ebook img

Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o Direito PDF

47 Pages·1983·4.294 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o Direito

ROBERTO LYRA FILHO Professor Titular de Criminologia e Filosofia è Sociologia Jurídicas da Universidade de Brasília KARL, MEU AMIGO: DIÁLOGO COM MARX SOBRE O DIREITO Co-Ediçao Sérgio António Pabris Editor e Instituto dos Advogados do RS 'Porto Alegre/1983 by Roberto Lyra Filho A Gisálio Cerqueira- Filho e Leandro Konder, (Elaborada pela equipe da Biblioteca do Tribunal de Justiça do RS) corn afeto e admiração, este pequeno estudo, que, há muito, encomendaram e, por diversos Lyra Filho, Roberto motivos, fiquei devendo até agora. Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o direito. Porto Alegre, Fabris, 1983. 95p. 22cm. l. Filosofia do direito. 2. Marxismo — Teoria do direito. 3. Teo- ria do direito - Marxismo. I. Título. CDU335.51J40.il 340.11:335.51 340.12 índice paia catálogo sistemático 1. Filosofia do direito 340.12 2. Marxismo —Teoria do direito 335.51340.11 3.. Teoria do direito — Marxismo 340.11535.51 "Coníamos também com os socialistas de todas as escolas," .•MARX, 1880 Reservados todos os direitos de publicação, total ou parcial, a (MARX, Oeuvres, Paris,'GaUimard, SÉRGIO ANTÓNIO FABRIS EDITOR 1969-1982, l, p. 1528.) Rua Miguel Cou(o,745 Caixa postal 4001 -Telefone (0512) 33-2681 Porto Alegre, RS - Brasil : . _ . <: l l "Aqui, é preciso revelar ao leitor um grande mistério do nosso santo homem — a saber, que toda a sua ex- posição sobre o Direito começa por uma explicação geral, que lhe escapa, enquanto falado Direito, e que ele só recupera no momento de abordar um assunto diferente, que é a lei" MAKX,À Ideologia Alemã (í) - MARX, Oeuvres, cil., III, p. 1231. f*,- OBSERVAÇÕES PRELIMINARES "Tomo a liberdade de pedir-lhe que estude esta teoria lias fontes originais, e não em obras de segunda mão. " ENGELS (2) Este ensaio desenvolve o material, recolhido em aproximadamente 40 anos de pesquisa e reflexão e que resumi sobretudo nos capítulos///eIVdo livro Humanismo Dialético. Os referidos capítulos foram, em parte, divulga- dos no terceiro número da revista Direito &: Avesso (3), mas, em tal forma incompleta, não chegam a delinear a síntese, agora realizada. Em qualquer hipótese, falar sobre Marx e o Direito já é, em si, uma arriscada empresa, pois, na medida em que a tarefa se cumpra sem distor- ção, nem sectarismo, ela mesma se torna um posicionamento sujeito aos fogos cruzados do conservantismo furioso e da hero-\vorship marxista. Marx polariza, ainda hoje, com sua presença gigantesca, tanto a ira dos reacionários, que ele previu e suportou (4), a seu tempo, quanto o fanatismo de seguidores,. que ele também repeliu, com ironia (5), e che- gou a denunciar, com veemência (6). "2 - MARX-ENGELS, Obras Escolhidas, São Paulo, Alfa-Omega, sem data, III, p. 285. 3 —Direito &Avesso, Boletim da Nova Escola Jurídica Brasileira, Brasília, Edições Nair Ltda., n° 3 (1983). Pedidos para José Geraldo de Sousa Jr., Caixa Postal 13-1957, CEP 70259,Brasflia,DF. 4 ~ MARX-ENGELS, Obras Escolhidas, cit., II, p. 16. 5 - MARX-ENGELS, Corresponda n cê, Paris, Editions Socíalcs, 1971-1982, VIII, p. 362. 6 - MARX-ENGELS, Obras Escolhidas, cit., m, p. 283. O vespeiro permanece ameaçador e fervente. De um lado, os antimarxís- camente, na polemica sobre a reconstrução do que Marx teria sustentado, a tas continuam ferroando quem ousa destacar a fecundidade e valor de tantas propósito daqueles temas (18). Todas essas contribuições procuram redispor, contribuições marxianas; de outro, os netinhos agressivos não admitem a me- num padrão coeso e lógico, as inúmeras referências, sugestões e análises nor restrição ao que denominaram o "núcleo de verdade invariável" (7) dum marxianas, a respeito de assuntos políticos e jurídicos. saber feito e perfeito (8) ~ aliás, e de novo, em contraste com os pressupos- Entretanto, forçam, para isto, a exegese, eliminam os textos contrastan- tos (9) e protestos antecipados de Marx (10) e Engeís (11) mesmos. tes, impõem a bitola estreita e única ao acervo desordenado, fértil, cheio de Mas, se desejarmos colocar-nos, diante da obra. marxiana, com o respeito cintilações e achados inestimáveis, tanto quanto de extrapolações arbitrárias, e independência tão bem definidos pela brilhante companheira, Marilena conclusões apressadas e ambiguidades perigosas. Chauí (12) não há como fugir à situação incómoda, entre Ciia e Caribde. De qualquer forma, as teorias marxistas do Direito e do Estado não re- Arrostamos, deste modo, aqueles que Marx chamou de "porta-vozes presentam, de nenhum modo, a tradução