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História da Igreja na América Latina e no Caribe PDF

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hoornaert, Eduardo, 1930- História do cristianismo na América Latina e no Caribe / Eduardo Hoornaert. — São Paulo : Paulus, 1994. Contém figuras, mapas, gráficos, bibliografias, índice de assuntos (temas), índice de nomes históricos, índice de autores, índice de vocábulos de línguas não-ocidentais. Bibliografia. ISBN 85-349-0035-3 1. Cristianismo - América Latina e Caribe - História I. Título. 93-0110 CDD-270.098 índices para catálogo sistemático: 1. América Latina e Caribe : Cristianismo : História 270.098 EDUARDO HOORNAERT HISTORIA DO CRISTIANISMO NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE Seminário Coneóriia N? Clcií <''¡cacao Oewey sí-* Are • 1 UBER ULI« 0019762632 PAULUS Iconografia Domingos Savio Carneiro Adélia Carvalho de Oliveira Margarida M. Dias Basso Mapas e gráficos Domingos Sávio Carneiro Capa ("O Grito") e contracapa ("Guadalupe") Domingos Sávio Carneiro Revisão Edson Gracindo Eduardo Hoornaert Seminário Concórdia Biblioteca Sist. risHâ 1025 Reg. _£QdMk££ãl Proc SL. Data ifo.-lO.Qft © PAULUS - 1994 Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (011)575-7403 Te. (011)572-2362 ISBN 85-349-0035-3 Seminário Concórdia Biblioteca Sist. Reg. Proc _ _ _ _ _ __ Data Para Tereza. "As pessoas desta região são por natureza inúteis." — Gonzalo Fernandez de Oviedo, História general y natural de las índias, 1527. "E bom que os latino-americanos conheçam a literatura que nasceu do descobrimento e da conquista. As crônicas não apenas rememoram esse tempo aventureiro; nelas já figuram os desafios e os problemas para os quais ainda não temos respostas." — Mário Vargas Llosa, escritor peruano. "Esta terra só vai para frente depois de devolvida aos índios." — Estudante de 12 anos. Palavras preliminares O livro que ora apresento ao público pode ser lido ou consultado a partir de duas perspectivas. Em primeiro lugar, é um "ensaio", defende uma tese. No início de cada capítulo, procurei enunciar com clareza diversos aspectos que a tese assume, para facilitar a discussão. Em segundo lugar, o livro versa, com certa amplitude, sobre temas direta ou indiretamente ligados à história do cristianismo na América Latina e no Caribe. Por isso tentei apresentar as grandes figuras que, digamos, "personificam" a discussão acerca do cristianismo neste continente, como Bernardino de Sahagún, Bartolomeu de las Casas, Manuel da Nóbrega, José de Acosta, Alonso de Sandoval, Antônio Vieira e outros. Seja-me permitido dizer algo, à maneira de preâmbulo, sobre ambos os aspectos do livro. 1, Acerca da tese Um dos primeiros protagonistas da história do cristianismo, o apóstolo Paulo, pregava o evangelho na grande cidade de Antioquia, entre artesãos e comerciantes, quando, a partir de sua experiência, nele amadureceu uma idéia muito clara: é preciso helenizar, ou seja, traduzir a mensagem cristã para a língua e a cultura desse povo que fala grego! Se o cristianismo continuar "fechado" em torno da tradiçãojudaica, corremos o risco de "perder o trem da história" e nunca conseguirmos difundir nossa mensagem no mundo das grandes cidades, com seus artesãos e comerciantes, cuja cultura é bem diferente da dos camponeses da Galileia! O momento pede soluções ousadas e urgentes, no sentido de repensar a mensagem de Jesus — dirigida originalmente a camponeses de cultura judaica — em função de pessoas de cultura grega. Se a cultura das pessoas é grega, então que lhes preguemos o evangelho em grego, tendo como referencial o pensamento grego!1 Grande intuição esta, que mudou os rumos do cristianismo. As "colunas" de Jerusalém, os apóstolos revestidos de autoridade para formar novas comunidades, sentiram a maior dificuldade em seguir os propósitos de Paulo. Sobretudo Pedro, não conseguiu captar bem do que se tratava, pois estava por demais encapsulado no fechado mundo judaico e não entendia bem onde desembocaria essa idéia de "helenização". Mas Paulo foi de extrema ousadia, apropriou-se até do nome "apóstolo" para levar adiante seu projeto com mais autoridade. Criou efetivamente o cristianismo grego, iniciou o movimento de helenização do cristianismo, ou seja, de inculturação da mensagem cristã; movimento que redundou em trabalho de séculos, como comprova a patrística. Grande foi a surpresa de Paulo ao ver que a idéia pegou em pouco tempo e que suas comunidades foram espalhando-se pelas cidades, entre artesão, pequenos comerciantes e demais pessoas de fala grega. A partir dessa intuição fundamental, que na realidade se fundamentava no próprio modo de pensar e agir de Jesus, o cristianismo foi tornando-se capaz de traduzir a mensagem original para as