, Gullar assume uma posição política de esquerda, identifica-se com a cultura popular e acredita que a sua poesia possa atuar como um elemento de transformação social. Dessa fase são os cordéis João Boa Morte e Quem Matou Aparecida? Exilado durante o regime militar, escreveu na Argentina o Poema Sujo (1976), de grande repercussão na época de sua publicação e que Vinicius de Moraes considerava "o mais importante poema escrito no Brasil nos últimos dez anos, pelo menos. E não só no Brasil".
Nos trabalhos posteriores, sem abrir mão da revolta contra a injustiça e a opressão, o poeta demonstra preocupação com a morte e a crise da cultura do mundo ultramoderno, a vitória da banalidade e do consumismo. Como observou Pedro Dantas, "nenhum outro poeta viveu, exprimiu e experimentou como ele as angústias de uma crise cultural que vai além da cultura para abranger, no seu todo, o próprio sentido da vida".