fiel do pensamento de Marx. Como doutrinários" (13) da classe privilegiada, assim como os discípulos imaturos, acentua Miliband, isto não importa dizer que a elas falte alguma relação com que,-conforme assinalava• Engeís, utilizavam o materialismo histórico, não as concepções marxianas, porém que destacam certos aspectos, em prejuízo como um "guia para o estudo", e, sim, "como pretexto para não estudarem a de outros (19);mutilam o oscilante corpo de ideias,ora nítidas,ora confusas; e História" (14) — sem dogmas, nem antolhos. dissipam a riqueza do conjunto, para reduzi-lo a um sistema, que ali não existe. Adernais e juntamente com esta dificuldade posicionai, surgem outras, conexas mas distintas e de ordem técnica, já por mira relacionadas em seis ti- 18-UMBERTO CERRONI.D Pensamento Jurídico Soviético, Lisboa, Europa-América, pos de problemas (15). 1976; RICCARDO GUASTINI,Marxismo e Teorie dei Díritto, Bologna, IlMulino, 1930; ELIAS DÍAZ, Legalidad-Legitimidad eu e! Socialismo Democrático, Madrid, Civitas, O primeiro tipo concerne aos obstáculos filológicos, rio sentido em que 1978; MONIQUE & ROLAND WEYL, Révolution et Perspectives du Droit, Paris, Edi- a palavra é empregada na metodologia da ciência histórica (16); isto è", o esta- íions Sociales, 1974; ZHIDKOV et alii, Fundamentos de Ia Teoria Socialista dei Estado belecimento e ordenação das fontes. y dei Dereclio, Moscú, Editorial Progresso, 1980; NICOS POULANTZAS, L'Êtat, Lê Antes de tudo e apesar das edições russa, do Instituto Marx-Lênin, de Pouvoir, Lê Socialisme, Paris, PUF, 1978;IMRE SZAKÒ, Lês Fondements dela Théorie du Droit, Budapest, Akadérniai Kiadó, 1973; J. R. CAPELLA, org., Marx, el Dereclio Moscou, e alemã, do Instituto de Marxismo-Leninismo, de Berlim, não há, y el Estado, Barcelona, Oikos Tau, 1969; J. R. CAPELLA, Dos Lecciones de fntro- quer nestas, quer noutras publicações, uma divulgação realmente integral e fi- ducción a! Deredio, Barcelona, Universidad de Barcelona, 1980 (fora do comércio); lologicamente impecável das obras de Marx (17). MICHEL MIAILLE, Uma Introdução Critica ao Direito, Lisboa, Moraes, 1979;ERNST Além disto, interferem, a todo instante, no exame dos textos marxianos BLOCH, Karl Marx, Bologna, II Mulíno, 1972; ADAM PODGORECKI, Lawand Sodety, e sua interpretação, as assim chamadas teorias marxistas do Direito e do Esta- London, Routledge & Kegan Paul, 1974;GEORGES SAROTTE, LêMatérialisme Histo- do, nenhuma das quais é rigorosamente marxiana, e que se excluem, recipro- rique dans l'Ssíude du Droit. Paris, Ed. du Pavillon, 1969; RADOMIR LUKIC, 77ifor/e de 1'Êtat et du Droit, Paris, Dalloz, 1974; B. T. BLAGOJEVIC et alii, Introductíon aux Droits SocMistes, Budapest, Akadémiai Kiadó, 1971; PÈTR I. STUCKA, La Funzione 7 - LUCIEN SÈVE, Une Introductíon â Ia Philosophie Moraste, Paris, Éditions Socia- Rivoluzionaria dei Diritto e dello Stato, Torino, Einaudi, 1976; E. B. PASUKANIS, les, 1980, p. 534. La Théorie Générale áu Droit et lê Marxisme, Paris, EDI, 1970; ERNST BLOCH, Na- S - SARTRE, Questão de Método, São Paulo, DIFEL, 1966, p. 34. turredit und Mensdilldie 11'ilrde, Fiankfurt am Maim, Suhrkamp, 1961; DIVERSOS, 9 - MARX-ENGELS, Obras Escolhidas, cit., III, p. 195. Sovlet Lega! PhUosophy, Harvard, Unlversity Press, 1951; CHAMBLISS & SEIDMAN, IQ-Ibidem, n, p. 10. Law, Order and Power, Reading, Addison-Wesley, 1971; DIVERSOS, Teorie Sovie- 11 -Ibidem, IIÍ.p. 283. tidie de! Diritto, Milano, Gíuffrè, 1964; BERNARD EDELMAN, O Direito Captado 12 "MARILENA CHAUl", Cultura e Democracia, São Paulo, Editora Moderna, 1981, pela Fotografia, Coimbra, Centelha, 1976; M. BOURJOL et alii, Pour une Critique p. 219-220. du Droit, Grenoble-Paris, Uníversité de Grenoble-Maspero 1978; J. J. GLEIZAL, Lê 13 - MARX-ENGELS, Obras Escolhidas, cit., II, p. 16. Droit Pôlitique de l'État, Paris, PUF, 1980; MICHEL MIAILLE, L'Êtat áu Droit, Paris, 14 -Ibidem, III, p. 283. Maspero, 1978; MICHEL MIAILLE, Analyse Critique dês TJiéories Marxistas de VÊtai, 15 ~ ROBERTO LYRA FILHO, Humanismo Dialétíco, cit., IV, l. (fora do comércio); A. J. ARNAUD, Critique de Ia Raison Juridique, Paris, LGDJ, 1981 16 ~N. ABBAGNÁNO.ZJ/cíbíiáno de Filosofia, São Paulo, Mestre Jou, 1960, p. 420. — etfen passe... 17 -RAYA D1JNAYEVSKAYA, FSosofia y Revoluciôn, México, Siglo Veinteuno, 19 - RALPH MILIBAND, in J. R. CAPELLA, org., ob. cit., p. 49; NORBERTO BOB- 1977, p. 299 e passim. M, RUBEL, f« MARX, Oeuvres, cit., II, IX ss. EIO, Contribucclón a Ia Teoria de! Dereclio, Valência, Fernando Torres, 1980, p. 357. 10 11 originais, e não em obras de segunda mão" (25). Engeis falava do materialis- Convém destacar, entretanto, que, atualmente, os mais lúcidos marxis- mo histórico ~ este, sim, delineado em concepção global (26) ~, mas a sua tas e marxólogos "ocidentais" começam a retificar as suas posições e, entre recomendação se aplica, afortiori, no caso das ideias jurídicas marxianas, que, eles, já se considera banal (20) o reconhecimento de que não há uma teoria justamente por não se articularem numa teoria geral do Direito, são ainda do Estado, elaborada e coerente, na obra de Marx (21) assim como também mais suscetiveis de remanejamento, disfarçado como exegese. ali não se encontra urna teoria formada e completa do Direito. Sobre o que O segundo tipo de problema a vencer, no estudo sobre Marx e o Direito, nos interessa particularmente, neste ensaio, já tende a prevalecer, fora das è constituído pelos obstáculos lógicos, atinentes, sobretudo, à falta duma áreas de controle do "socialismo" oficial das repúblicas ditas populares (22), construção sistemática do método-conteúdo (a dialética marxiana), seus as- esta conclusão exata e firme de Guastini: "seja qual for a discriminação feita, pectos um tanto indecisos e carentes de fundamentação mais precisa e satis- dentro da obra de Marx (por exemplo, entre a juvenil e a madura, a filosófi- fatória. Isto não poderia deixar de repercutir, como, de fato, repercute, na ca e a científica e similares), seja qual for a periodização dessa obra — em par- visão e abordagem do Direito, desde as disparates gerais, sobrea dialética mes- te alguma, e tampouco no conjunto, se acha uma teoria ou doutrina do Di- ma, que aparecem nalguns marxistas (27), como agravamento da irresolução reito. Há, sim, enunciados, ora cognitivos, ora preceptivos, concernentes ao marxiana Ç28), até o balanço, entre a dialetização mais ampla e um mecani- Direito, mas não existe meio de reduzi-los à unidade e muito menos de con- cismo angusío, no tratamento do Direito, reduzido a epífenôrneno superestru- siderar a soma deles uma doutrina constituída, dispensando "integração e ne- tura! (29), com a sua posterior elaboração, principalmente sob o ponto de vis- cessitando apenas explicita coes e repetição ortodoxa (23). ta de leis (estatais) e mores da classe dominante (30). Para evitar a confusão entre as ideias jurídicas marxianas e qualquer Não há espaço, aqui, para considerar in extenso a questão da dialética teoria, sói disant marxista, do Direito, que em Marx não se perfaz e, de a marxiana— que já debati em dois longos escritos recentes (31). marxista, varia de fona em comble, é preciso eliminar as hetero-integrações, os Mas é preciso, ao menos, situar o problema, — pelas suas óbvias inter- saltos, as supressões, as traduções mutiladoras (24). Tudo isto forma uma cor- ferências na focalização dialética e, às vezes, subdialética, ern Marx e, espe- tina de fumaça, que perturba as novas leituras, criando especiais dificuldades cialmente, nos marxistas, dos fenómenos jurídicos e das "relações essen- para a singela retomada do estudo, sem preconceitos e arranjos preestabeleci- ciais", que neles se ocultam (31 A). dos. De fato, no próprio O Capita}, Marx distingue o fenómeno, em super- Vale recordar, consequentemente, o conselho de Engeis, assim formu- fície, e aquelas relações subjacentes e portadoras da significação profunda, lado: "tomo a liberdade de pedir-lhe que estude essa teoria nas suas fontes que nos permitem vê-lo com exatidão. "Sabe-se", diz ele, "que é preciso dis- tinguir entre a aparência das coisas, e sua realidade" (32) ou "essência" (32 A). 20 - BOABENTURA DE SOUSA SANTOS, m P. BEIRNE & QUINNEY, orgs. Marxism and Law, New York, John WBey & Sons, 1982, p. 364; M. CAIN & A. HUNT, Marx and Engeis on Law, London, Academia Press, 1979, p. XIV; ERICWEIL.JÍefce/ etVÊtat, Pa- ris, Vrin, 1970, p. 110. 25 -Ver nota 2. 21." RALPH UILIBAÍ^D, Marxism and Politícs, Oxford, University Press, 1977, p. l ss; 26 - MARX-ENGELS, Obras Escolhidas, cit., III, p. 284-286. NORBERTO BOBEIO,Qiiale Socialismo? Torino, Einaudi, 1976, p. 3 ss. 27 - ROBERTO LYRA FILHO, Humanismo Dialético, cit., nota 280 e 332. 22 - ROBERTO LYRA FILHO, Direito do Capital e Direito do Trabalho, Porto Alegre, 28 - ROBERTO LYRA FILHO,Humanismo Dialético, cit., nota 264, por exemplo. Fabris - IARGS-AGETRA, 1982, passim. PAULO SINGER, Aprender Economia, São 29 - MARILENA CHAUl", Roberto Lyra FSho ou a Dignidade Política do Direito, in Paulo, Brasiliense, 1983, p. 157 ss. Direito &Avesso {nota 4), n? 2 (1982), p. 21-30. 