Projeções e profecias — IBGE e escatologia adventista RODRIGO GALIZA1 O Censo do IBGE de 2010 (publicado em 2012) apontou que o Catolicismo está em decadência no Brasil. Enquanto isso, protestantes e sem religião crescem. Como parte desse conglomerado não Católico está a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Com uma visão bem peculiar sobre profecias bíblicas, o Adventismo do Sétimo Dia ensina que a Igreja Católica Apostólica Romana irá crescer em influência até o ponto de dominar o Cristianismo e impor sua forma de culto (WHITE, 1950). Estará equivocada a projeção futurística Adventista? Palavras-chave: Censo; IBGE; Igreja Católica; Crescimento. The 2010 IBGE Census (published in 2012) pointed out that Catholicism is in decline in Brazil. Meanwhile, Protestants and No Religion grow. As part of this non- Catholic conglomerate is the Seventh-day Adventist Church. With a rather peculiar view on biblical prophecies, Seventh-day Adventism teaches that the Roman Catholic Church will grow in influence to the point of dominating Christianity and imposing its form of worship (WHITE, 1950). Will Adventist futuristic projection be misleading? Keywords: Census; IBGE; Catholic Church; Growing. De acordo com os dados do IBGE, desde o primeiro Censo realizado em 1872, o Catolicismo que configurava 99,7% da população brasileira agora perfazem apenas 1 Doutorando em Teologia pela Andrews University. Mestre em Divindade pela Andrews University. Graduação em Comunicação Social e Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). E-mail: [email protected]. REVISTA KERYGMA 64,6%.2 Considerando esses números não é difícil arrazoar que a interpretação profética Adventista sobre a influência ou domínio religioso Católico pode está equivocada pelo menos no Brasil, um dos maiores países Católico do planeta. O objetivo desse trabalho é investigar as raízes e detalhes de tal interpretação sobre o futuro e a partir dela refletir se de fato a projeção apocalíptica Adventista é possível ou não à luz do recente Censo. Profecia 3 A curiosidade sobre o futuro é uma fascinação humana antiga que perdura ainda hoje. Esse interesse tem motivos bem práticos. Pesquisas como o censo do IBGE servem para apontar tendências da sociedade brasileira. De acordo com o último censo, o futuro do catolicismo parece desanimador e dos protestantes promissor. Tendências atuais, no entanto, podem não se concretizar no futuro pois fatores de influência social podem mudar. No entanto, predizer de alguma forma o futuro garante segurança e prosperidade aos que anteveem os acontecimentos, pois, ao vislumbrar o que ainda não ocorreu, o ser humano pode preparar-se para evitar infortúnios. 136 Considere a previsão do tempo no jornal televisivo diário. Ela também funciona como uma forma de oráculo do futuro. Informado sobre a forte chuva e possível inundações no final da tarde o morador de São Paulo considera a rota para o trabalho e se vale a pena sair mais cedo ou não de volta para casa. Bolsa de valores dependem de especulações de mercado futuro e agricultores contam com previsões de chuva para o plantio e colheita. E assim o nosso dia a dia é atrelado com a perspectiva do futuro. Isso não é de hoje. Desde os antigos babilonicos até os meteorologistas e Ibopes modernos, o conhecimento sobre o que ainda não aconteceu permeia as atividades cotidianas sociais. Os babilonicos da época do profeta Daniel por exemplo, antes de saírem para guerra olhavam órgãos internos de animais sacrificados (hepatoscopia ou extispício), ou o caminho do óleo derramado numa bacia de água (oleomancia) para predizer quem ganharia uma guerra antes dela ocorrer (GANE, 2009, p. 314). Dependendo da interpretação dos sacerdotes os reis saíam para batalha ou não. Tal especulação, tida como verdadeira, era considerada potencialmente salvadora de vidas. A Bíblia também descreve o impacto social de profecias. Alguns líderes de Israel não saíam para a guerra sem antes consultar os oráculos divinos através 2 Disponível em: <http://bit.ly/1NghXTr>. Acesso em: 03 de abril de 2016. 