mais diversas culturas e acabou mestre na arte do diálogo. Caso admirável é o da Irlanda antes do século IX, quando os druidas, antigos sacerdotes entre os gauleses e bretões, uma vez convertidos, se tornaram eles próprios os primeiros tradutores da mensagem de Cristo para seu povo. Excepcional também o caso da Etiópia, onde a tradução do evangelho foi feita de forma tão feliz, que aí o cristianismo—o primeiro cristianismo negro da história — se perpetuou até hoje nas formas culturais originais. Através desses sempre renovados esforços de diálogo e tradução, o cristianis mo foi se revelando uma religião de fala branda e passos leves, de muita abertura e grande capacidade de repensar a mensagem judaico-cristã original dentro da cultura de gregos, germânicos, bretões e gauleses, etíopes e coptas, armênios e capadócios, bizantinos, eslavos e russos. Séculos felizes esses, em que essa religião era bálsamo para muitos povos, recebida como se recebe verdadeira "boa nova". Que contraste com nossa história! Não tivemos tal sorte. O cristianismo nos chegou com a conquista colonial, como todos sabemos. Até hoje sofremos dolorosa mente as conseqüências dessa aliança e ainda por muito tempo haveremos de suportar os resíduos dessa história infeliz. A tese deste livro é que só conseguire mos "virar essa página" da história, se redescobrirmos o passo leve, a fala mansa, o entu-siasmo contagiante de quem vem com "boa nova", não com doutrina pesada nem com moral de proibições; sobretudo, se conseguirmos nos livrar de um passado no qual a introdução do evangelho era, antes de tudo, assunto político. A cristia nização da América Latina e do Caribe sofreu de grave desequilíbrio: políticos em demasia, tradutores da mensagem pouquíssimos e, ainda assim, discriminados, esquecidos, despercebidos. A impressão que se tem, ao ler os documentos dessa história, é que durante esses quinhentos anos evangelizar equivaleu a fazer política e não a dialogar com as culturas, para mostrar o valor da nova mensagem. O continente foi cristianizado por políticos e não por evangelizadores propriamente ditos! O cristianismo europeu não soube dialogar com os valores culturais aqui existentes e continuou importando tudo, durante séculos: sacerdotes, religiosos e religiosas, métodos pastorais, o calendário e até a arquitetura de suas igrejas. Parecia que nada proveniente da América possuía valor. E hoje, após quinhentos anos, é realmente difícil descobrir esses valores, pois os anos e os séculos criaram vícios já enraizados de importação de tudo e desvalorização das coisas nativas. O esforço cultural que se nos exige é maior do que o de são Paulo. Afinal, ele viu logo o sucesso de seus trabalhos, pois abriu o diálogo com a cultura dominante na sociedade em que vivia, a cultura grega. Ademais, a Igreja estava pouco estruturada nesses tempos primordiais. A cultura grega era a da grande maioria dos intelectuais da época, como Filo de Alexandria e Plotino. Em conseqüência do caminho aberto por Paulo, o cristianismo passou a dialogar com as filosofias gregas que impregnavam a cultura do império romano, como o estoicismo e o neoplatonismo, e também adotou muito dessas filosofias. Homens como Clemente de Alexandria começaram a repensar o cristianismo todo a partir da grande erudição que possuíam, sempre nos termos da filosofia grega, como fizeram os Padres da Igreja do século IV. Daí poderosa corrente de elitização penetrou no cristianismo e o influencia até hoje. O pobre foi aos poucos caindo no esquecimento, perdendo seu lugar central no pensamento cristão. Com isso se perdeu um dos elementos fundamentais do cristianismo das origens. Nossa realidade nos conduz ao mundo dos pobres e marginalizados, pois estes constituem a grande evidência humana do nosso continente. Se é verdade que isso nos aproxima do evangelho, temos de reconhecer que, humanamente falando, é muito mais difícil latino-americanizar hoje do que helenizar no passado, pois os valores dos mundos desprestigiados dos indígenas e africanos sobrevivem hoje no meio do povo mestiço, entre beatos e penitentes, conselheiros populares e puxado- res-de-reza, curandeiros e devotos—para não falar dos pais-de-santo—, enquanto os intelectuais vivem longe de tudo isso. A atual "opção pelos pobres" professada em muitos ambientes de Igreja pode resultar na mais impressionante mudança de rumo do cristianismo desde a virada constantiniana do início do século IV. Só o futuro nos dirá se essa nova "virada" se concretizará. 2. Acerca dos temas Os temas que podem ser abordados em uma história do cristianismo na América Latina e no Caribe são os mais variados. Aqui nos limitaremos a alguns, para não alongar demasiado o texto. Comento em poucas palavras os principais problemas que enfrentei na elaboração do texto. Não é fácil encontrar os documentos. Importantes documentos ou não foram publicados ou são de difícil acesso. Os escritos do dominicano Diego Duran, dos anos 1576-1581, foram publicados apenas no século XIX. O manuscrito da Crônica de Guamán Poma de Ayala só foi descoberto em 1909, teve a primeira reprodução fac-similar em 1936 e só foi publicado com o devido aparato científico em 1980. O precioso Etíope resgatado, obra de sacerdote baiano datada de 1759, só se creditou em 1992. A própria literatura jesuítica do Brasil só foi editada até 1582, pelos cuidados do padre Serafim Leite. Quanto ao mais, apenas dispomos do cabeçalho das cartas. Em certos casos, parece até milagre que escritos importantes nos tenham chegado, como os preciosos trabalhos do frade franciscano Bernardino de Sahagún (1499-1590), um dos homens mais extraordinários de toda a história do cristianismo neste continente. Sobre a sorte desses escritos escreveu frei Mendieta, seu contemporâneo: "Esse pobre frade teve tão pouca sorte, a propósito de seus vários escritos, que seus onze livros lhe foram habilmente subtraídos por um governador do país, que os enviou à Espanha... e que certamente serão usados como papel de embrulho nas mercearias. Quanto aos seus trabalhos que ficaram entre nos |no Mexicol, só pode imprimir cânticos para serem usados pelos índios nos dias de festa de Nossa Senhora e de seus santos."2 Somente nos séculos XIX e XX é que se imprimiram os trabalhos de Sahagún. Poderíamos aumentar a lista. Outra questão é a análise das raízes dos erros cometidos pela instituição cristã nesses quinhentos anos. Além das conseqüências funestas da aliança da Igreja católica com o sistema colonial, existem outras complexidades que decorrem da própria configuração da Igreja católica. Para analisarmos bem 1492, precisa mos ir além da data e tentar destacar do penedo da história outras datas, como, por exemplo, 1215 (quarto concílio de Latrão), 1054 (ruptura entre Roma e Bizâncio e início da aliança entre Roma e Cluny), e inclusive a longínqua data de 325 (concílio de Nicéia). De nossa parte, estamos convencidos de que as datas de 1215, 1054 e 325 são no mínimo de igual importância para explicar onde nos encontramos hoje. Afinal, 1492 significou a revelação, em nível mundial, do que se vivia na Europa em termos de instituição cristã desde muitos séculos. Em si essa data não significou mudança no cristianismo, mas, sim, a expansão de um modelo de cristianismo já elaborado e testado junto às sociedades da França, da Itália, da Alemanha, da Inglaterra, da Espanha, etc, há séculos. Fica claro que uma abordagem desse tipo apela para se abrir leque mais amplo e se introduzirem temas não diretamente ligados à experiência americana. Temos de cavar mais e também abordar temas do cristianismo primitivo e até do passado bíblico, como já fizeram os cronistas indígenas e cristãos no Peru do século XVI (Santa Cruz Pachacuti, Guamán Poma, Garcilaso de la Vega).3 Quer nos parecer que a América Latina e o Caribe mereçam esse estudo mais profundo, assim como a população urbana do império romano mereceu as reformas que Paulo acabou provocando no cerne do cristianismo primitivo. Afinal, são centenas de milhões de pessoas, dois terços dos católicos do mundo inteiro, que ainda hoje são privadas de vivência cristã mais conforme com seu modo e ser gente e de viver como gente; para as quais o cristianismo ainda é roupagem estrangeirada; quando não completa mente desconhecido. Ao escrever este texto, vejo à minha frente o desenho que Guamán Poma traçou de um chasque do império inca (fig. 1). Os chasques eram mensageiros encarregados de levar o mais rápido as notícias de interesse público por todas as comunidades da vasta "diáspora" do império andino. A serviço deles foram construídas quatro grandes estradas que convergiam para Cuzco, capital do império, e passavam por todos os obstáculos de uma natureza montanhosa: rios e vales, montanhas e florestas. Algumas dessas estradas e pontes ainda existem. Os chasques podiam dispor dos tampus, pousadas para o pernoite e a alimentação, em que o serviço era gratuito quando se tratava de funcionário do império. Essa elite de corredores era treinada desde a infância e alimentada com milho tostado, pois deles dependia o bom funcionamento de todo o sistema incaico. Depois da chegada dos espanhóis — como podemos constatar pela fig. 1 —, os chasques já andavam com cruz e bandeira na cabeça, uma corneta, para avisar a comunidade aonde chegavam; lenço branco, para serem reconhecidos a distância, e um cachorro "de ajuda". A única arma do chasque era a vara da justiça, que indicava que qualquer ofensa contra ele era ofensa ao próprio Inca.

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