23 - RICCARDO GUASTIN1, Marxismo e Teoríe dei Diritto, cit., p. 9rlO; também: 30 - ROBERTO LYRA FILHO, Humanismo Dialético, cit., IV, l (análise da crítica ao GUASTINI, Marx: DaUa Filosofia de! Diritto alia Sdenza adia Societã - Un'Analisi programa de Gotha). Storica e Linguistica dei Pensiero di Marx, negli Ánni delia sua Formazione Teórica e 31"- ROBERTO LYRA FILHO, ibidem, II, IIT, IV e V, 1; ROBERTO LYRA FILHO, A Política, tendo, em apêndice, o valioso Lessico Giuridica Marxiano (1842-1851), Bo- Reconciliação de. Prometeu, Brasília, Centro de Estudos LMalétícos, 19S3. logna.n Mulino, 1974. -31 A - MARX, Osuvres, cit., I, p. 1684. 24 - A propósito, ROBERTO LYRA FILHO,^mmmíimoDw/éííco, cit:, notas 91,108, 32 - MARX, Osuvres, cit., I, p. 1032. 122,126,127,133,134,135,153,154,155, 156,157,259,264,280,286,291,303, 32 A - IMRE SZABÕ, 'Lê Droit Socialiste, in B. T. BLAGOJEVIC, fntroductlon aux 312,323,327, 329,332, 339,349,357,372,373,386,420,422 etc. Droiís Socialistes, cit., p. 19-22. 12 13 Esta observação, apresentada como princípio científico (33), não se esgotaria, Todavia, a penetração transempírica, em Marx, tem ambiguidades e in- entretanto, no idealismo dos conceitos (positivismo lógico),.nem dos "fatos" suficiências, que resultam da pretendida reviravolta, mediante a qual dese- brutos (positivismo naturalista), porque Marx rejeitou todo e qualquer positi- jou transpor uma filosofia do ser, de timbre e âmago nada menos do que vismo, opondo ao que chamou cruamente de "merda" (34) comteana a supe- teológico (40) ~ tal corno é a de Hegel — para o âmbito materialista ~ que rioridade, em conjunto, de Hegel e da sua dialética (35). Por isso mesmo, Hegel desapoiava, como "sistema consequente do empirismo" (41), na redu- Engels notava que Barth e outros liam mal a teoria materialista da história, ção à exclusiva determinação, singular e concreta (42). Assim, a dialética, como se fosse um positivismo, de modelo economicista, e concluía: "o que originalmente concebida para explicar, nas coisas, a pensar, em coincidência falta a todos esses senhores é a dialética. Vèrn apenas causas aqui e efeitos do raciona e do real, o Ser-em-Devenir (que não disfarça o seu engajamento ali... Para eles, é como se Hegel não houvesse existido" (36). teológico), passaria a servir, em Marx, à redenção do materialismo, a fim de Apesar destas opções cortantes, entretanto, subsiste um ingrediente po- esconjurar o díabinho mecanicista, mal se acomodando e adaptando, porém, sitivista, muito mais forte nos epígonos do que em Marx mesmo, porém neste a esta função leiga e empírica. Daí o embaraço dos marxistas, que tendem a deixando transparecer limitações fenomenicas e um culto à ciência, como se desfazer-se, mais ou menos conscientemente, do trambolho, ainda que a pre- esta sobrepairasse às distorções e condicionamentos ideológicos (37), além de ço de transformarem as ideias marxianas no estranho hibridismo que Marx apresentar urna constante hostilidade a tudo.o que chama de "mística" e nunca admitiu, em linha de princfpio: um materialismo "dialético" — positi- "metafísica". Esta atitude resulta aparentada ao suposto itinerário humano vista. Para desmoralizar este último, basta a 3a tese sobre Feuerbach (43), à progressivo, no padrão dos três estados (o teológico, o metafísico e o positi- luz da qual a 6a tese (44) ganha o seu verdadeiro matiz e, através da ponte vo). E isto é, aliás, evidente, na medida em que os discípulos acentuaram ain- não dinamitada do humanismo dialético e do "homem total" (45), recoliga da mais o "terceiro estado", cortando a obra de Marx ern duas partes, uma o homem, "produto" das "relações sociais em seu conjunto" ao homem cuja "filosófica" e outra "científica", para, depois, não mais saberem como inserir, "essência" é liberdade, como potencial, realizado na práxis (46). Depois disto, neste quadro, a dialética. O que era, em Marx, uma hesitante mistura de espí- 40 -HEGEL, Redit, Staat und Gesdiidiie, Eine Aits\vahl aus sémen Werken, F.Bulow rito dialético e ciência empírica, desenvolve-se em proveito desta última; e, org., Sturtgart, Kroner, 1955, p. 374. para não cair nos braços de Comte, arma um travejamento de_ categorias e 41 - HEGEL,Enzyklopãdie der pliSosophisclien Wissensdiaften im Gnindrisse, §60 (ed. conceitos de "razão pura", dita "científica", que fugindo a-Cbmte, seria, em 1830). determinados marxísmos, devorada por Kant. Este último caso é, aliás, nítido, 41—Ibidem, adendo, §38. Esta remissão e a anterior, feitas conforme a tradução france- sa de Bernard Bourgeois, HEGEL, Encydopédie de Sciences Philosophiques, I: Science embora inconfesso, ern Althusser. de Ia Logique, Paris, Vnn, 1979, p. 322 e 496. A propósito desta hesitação, ver MARX, A verdade é que Marx nunca chegou a tais despropósitos, que, em nome Oeuvres, cit., II, p. 1555, onde