Jesus Cristo: imagem arquetípica do si-mesmo? Soraya Cristina Dias Ferreira1 Resumo A partir do pensamento de Carl Gustav Jung, nasce uma nova forma de pesquisar hermeneuticamente a energia psíquica. Se antes a libido encontrava entendi- mento nos pressupostos teóricos da psicanálise fundada por Sigmund Freud, que dava ênfase à libido sexual sempre revisitada pela infância, nesta nova teoria, denominada psicologia analítica a energia psíquica enfatiza o aspecto sexual, mas se abre para investigar outros aspectos, dentre eles a força da vida simbólica nos fenômenos religiosos. É mediante este esforço por compreender os efeitos das representações religiosas na psique que Jung analisa aspectos do cristianismo e, dentre eles, a imagem arquetípica de Jesus Cristo recebe ana- logias ao processo do si- mesmo. Este artigo tem, então, a intencionalidade de nos introduzir contexto do pensamento Junguiano. Palavras-chave: imagem arquetípica de Jesus; si – mesmo; fenômenos religiosos. Jesus Christ: the archtypic image regarding to himself Abstract A new way of researching the psychic energy hermeneutically was born from Carol Gustav Jung tough. If in the past the sexual drive found the understanding in the psychoanalyses funded by Sigmund Freud who emphasized the part of sexual drive, always related to the childhood, in this new theory called analytic psychology, the psycho energy emphasizes the sexual aspect, but it opens to investigate other aspects, such as the power of the symbolic life in the religious phenomenons. In order to understand the effects in the religious representations, Jung analyses characteristics of the christianism, like the Jesus Christ’s archetypic image gets some analogies to the ourselves process. So, the article intends to take us in the Junguiano’s thought context. Key words: Jesus Christ’s archetypic image, yourself, religious phenomenons. 1 Graduada e Licenciada em Psicologia pela Universidade FUMEC, Especialista em Psicologia Analítica Junguiana pela Pontifícia Católica de Minas Gerais, Analista Junguiana em formação pela Associação Junguiana do Brasil/Minas Gerais filiado à Association for analytical psychology Zurich, Mestranda em ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. [email protected] Ano 1 (cid:127)N. 2 (cid:127)jul./dez. 2010 - 221 1 Nos meandros da Psicologia Profunda Teoricamente, é impossível dizer até onde vão os li- mites do campo da consciência, porque este pode estender-se de modo indeterminado. Empiricamente, porém, ele alcança sempre o seu limite, todas as ve- zes que toca o âmbito do desconhecido. Este des- conhecido é constituído por tudo quanto ignoramos por tudo aquilo que não possui qualquer relação com o eu enquanto centro da consciência (JUNG, 2000b, p.1). Ao decorrer da história da psicologia, diferentes matrizes de pensamento foram apresentadas e continuam sendo apresentadas como forma de entendimento da dinâmica psíquica. Dentre elas, a psicologia profunda introduziu o estudo do inconsciente e passou a interessar-se pelos distúrbios mentais relacionados aos aspectos até então não ana- lisados, portanto desconhecidos à luz da consciência. Jung, formado em medicina, interessa-se pela psiquiatria e “ingressa como assistente de E. Bleuer no Hospital Psiquiátrico de Zurique, quando lê a interpre- tação dos sonhos de Freud, que acaba de ser publicada” (ÁVILA, 2007, p.39). Conhece Freud pessoalmente, em 1907, e ambos inici- am um processo de grande empatia intelectual, no qual o estudo do inconsciente ganha ênfase. Nessa época, Jung já tinha seis anos de experiência psiquiátrica. Porém, mais tarde, essa admiração e as tro- cas intelectuais serão interrompidas por fortes divergências teóricas, principalmente a respeito dos elementos relacionais que envolvem a energia psíquica, o que muda totalmente o enfoque analítico sobre os pressupostos simbólicos que influenciam a natureza humana. O lança- mento do livro de Jung Símbolos da transformação registra, definitiva- mente, essa ruptura entre esses dois teóricos da psicologia profunda. Apesar de Jung conviver com as influências predominantes da era racionalista, percebia