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Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan - Vol.2: A clínica da fantasia PDF

292 Pages·2010·2.28 MB·Portuguese
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Preview Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan - Vol.2: A clínica da fantasia

Transmissão da Psicanálise diretor: Marco Antonio Coutinho Jorge Marco Antonio Coutinho Jorge FUNDAMENTOS DA PSICANÁLISE DE FREUD A LACAN vol.2: A clínica da fantasia S UMÁRIO Introdução O real e a realidade PARTE I FANTASIA E PULSÃO SEXUAL 1. A pulsão sexual: primeira subversão freudiana 2. O ciclo da fantasia 3. Sintoma e fantasia 4. Os dois polos da fantasia 5. Do amor ao gozo: uma leitura de “Uma criança é espancada” PARTE II FANTASIA E PULSÃO DE MORTE 1. A pulsão de morte: segunda subversão freudiana 2. Amor e morte 3. Hamlet e o desejo 4. O saber de Édipo PARTE III DESPERTAR 1. Sonho, fantasia, delírio, ilusão 2. Despertar para o real 3. Arte e travessia da fantasia Notas Bibliografia As fantasias possuem realidade psíquica, em contraste com a realidade material, e gradualmente aprendemos a entender que, no mundo das neuroses, a realidade psíquica é a realidade decisiva. SIGMUND FREUD O valor da psicanálise está em operar sobre a fantasia. JACQUES LACAN I NTRODUÇÃO O real e a realidade Vai, vai, vai, disse o pássaro: o gênero humano Não pode suportar tanta realidade.1 T.S. ELIOT NESTE SEGUNDO VOLUME DE Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan retraço a importância do conceito de fantasia na psicanálise a partir dos principais momentos em que ele é tematizado na obra de Freud e no ensino de Lacan. Trata-se de um prosseguimento bastante encadeado com o primeiro volume, na medida em que a fantasia é aqui definida como a articulação entre pulsão e inconsciente, conceitos ali extensamente abordados. Alguns dos mais importantes avanços que obtive no estudo agora apresentado são os seguintes: em primeiro lugar, o isolamento de um segmento da obra de Freud nunca antes ressaltado que denomino de “ciclo da fantasia” e no qual situo um dos períodos mais férteis de suas reflexões. Tal período, conforme mostro, não só ressignifica etapas anteriores de sua descoberta como ordena de forma decisiva seus desenvolvimentos posteriores. Em segundo lugar, a elevação da fantasia ao patamar de um verdadeiro conceito fundamental da psicanálise, a partir do momento em que seu estatuto fundador é realçado e sua função de mediadora do encontro do sujeito com o real é indicado. Trata-se aqui de uma nova forma de articular a fantasia com a pulsão de morte, na qual se evidencia melhor a relação entre real e realidade, assim como a função de freio desempenhada pela fantasia em relação ao real do gozo destrutivo da pulsão de morte. O emparelhamento estrutural entre fantasia e delírio é proposto, nesse sentido, com o intuito de permitir estabelecer o papel que a primeira representa na neurose e o segundo, na psicose: ambos constituem esforços simbólicos e imaginários de apaziguamento das invasões bárbaras e inassimiláveis do real. Ambos são telas protetoras que possibilitam o contato – o laço social – com o outro, o semelhante e o mundo à nossa volta. Considerando os laços humanos como fantasísticos e delirantes, podemos nos voltar para o estudo da cultura humana munidos de um instrumental psicanalítico muito refinado. Isso é realizado aqui pontualmente, através da ênfase posta em exemplos que derivam das artes, da literatura, da vida cotidiana, além da clínica psicanalítica, mas abrindo vias e condições para futuras abordagens mais amplas. O papel desempenhado pelos grandes caminhos do homem – arte, ciência e religião – na cultura sempre foi alvo da reflexão freudiana. Nessa direção, introduzimos a ideia da localização na fantasia de dois polos distintos, que permitem retomar certas observações clínicas e favorecem a expansão de nossa compreensão analítica na direção da cultura e do laço social. As culturas podem ser consideradas como fundadas em laços fantasísticos privilegiados, e acreditamos poder postular que, se diferem entre si de forma tão acentuada, isso se deve às estruturas fantasísticas e delirantes que lhes são próprias. O estudo da fantasia em