3 Nesse artigo uso o termo profecia para descrever previsões sobre o futuro. CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO - UNASP Projeções e profecias — ibge e escatologia adventista do profeta ou sacerdote. (ver I Sm 13, II Cr 18). Em comum às ações dos reis do passado e dos investidores financeiros de hoje está a crença que os mecanismos de prognosticação são válidos e confiáveis. Isso quer dizer que tempo e ação devem ser relacionado no futuro. A verdadeira predição indica uma específica atividade a ocorrer num específico tempo ainda a acontecer. Tempo e ação são elementos chaves na profecia. No caso de profecias religiosas esses dois elementos são relacionados a Deus: 1) Deus age no tempo e prediz quando, 2) Deus age na história e informa o que Ele fará. A Bíblia é cheia de profecias, ou predicações sobre o futuro. Nela se destacam os livros de Daniel e Apocalipse. Tanto os seus escritores quanto os leitores que acreditam em suas predições aceitam que Deus sabe o futuro e o comunica aos seres humanos 4 (ver PAULIEN, 2004, p. 30-34). Esses dois livros bíblicos têm influenciado o Cristianismo e a sociedade em contato com a religião bíblica. Pois se a Bíblia fala a verdade sobre o futuro5 (ver KITTEL, 1964) o que ela diz sobre o presente deve ser considerado com respeito. História do Anticristo: raízes proféticas Adventistas 137 Cristo e o Anticristo na Bíblia 4 Nem todos os Cristãos interpretam as profecias escatológicas de Daniel e Apocalipse da mesma forma. Há pelo menos quatro métodos de interpretação: preterismo, futurismo, idealismo e historicismo. O preterismo lê esses livros descrevendo eventos na época do autor das “profecias” nos séculos próximos a Jesus Cristo, ou seja, não há nada de profético neles, mas apenas aparência. O Anticristo nessa interpretação é Antíoco (em Dn) e um Imperador Romano (Ap). No futurismo as profecias sobre o Anticristo são interpretadas se cumprindo num futuro ainda incerto. Na maioria dos casos a metade da última semana das 70 semanas de Dan 9 é colocada para o futuro e igualada com o período do Anticristo de 1260 dias (42 meses ou 3 tempos e meio) literais a ocorrer no futuro. O Anticristo é relacionado a Israel. No Idealismo as mensagens possuem apenas valor moral e não histórico, o que interessa não são eventos, mas o que eles significam para o leitor. Assim o Anticristo é qualquer coisa que interrompe o relacionamento com Jesus. Na interpretação historicista os eventos e datas preditas pela profecia são levadas a sério e comparadas com eventos desde da época do profeta até o juízo final no tempo do fim. O Anticristo nesse esquema é identificado com personagens e/ou instituições reais e específicas na história. 5 A predição bíblica sobre o fim é conhecida como escatologia, vinda do grego escatoς (eschatos) que significa último. KERYGMA, ENGENHEIRO COELHO, SP, VOLUME 12, NÚMERO 1, P. 135-155, 1º SEMESTRE DE 2016 REVISTA KERYGMA Das profecias escatológicas bíblicas mais significativas destaca-se a vinda de Cristo6 (ver GRUNDMANN et al., 1974) e em contrapartida a vinda do Anticristo. No livro de Daniel capítulos 7 — 9 estão as predições mais diretas e detalhadas sobre a entrada na história desses dois poderes. Um vêm em resposta ao outro. Em Daniel o inimigo de Cristo aparece primeiro nas visões dos capítulos 7 e 8. Mas é o salvador do capítulo 9 que surge primeiro na história. Note que o nome Cristianismo vêm do título dado a Jesus em Daniel 9. Os seguidores de Jesus de Nazaré aplicaram o título profético de Daniel 9, Cristo, ao seu mestre pois eles acreditaram que Ele cumprira as profecias Messiânicas. De acordo com as predições na época do profeta Daniel, após 483 anos do decreto da restauração e reconstrução de Jerusalém, Deus enviaria seu ungido para libertar Israel e o mundo do pecado e da destruição feita pelo inimigo de Deus. No ano marcado, 27 AD, Jesus de Nazaré foi ungido ou