a chave dos fenómenos é devolvida aos fenómenos mes- da dialética, tratam de liquidá-la (38); pois, nele e apesar dos colapsos inciden- mos. Seria, então, lícito pergunlar corno é possível, sem o "passepai-tout duma teoria tes, o compromisso declarado com a "essência" e a dialética mesma, situa o histórico-filo só Oca" (MARX, ibideiri), formular as conjecturas prospectivas que consti- núcleo mais constante, em que se diz, e é, um autêntico filho de Hegel (39)." tuem a essência, mola e teleologia do materialismo histórico e sua proclamação dum fu- turo desenlace das lutas e contradições classísticas, num ponto situado além do horizonte atual. Parece que o problema, aqui, d a desdialetização ep i st em o lógica, em prejuízo da 33-Ver nota 32. filosofia da História, como se a verdade supra-histórica não pudesse surgir (MARX, 34 - MARX-ENGELS, Lettres sur lês Sciences de Ia Nature, Paris, Éditiom Sociales, ibidem') dentro do horizonte histórico mesmo. A relatividade das concepções, desta ma- 1974,p.46. neira, escorrega para o relativismo - e carrega o materialismo histórico, junto com todas 35 ~ Ibidem. Ver tambe'ra MARX, JENNY MARX, ENGELS, Lettres à Kugdmann, Pa- as outras edificações transempíricas. ris.Éditions Sociales, 1971, p. 169. 43'-MARX, Oeuvres, cit. Hl,p. 1030. 36 -MARX-ENGELS,ObrasEscolliidas, cit., III,p.292. 44 ~ Ibidem, p. 1032. Ver nota 110 e ROBERTO LYRA FILHO, O Que é Direito, São 37 - MARX, Oeuvres, cit., I, p. 273. A propósito, ver ROBERTO LYRA FILHO, Huma- Paulo, Brasiliense, 1982, p. 112-113. nismo Dialético, cit., nota 264. 45 - MARX, Oeuvres, cit., I, p. 79 ss, onde, aliás, se insinua o artificialismo das "antíte- 38- ALTHUSSER, Posições I, Rio, Graal, 1978, p. 143 ss. Vera propósito ROBERTO ses teóricas" (p. 80} entre subjetivismo e objetivismo, espiritualismo e materialismo. So- LYRA FILHO, Humanismo Dialético, cit., nota 280. bre o "homem total", ver ibidem, p. 24 ss. 39 - Ver ROBERTO LYRA FILHO, Humanismo Dmlético, cit., notas 324 e 338 e texto 46 -MARX, Oeuvres, cit., m, p. 166 ss (ver ibidem, sobrerepercussõcsjurídicas, p. 17 correspondente. 175 epOTsím)jROBERTO LYRA FILHO, Humanismo Dialético, cit., notas 91,372 e 373. 14 15 l falar em processo sem sujeito e "subordinar a dialética ao materialismo" (en- ou se reforça o tônus dialético e a mentalidade positivista "acusa" este tão fatalmente rnecanicista) chegando a invocar a suposta abonação do arqui- marxismo de hegeliano ou "místico" (assim, por exemplo, no iurisnaturalís- inimigo Hegel (47), paia defender a cibernética dos aparelhos, num processo mo de Ernst Bloch, que Habermas cognominou "o Schelling marxista" (52) sem sujeito, é puro delírio -de Althusser, que, disse eu noutra oportunidade, — ultrapassando até a "mística" racional hegeliana). antes do uxoricídio dome'stico, praticara um "marxicfdio" intelectual. A aporia vem do próprio Marx, embora, nele, jamais se torne tão sim- O fato é que as aplicações duma díalética marxiana — inclusive ao Di- plista e primária, quanto em alguns seguidores menos ágeis. Efetivarnente, não reito (e, por isto, eu me detenho, aqui; no intrincado problema) — denun- se trata sequer da falta duma teoria ou doutrina do Direito, em Marx — o que ciam a hesitação daquela dialética mesma nos seus aspectos gerais e tanto já foi assinalado e permanece óbvio, para quem não anda com os olhos venda- em conteúdo, quanto operatoríamente. dos pelos preconceitos —; mas de uma verdadeira Impossibilidade conseqiien- . Em .que sentido-se deve entender a dialética marxiana? Para isto, não cial de construir, em ortodoxia marxista, a "essência" do Direito, ali ausente, bastam as metáforas da casca "mística" e do núcleo "racional" (48) ou da mesmo que esta seja concebida, segundo o modelo metódico da ciência eco- virada, em que a própria dialética, supostamente plantando bananeira, no nómica marxiana. idealismo hegeliano, ficaria, com Marx, solidamente plantada em seus pés Procurando as "relações essenciais" (53), que não surgem à flor dos materialistas (49). Acontece que, em Hegel, não é a casca, mas o núcleo- fenómenos jurídicos, ditos positivosjá se empreende uma indagação sobre ca- mesmo, que serve ao "misticismo" (50); e, quando se põe sobre os ditos tegorias transempíricas, ainda que estas nos pretendam brindar com uma on- pés materialistas, a dialética, já vem, portanto, não com a cabeça no lugar, tologia marxístico-lukácsiana, isto é, não divorciada dos fenómenos, porém mas com a cabeça cortada — no que se arrisca a perder e, de fato, perde deles partindo, para "deduzir" o "ser" do Direito, dentro da própria cadeia, logo o equilíbrio, para cair sobre o traseiro, no positivismo dos fenómenos das transformações (54). ocos. Ora, com o vácuo ontológico, ela não pode servir, sequer, para o fim Acontece que, perante a supressão do Ser hegeliano e a indeterminação principal da sua cooptaçãó por Marx, que é precisamente destruir o positi- ou supressão de outro "ser" transempírico, valendo, problematicamente, para vismo (51), mediante essa dialética (nada obstante, decapitada). essas "ontologias" marxistas, o marxismo, em si, ficou desorientado, entre a Isto, é evidente, não inutiliza todos os resultados concretos, análises intuição aguda, mas não fundamentada, de Lenin, que postula o Absoluto e propostas validas, que o próprio Marx alcançou com esse instrumento bam- bo; porém denuncia e explica o caráter oscilante, as ambiguidades, as contra- dições não-dialéticas da focalízação marxiana de muitos temas (não excluin- do o jurídico). De tal sorte e para ganhar a maior nitidez, ou se amputa, de- S2-3URGENEAKER.UA.S,ProfHsPhilosop!tiqiie!;et Poliliqiies, Paris, Gallimard, 1974, finitivamente, a dialética (tal qual fosse ela uma excrescência) e o marxismo p.!93ss. se torna um positivismo de esquerda (inclusive no âmbito jurídico) (51 A), 53 -VernotasSl e32. 54 —Não propriamente Ser em sentido fixista, mas Ser dialctico, Ser-em-Devenir;ou, como disse em noutro escrito: não o que o Direito é, porém, antes, "o que ele vem a ser, nas transformações incessantes do seu conteúdo e forma de manifestação concreta, dentro do mundo histórico e social" (ROBERTO LYRA FILHO, O Que é Direito, cit., p. 14-15). Ver LUKACS, Zur Ontoíogie dês GesellschaftHchen Seins:Die Ontologischen 47 - Ver ROBERTO LYRA FILHO, Humanismo Dialètico, cít., nota 332 e 339. Ver Grundprinzipíen von Marx, Darmstadt — Neuwied, Luchteihand, 1972, p. 12. Conferir, ALTHUSSER, in JEAN HYPPOLITE, org., Hegd et Ia Penses Moderne, Paris, Payot, na tradução impecável de Carlos Nelson CoutinlioiLUKACS, Ontologia do Ser Social: 1970,p.l09. Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx, São Paulo, Livraria Ciências Huma- 43 - MÃRX-ENGELS, Obras Escolhidas, cít., H, p. 16. nas, 1979,p. 17. 49 - Ibidem. .. O camitilio lukácsíano parece-me correto, com a ressalva, porém, de que, nele, o "ser" 50 -Vernota 40. buscado não seja confundido com os fenómenos e, portanto, dissolvido neles. Neste caso, 51 -MÃRX,Lettrss à Kugelmann, cit., p. 169. o "ser" se torna apenas um pseudónimo, ou dos fenómenos mesmos, induzido o padrão 51 A - DUJARDIN & MICHEL, in M. BOURJOL et alii, Pour une Critique du Droit, inerente, ou das categorias, mentalmente "deduzidas" da "razão", a fim de ordená-los. E cit., p. 16. isto nada tem a ver com a dialética do Ser-em-Devenir. 16 17 no processo (55), e o paradoxo de Engels, segundo o qual o "Absoluto" é o coes essenciais", com significação e enlace transempírico e até um endereço teleológico tão forte, como no evolucionismo social marxiano? Se, para atém processo mesmo (56). Neste caso ou temos uma "díalética", parecendo a cabeça de pau da dos.fenómenos liada existe, a dialética fica desarvorada. mula empírica ou uma "dialética" empírica lembrando a mula sem cabeça. De ^_. Não à toa os marxismos permanecem dilacerados, entre o voluntarismo qualquer forma, do vácuo ontológico não se extraem mais do que uma pseudo prometéico do Homem e o encadeamento cego de aparelhos, no "processo "ontologia" de "words, words, words" (57) ou de "facls, facts, facts" (58) sem sujeito". Isto resulta de que, tendo Marx querido "desvirar" a dialética (para os quais só existem os remendos de conceitos à Kant, logo rebaixados, hegeliana, deixou sua própria dialética sem qualquer ponto de apoio (60). nas induções de Comte, que Marx rejeitava, ou afinal abstrativas, nos empiris- O problema, que afeta, como insinuamos, a própria construção das cate- mos lógicos, que nada têm a ver com uma lógica dialética) (59). E onde fica, gorias económicas (61), também se reflete nas categorias jurídicas e nas obs- entífo, o núcleo que enforma as "relações essenciais", quer dentro dos fenó- truções que levanta à visão estritamente marxista do Direito, ern totalidade e menos, quer nas construções mentais, que pretendem vazá-lo em categorias? movimento. Onde fica, sobretudo, o heart of the mattei', "aquilo" que faz com que a exis- Marx ficou devendo aquele estudo sobre a dialética, em termos gerais, tência e os fenómenos, efetivamente, sejam, isto é, se manifestem, corn "rela- muitas vezes anunciado e jamais escrito (62). Ora, enquanto os seus discípu- los engrossam os obstáculos, com o psitacísmo beato e repetidor de fragmen- tos entranhados em diversas obras e esboços incompletos ou anotações inci- dentes (63), o próprio Marx e até mesmo no campo onde são mais fortes e 55 — "A diferença entre o subjetivismo (ceticismo, sofística etc.) e a dialética consiste, entre outros, no fato de que, na dialética (objetiva), é também relativa a diferença entre vivas as suas contribuições, o histórico e económico, também nunca se desem- relativo e absoluto. Para a dialética objetiva o absoluto está no relativo; para o subjeti- baraça de todo da carência de fundamentação das suas operações dialéticas. vismo e asofística, o relativo é só relativo e exclui o absoluto": LÊNIN, Quaderni Filoso- Estas, assim, correm o risco de escorregões positivistas ou de afirmações fici, Roma, Editor! Riuniti, 1976, p. 363. Se interpretarmos o "está no" relativo, como programáticas e de mera intencionalidade, sem a exata definição de rumos e absolutizacâo do processo mesmo, é evidente que caímos na alternativa de Engels e seus próprios impasses, procedimentos. A totalidade pensada, sob impulsão externa (64), seria em 56 — ENGELS, Dialectique de Ia Nature, Paris, Editions Sociales, 1973, p. 234:"assim, Marx o "desentranhamento, pela análise, dum certo número de relações ge- a ciência da natureza confirma o que ãh Hegel (onde?): a açãb recíproca é a verdadeira rais e abstraías", que se obtêem pela "intuição e representação" (65). Aliás, causa fi/ialls das coisas. Não podemos remontar para além desta ação recíproca, pois, ele fala, tanto em categorias vestindo episódios fenomênicos, quanto em atrás dela, não há precisamente nada a conhecer". Note-se que Engelscita Hegel de me- categorias simples, "coni existência independente, de caráter histórico ou na- mória incerta ("onde?") e, nisto, é claro, traj Hegel, para quem a "causa eficiente" e, não, a final, é "necessidade cega", enquanto a causa final, ligada ao objetivo (finalidade, tural e anteriores às categorias mais concretas" (66). Contudo, estes "produ- Zweck), através deste, manifesta o englobante e se perfaz no Ser, no Absoluto: "o fim tos do cérebro pensante, que se apropria do mundo, como pode", não nos realizado" volta à "origem" (HEGEL, Encydopédie, cit., versão Bourgeois, p. 266 ss, 440 ss). O Ser-em-Devenir, portanto, se realiza nos fenómenos e, no entanto, permanece, corno suporte de toda efetivação. 57 ~ SHAKESP£ARE,fiam;eí, U, 2. 60 - Ver PIETRO ROSSI, &i N. ABBAGNANO et alii, La Evoludôn de Ia Dialéctica, 58 — "Uma doutrina puramente empírica do Direito é, como a cabeça de pau, na fábula Barcelona, Martinez Roca, 1971, p. 251-252; IGNACIO SOTELO, Sartre y Ia Razón de Fedro, uma cabeça que pode ser bonita, rnas infelizmente nío tem cérebro" (KANT, Dialéctica, Madrid, Tecnos, 1967, p. 158. Staío diDiritto e Società Civile, N. MERKER, org., Roma, EditoriRiuniti, 1982,p.216). 61 - MARX, Die Afethode der politiclien Okonoinie, in MARX-ENGELS, Texte Ober Quando, por exemplo, LEON RADZINOWICZ afirma, em Criminologia - "agora, des- die Methode der okononúsdien Wissensdiaft, bilingue, Paris, Editions Sociales, 1974, confiamos da filosofia e exigimos fatos" (Ideology and Crime, London, Heinemann, p. 156 ss. 1966, p. 127), nem percebe que, a pretexto de expulsar a "ideologia", transmite urna 62 - MARX-ENGELS, Lettres sur !es Sciences de Ia Nature, cit., p. 64. ideologia, que apenas náo se enxerga como tal. Ver, a propósito, MARILENA CHÀUl", 63—Exemplo característico desse psitacismo beaío é o ensaio de M. ROSENTHAL, Cultura e Democracia, cit., p. 85; MERLEAU PONTY, Éloge de Ia Philosophie et Avires LesProbtèmesdelaDialectiquedansle Ca pitai de Marx, Paris, Editions Sociales, 1959. Essais, Paris-, Gallimard, 1967, p. 112 ss. 64 - MARX, Die Melhode, cit., p. 160. 59'- LUIZ DE CARVALHO BICALHO,^ Evolução do Pensamento de Sartre. Belo Ho- 65 —Ibidem. rizonte, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas 66 -íbidem, p. 162. Gerais, 1974 (tese de concurso para livre-docência rnimeografada), p. 353-364. 18 19 dão sobre a realidade profunda e a origem da razão raciocinaníe (67), mais 20 anos); convenhamos, entretanto, que é bastante pitoresco ver, por outro do que um desenvolvimento à fé do realismo ontognosiológíco um tanto in- lado, uns moços imberbes e tocados pela ruptura epístemológica (em que génuo. E, nisto, vão descambar, com Lênin, para a "teoria do reflexo", assim Althusser engole uma fatia do idealismo de Bachelard), repetindo, contra como, em Marx mesmo, não fundam o padrão dialético das coisas e só minis- Corneille, que o valor depende da maturidade dos anos (71 A) — o que, en tram a 'Verdade" durn critério pragmático (68). O recurso a tais "soluções" passant, resultaria no absurdo cronológico de considerarmos o Schelling precárias, deixa inclusive de notar que até a avaliação da funcionalidade legi- velho mais "científico" (no seu misticismo reacionário) do que o Shelling tima e operacionalização correia, já carregam não desprezíveis pressupostos moço (de tantas antecipações — na Neue Daduktion dês Naturrechts, por teóricos. Em todo caso, um relativismo (não dialético) se insinua nesta "pro- exemplo — com nítido sabor progressista e ao estilo liberal do jovem Marx). va" pela práxis. O fato é que os marxistas continuam, desde Lassalle, às voltas com a Para usar a metáfora tão grata a Marx, se a "prova" do pudim dialéti- nostalgia do "salto ontológico" (72) e, quando o intentam, arriscam-se aos co se faz, comendo, ainda assim é indispensável o critério para distingui-lo tropeções e quedas, impíedosarnente apontados pelos seus companheiros. dum bolo de lama ernpirista; e, em seguida, no saboreá-lo, vem a questão do Engels já puxava as orelhas contemporâneas e lassalleanas, com esta censura ontognosiológico paladar, que não coníunda o produto da melhor doceira contundente: "o gajo demonstra, apesar de tudo, uma grande superstição, com o pó industrial de supermercado ernpirista: misture ao fogo baixo, com crendo ainda na ideia do Direito, no Direito Absoluto. As objeções que um litro de leite, sem deixar ferver, ponha na forma, deixe esfriar — e está faz à filosofia jurídica de Hegel são, em grande parte, muito carretas, mas ele pronta a "delícia" pragmática. próprio não avançou muito com a sua filosofia do espírito. Até no ponto de Por tudo isto, quando um marxista, mesmo erudito e sagaz, como Imre vista filosófico, devia, no entanto, haver chegado a captar como absoluto so- Szabò, pretende oferecer-nos uma reconstrução da essência do Direito, supos- mente o processo, e não apenas um resultado momentâneo deste; e, se o ti- tamente extraída de Marx, fica perdido entre postulações confusas e citações vesse feito, não resultaria disto outra ideia do Direito, senão como o proces- do seu mestre, como se fossem prova do acerto das teses (69). É um método, so histórico mesmo" (73). aliás, utilizado pela maior parte dos marxistas, com transposições da teológica Já chamei esta ligação do Direito em geral, e não apenas das normas de "verdade revelada", um bocado sacrflegamente, das barbas brancas do Senhor, um só conjunto, o estatal, à movimentação do processo histórico, de "fecun- para os bigodes grisalhos do bomKarl, que, como vimos, não se julgava um do ponto de partida para uma nova filosofia jurídica" (74); mas "apenas um deus (70), nem sequer admitia a existência de deuses. Seria pura malícia re- ponto de partida", pois é necessário desobstruir, primeiro, seja a aporia dialé- lembrar, aqui, os antecedentes duma adolescência teísta, no jovem poeta, que tica marxiana (75) e a absolutização do processo, que criou o significativo dis- então extraía parte da sua força "prometéica" de uma reza convencional (71). sídio entre Engels e Lênin (76), seja a indeterminação, na abordagem de En- Dirão que isto era bobagem de menino (aliás já bem crescidinho, por volta dos geís, sobre qual aspecto do processo é verdadeiramente jurídico. Ê certo de- nunciar a "ideia do Direito", que pretendia apresentar-se como autónoma, situada num compartimento estanque e desentranhada,.por completo, do 67 - ROBERTO LYRA FILHO, A Reconciliação as Prometeu, cit.; ROBERTO LYRA fluxo histórico-social (isto é contraditado pelos fatos); mas, dentro deste FILHO, Filosofia, Teologia e Experiência Mística, in Anais do 89 Congresso Interamerl- cano de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, 1974, H, p. 145 ss. 68 - MARX, Oeuvres, cit., III, p. 1030 (2? tese sobre Feuerbach). A propósito, NOR- MAN D. LIVERGOOD, Activity in Marx's PhUosophy, The Hague, Martínus-Nijhoff, 1967. 71 A-ROBERTO LYRA FILHO, Prefácio a AGOSTINHO RAMALHO MARQUES 69 - IMRE SZABÕ, in BLAGOJEVIC et alii, Introduction aitx Droits Socialistes, cit., NETO,A Ciência do Direito, Rio, Forense, 1982, p. XIII. p. 19-24. 72 - LUKACS, Zur Ontologie, cit, p. 12. 70-Ver notas 5,6 e 10,11. 73 - MARX-ENGELS, Cotrespondance, cit., VI, p. 375. 71 — MARX-ENGELS, Tferfce (ed. da Dietz Verlg), volumes complementares, I, p. 613 74 - ROBERTO LYRA FILHO, Humanismo DMético, cit,, nota 245 e texto correspon- (cfr. S. S. PRAWER, Karl Marx and World Literature, Oxford, Uníversity, Press, 1978, dente. p. 9): "Contra ventos, ondas luto;/ Rezo a Deus, é meu Senhor,/ Velas pandas,/ rumo 75 — Ver, aqui, notas 55,56 e texto correspondente. fruto/ No astro firme, condutor" (MARX, circa 1837). 76 — Ibiãem. 20 21

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.