psicanálise passa, depois do ensino de Lacan, pela tematização da diferença entre real e realidade. Pois o conceito lacaniano de real é uma resposta teórica consistente que visa solucionar os problemas, se não os impasses, inerentes à noção de realidade onipresente na obra de Freud. Tal noção surge aí traduzida em inúmeros aspectos, como o princípio de realidade, o teste de realidade, as chamadas realidades psíquica e material. Essa oposição entre duas realidades diversas, uma interna e outra externa, constitui o fulcro principal aberto pela noção de fantasia na obra de Freud. Ela implica a existência de uma abertura na relação do sujeito com o mundo externo que vem a ser preenchida por representações singulares que se repetem insistentemente, de modo a lhe oferecer alguma homeostase psíquica. Tais representações constituem uma verdadeira matriz psíquica que funciona como uma espécie de filtro em relação ao mundo externo, do qual são retirados apenas os traços que com elas se coadunam. Desse modo, tal como o cérebro é o único órgão vital hermeticamente protegido e tornado inacessível pela calota craniana, o aparelho psíquico parece necessitar estar fechado sobre si mesmo e viver nutrido por um determinado número de representações que nele são armazenadas com a finalidade de protegê-lo do excesso de estímulos, não só externos como internos. O aparelho psíquico deve, assim, fazer face a duas ordens de excessos, externos e internos: os primeiros são constantes e muitas vezes traumáticos – representam uma elevada exigência de simbolização, isto é, de atividade psíquica para elaborar experiências que extrapolam a capacidade de assimilação de sua estrutura. Os internos são igualmente poderosos, uma vez que são constituídos pelos constantes pedidos de satisfação pulsional que se presentificam através de forças imperiosas ao longo da vida e das mudanças que esta propõe, sem cessar, ao sujeito. Para Lacan, a realidade é simbólico-imaginária, é uma construção eminentemente fantasística que, para cada sujeito, faz face ao real inominável. Mais essencialmente, a concepção lacaniana do real está ligada ao impossível em jogo na relação sexual, e a fantasia é, em suma, fantasia de relação sexual. Lacan define o real de diferentes modos, mas em todos eles o que importa é seu caráter evasivo ao sentido. Ele é puro não-sentido, ao passo que é precisamente o sentido que caracteriza o imaginário, e o duplo sentido o que caracteriza o simbólico. O real é “o que é estritamente impensável”,2 é o impossível de ser simbolizado; o real é, por excelência, o trauma, o que não é passível de ser assimilado pelo aparelho psíquico, o que não tem qualquer representação possível. Por isso, o real é também aquilo que retorna ao mesmo lugar, já que o simbólico não consegue deslocá-lo, e o ponto de não-senso que ele implica se repete insistentemente enquanto radical falta de sentido. Há assim, em Lacan, um remanejamento da divisão freudiana original entre realidade material (objetiva) e realidade psíquica (subjetiva), ressituando a primeira como eminentemente inapreensível, nomeando-a de real e distinguindo- a da segunda, constituída pela fantasia. Dito de outro modo, a oposição freudiana entre realidade externa e realidade interna é substituída, em Lacan, pela oposição entre real e fantasia. A fonte dessa distinção operada por Lacan encontra-se embrionariamente na obra freudiana. Na conferência introdutória “A dissecação da personalidade psíquica”, Freud já afirmara que a realidade é um território estrangeiro externo. E em seu texto tardio “Esboço de psicanálise”, no qual pretendeu resumir seu legado, dedicou uma seção inteira ao mundo externo e afirmou que a realidade permanecerá para sempre incognoscível. Ao introduzir a estrutura da fantasia, Freud funda uma dialética entre dois princípios: o de prazer e o de realidade. Na verdade, o segundo não é, para ele, um rival do primeiro. Ao contrário, é uma continuação, já que, visando preservar os objetivos daquele, não hesita em introduzir um limite na direção do adiamento de uma ação que busca certa satisfação. Se a ação é adiada é porque deve aguardar um bom momento para ser empreendida. Assim, o princípio de realidade preserva os desígnios do princípio de prazer e a ele se alia. O princípio de realidade está mais intimamente associado, no fundo, ao princípio de prazer do que ao mundo externo, o qual avalia com o intuito apenas de sondar sua receptividade ou até mesmo de escapar dele, por meio da ação da fantasia. O princípio de realidade não é senão um emissário do princípio de prazer, emissário que, se quiséssemos fazer uma parábola, seria tal como a escolta de uma personalidade importante, enviada na frente para abrir o caminho e avaliar se as condições do ambiente e do tráfego favorecem o nobre viajante. É evidente que a escolta não deixa a personalidade importante prosseguir, caso algum perigo se anuncie. Nesse caso, recomenda que um acampamento seja montado e que a personalidade importante tenha paciência e aguarde, pois não se deseja que sua integridade corra qualquer espécie de risco. A personalidade importante – que é a pulsão – recua diante de uma realidade externa hostil e, ao acampar em lugar seguro, conquista uma satisfação imaginária, fantasística. Mas como a realidade externa erige continuamente obstáculos às demandas de satisfação da pulsão, a fantasia acaba sendo igualmente uma atividade contínua que ocupa uma região considerável do aparelho psíquico. Na neurose, a fantasia produz uma ponte entre o acampamento e o mundo à frente dele, mas se a fantasia que vigora no acampamento tenta retificar o mundo, este corrige continuamente, numa via de mão dupla, a fantasia. Na psicose, o delírio também produz uma ponte entre o acampamento e o mundo, mas esse processo de recíproco balizamento está prejudicado, e aquilo que seria uma fantasia que reinventa o mundo sempre que este se revela insatisfatório torna-se um delírio ao qual só cabe reconstruí-lo inteiramente. O delírio é essa ponte que não cessa de se estender em direção a um mundo que foge radicalmente de sua apreensão simbólica, embora permita contatos imaginários. Pois o mundo humano é construído pela linguagem, e, caso esta não inclua nela mesma um limite – o significante Nome-do-Pai –, aquele fica sem ancoramento, sem a ponte simbólica que o homem está sempre atravessando, de um lado para o outro, para tocar o mundo aqui e ali e depois voltar ao seu refúgio prazeroso, feito de significantes singulares e idiossincráticos. Muitos amigos, colegas e pesquisadores participaram, direta e indiretamente, da escrita deste livro, trabalhando comigo em diferentes atividades de ensino psicanalítico. Em psicanálise, a fala, com frequência, precede a escrita, e assim, tendo encontrado ouvintes atentos antes mesmo de ter sido escrito, este livro teve inúmeros colaboradores. O trabalho de construção teórica em psicanálise jamais é feito isolado, e sim através das instâncias em que a palavra circula. Dessa forma a reflexão adquire condições de se abrir para caminhos novos e diferentes formas de dizer que retransmitem o saber atravessando-o, necessariamente, pelo não saber inerente à prática clínica. Em seu trabalho e em suas indagações, o psicanalista está advertido, como T.S. Eliot, de que “The only wisdom we can hope to acquire/ is the wisdom of humility: humility is endless”.1 Como dizia Lacan, o psicanalista sério não se reconhece pelo rosto sisudo e pela postura fechada, mas pelo fato de que faz série, isto é, insiste com seu desejo numa determinada direção, retirando dele sua única garantia subjetiva. Sou especialmente agradecido aos membros das Seções e Núcleos do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise, que, em vários lugares do Brasil, propiciam o ensino e a transmissão da psicanálise apostando na vertente na qual tenho insistido: o estudo de Freud com Lacan. As trocas efetuadas no Brasil e em outros países no âmbito da Convergência – Movimento Lacaniano para a Psicanálise Freudiana foram bastante frutíferas e marcaram singularmente diversos momentos deste meu percurso na clínica da fantasia.

Description:
Isolando de modo inédito um período fértil na obra de Freud, Marco Antonio Coutinho Jorge mostra a importância do conceito da fantasia na psicanálise. Para isso, analisa filmes, contos, poesias, pinturas, músicas e peças de teatro – produções artísticas onde a fantasia humana mais se reve
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