batizado e conforme a profecia 3 anos e meio depois foi morto, no ano 31 AD (ver OLIVEIRA, 2004; HORN; WOOD, 2006). Mas a profecia não acaba com a vinda do libertador. Ela descreve a vinda de um Anticristo7(ver I Jo 2:18, 22; 4:13; II Jo 1:7), um poder contrário ao enviado por Deus (o Messias, o Ungido, o Cristo). As passagens mais significativas interpretadas pelos 138 Cristãos sobre tal poder são Daniel 7-8, II Tessalonicenses 2 e Apocalipse 12, 13 e 17. Em Daniel, esse poder é descrito como um chifre que começa pequeno e depois cresce a tal ponto de atacar e perseguir os poderes dos céus, ou seja, Deus, Seu santuário e Seus seguidores/adoradores por um período de 3 tempos e meio (Dn 7:25; 12:11) assim como 1290 dias (ver Dn 12:12). Esse poder mudaria os tempos e as leis divinas e jogaria a verdade por terra (ver Dn 7:8, 20-25; 8:9-12, 24-25). Por Paulo o Anticristo é descrito como um homem de pecado que se exaltaria contra Deus ao assentar-se no lugar de Deus em Seu santuário, ou seja, usurparia o lugar de culto divino como predito por Daniel (II Ts 2:3,4) (ver BRUCE, 1982, p. 179-180; HOLLAND, 1988, p. 107; JENKS, 1991; FROOM, 1982, v. 4). No Apocalipse de João o Anticristo ganha contornos mais específicos. À luz de Daniel 7 e 8 João descreve esse poder satânico como um animal terrível, um dragão, que possui o mesmo número de chifres (10) e cabeças (7) (Ap 12:3,9, 13-17; 13:1-7; 17:3). Esse poder perseguiria também os santos, agora representando por uma mulher/igreja 6 A palavra Cristo tem origem grega e significa ungido. Ela traduz o hebraico Messias, encontrado em Daniel 9, que possui o mesmo significado. Esse termo tem uma conotação bem profética na Bìblia. 7 É importante esclarecer que essa palavra anticristo (do Grego anticristoς) na Bíblia é apenas usada por João. Mas ela ganhou uma conotação especificamente profética visto que os Cristãos têm usado o termo para descrever o poder antagonico a Cristo descrito nas profecias bíblicas. CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO - UNASP Projeções e profecias — ibge e escatologia adventista (12:1-2, 14; 13:7) pelo mesmo período de tempo profetizado por Daniel (3 tempos e meio) agora interpretado como 42 meses ou 1260 dias (Dn 11:3; 12:14; 13:5). Esses santos são os que seguem o Cordeiro (o Cristo/Messias prometido; ver Dn 9) guardando os seus mandamentos e se opondo aos requerimentos do dragão (Ap 12:17, 14:1-4, 15:1-4). Todas essas profecias apocalípticas descrevem uma grande batalha entre Deus e Satanás, entre Cristo e o Anticristo. Esse conflito ocorre na história desde a época do profeta e se intensifica no tempo do fim através de poderes políticos e religiosos usados tanto por Deus como Satanás. De acordo com tais profecias na perspectiva da divindade que deu essas visões do futuro só há dois grupos, os que obedecem a Deus ou não. A surpresa é que tais profecias predizem que antes do juízo final, os fiéis ao Messias serão brutalmente perseguidos até o tempo do fim quando eles serão finalmente libertos do Anticristo opressor. O fim será quando o Messias aparecer,8 agora pela segunda vez, para julgar todos os seres humanos (Dn 7:9-14, 26, II Ts 2:11,12, Ap 19-20). Essa será a virada de mesa, pois a profecia anuncia que nesse grande dia os que outrora foram perseguidos por Satanás serão libertos do poder opressor. Esses viverão eternamente com Jesus (Dn 7:27, I Ts 4:16,17, II Ts 2:1,14, Ap 21-22). Os que ignoraram os mandamentos do Messias/Cordeiro e oprimiram os santos serão 139 destruídos definitivamente (Dn 7:27, II Ts 2:8-12, Ap 14:8-11; 19:19-21, 20:7-15). A relevância social de tais profecias é evidente sendo ela verdadeira. Associar- se com o Messias poderá acarretar em possíveis perseguições atuais, mas a longo prazo a recompensa será a vida eterna. Consequentemente alinhar-se com os poderes representados pelo chifre ou bestas selvagens usadas por Satanás nos últimos dias resultará em morte eterna. É por isso que para os que creem que a Bíblia é a palavra de Deus a identificação do Anticristo se torna bem relevante e prática. Essa preocupação é nítida na história do Cristianismo que veremos a seguir. Identificando o Anticristo na história Pré-Reforma A dicotomia entre Cristo e Anticristo era bem clara para os Cristãos dos primeiros séculos. Identificar o Messias de Daniel 9 não era trabalho, visto que o Novo Testamento e o próprio Jesus já deixara claro ser Ele o prometido na profecia (ver Mt 1:22,23, 27:46, Lc 4:18-19; 24:27, At 8:32-35, Rm 1:1-4). Reconhecer qual poder 8 Por isso que as profecias escatológicas são também conhecidas como apocalípticas, do grego apocalypsis — Revelação, visto que o foco dela é a revelação/vinda/aparecimento final do Messias/Cristo Jesus. KERYGMA, ENGENHEIRO COELHO, SP, VOLUME 12, NÚMERO 1, P. 135-155, 1º SEMESTRE DE 2016 REVISTA KERYGMA poderia ser o Anticristo da profecia é que era mais trabalhoso. Dois elementos que são ressaltados em todos esses textos sobre o Anticristo (Dn 7-9, II Ts 2, Ap 12, 13 e 17) é que tal poder seria um poder perseguidor dos fiéis a Cristo (1 - ação) e que surgiria após a primeira vinda de Jesus (2 - tempo). Ao analisar as interpretações na história de tais profecias apocalípticas, o historiador LeRoy Edwin Froom (1982, v. 1) conclui que a maioria dos Cristãos nos primeiros quatro séculos entenderam tais profecias historicamente desde o tempo do profeta até o tempo do fim. Sobre o tempo eles acreditavam (1) na sequência de impérios baseado em Daniel 2: Babilonia, Medo-Persia, Grécia e Roma (Cristo), Anticristo e fim; (2) que o Anticristo surgiria após o império Romano, (3) que as 70 semanas de Daniel 9 eram 490 anos até o Messias/Cristo. Ou seja, que o Anticristo ainda viria no futuro próximo após a primeira vinda do Messias e antecederia por pouco tempo a segunda vinda de Cristo e o estabelecimento do Reino de Deus (FROOM, 1982, v. 1, p. 456-457). No quinto século, após a institucionalização do Cristianismo no império Romano e o aparente fim da perseguição à igreja, a interpretação cristã do Anticristo foi modificada. Com a religião de Jesus dominando o império a perspectiva de ser 140 perseguido por um poder político-religioso usado por Satanás não era tão considerada pelos cristãos. Agostinho de Hipona em sua espiritualização do Reino de Deus e do anticristo dá uma guinada interpretativa e alegoriza o domínio profético de Cristo e do anticristo (FROOM, 1982, v. 1, p. 473-491). No tempo de santo Agostinho era a igreja cristã9 que crescia e não o império Romano. Isso indicava para ele que o período de perseguição profetizado terminara e que Cristo já vencera triunfante contra o mal. A consequência disso é que a Igreja institucional se torna o Reino físico de Deus no presente. Isso fez com que a identificação do Anticristo tornasse complexa visto que as profecias apocalípticas anunciam a vinda do anticristo antes do estabelecimento do Reino de Deus. Ao não dá muito crédito ao elemento temporal das profecias apocalípticas, Agostinho apontou na história para instituições que não faziam parte do plano profético. Para o santo de Hipona o anticristo viria ainda no futuro antes da segunda vinda de Cristo, mas ele não sabia se tal poder apareceria dentro do Cristianismo como indicava II Tessalonicenses 2. O importante para ele é que Cristo vem (já veio a segunda vez) para o crente nos ritos da Igreja para salvá-lo enquanto Satanás por meio dos pagãos vem para tentá-lo a pecar e se possível o remover da igreja (o Reino de Deus). Nos estudos proféticos de Agostinho o foco é o presente e não o futuro. Assim ele tira 9 Note que até a Reforma Protestante só existia uma igreja cristã, a Católica Apostólica Romana. Assim, Cristianismo era a Igreja. CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO - UNASP Projeções e profecias — ibge e escatologia adventista o foco da profecia apocalíptica da segunda vinda de Cristo e enfatiza a primeira. Essa desescatologização (ver OLIVEIRA; PIRES, 2005), ou a mudança