que muitos fenômenos não poderiam ser pesquisados somente com esse enfoque, pois existe um mundo exteri- or e interior que atua no desenvolvimento psíquico e toda função tem sua parte inferior, que, quando negada, precisa ser integrada. Através 222 (cid:127)U NIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO dos estudos sobre filosofia, mitologia, alquimia, religiões comparadas e observações realizadas a partir dos fenômenos manifestos que seus pacientes psiquiátricos apresentavam – quando ele atendia no Hospi- tal Psiquiátrico Burgholzli, em Zurique – a hipótese da existência de um inconsciente coletivo é levantada, demonstrando, mais tarde, que há, no nível mental, algo mais profundo que as manifestações de repressão e traumas de infância. Os delírios são, então, avaliados por Jung como “mitos sub- jetivos que acontece estarem em discrepância com a realidade externa do mundo”. (STORR, 1973, p.32). E têm função adaptativa, assim como têm os sistemas religiosos, pois “milhares de cristãos mental- mente normais acreditam no Parto da Virgem; e isso também é um mito que não pode ser “verdadeiro” em qualquer sentido científico. Entretanto, nem todos os cristãos são loucos” (STORR, 1973, p.33). Pessoas normais ou psicóticas criam visões, ideias religiosas e mitos pessoais e são também influenciadas pelos mitos coletivos que atra- vessam fatores culturais, modificando, assim, o nível mental da huma- nidade. 2 Os arquétipos e sua influência na vida psíquica Jung apresenta uma hermenêutica que evidencia que a natu- reza psíquica também segue um percurso autônomo, onde as imagens arquetípicas são ressignificadas. E, assim, relativiza o excesso do racionalismo, na tentativa de despertar o homem moderno para di- mensões adormecidas na relação homem-mundo, homem si-mesmo, homem-função transcendente. Para tanto, o conceito de Inconsciente Coletivo caracterizado como: Parte da psique que pode distinguir-se de um incons- ciente pessoal pelo fato de que não deve sua existên- cia à experiência pessoal [...] nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos indivi- dualmente, mas devem sua existência apenas à he- reditariedade, [...] constituído essencialmente de ar- quétipos (JUNG, 2000c. , p.53 ). Ano 1 (cid:127)N. 2 (cid:127)jul./dez. 2010 - 223 Formula a possibilidade de manifestações que colocam o homem consciente e/ou inconsciente diante de uma natureza a priori, ou seja, diante de possibilidades universais da vida simbólica. Sendo assim, podemos inferir que “conhecemos” o arquétipo não de forma direta, mas a partir das experiências simbólicas, das imagens arquetípicas, que podem ser cristãs, budistas, misteriosas e/ou intuiti- vas, mas trazem conteúdos capazes de serem internalizados e conscientizados. Como explicitado por Jung: O conceito de “archetypus” só se aplica indiretamente às representations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consci- ente. Neste sentido, representam, portanto, um dado anímico imediato. [...]. O arquétipo representa es- sencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percep- ção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (Ibid., p. 17 ). É nesse enfoque que o esforço por compreender os efeitos das representações religiosas na psique busca analisar aspectos com- parativos universais e particulares. Neste estudo das manifestações das imagens arquetípicas, vários aspectos dos fenômenos religiosos foram enfatizados ao decorrer da obra de Jung, mas aqui vamos enfatizar apenas parte de sua análise psicológica sobre a imagem arquetípica de Jesus Cristo, que recebe analogias com o si- mesmo, considerado uma grandeza mais abrangente do que o eu, apesar de o eu nele estar presente. 3 O si-mesmo Quanto maior for o número de conteúdos assimila- dos ao eu e quanto mais significativos forem, tanto mais o eu se aproximará do si-mesmo, mesmo que esta aproximação nunca possa chegar ao fim. Isto 224 (cid:127)U NIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO gera inevitavelmente uma inflação do eu, caso não se faça uma separação prática entre este último e as figuras do inconsciente (JUNG, 2000b, p.21). Para Jung, a natureza psíquica tem uma pré-disposição adaptativa, no qual um sistema autorregulador procura promover mai- or integração entre os mundos consciente e inconsciente, entre o eu e o si-mesmo, entendendo que “o si-mesmo, em sua totalidade, se situa além dos limites pessoais e quando se manifesta, se é que isto ocorre, é somente sob a forma de um mitologema religioso”. (JUNG, 2000, p. 28). Por isso, as disposições humanas são atravessadas por diversos fatores oníricos, cuja dinâmica dos pares de opostos encontra-se atu- ante. Para interpretar essa dinâmica psíquica, Jung utiliza-se de conceitos próprios, nos quais o processo de individuação pode ser compreendido como uma contínua exegese do tornar-se si mesmo que entra em confronto com as partes que estão impedindo o desenvolvi- mento psicológico, ou seja, é necessário que o ser humano passe por um enfrentamento com a sombra (partes inferiores da nossa persona- lidade), integração da Sizígia: anima e animus (figuras anímicas mascu- lina presente na mulher e o feminino presente no homem), persona (máscaras sociais), imagens arquetípicas, etc. Enfim, todos os concei- tos nos remetem à compreensão de que todo material reprimido tem tônus afetivo na psique e que precisa encontrar certo equilíbrio para que o mesmo não proporcione uma inflação do eu. Importante com- preender também que esse material reprimido não é reconhecido como um reservatório que pode emergir, mas como algo dinâmico a ser ex- plorado e pesquisado também no nível da capacidade adaptativa ine- rente aos seres humanos. É seguindo essa interpretação que Jung sem- pre procura ressaltar que “um conteúdo só pode ser integrado quando seu duplo aspecto se tornar consciente e o conteúdo tiver sido apreen- dido no plano intelectual, mas em correspondência com seu valor afetivo” (JUNG, 2000, p. 29). Porém nos alerta que essa combinação é, muitas vezes, difícil, porque normalmente intelecto e sentimento se repelem, mas são necessários para a orientação da consciência do eu rumo à totalidade que “à primeira vista, não parece mais do que uma Ano 1 (cid:127)N. 2 (cid:127)jul./dez. 2010 - 225 noção abstrata (como a anima e o animus), contudo é uma noção empírica, antecipada na psique por símbolos espontâneos e autôno- mos” (JUNG, 2000, p. 29). Totalidade é, então, entendida com obje- tividade e não está relacionada à metafísica, pois, para Jung, “verda- des psicológicas não são conhecimentos metafísicos. São, pelo con- trário, modos [modi] habituais de pensar, de sentir e de agir que se revelam úteis e proveitosos á luz da experiência” (JUNG, 2000, p. 25), porque, psicologicamente, possuímos o que teve, tem e terá em nós alguma ressonância, portanto, encontra nos valores objetivos e afetivos critérios importantíssimos para o entendimento da energia psí- quica, que também se relaciona indiretamente com fenômenos não conscientes. 4 Jesus Cristo como símbolo do si - mesmo Cristo é para nós a analogia mais próxima do si-mes- mo e de seu significado. Não se trata, aqui, bem en- tendido, de um valor atribuído artificial ou arbitraria- mente, mas de um valor coletivo, efetivo e subsistente por si mesmo, que desenvolve a sua atividade, quer o sujeito tome ou não conhecimento dele (JUNG. 2000, p.41). Jung, em seu livro AION – estudos sobre o simbolismo do si-mesmo, ao abordar a imagem arquetípica de Cristo, lança uma gran- de pergunta para os psicólogos modernos: “é o si-mesmo um símbo- lo de Cristo, ou Cristo é um símbolo do si-mesmo?” (2000b, p.63). No entanto, apresenta argumentos que enfatizam que ele procurou “mostrar como a imagem tradicional de Cristo engloba as característi- cas de um arquétipo, que, no caso, são idênticas ás do si-mesmo”. (2000b, p.64). Pode-se perceber que Jung vai criando uma hermenêutica da psique, pela qual tenta reconciliar a objetividade com a subjetividade, a integração dos opostos é também enfatizada, causando uma ruptura com o pensamento dual, em que o isso ou aquilo é substituído por um pensamento adaptativo de integração e compensações. Outro fator 226 (cid:127)U NIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO relevante é que a existência do mitológico na experiência humana tem sempre carga emocional e é de extrema importância para o processo de individuação (tornar-se si-mesmo), já que o objetivo e o subjetivo sempre se misturam nas relações intrapessoais e interpessoais, per- passadas por predisposições herdadas ou não, que podem ser anali- sadas nos estudos comparativos e internalizadas na própria energia psíquica. Diante da dinâmica psíquica apresentada por Jung: Se um homem quiser alcançar a serenidade e aquela harmonia interior que, para Jung, passou a ser meta suprema da vida, ele deverá redescobrir aqueles as- pectos de si mesmo que tinham sido negligenciados; e, para consegui-lo, exige-se o sacrifício parcial da própria função ou atitude que o serviu bem e lhe acar- retou sucesso nos anos anteriores. Assim, tanto o in- divíduo cioso de poder como o intelectual precisam corrigir o seu desenvolvimento unilateral; e a manei- ra como isso é feito consiste, primeiro, em prestar atenção e, segundo, compreender as produções es- pontâneas do inconsciente, tal como se expressam no sonho e na fantasia (STORR, 1973, p.84). É nesse sentido que enfatiza devermos assumir uma atitude ampla em relação aos fatores relacionais do mundo externo com o mundo interno, já que “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou: ‘está ali’, porque o Reino de Deus está no meio de vocês.” (LC 17,20). Essa e outras citações Bíblicas vão enfatizar que conhecer a si mesmo é conhecer a imagem do criador. Para Jung, essas máximas que perpassam a humanidade precisam ser elaboradas também na dimensão do psicológico. Sabe- mos que não nos relacionamos diretamente com o Sagrado, mas com suas diferentes manifestações, ou seja, relacionamos com sua “imago Dei”, e não com sua totalidade Divina, isso seria uma aniquilação do eu. Por isso, Jung caracteriza a posição psicológica do símbolo de Cristo, dizendo que “Cristo elucida o arquétipo do si-mesmo” (JUNG, 2000, p.35). Ano 1 (cid:127)N. 2 (cid:127)jul./dez. 2010 - 227 Para chegar a tal hipótese, Jung vai discordar de alguns as- pectos sobre a imago Dei, encarnada em Cristo (símbolo perfeito de totalidade), apresentada por figuras importantes do cristianismo que negligenciam partes que, na compreensão de Jung, mereceriam ser assumidas e integradas, um dos argumentos refere-se à doutrina do “privation boni”, já anunciada em Orígenes, que coloca o mal não substancial, portanto um bem apenas reduzido, uma carência de per- feição na qual a figura dogmática de Jesus Cristo histórico é vista sem mácula. Segundo Jung: Se reconhecermos um paralelo da manifestação psi- cológica do si-mesmo na figura tradicional de Cristo, o Anticristo corresponde à sombra do si-mesmo, isto é, à metade obscura da totalidade do homem, que não deve ser julgada com demasiado otimismo. [...] a noção psicológica do si-mesmo que deriva, por um lado, do conhecimento do homem total e por outro, se apresenta espontaneamente nos produtos do in- consciente sob a forma de uma quaternidade arquetípica ligada por antinomias internas, não pode fechar os olhos para a sombra pertencente à figura luminosa e sem a qual ela não terá corpo e nem um conteúdo humano. A luz e a sombra formam uma unidade paradoxal no si-mesmo empírico. Na con- cepção cristã, pelo contrário, o arquétipo em questão está irremediavelmente dividido em duas metades inconciliáveis, porque o resultado final conduz a um dualismo entre o Reino celeste e o mundo de fogo da condenação (JUNG, 2000b, p.39). Sabemos que o mal e o Anticristo são expressões e figuras que incomodam a compreensão humana, mas que possuem em si uma lei psi- cológica a ser analisada, não a parte como privação, mas como uma ten- são verdadeira não causal, pois ambos, Cristo e Anticristo, têm valor co- letivo, ilustram o si-mesmo com todas as implicações da luminosidade e do tenebroso. Porém, se “todo mal provém do homem” e este é a imagem e semelhança de Deus, como podemos ter, então, um juízo relacional, existencial para o fenômeno do mal na natureza humana? 228 (cid:127)U NIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Em livros recentes de lógica, faz-se distinção entre duas ordens de indagação tocantes a alguma coisa, seja ela qual for. Primeira, qual é a sua natureza? Como veio a existir? Qual é a sua constituição, sua origem, sua história? E, segunda, qual é sua impor- tância, sua significação, seu valor? A resposta à pri- meira pergunta é dada num juízo ou proposição exis- tencial. A resposta à segunda é uma proposição de valor, que os alemães denominam Werthurtheil, ou que nós, se o quisermos, podemos denominar juízo espiritual. Não é possível deduzir imediatamente um juízo do outro. Eles procedem de preocupações inte- lectuais diversas, e a mente só as combina forman- do-as primeiro separadamente e adicionando-as de- pois à outra (JAMES, 1935, p. 16). Poderíamos pensar apenas na natureza desses dois fenôme- nos que impõem na existência cósmica uma dança, porém não se trata aqui de uma análise de quem é preponderante (o bem e/ou o mal), porque, para a psicologia, o que interessa é que são energias atuantes no psiquismo e que já demonstraram, ao longo da história, suas atua- ções coletivas e demonstram, em cada ser, sua atuação subjetiva, por- tanto, o mal não pode ser compreendido como algo sem importância ou apenas ser enfocado sobre um determinado ponto de vista, seja ele científico ou não, pois são as tensões de ideias que geram novas ideias, são as simples experiências que nos remetem a experiências mais fundantes e é através da história que o homem vem escrevendo suas formas de experienciar o sagrado e o profano. Por isso, tratar deste assunto no âmbito do psiquismo, para Jung, é perceber que: Existe uma tendência a priori no sentido de dar pre- ferência ao “bem”, e isto através de todos os meios próprios e impróprios de que se dispõe. Por isso, afer- rando-se à doutrina da “privation boni”, a Metafísica cristã expressa a tendência de aumentar cada vez mais o bem e de diminuir o mal. A “privatio boni”, pode ser, portanto, metafisicamente verdadeira. Mas, de minha parte, não ouso formular nenhum juízo a Ano 1 (cid:127)N. 2 (cid:127)jul./dez. 2010 - 229 este respeito. Devo apenas insistir que, no campo de nossas experiências, o branco e o preto, a luz e as trevas, o bem e o mal são pares de contrários, sendo que um sempre pressupõe o outro (JUNG, 2000, p. 64). A psicologia analítica, no seu ato de conhecer o dinamismo psíquico, concebe a importância da diferenciação adquirida em rela- ção aos opostos. O si-mesmo num sentido psicológico exprime a soma dos conteúdos conscientes e inconscientes, os aspectos luminosos e obscuros. Por isso, a imagem de Cristo está também integrada no Je- sus Cristo histórico, crucificado entre dois malfeitores, e no Cristo per- feito, que engloba características do arquétipo do si-mesmo. É nesse contexto que Jung considera que Cristo é um símbolo do si-mesmo, e que tal constatação aqui não está relacionada à fé, mas ao âmbito da pesquisa científica que, de certa forma, se abre a várias contestações, até mesmo porque, como ciência de, sempre analisará os fenômenos observados a partir de um ponto de partida, que, mesmo se entrela- çando a outros saberes, nunca chegará à totalidade do fenômeno ob- servado, mas mediante esta forma analítica: Se alguém se sente inclinado a considerar o arquéti- po do si-mesmo como agente real e Cristo, portanto, como símbolo do si-mesmo, não deve esquecer que há uma diferença básica entre perfeição e inteire- za; a imagem que temos de Cristo é relativamente perfeita (pelo menos é isto o que se tem pensado), ao passo que o arquétipo (enquanto o conhecemos) in- dica inteireza, mas está longe de ser perfeito. O ar- quétipo é um paradoxo; é uma afirmação sobre o indescritível e o transcendental (JUNG, 2000, p. 64). O arquétipo é também uma das formas de compreender as complexas interações do homem como ser cósmico. Por isso, pode- mos inferir que o assunto não se esgota, estamos inseridos nesta dinâ- mica existencial, na qual somos afetados pelo mal e pelo bem, tanto em nossa vida cognitiva quanto afetiva, pessoal e coletiva. O que não 230 (cid:127)U NIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
Description: