Lições do velho professor RUBEM ALVES >> Sumário Sobre professores e cozinheiras É preciso não se esquecer das bananas... Viver não é preciso Carpe diem A gripe literária Sonhos O rio São Francisco O caminho apócrifo Ensinar com o coração Gansos & patês Sirenes ou música Sem notas e sem frequência Anedota Mude! Diretoria Leitura A libélula e a tartaruga O aluno perfeito Uma fábula para crianças A máquina do tempo A formação do educador As pessoas ainda não foram terminadas Sobre cisternas e fontes A árvore que floresce no inverno Avaliação Como conhecer uma vaca Homeschooling Ler pouco O sexto sentido Gaiolas ou asas? Receita para comer queijo... O prazer da leitura Cálculos cerebrais A pedagogia do furto A autoridade de fora A autoridade de dentro Mapas e receitas Conchas e casas O carrinho Meditação sobre a felicidade A música A lei de Charlie Brown A Jai “... e uma criança pequena os guiará” A ilha de Páscoa Um segredo que nunca revelei Meu “uaicai” O país dos chapéus Escutatória Depois do esquecimento Proposta inusitada Um jequitibá de 3.000 anos Criatividade Portador de deficiência física Esquecer Sobre a ciência e a sapientia Sobre os sonhos da humanidade Pensamentos soltos sobre educação Os livros e a infidelidade O caqui Ferramentas são melhorias do corpo As ferramentas Tocar para ver O canto do galo O fogo Professores jovens, mestres velhos Sobre a pipoca estourada que virou piruá Ensinando a tristeza Carta aos educadores e aos pais A Bela Azul Quanto custa um diploma A hora da poesia Sobre moluscos, conchas e beleza A sala da diretora O rei nu A vaca e os bernes O que ensinar? Sobre a interpretação Caro Senhor Ministro da Educação Raposa não pega urubu Outros significativos É brincando que se aprende “Muito cedo para decidir” Amor ao saber “O homem deve reencontrar o paraíso...” Resumindo... SOBRE O AUTOR OUTROS LIVROS DE RUBEM ALVES REDES SOCIAIS CRÉDITOS SOBRE PROFESSORES E COZINHEIRAS Antes de dizer o que tenho a dizer sobre educação, sinto necessidade de dar aos meus leitores uma informação sobre a minha idade. Sei que isso pode parecer irrelevante de um ponto de vista científico, pois, para a ciência, a verdade não tem idade. Mas eu não sou um cientista. Apenas sigo um conselho de Kierkegaard que dizia que “a pessoa que fala sobre a vida humana, que muda com o passar dos anos, deve ter o cuidado de declarar a sua idade a seus leitores”. Isso para que os leitores, conscientes do tipo de olhos que está sendo usado por aquele que escreve, possam fazer os devidos ajustamentos nos seus próprios olhos. (O mundo visto através de um olhar matinal não é o mesmo quando visto através de um olhar crepuscular. Uma linda ilustração deste fato se encontra nas telas de Monet, que pintava o mesmo monte de feno muitas vezes, pelas diferentes horas do dia; sob cada luz diferente o monte de feno se transformava em outra coisa. Meu olhar é crepuscular.) É possível que Barthes tenha lido Kierkegaard, pois é fato que, ao final de sua “Aula”, ele confessa que seu jeito de pensar decorria do momento crepuscular em que vivia. Partindo dessa confissão, ele descreve os três momentos na vida de um professor. Há um tempo na vida em que o professor ensina aquilo que sabe: transmite a seus alunos os conhecimentos sedimentados, as receitas que a experiência passada testou e aprovou. Vem depois o tempo em que o professor ensina o que não sabe. Havendo navegado por muitos mares, o professor se encontra com um aluno que lhe diz: “Quero navegar naquele mar!” – e ao dizer isso aponta para um vazio nos mapas que pendem na parede. “Aquele mar eu não conheço” – responde o professor. “Nunca fui lá. Mas posso lhe dar um saber que o ajudará a se aventurar pelo desconhecido.” é o tempo da pesquisa. Na pesquisa o mestre ensina o que não sabe. Mas aí, surpreendentemente, Barthes anuncia que a passagem do tempo o fizera chegar a um novo momento: o momento de esquecer e desaprender os saberes que o passado sedimentara sobre seu corpo. Esquecer e desaprender os saberes a fim de chegar a um saber esquecido: sapientia, que quer dizer nada de poder, uma pitada de saber, uma pitada de sabedoria, e o máximo de sabor possível. é possível tomar essa confissão de Barthes como manifestação da suave loucura que, frequentemente, se apossa dos velhos. Ou é possível ouvir nele o barulho das asas da coruja de Minerva, levantando voo ao crepúsculo, tal como Hegel profetizara: Barthes, o sábio. “Sábio” se prende etimologicamente a sapio: eu saboreio, e sapientis é conhecimento saboroso. Barthes, ao ficar velho, libertava-se da maldição ocular da filosofia denunciada por Bachelard, um jeito de pensar a partir do olhar, pensar para ver, e se transferia para o lugar do sabor, a boca. Filosofia a partir da boca, pensar para ter prazer. (Atrevo-me, assim, com a proteção da velhice, a confessar que meu pensamento sobre a educação, à semelhança do pensamento de Barthes, se faz do lugar onde o prazer é preparado: a cozinha.) Se, aos que só sabem pensar de maneira ocular, tal proposta parece ser coisa não séria, lembro que semelhanças entre processos da inteligência, aos quais a educação se liga, e processos digestivos já foram amplamente reconhecidas por filósofos respeitáveis. Lembro-me que entre eles estão santo Agostinho, Nietzsche e Ludwig Feuerbach, que chegava a ponto de afirmar que “somos o que comemos”. E bem no nosso quintal se encontra o movimento antropofágico, que propunha uma teoria de assimilação cultural de educação, portanto, à semelhança do canibalismo.
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