da vinda de Cristo no final da história para o presente (V século), dificulta a identificação do Anticristo e se torna a norma em estudos proféticos por quase mil anos no Cristianismo. Por volta da virada do milênio a preocupação com o Anticristo retorna entre os estudantes das profecias junto com o interesse pela segunda vinda de Cristo. Inspirado pelo elemento do tempo nas profecias apocalípticas, principalmente por Apocalipse 20, que profetiza um período de mil anos antes do juízo final, Cristãos como Joaquim de Fiore e Eberhard II de Salzburgo olham mais atentamente para as profecias apocalípticas e identificam o anticristo não no futuro, mas no passado e presente (ver FROOM, 1982, v. 1, p. 706-709; 796-798; BOWEN, 1896, p. 305). Ao olharem para a interpretação majoritária Cristã antes de Agostinho, eles reconhecem a sequência histórica dos poderem em Daniel como Babilonia, Medo- Persia, Grécia, Roma, Anticristo e o fim. Com essa perspectiva em mente eles observam que o poder que saíra do império Romano fora o papado histórico que como sistema sucedeu Roma imperial num formato agora Cristão mas perseguindo Cristãos que não se conformavam com seu sistema (FROOM, 1982,v. 1, p. 796-804) 141 Essa era a interpretação dos dois pilares de identificação do Anticristo descritos acima como tempo e ação/natureza desse poder satânico. Esses dois pontos são novamente levantados na Contra-Reforma. É importante notar que nessa época o papado estava sendo fortemente criticado por bispos e imperadores por causa de sua corrupção (HUGHES, 1960, p. 185-189). A sociedade, oprimida pelo sistema feudal na política e na igreja, onde o dinheiro comprava não apenas um lugar na terra como no céu, também esperava por algo melhor (HUGHES, 1960, p. 161, 189, 227). Nesse contexto a Igreja não era mais vista como o Reino de Deus mas tal Reino divino era esperado num futuro breve onde Deus libertaria o mundo de tal opressão. Esse sentimento influencia João Wyclif, João Huss e os Reformadores. Reforma A influência dos estudos proféticos sobre o Anticristo transformou a Europa. Identificar a Igreja como o Anticristo desafiara todo o sistema de vida estabelecido por séculos no continente Católico. Como consequência dos estudo proféticos os Reformadores redescobrem a salvação pela graça somente pela fé em Cristo, sem intermediários humanos, e por consequente, que a Igreja Católica não era o Reino de Deus e sim o meio de engano do Anticristo (HILLERBRAND, 1996; HUSS; SPINKA, 1972; LUTHER, 1960). Isso significava que a Igreja de Deus era não mais associada com a instituição papal, como na visão de Agostinho, mas com aqueles que eram fiéis aos princípios Bíblicos. KERYGMA, ENGENHEIRO COELHO, SP, VOLUME 12, NÚMERO 1, P. 135-155, 1º SEMESTRE DE 2016 REVISTA KERYGMA O estudo da Bíblia e a interpretação individual das profecias substituem a visão corporativa do Reino de Deus estabelecida pela Igreja Católica. Isso porque, nas palavras de Huss e Spinka (1972), a profecia de Paulo em II Tessalonicenses 2 já predizia que o homem da iniquidade ou filho da perdição (v.3) não viria sem alguma forma de cisma dentro do Cristianismo (HUSS; SPINKA, 1972, p. 94) E se a Igreja Católica era o reino do Anticristo ao invés do Reino de Cristo então a salvação não poderia ser encontrada nem confinada aos ritos e ensinos da instituição (EVANS, 2002, p. 62) mas em Jesus pela fé. Ao identificar o Anticristo no presente estudo das profecias apocalípticas fizeram com que os Reformadores buscassem a segunda vinda de Cristo como o Reino prometido no futuro e não no presente corrompido da Igreja. Para os Taboritas por exemplo, seguidores de João Huss em Praga, somente a volta de Jesus traria o Reino de paz em resistência ao poder perseguidor do Anticristo (EVANS, 2002, p. 118). Tais acusações advindas da interpretação profética não passaram desapercebidas pela liderança da Igreja. Primeiramente a resposta da Igreja foi física. Seguindo seu costume e sendo coerente com seus ensinos, aqueles que se rebelassem contra a Igreja Católica estavam se rebelando contra Deus, visto ser ela o Reino divino. Assim, remover os rebeldes era visto como implementar a justiça divina e purificar o Reino de Deus. Mas isso não se limitava 142 apenas ao clero Católico, a intolerância era encontrada também entre os Reformadores visto que a identificação dos dissidentes era conectada pela profecia com o próprio Satanás. “Tem sido fácil ver heresia e cisma tendo significados cósmicos, como parte de uma conspiração Satânica contra Deus” (EVANS, 2002, p. 4). Mas o que mais nos interessa nesse estudo é a segunda resposta da Igreja, a reinterpretação das profecias apocalípticas. No concílio de Trento (1545-63) a Igreja condena a Reforma como heresia e desenvolve uma interpretação profética oposta à dos Reformadores. Enquanto para os Reformadores a profecia de Apocalipse 17 era clara ao identificar a mulher apóstata estabelecida na cidade das sete-colinas como representando Roma Papal vinda do Império Romano, para os contra-Reformadores a serviço da Igreja havia outras alternativas de interpretar tais textos, o preterismo e o futurismo. O futurismo, que identifica o Anticristo num longínquo futuro, foi estabelecido pelos jesuítas Franciso Ribera de Salamanca e Roberto Bellarmino de Roma. Para eles a Igreja continuará sendo o Reino de Deus e por isso não poderia ser o lugar do Anticristo. Ribera ensinou que o Anticristo era um indivíduo e não um sistema. Esse indivíduo negaria a Cristo e reconstruiria o templo em Jerusalém no futuro com o apoio dos Judeus por um período de mais ou menos 3 anos e meios literais (FROOM, 1982, v. 2, p. 489-493). Seguindo o mesmo fundamento de Ribera, Bellarmino ataca a natureza (1 -ação) e duração (2 - tempo) do Anticristo na interpretação Protestante visto que esses dois elementos são chaves na nas profecias do Anticristo, como detalhado acima. Para Bellarmino visto que o Anticristo é um (1a) indivíduo (1b) fora da Igreja CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO - UNASP Projeções e profecias — ibge e escatologia adventista Cristã, a duração(2) de seu reinado não pode ser de 1260 anos10 (ver SHEA, 1992) como interpretado pelos Reformadores (FROOM, 1982, v. 2, p. 498). O argumento principal deles é identificar o papado como um poder Cristão e de longa duração não podendo ser o anticristo profetizado no Apocalipse de acordo com seus parâmetros de interpretação do tempo nas profecias. Nesse mesmo parâmetro Agostiniano, Luis de Alcazar, outro jesuíta, interpreta as profecias do Anticristo se cumprindo no passado. “Aplicando a Nova Jerusalém a Igreja Católica, Alcazar contendeu que o Apocalipse descreve uma guerra dupla da igreja nos primeiros séculos — uma com a sinagoga Judaica, e a outra com o paganismo — resultando na vitória sobre ambos adversários” (FROOM, 1982, v. 2, p. 507 ). Assim, a Igreja Católica em seu ataque ideológico aponta para ambos os longínquos lados da história, no passado e no futuro, e associa o Anticristo com os Judeus fora ao invés do Cristianismo dentro como predito por II Tessalonicenses 2. Ao reinterpretarem os tempos (quando) preditos nas profecias do Anticristo a Contra- Reforma se perde na identificação do Anticristo (quem) e suas atividades (o que). Adventismo 143 A Contra-Reforma desvia o foco não apenas do Anticristo profético, mas das vindas de Jesus. As profecias apocalípticas revelam não somente o inimigo da humanidade, mas o Salvador dela. Em Daniel 9 Deus indica precisamente o ano da vinda do Messias com o período das 70 semanas. O elemento do tempo fora importantíssimo na interpretação profética cristã que identificara Jesus de Nazaré como o Messias predito. Assim também seria com a identificação do Anticristo. Assim como o Messias age por 3 anos e meio (ou metade de uma semana — ver Dn 9:27) morre e depois ressuscita, o mesmo ocorre com o Anticristo sendo que em escala maior. De acordo com a escatologia bíblica o anticristo agiria por 3 anos e meio ou 42 meses ou 1260 dias proféticos, isso quer dizer 1260 anos. Logo após ele receberia uma ferida de morte, mas voltaria a perseguir antes da volta de Jesus (ver Ap 13:3, 11-16; 17:8). Identificar esse primeiro período (quando) se torna chave na identificação de quem é o Anticristo e seus ensinos contra Cristo antes que ele surja novamente em perseguição no futuro. Vários intérpretes deram sua tentativa interpretação indicando o começo e o fim. Wyclif afirmou que os 1260 anos começara com Constantino até c.1600 (FROOM, 1982, v. 2, p. 57). Lutero mais tarde puxa o tempo mais para frente de 602/610 (reinado de 10 Os Reformadores tomaram o tempo descrito nas profecias como sendo símbolos, ou seja, dia proféticos representando ano literais. Para mais detalhes sobre o princípio dia-ano como meio de interpretação profética e como se aplica as profecias do Anticristo. KERYGMA, ENGENHEIRO COELHO, SP, VOLUME 12, NÚMERO 1, P. 135-155, 1º SEMESTRE DE 2016 REVISTA KERYGMA Focas — Imperador Romano) ao século XIX (FROOM, 1982, v. 2, p. 277). Mas quando nada significativo ocorreu no final dessas datas, outros intérpretes questionaram tais interpretações de tempo e consequentemente quem era o anticristo. Foi a partir da metade do século 18 que eventos significativos chamaram a atenção dos intérpretes. O primeiro deles foi o terremoto de Lisboa em 1755. Logo depois um grande período de escuridão em 1780, a revolução Francesa (1789 — 99) com a captura do papado e em seguida a “queda das estrelas” em 1833. Relacionando os tempos proféticos que marcam o poder do Anticristo com os sinais cósmicos antes da volta de Jesus nos Evangelhos (Mt 24, Mc 13 e Lc 21) vários cristãos na Europa e principalmente na Protestante América11(ver NOLL, 1992, p. 208-210; BREKUS, 2012) voltam a relacionar o Anticristo com o papado12(ver FROOM, 1982, v. 3; (COLLETTE, 1864; CURTIS, 1866; DOWLING, 1853; HISLOP, 1903; JONES, 1891; LEWIS, 1892; WYLIE, 1899; HUNT, 1994). Dos eventos acima destaca-se o aprisionamento do papa pelo general Berthier em 1798 como cumprimento dos 1260 dias/anos da profecia (MAXWELL, 1951, p. 65 — 69; TIMM, 2007, p. 219 — 231). Isso porque ao relacionarem precisamente o tempo da profecia com o evento a identificação do Anticristo como o sistema religioso papal 144 foi solidificado no adventismo protestante. Visto que o término dos 1260 anos de perseguição do anticristo é seguida do juízo final ou volta de Jesus essa confirmação reavivou a crença na breve vinda de Cristo com a pregação de William Miller que deu origem a um grande reavivamento profético protestante na América do Norte (FROOM, 1982, v. 4, p. 15 — 108, 429 — 454; KNIGHT, 1993) e fora o precursor da Igreja Adventista do Sétimo Dia. 11 É importante notar que a identificação do catolicismo como inimigo dos Cristãos (o anticristo) faz parte da identidade Protestante Norte Americano que deram origem aos Estados Unidos da América. Os colonizadores que vieram da Europa foram na maioria Protestantes que fugiam da perseguição religiosa Católica no velho continente. Isso criou uma inimizade histórica nos Estados Unidos entre Protestantes e Católicos. Para muitos Cristãos Norte- Americanos ser anticatólico é parte do que é ser Americano. 12 Tal interpretação não é apenas adventista, mas como já explicada ela possui origens Protestantes. Essa inimizade Protestante contra Católicos nesse período é notável na literatura. Tais autores interpretam as profecias do Anticristo e explicam como o mistério da iniquidade operou (a) através do Catolicismo Apostólico Romano. Das atividades e ensinos destacados por todos estão o batismo infantil, a adoração a santos, a infalibilidade papal, a confissão auricular e eucaristia como método de salvação e a relação igreja-estado perseguindo minorias religiosas. Apesar de tal interpretação está em baixa nos Estados Unidos há ainda protestantes não-Adventistas que mantêm tais ensinos. CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO - UNASP
Description: